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A arte de esculpir com restos

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Antonio de Menezes cria escultura para conscientizar sobre o câncer de mama

Obra "Toque Feminino" destaca a universalidade feminina (Foto: David Arioch

Obra “Toque Feminino” destaca a universalidade da mulher (Foto: David Arioch

Já tem alguns anos que o artista plástico Antonio de Menezes Barbosa, de Paranavaí, no Noroeste Paranaense, descobriu em galhos caídos e restos de madeira uma forma bem peculiar de fazer arte. Desde então, concebeu dezenas de peças que instigam reflexões e transmitem as mais diversas mensagens – algumas bem simples e objetivas, outras mais reflexivas e subjetivas.

As obras do artista já foram vistas e elogiadas em cidades do Paraná e da Itália. Motivado pela repercussão do trabalho, Barbosa ampliou o acervo. Dentre as peças mais novas está a escultura “Toque Feminino”, criada à base de raiz de guaritá, sibipiruna e jabuticaba. “Os restos de guaritá me deram em Mirador [também no Noroeste do Paraná]. O seio da personagem fiz com raiz de angico”, diz.

Antonio de Menezes: "Quis retratar a preocupação feminina na hora do toque. É um momento de sensibilidade."

Antonio de Menezes: “Quis retratar a preocupação feminina na hora do toque. É um momento de sensibilidade.” (Foto: David Arioch)

A iniciativa de criar a escultura sem rosto transmite a ideia da universalidade feminina, já que independente da aparência, das características físicas, todas as mulheres precisam se cuidar para evitar o câncer de mama. “Quis retratar a preocupação feminina na hora do toque. É um momento de sensibilidade”, conta Antonio de Menezes que fez o acabamento dos cotovelos e mãos da personagem com cola e pó de serra, ressignificando o caráter físico de unidade.

A peça, que sob formas rústicas evidencia a força em um momento de fragilidade, levou um mês para ficar pronta. “Foi feita aos poucos. Poderia ter concluído em uma semana, mas optei por uma criação com intervalos”, admite. O artista aproveitou a inspiração para conceber com raiz de angico branco a escultura isolada de um seio gotejando vermelho, branco, verde, preto e marrom, numa simbologia pluri-semântica de amor, força, alimento, carinho, aconchego e luto, além de outros sentimentos e emoções que ficam a critério do espectador.

Artista plástico trabalha com matérias-primas que muitos consideram "restolhos".

Escultor trabalha com matérias-primas que muitos consideram “restolhos”. (Foto: David Arioch)

“É uma representação modesta e fragmentada da mulher como heroína e sobrevivente. Trata-se do legado feminino ao longo da existência”, explica Barbosa que se pautou no tema com a intenção de despertar a conscientização. Falando sobre sentidos, uma peça que chama atenção é a inominada orelha híbrida de castanha-do-pará, jabuticaba e sibipiruna, criada num misto de homem e gado da raça gir. “É só olhar para baixo que você vê ainda um pé humano e um pé de dinossauro”, sugere sorrindo e apontando para a base. A obra explora a relação do homem com o animal em uma caminhada de amor e ódio com direito a se observar, se ajudar e se devorar.

As criações não param por aí. Mesmo quem visita o artista plástico regularmente se surpreende com a sua facilidade em criar esculturas a partir de sobras, matérias-primas consideradas “restolhos”. Não é à toa que o atelier ficou pequeno em meio a diversidade de dezenas de peças. “Quando se trata de criar algo, não sigo nada. Simplesmente sento e faço”, confidencia em referência a motivação espontânea para produzir.

Sem se preocupar com a reação do público, Barbosa encara as próprias obras como extensões materiais de sua concepção e interpretação de mundo, além de sonhos, visões e reminiscências. Em momento de nostalgia, lembra que se apaixonou por objetos voadores aos cinco anos, quando viu pela primeira vez um garoto soltando pipa em meio a uma ventania. Isso justifica porque criou tantas réplicas de aviões e helicópteros em miniaturas e até em tamanhos reais.

Barbosa se apaixonou por objetos voadores aos cinco anos (Foto: David Arioch)

A paixão por objetos voadores surgiu aos cinco anos (Foto: David Arioch)

Exibe com orgulho algumas peças que remetem aos brinquedos de madeira de antigamente. Sobre uma pequena mesa, faz questão de desempoeirar e alinhar cuidadosamente um 14-Bis. Não quer que o avião feito de sobras de peroba, coco da bahia, macaúba, guaiçara, amarelinho e cumaru saia mal na foto. O mesmo vale para o biplanador e helicópteros confeccionados com coco, garapa, pau-brasil, peroba, bambu, coquinho e raio de motocicleta.

No dia 16 de outubro, quarta-feira, o artista inaugura uma nova exposição em Inajá [a 66 quilômetros de Paranavaí]. “Gostaria que as pessoas reconhecessem nas artes plásticas um aliado para despertar as habilidades dos jovens para as áreas profissionais. Por meio de uma simples peça, um estudante pode demonstrar dom para algum ramo da engenharia, por exemplo”, comenta.

Persil: brasilidade em evidência

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Premiado artista plástico destaca a importância de se valorizar a cultura brasileira 

Gabirus: identidade folclórica com ênfase na realidade. (Crédito: David Arioch)

Gabirus: identidade folclórica com ênfase na realidade urbana. (Foto: David Arioch)

O paranavaiense Roberto Persil se interessou pelas artes plásticas ainda na juventude. De lá para cá, são mais de 40 anos de carreira, sintetizados em pelo menos 1,5 mil obras, entre pinturas e esculturas que retratam a brasilidade. O reconhecimento de tal longevidade são as inestimáveis premiações e participações em salões de artes do Paraná, São Paulo e Mato Grosso.

 

Apaixonado pela cultura nativa brasileira e regionalista, Persil trabalha com elementos que resgatam lendas de um Brasil ainda desconhecido pela maioria. Exemplo é uma série de esculturas que vai muito além da acadêmica releitura contemporânea. “Recriei os Gabirus. São seres que moram embaixo de pontes e se situam entre o homem e o animal. Representam as pessoas que perderam o vínculo com a sociedade e com a família”, revela.

Outra característica dos Gabirus é que, assim como os mendigos, eles também vagam pelas ruas recolhendo coisas do lixo para comer. Além disso, criam relações afetivas com animais, principalmente gatos, cães e ratos – seres que consideram pertencentes a um mesmo plano existencial.

O artista plástico também se dedica a fazer releituras mais sofisticadas da realidade. Em uma de suas obras, a profundidade expressionista entre a fusão de colagem e pintura lhe rendeu um prêmio em um salão de artes. Conceituado pelo aporte inovador, gosta de mesclar materiais e elementos das mais diversas correntes artísticas. Algo perceptível no atelier que criou em casa, onde reúne centenas de obras.

O amor pela atividade é tão grande que Persil também montou um atelier em Cuiabá, no Mato Grosso, para onde viaja quando tem tempo. Sobre o motivo da escolha, justifica que é uma região com fortes elementos da cultura primitiva brasileira. “Vou pra lá todo mês de julho e aproveito pra absorver isso.Transfiro todo o conhecimento adquirido para as minhas esculturas e quadros”, frisa.

Quando tem pouco tempo disponível, o artista opta por concepções artísticas mais objetivas, em que o uso de tintas acrílicas é mais comum, pelo fato do processo de secagem ser mais acelerado. “Lecionei língua portuguesa por 30 anos, então adquiri esse costume de me dedicar a artes mais sofisticadas apenas quando tenho bastante tempo livre”, declara.

Roberto Persil com uma de suas telas: a interpretação depende da bagagem cultural do apreciador (Crédito: David Arioch).

Persil: “A interpretação depende da bagagem cultural do apreciador “(Foto: David Arioch)

Eis que surge um artista

Na infância, Persil tinha dificuldades para escrever, então seus pais o encaminharam a um artista local que dava aulas de caligrafia. Superado o problema e passado alguns anos, Persil se sentiu atraído pelos desenhos. “Tinha 12 anos e fiquei maravilhado com a beleza dos desenhos coloridos, do simples lápis-de-cor e da anatomia humana”, lembra.

Apesar de ter convivido durante décadas com a falta de tempo, o artista plástico já ultrapassou a marca de 1,5 mil obras. “Uma vez, para participar de um salão de artes, fiz 400 desenhos em dois meses. Isso foi em outubro e novembro de 1989”, conta.

Mesmo com um currículo artístico extenso, o prolífico Roberto Persil garante que as premiações recebidas no Paraná, São Paulo e Mato Grosso são sempre simbólicas. “Às vezes, somos premiados com R$ 500 e os custos com a peça é de R$ 800. Então é mais para somar à carreira”, garante. Persil faz parte do grupo de artistas brasileiros que sempre trabalharam para investir em arte. “O que não é fácil, pois exige dedicação”, assegura.

Aos 15, começou a usar crayon, determinante para se tornar frequentador do Empório Artístico Michelangelo, localizado na Líbero Badaró, em São Paulo. “Ia pra lá só pra comprar lápis francês e outros materiais”, destaca em tom bem-humorado. Mesmo muito jovem, os desenhos do artista já representavam mais que formas e cores; era o reflexo de um dom que partia do coração e se conduzia até os dedos das mãos. “Resolvi ir para São Paulo e Rio de Janeiro, o sonho de todo menino. Só que como vivíamos a Ditadura Militar era complicado. Sem emprego fixo, um garotinho era visto como suspeito”, revela.

Depois de dois anos vivendo entre São Paulo e Rio de Janeiro, produzindo arte final para listas telefônicas, Roberto Persil não conseguiu alcançar o sonho, mas descobriu nas capitais um novo fazer artístico. “Em 1973, me encantei pelas esculturas em madeira. Naquele tempo, trabalhos que valorizavam a cultura brasileira, principalmente nordestina, estavam no auge”, reitera. Mesmo não lucrando muito nas capitais, o artista trouxe consigo uma bagagem cultura que, segundo ele, não tem preço.

“Troquei a arte pela sobrevivência”

Em 1976, Roberto Persil começou a trabalhar com esculturas em madeira. Logo foi obrigado a render-se a uma indústria cultural em que a  originalidade artística perdia espaço para a injusta e desleal dinâmica das produções em série. “Como não tinha terminado a faculdade ainda, troquei a arte pela sobrevivência. Fazia tudo em um atelier no fundo de casa”, salienta.

No ano seguinte, retomou a carreira artística e conquistou estabilidade financeira se tornando professor de português. Em 1980, o artista ganhou seus primeiros prêmios. “Lembro bem da primeira vez. Foi no 2º Salão de Artes Plásticas para Novos, em Cascavel [no Oeste Paranaense]. Acho que deveriam investir mais nesses salões porque ajuda os artistas que estão em processo de maturação”, recomenda.

De acordo com Persil, é lamentável que os curadores de eventos artísticos não visitem ateliers de artistas principiantes. “São esses que precisam de ajuda, não os renomados. Nenhum órgão vinculado à cultura brasileira dá valor a quem está começando”, desabafa. Uma ótima contribuição seria a Secretaria de Cultura do Estado ou o Ministério da Cultura, por exemplo, ajudarem jovens artistas a criarem seus primeiros catálogos.

Contra o estrangeirismo

Produzir peças que resgatem a cultura nativa brasileira significa ofertar elementos históricos ainda desconhecidos pela população. Com esse pensamento, Roberto Persil faz um apelo para que os novos pintores e escultores brasileiros acreditem em si mesmo e no local em que vivem.

“Um artista não deve se vincular a estrangeirismo nenhum se quer reconhecimento genuíno. Devemos parar de importar ideias. Temos doze horas de luz, e essa luminosidade já pode ser explorada como fruto da nossa cultura”, enfatiza.

Saiba mais

Roberto Persil produzia 15 esculturas por semana na época em que contava com ajuda de um auxiliar.

Em média, o artista plástico pinta uma tela por semana.

Frase de destaque

“Nunca saberei dizer quantos desenhos já fiz, porque toda arte que produzo nasce de um desenho.”