David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Ruínas carregam mais de 400 anos de história

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Viagem a um período de guerra entre espanhóis, índios e bandeirantes

Barragem onde Lino encontrou restos de uma tumba indígena (Crédito: Prefeitura de Jardim Olinda)

Barragem onde Lino encontrou restos de uma tumba indígena (Crédito: Prefeitura de Jardim Olinda)

Após 400 anos, redução jesuítica localizada no extremo Norte do Paraná, à beira do Rio Paranapanema, é preservada por uma família de agricultores. No local, é surpreendente a quantidade de elementos que remetem à catequização espanhola e ao confronto entre índios e bandeirantes.

No Noroeste do Paraná é raro encontrar alguém que tenha ouvido falar das Ruínas Nossa Senhora do Loreto, fundada no século XVII pelos jesuítas espanhóis. O patrimônio situado em Itaguajé é desconhecido até mesmo pelos moradores.

As ruínas, que fazem parte da propriedade do agricultor Lino Clemente Silva, eram o principal ponto de apoio dos espanhóis. Lá, o privilégio geográfico permitia que avistassem de longe a incursão dos bandeirantes paulistas, defensores da coroa portuguesa. Muitas das estratégias da Província de Guaíra eram articuladas do local onde atualmente está a residência de Lino Clemente.

Quando a família do agricultor adquiriu a propriedade, não havia qualquer registro de que a área compreendia um dos mais ricos sítios arqueológicos do Paraná. “Em 1950, meu pai estava preparando o solo para o plantio e, de repente, viu algumas peças de cerâmica. Eram telhas e utensílios domésticos”, conta Silva.

Peças também são encontradas embaixo da ponte que separa Jardim Olinda, no Paraná, de Teodoro Sampaio, em São Paulo (Crédito: Prefeitura de Jardim Olinda)

Peças também são encontradas embaixo da ponte que separa Jardim Olinda, no Paraná, de Teodoro Sampaio, em São Paulo (Crédito: Prefeitura de Jardim Olinda)

Depois do primeiro contato com os objetos que pertenceram aos nativos da região, os pais do agricultor, estimulados pela curiosidade, decidiram vasculhar a área. Descobriram que em um perímetro de 60 metros quadrados do sítio de 40 alqueires, havia toneladas de materiais do período colonial.  “Para ser sincero, a gente nem precisava procurar. Quando chovia, muitas coisas apareciam na superfície, por cima do solo mesmo”, afirma Lino Clemente.

Para provar o que diz, Silva caminha aproximadamente 30 metros da casa onde vive e esfrega a sola da botina contra o chão forrado por folhas. Em menos de trinta segundos, sorri e aponta uma cerâmica de tonalidade enegrecida. O objeto remete claramente ao pedaço de uma panela feita, de modo artesanal, pelos índios caiuás.

Entre as peças que o agricultor guarda no interior de casa como herança cultural, há muitas cerâmicas com inscrições randômicas e numéricas, representações pictóricas do cotidiano e também de animais, pequenas panelas (forjadas em fogo, tornando o barro resistente o suficiente para existir durante séculos), pratos e copos. De acordo com Lino Silva, são poucas as peças que ainda estão intactas. A justificativa é histórica. Após os padres catequizarem os caiuás, foi deflagrada uma guerra envolvendo posseiros espanhóis, indígenas e bandeirantes.

Redução é marcada por confronto entre indígenas e invasores (Imagem: Reprodução)

Redução é marcada por confronto entre indígenas e invasores (Arte: José Miranda)

Os índios que insistiram em continuar no local foram mortos ou escravizados pelos paulistas; estes portavam armas de fogo. Contudo, dezenas de milhares de caiuás batizados foram salvos pelos jesuítas, convencidos a abandonar a missão e descer as corredeiras do Rio Paranapanema.

Resultados da devastação são percebidos também em uma região distante da residência de Lino Clemente Silva. “Encontrei cacos de tumba no eixo da barragem da Usina Taquaruçu. Também já achei algumas peças embaixo da ponte, na divisa com São Paulo”, completa.

Valor histórico das peças ainda é desconhecido

A primeira pesquisa de campo nas Ruínas Nossa Senhora do Loreto foi realizada por arqueólogos de Curitiba em 1978. À época, houve resistência por parte da família do agricultor Lino Clemente Silva. “Ficamos com medo que as pessoas roubassem essas peças. Mas se alguém quiser vir aqui para estudar, não tem problema algum. Ajudamos no que for possível”, assegura.

Até hoje, o valor histórico e material das peças encontradas no sítio arqueológico é desconhecido, mesmo com a passagem de muitos pesquisadores do Paraná e de São Paulo ao longo de 30 anos. Outro problema é o fato da propriedade ainda ser um sítio particular, já que não houve tombamento. Assim todas as visitas feitas às ruínas não são fiscalizadas ou registradas.

Segundo o Chefe de Gabinete da prefeitura de Jardim Olinda, Juraci Paes, é possível que visitantes e pesquisadores tenham levado uma grande quantidade de peças.  “Outra curiosidade é que até hoje nenhum desses estudiosos escreveu qualquer coisa sobre as ruínas”, reclama.

Patrimônio continua na clandestinidade 

Para Juraci Paes, algo tem de ser feito para assegurar a preservação das Ruínas Nossa Senhora do Loreto, localizada em Itaguajé, município vizinho de Jardim Olinda. “Até hoje, nenhuma peça foi catalogada. Um descaso que já ultrapassa 50 anos”, lamenta. Segundo Paes, a prefeitura de Jardim Olinda em parceria com a prefeitura de Itaguajé reivindicou, junto ao governo do estado, a viabilização de um museu naquela área.  “Fizemos um projeto e encaminhamos, mas até hoje não foi atendido”, frisa.

Preocupado com a importância cultural dos primeiros habitantes da região, Juraci Paes informa conhecer poucas pessoas que sabem da existência das ruínas. “Aqui em Jardim Olinda, você pode sair na rua e perguntar. A maioria vai responder que não sabe do que se trata. Quem conhece é porque se interessa e busca informação”, assinala. A coordenadoria do Patrimônio Cultural do Paraná já esteve na redução, mas, segundo o chefe de gabinete, apenas recolheram materiais do local e foram embora.

Saiba Mais

Teodoro Sampaio foi o primeiro historiador a fazer citações sobre os índios caiuás

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14 Responses to 'Ruínas carregam mais de 400 anos de história'

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  1. Uma fascinante história acontecida do nosso lado, em nossa Região que pouquíssimas pessoas conhecem. Vamos ver se com essa publicação alguém toma uma providência. Bom registro.

    Amauri Martineli

    26 Feb 09 at 7:04 pm

  2. Estive visitando as runias de Nossa Senhora do Loreto, juntamente com dois professores de História do Municpio de Itaguagé e o Pároco local. Achei interessantissimo a História dessa redução ingigena, Seria interessante alguém desenvolver uma pesquisa mais aprofundada sobre a história dos jesuitas e do povos indigenas que habitaram essa redução. Fica aqui a minha sugestão para algum historiador que queira escrever uma monografia ou uma tese sobre tal tema.

    Luiz A. Burim

    2 Apr 10 at 2:03 pm

  3. Sou um amante da história, sobretudo do Paraná. Estou no momento estudando a história da Vila Rica do Espírito Santo no municipio de Fênix, cidade espanhola fundada no final do século XVI, pouco antes de N. Sra. de Loreto. Tão logo termine – ainda este ano – estou disposto a um trabalho de estudo das Ruínas de N. Sra. de Loreto. Além do conhecimento que tenho de algumas coisas, também tenho alguns documentos. Já morei em Itaguajé, já estive próximo, mas como não sou arqueólogo, não me atrevi a entrar no local em respeito. Vamos nos unir. Em Apucarana na residência Episcopal, está uma imagem que veio de Loreto, trazida por Dom Luís Vincenzo Bernetti OAD, à época Bispo Diocesano, aguardando a construção de uma Capela em memória à Redução.
    Em mapas antigos do Estado do Paraná, o local consta como parque estadual, bem como a redução de Santo Inácio, mas parece que na prática emnenhum dos dois lugares nada isso não ocorreu.

    José Roberto Rezende

    27 Apr 10 at 6:54 am

  4. Eu sou de Itaguajé, cheguei em Itaguajé em 1978, fico admirado pela história…A nossa população de Itaguajé juntamente com o Prefeito e demais autoridades, deveriam levar ao conhecimento de todos, pois muitos moradores daqui não sabem de nada, temos um lugar que deveriam ser divulgado para vir muitos turistas conhecer, mas não há divulgação e fica despercebido…Itaguajé, ainda sonho em ter uma pessoa que dê valor nessas ruinas, pois é um patrimônio nosso…
    “Claudomiro Ramos”

    CLAUDOMIRO RAMOS

    25 Jul 10 at 6:29 pm

  5. Caro David, gostaria de saber quais são os créditos da imagem de José de Miranda que retrata um confronto entre jesuítas e bandeirantes. Gostaria de usa-la em um trabalho que desenvolvo no âmbito do curso de História da Universidade de São Paulo. Abraços e aguardo um retorno.

    Pietro

    4 Aug 10 at 10:56 pm

  6. Fico triste de pensar que tanta riqueza de informações foram perdidas devido à ignorancia ou falta de interesse das autoridades. Como um povo poderá ser respeitado se conhece a si mesmo e à sua história? Os nossos irmãos paraguaios aprendem essa história em um ou dois anos muito mais do que nós aprendemos do ensino fundamental ao ensino médio. Como deixar de reconhecer a ação de alguns dos verdadeiros heróis como o Padre Montoya e os outros jesuítas? Não seria a hora de parar de buscar enredos fictícios para a teledramaturgia brasileira para valorizar feitos como como por exemplo a histórica retirada dos índios caiuás para as missões do Rio Grande do Sul? Conheço essa região e concordo com o Valdomiro Ramos e penso que devem ser criados suportes para explorar turisticamente esses locais missioneiros.

    José Luis Orlandeli

    7 Aug 10 at 1:57 am

  7. Fico triste de pensar que tanta riqueza de informações foram perdidas devido à ignorancia ou falta de interesse das autoridades. Como um povo poderá ser respeitado se DESCONHECE a si mesmo e à sua história? Os nossos irmãos paraguaios aprendem essa história em um ou dois anos muito mais do que nós aprendemos do ensino fundamental ao ensino médio. Como deixar de reconhecer a ação de alguns dos verdadeiros heróis como o Padre Montoya e os outros jesuítas? Não seria a hora de parar de buscar enredos fictícios para a teledramaturgia brasileira para valorizar feitos como como por exemplo a histórica retirada dos índios caiuás para as missões do Rio Grande do Sul? Conheço essa região e concordo com o Valdomiro Ramos e penso que devem ser criados suportes para explorar turisticamente esses locais missioneiros.

    José Luis Orlandeli

    7 Aug 10 at 1:59 am

  8. Onde está escrito “Como um povo poderá ser respeitado se conhece a si mesmo e à sua história?” LÊ-SE “Como um povo poderá ser respeitado SEM conheceR a si mesmo e à sua história?”

    José Luis Orlandeli

    23 Mar 11 at 11:24 pm

  9. Moro proximo a Jardim Olinda. Gostaria de conhecer a localidade.
    Quem topar tentar uma visita à cidade, entre em contato!

    marcio anziliero

    15 Dec 11 at 6:25 pm

  10. É uma pena que algo tão importante e que oferece tanta cultura e conhecimento seja esquecido assim!!!!!ou melhor “nem seja lembrado”….
    Gente !!!!valorizemos o que é nosso!!!!!
    Por favor…
    Se não sabemos e nem exploramos o que temos….pra que ter !?!?!?

    Arlene Meiry de Sousa

    19 Jan 12 at 2:11 pm

  11. Nasci e me criei em Itaguajé, hoje morando em Joinville SC. Conheço as ruínas e é triste ver o abandono de um local com uma importância histórica tão grandiosa. Tenho muito material sobre as Ruínas de Nossa Senhora de Loreto. Inclusive tem uma tese de mestrado publicado no MS sobre os índios que viviam no local muito interessante para pesquisa. Pretendo ainda escrever sobre o assunto e inclusive corroborar com a tese do livro do Professor Benedito Borges de Itaguajé, reivindicando para o local o título de primeiro povoado do Estado do Paraná. Apenas uma correção no texto acima, as ruínas ficam no Município de Itaguajé, entre a foz do Rio Pirapó e a Usina Hidrelétrica de Taquarussu e não entre os Município de Jardim Olinda e Itaguajé. Quem se interessar em trocar informações, meu e-mail é: ita-mauro@hotmail.com.

    Mauro Augusto da Silva

    2 Mar 14 at 12:17 pm

  12. Bom dia, Mauro. Obrigado pela contribuição. Coloquei daquela forma porque foi a informação que à época me passaram na Prefeitura de Jardim Olinda.

    David Arioch

    2 Mar 14 at 3:56 pm

  13. Existe ou existia nos anos 60, uma lombada (semelhante a uma curva de nível) que se iniciava nas águas do rio paranapanema, poucos metros abaixo de onde está a barragem e se estendia até o rio pirapó, conservada em razão solo vermelho. Pode ser que foi destruida por maquinas agrícolas. Morei em um sitio vizinho a reserva , local das ruinas e cuja reserva era propriedade do estado na época. A info que tive na época é que tal lombada era uma trincheira ou um fosso para conter animais, pois suas extremidades terminavam na água.

    darci

    30 Jan 16 at 6:07 pm

  14. Darci, interessante a sua observação. Muito obrigado!

    David Arioch

    30 Jan 16 at 6:53 pm

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