David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for March, 2009

Vivendo a viola

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Há 17 anos, Jeferson Cley Bovarotti cultiva o talento de conceber violas de modo artesanal

Luthier lixa uma viola caipira (Foto: David Arioch)

Luthier lixa uma viola caipira (Foto: David Arioch)

Na adolescência, o primeiro contato de Jeferson Cley Bovarotti com a viola foi tão profundo que decidiu reproduzi-la. Desde então, se passaram 17 anos de produção, e hoje a arte de conceber o instrumento artesanalmente sintetiza o cotidiano do luthier de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. O trabalho de Bovarotti atrai clientes de várias regiões do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul.

Jeferson Cley é autodidata, mas não foi da noite para o dia que adquiriu conhecimento o suficiente para reproduzir violas. “Levei oito anos para me orgulhar dos instrumentos que faço. Eu dificilmente ficava satisfeito, sempre queria melhorar algum detalhe”, frisa Bovarotti. O perfeccionismo refere-se ao fato da viola ter muitos segredos que incluem o preparo da madeira, escolha da espessura e as medidas da escala. “O jeito é se aperfeiçoar sempre”, pondera.

Cautela é sempre imprescindível no momento de conceber um instrumento. A criatividade não pode se transformar em excesso de ousadia, já que a maior parte dos violeiros considera a tradicional viola caipira como a única verdadeira. “É preciso tomar cuidado principalmente na hora de escolher a madeira. Tem de conhecer o processo de envelhecimento da matéria-prima”, alerta o artista que criou o primeiro instrumento aos 17 anos, quando reproduziu a viola ganhada do pai Raulnilde Bovarotti.

Dentre as melhores madeiras para a produção de uma viola, o luthier que também é violeiro destaca o pinho sueco, jacarandá indiano, maple e ébano. “Para quem quer gastar um pouco menos, mas levar um produto de boa qualidade, tenho amapá e o cedro-rosa. As melhores do Brasil”, assinala. Uma viola com matéria-prima brasileira custa em torno de R$ 1,5 mil. Se o cliente preferir madeira importada, o preço final é de R$ 3 mil. “Também posso pré-cozinhar e fazer um tempero com duas madeiras”, informa Jeferson Cley. Todos os produtos da Di Cley Luthieria, de Bovarotti, são criados sob encomenda. Cada instrumento leva de 30 a 45 dias para ficar pronto.

Di Cley é marca conhecida e respeitada no Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul (Crédito: David Arioch)

Di Cley é marca conhecida e respeitada no Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul Luthier lixa uma viola caipira (Foto: David Arioch)

O esmero do luthier para conceber uma viola se assemelha ao cuidado e requinte de detalhes com os quais um pintor se entrega a própria obra, tornando-a única. “Nunca fiz uma parecida com a outra”, garante.

Por tal peculiaridade, e amor incondicional pela viola, o trabalho do luthier é reconhecido pelos clientes, inclusive a boa fama da fábrica atrai violeiros de várias regiões do Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. “Geralmente quem se interessa mais é profissional. Já vendi instrumentos para várias duplas de moda de viola, além do famoso sertanejo Daniel e do vice-governador Orlando Pessuti”, conta Bovarotti.

Jeferson Cley revela que vender bem é importante, mas não supera o reconhecimento do trabalho. “Para quem vive a viola, a maior recompensa é ver alguém tocando seu instrumento”, comenta.

Luthier fabrica as próprias máquinas

Quando um violeiro pede que um luthier fabrique um instrumento, as variações mais comuns referem-se às escalas. “Uma escala maior é para afinação mais baixa, para tocar o estilo de Tião Carreiro e Pardinho. Só que tem gente que prefere menor ou normal. Depende muito da mão da pessoa”, explica o luthier Jeferson Cley Bovarotti. A escala padrão de uma viola é de 580 milímetros.

Jeferson Bovarotti testa o instrumento já pronto Luthier lixa uma viola caipira (Foto: David Arioch)

Jeferson Bovarotti testa o instrumento já pronto Luthier lixa uma viola caipira (Foto: David Arioch)

Bovarotti é proprietário da Di Cley Luthieria, uma fábrica de violas que preza pela originalidade, tanto que até as máquinas usadas na produção dos instrumentos foram criadas pelo luthier. “Aqui é tudo artesanal. Projetei ao meu gosto”, destaca o artista que luta para ganhar espaço oferecendo qualidade em vez de quantidade.

O aposentado Raulnilde Bovarotti, pai do luthier, conta que tem muito orgulho do filho. Mesmo com a concorrência desleal das indústrias que produzem instrumentos em série, Jeferson Cley sonha em ter o trabalho mais valorizado. “Já levei mais de dois meses pra finalizar uma viola. Não me importei com a demora porque o resultado foi um instrumento único”, enfatiza.

Mais informações

Quem quiser encomendar alguma viola do luthier, pode entrar em contato pelo telefone (44) 3446-7973

Kareca, um ícone da aerografia

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Especialista em personalização, artista urbano já atraiu atenção de muita gente no Brasil e nos EUA

Um dos milhares de capacetes personalizados por Kareca (Foto: David Arioch)

O artista também estiliza tanques de motocicleta (Foto: Arquivo Pessoal)

Pedro Bueno, conhecido como Kareca, descobriu o talento para a aerografia em 2003. De lá pra cá, personalizou milhares de capacetes, centenas de capôs de automóveis, além de tanques de motocicletas e cornetas de som automotivo. O reconhecimento chegou a ponto dos adeptos da arte urbana considerarem Kareca um ícone da aerografia.

Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, quando o assunto é a arte de pintar com o aerógrafo, Kareca sempre é citado. A justificativa é a precoce profissionalização. Nos primeiros anos em contato com a arte urbana, Pedro Bueno transformou uma curiosidade em profissão. “Tive facilidade em desenvolver habilidade e me dei bem com o grafite”, explica Kareca.

O artista, que no primeiro ano trabalhando com aerografia despertou a atenção de quem aprecia caracterizações, não demorou muito para atrair pessoas de estados como São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.  Além disso, já personalizou pranchas de snowboard de esportistas estadunidenses. “Já pintei milhares de capacetes, centenas de capôs de carros, cornetas de som automotivo e até capas de celular. Nem sei dizer o quanto já produzi até hoje. É muita coisa”, afirma.

Sempre interessado em desenvolver novos trabalhos e se aperfeiçoar na aerografia, Kareca destaca que aceita qualquer desafio, com exceção de pinturas de fachadas comerciais. “Não posso assumir um trabalho sabendo que vou demorar pra terminar. Como tenho muitos compromissos, prefiro me dedicar ao tuning [personalização extrema] de carros e motos”, justifica.

Especialista em capacetes, o aerografista conta que leva de 1h a 1h30 para uma personalização. “Só que até ficar tudo pronto é preciso de seis a oito horas”, reitera. De acordo com Kareca, o processo passa por várias etapas: preparar o objeto, grafitar, pintar e esperar secar para então polir.

O preço varia conforme a complexidade e o tamanho do desenho. Mensalmente, Kareca estiliza dezenas de capacetes, atividade que desenvolve em um atelier na própria residência. Para o artista contemporâneo, o ambiente familiar contribui para transcender a essência do trabalho realizado com frequência litúrgica.

O artista também estiliza tanques de motocicleta (Foto: David Arioch)

O artista também estiliza tanques de motocicleta (Foto: Arquivo Pessoal)

A apreciação da arte urbana de Kareca cresce a cada dia, principalmente entre os adeptos de tuning, como é o caso do autônomo Mano Tazo. “Com toda certeza, ele é o melhor da nossa cidade, e pelo que já vi por aí, um dos melhores do Paraná”, declara Tazo.

Porém, mesmo com a boa aceitação do trabalho, em Paranavaí ainda há quem relegue a arte à marginalidade. “Muitas pessoas confundem o aerografista com o pichador. A pichação gera discriminação. Por isso é importante que as pessoas se informem sobre a diferença. Produzo uma arte urbana totalmente honesta”, defende Kareca.

“Eu não desenhava nem com lápis”

O aerografista Pedro Bueno, conhecido como Kareca, tem uma afinidade tão profunda com o instrumento de trabalho que parece alguém desenhando tranquilamente em uma folha branca. A precisão dos traços é geométrica, mesmo utilizando somente o aerógrafo para dar uma forma precisa e cintilante a cada desenho. A maior habilidade do aerografista consiste em usar adequadamente as cores para proporcionar vivacidade em objetos foscos.

Entretanto, o artista admite que no início não sabia como usar o aerógrafo. “Eu não desenhava nem com lápis. Pensei que podia começar o trabalho com pincel, ou seja, eu não sabia de nada”, diz rindo. À época, Kareca tinha um aerógrafo bem simples e fazia trabalhos de graça para se aperfeiçoar. Hoje utiliza equipamentos importados e de primeira linha.

Revistas de tatuagens e desenhos animados

O artista urbano Pedro Bueno, conhecido como Kareca, tem como base criativa, na estilização dos objetos, a bagagem cultural e também o cotidiano. “Sou influenciado até mesmo por revistas de tatuagens e desenhos animados. Não descarto nada. Acho que tudo contribui pra eu chegar a um trabalho final que esteja próximo da perfeição”, pondera.

Atualmente o artista desenvolve técnicas de aperfeiçoamento na fusão entre aerografia e imagens em alto relevo. Segundo Kareca, o trabalho é bastante ousado e explora mais ainda a criatividade. “É interessante saber que as pessoas vão passar a mão e sentir as formas dos desenhos”, comenta.

O aerografista também cria desenhos a partir de fotografias, contudo admite que a atividade exige mais tempo. “Para reproduzir o rosto de alguém tenho de ser perfeccionista, então preciso de pelo menos seis horas”, revela.

 Informações

Kareca é autodidata, e o interesse do artista pela aerografia surgiu quando ficou curioso em saber como é feito o grafite. O artista gosta de criar principalmente personagens.

Written by David Arioch

March 23rd, 2009 at 1:58 am

Onde estão os artistas da navalha?

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Barbeiros resistem, alentados por quem encara o ato de se barbear como um ritual

Barbeiro cochila em meio a um universo que evoca outros tempos

Barbeiro cochila em meio a um universo que evoca outros tempos

Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o auge das barbearias foi entre os anos de 1969 e 1975, quando era quase impossível atender a demanda. Já nos últimos vinte anos, a modernidade tirou do barbeiro a importância junto à população. Mas há quem resista, estimulado por clientes que veem no ato doméstico de “fazer a barba” um fragmento de solidão.

Para as gerações mais jovens, o ato de se barbear geralmente é assimilado a imagem de alguém sozinho, em frente ao espelho, segurando um barbeador descartável. “Acho que fazer a barba é bem chato, mas necessário. A pele parece mais clara, limpa e jovial. Ainda bem que não preciso de mais do que cinco minutos pra fazer isso”, diz o estudante Gabriel Maia, 21.

O universitário, que nunca se barbeou com uma navalha, mantém dentro de uma gaveta no centro do quarto, uma pequena coleção de barbeadores de design arrojado, multicoloridos e cada um com três lâminas. Maia é um retrato da juventude que visa praticidade.

No início da década de 1980, antes do nascimento de Gabriel, mais da metade das barbearias de Paranavaí já tinham desaparecido, o que justifica o fato do estudante resumir a função do barbeiro a de personagem de uma cultura obsoleta. “Quando passo em frente a uma barbearia, me surpreendo porque logo penso que é uma coisa de um tempo muito antigo”, comenta o universitário.

Maia teve a oportunidade de ver uma barbearia, onde um senhor ainda mantém a mesma fachada e decoração de quarenta anos atrás, o que o surpreendeu. “Achei que isso não existisse mais”, comenta. Já o comerciante Luiz Chemin, adepto de barbearias desde a adolescência, diz ser irrelevante a praticidade trazida com a modernidade. Chemin é de uma geração que prefere o calor humano irradiado pelas barbearias em vez do solitário banheiro de casa. Além disso, não troca a tradicional navalha por lâminas descartáveis.

O comerciante considera o barbeiro um artista da navalha. “O trabalho dele não é apenas deslizar uma lâmina. Ele está sempre atento aos detalhes, as falhas que cada um tem no rosto ou na barba. Leva em conta até mesmo o clima e o tipo de pele da pessoa. É um profissional que merece ser mais valorizado”, afirma.

Chemin utiliza os serviços do barbeiro Irineu Pantarotto pelo menos uma vez por semana, às vezes duas. O contato é tão frequente que surgiu um vínculo quase familiar. “Quando não apareço aqui na barbearia é porque viajei. Logo que retorno, ele diz que estava preocupado, pensando que aconteceu alguma coisa comigo”, confidencia o comerciante sorrindo.

Irineu Pantarotto, que se tornou barbeiro há 45 anos, é tomado por um sentimento de nostalgia ao se recordar da Paranavaí de 1969, ano em que não era difícil encontrar um barbeiro em cada esquina. “O fluxo de pessoas era tão grande que mesmo com tantas barbearias havia filas de espera. Tínhamos de pedir ao freguês pra voltar no dia seguinte. Foi assim até 1975”, frisa, referindo-se a um tempo em que o barbeiro também desempenhava papel de confidente e conselheiro.

Divulgação era feita boca a boca

A formação de barbeiro, Irineu Pantarotto adquiriu praticando em um sítio nas imediações de Santa Cruz do Monte Castelo, no Noroeste do Paraná. “A gente vivia lá e comecei a cortar cabelo e fazer a barba do meu irmão, primos, tios e avô”, narra. Pouco tempo depois, se mudou para Paranavaí, onde abriu o primeiro salão. À época, não tinha dinheiro para fazer qualquer tipo de publicidade, então saiu pelas ruas avisando todos os conhecidos. “Quem aparecia uma vez sempre voltava e também trazia amigos. Conquistei clientes aos poucos, mas logo aprendi a trabalhar bem”, salienta.

De acordo com Pantarotto, houve uma época em que receio do vírus da AIDS contribuiu para reduzir o número de fregueses. “É tolice pensar que aqui se contrai alguma doença. O procedimento é o mesmo em uma clínica; esterilizo tudo”, assegura. Mesmo não sendo procurado por tantos clientes quanto nas décadas anteriores, o barbeiro destaca que vale a pena manter a barbearia aberta. “Tive muitos amigos que desistiram, só que eu prefiro continuar. Fiz inúmeras amizades valiosas”, reitera.

O trabalho de Pantarotto também é reconhecido pelos cabeleireiros locais, que em alguns casos recomendam o barbeiro para os clientes. “Tenho amigos do ramo que não fazem barba, então mandam o camarada pra cá”, justifica.

Written by David Arioch

March 21st, 2009 at 12:38 am

108 anos de Rosalina Gusmão

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Centenária gosta de caminhar e se dedicar às atividades domésticas 

Antes de ser fotografada, a vaidosa Rosalina Gusmão faz questão de ajeitar o cabelo com as próprias mãos (Foto: David Arioch)

Antes de ser fotografada, a vaidosa Rosalina Gusmão fez questão de ajeitar o cabelo com as próprias mãos (Foto: David Arioch)

Aos 108 anos, mesmo depois de passar a maior parte da vida trabalhando no campo, onde enfrentou muitas dificuldades, a aposentada Rosalina Gusmão rejeita o merecido descanso. Moradora da Vila Alta, na periferia de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, a idosa prefere ocupar o tempo com caminhadas e afazeres domésticos.

Sob o auxílio de uma parteira, Rosalina nasceu em um sítio nas imediações de Coluna, em Minas Gerais. Ainda na infância, começou a trabalhar na lavoura, migrando de uma cultura a outra. “Em Minas, ela se dedicava ao cultivo de milho, feijão e arroz”, relata o filho Raimundo Gusmão.

À época, as condições de trabalho eram muito precárias e nada na vida de Rosalina contribuía para qualquer mudança, nem mesmo o casamento. Obrigada a suportar um marido alcoólatra com quem entrava em conflito diariamente, a mineira trabalhou muito para garantir a subsistência dos filhos. “Sofríamos porque víamos a dor dela. A situação em casa era muito ruim, e os patrões pagavam muito mal. Minha mãe praticamente trabalhava pela comida”, lembra Raimundo lacrimejando.

Gusmão é um dos filhos que no início da adolescência começou a ajudar Rosalina na atividade campesina. “Já passamos muita fome. Tenho apenas lembranças ruins de quando morávamos no interior de Minas Gerais. A situação só melhorou um pouco quando viemos pra cá”, afirma.

A experiência negativa com o matrimônio fez com que Rosalina nunca mais se casasse, nem mesmo se envolvesse com outro homem, após o falecimento do segundo marido há mais de 50 anos. De acordo com Raimundo, a mineira só quer a companhia de familiares e amigos.

Enquanto o filho fala, Rosalina, mesmo calada, se emociona. Transmite um olhar cintilante e disperso em um passado remoto. “Ela fala bastante. Costuma se recordar da juventude e das dificuldades que enfrentou pra criar os filhos”, garante Raimundo observando a mãe sentada sobre uma pequena poltrona.

É difícil as pessoas acreditarem que Rosalina Gusmão tem mais de cem anos, inclusive é comum pedirem para ver a carteira de identidade. “Ela gosta de lavar roupas e de limpar a casa, mas sempre controlamos pra preservar a saúde dela. Se deixar, passa dos limites. Isso prova que a minha mãe ainda é forte e saudável”, reitera. A longevidade de Rosalina Gusmão, os familiares consideram consequência da vaidade. Desde muito jovem a mineira já se preocupava com a saúde e a aparência.

A aposentada gosta de fazer caminhadas e evita o máximo possível ir para a cama fora do horário de dormir. “Sou muito mais jovem, mas digo com toda certeza que minha mãe tem mais saúde que eu”, enfatiza Raimundo Gusmão sorrindo.

Rosalina se mudou para o Paraná no auge do café

Rosalina Gusmão veio para o Paraná com um dos filhos que vivia na região Noroeste no auge da cafeicultura. “Ele ficou dois anos aqui e gostou muito. Então depois buscou a gente em Minas Gerais. Quando chegamos, começamos a trabalhar na produção de café. Foi uma época boa, tanto que minha mãe ainda se lembra”, relata o filho Raimundo Gusmão.

No Paraná, Rosalina se dedicou às lavouras de café, tendo como apoio a companhia dos filhos. Contudo, nem todos vieram para o Sul do país. De acordo com Raimundo, a filha mais velha de Rosalina ainda vive no cerrado mineiro. “Ela preferiu continuar lá, mas está bem. Hoje, ela está com 84 anos”, informa.

Saiba mais

Rosalina Gusmão nasceu em 20 de janeiro de 1901

A aposentada tem 5 filhos, 25 netos, 15 bisnetos e 12 tataranetos

Curiosidade

Antes de ser fotografada, a vaidosa Rosalina Gusmão fez questão de ajeitar o cabelo com as próprias mãos

Written by David Arioch

March 15th, 2009 at 7:15 pm

Entre a navalha e o acordeão

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Irineu Pantarotto, um barbeiro que atrai fregueses com o som cadenciado de uma gaita  

Seu Irineu emocionado "repassando o teclado" (Foto: David Arioch)

Seu Irineu emocionado “repassando o teclado” (Foto: David Arioch)

Na Rua Marechal Cândido Rondon, em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o Salão Nossa Senhora Aparecida chama a atenção de quem passa pelas imediações. A atração é o barbeiro Irineu Pantarotto que além de cortar barba e cabelo anima a freguesia deslizando os dedos com maestria pelo teclado de um clássico acordeão Todeschini, instrumento pelo qual ostenta amor atemporal.

A barbearia do “Seu Irineu” não é frequentada por fregueses, mas por amigos, como faz questão de afirmar. “A gente vem aqui apreciar a música dele. Pra mim, ele é no mínimo um dos melhores músicos do Paraná”, elogia o comerciante Luiz Chemin, cliente da barbearia há 27 anos.

Para o aposentado Orlando Ferezin, também cliente há décadas, as canções de Irineu Pantarotto são de uma nostalgia inigualável. “Tudo que ele toca me lembra uma cultura antiga que infelizmente não volta mais”, justifica.

A qualidade técnica do músico também é ratificada por gaiteiros, como é o caso de Felisbino Alves que pelo menos três vezes por semana vai até a barbearia conversar sobre música. “A gaita contribui na atividade de barbeiro, desperta a atenção de muita gente que passa pelas imediações. Dessa forma, já conquistei muitos clientes e amigos”, garante Pantarotto.

A habilidade com o instrumento é resultado de uma dedicação iniciada aos 12 anos, antes mesmo de Irineu Pantarotto aparar barba ou cabelo. “Já tenho 50 anos de sanfona. Mesmo assim, toda vez que seguro o instrumento é como se fosse a primeira vez. Sinto uma energia muito boa”, revela.

Disco que deu visibilidade ao músico barbeiro (Foto: Reprodução)

Disco que deu visibilidade ao músico barbeiro (Foto: Reprodução)

Em 1982, o acordeonista teve um grande momento profissional, a oportunidade de gravar um disco. “Repassando o Teclado”, título do álbum, teve ótima repercussão no Paraná e em São Paulo. “Fiquei muito feliz de ouvir minha música em tantas emissoras de rádio. Me sinto vitorioso de ter gravado meu trabalho em vinil naquela época”, enfatiza Pantarotto que teve receio do trabalho ser desvalorizado, pois sempre se dedicou à música instrumental.

Sobre os lucros com a venda do disco, o gaiteiro põe a mão sobre a cabeça e lamenta. Contratado pela Gravadora Itaipu de São Paulo, Seu Irineu nunca recebeu pelo vinil. “O proprietário, Marcílio Castioni, vendeu o disco e não cumpriu o que constava no contrato. Não me deu os 10% das vendas. Não recebi nada”, reclama. Depois do incidente, o acordeonista nunca mais apareceu na gravadora.

Irineu Pantarotto não desanimou. Anos depois, regravou o álbum em CD, e a repercussão, mais uma vez, não deixou a desejar. “Receoso, decidi vender tudo sozinho, no meu salão mesmo. Vendi bem, tanto em Paranavaí quanto em outras cidades. Ainda tem gente querendo comprar, mas preciso fazer mais pedidos”, destaca o barbeiro que até hoje só gravou canções autorais.

Primeiro músico a tocar no Clube Idade Dourada

Irineu Pantarotto foi o primeiro músico a subir ao palco do Clube Idade Dourada, onde tocou por dois anos consecutivos. À época, tinha um grupo formado por mais três músicos e quatro bailarinas. “De destaque, tive três bandas: ‘O Patriota do Fandango’, ‘Irineu Pantarotto: malabarista do teclado’ e ‘Irineu Pantarotto e suas Pantaretes’, conta o acordeonista.

Irineu Pantarotto (o primeiro da direita para a esquerda) na época do Grupo Patriotas do Fandango (Foto: Reprodução)

Pantarotto (o primeiro da direita para a esquerda) na época do Grupo Patriotas do Fandango (Foto: Reprodução)

De 1982 a 1996, animou muitos bailes, tocando principalmente vanerão, xote, marchinha, rancheira, chorinho e quadrilha. À época, Seu Irineu se apresentava em programas de TV. “Ele quase sempre estava no programa do Matãozinho, em Apucarana”, relata o comerciante Luiz Chemin.

As apresentações deram visibilidade ao músico, inclusive uma das canções de Pantarotto é a mais executada nas comemorações locais de São João. “Gravei uma quadrilha que se chama Festa Junina e até hoje as escolas e os clubes tocam essa música do meu disco”, revela.

Irineu Pantarotto compôs mais de 300 canções. Do total, apenas 12 foram registradas. “Carrego as outras na cabeça e no coração. Pode ser que uma hora apareça a oportunidade de gravar um novo CD. Se acontecer, vou doar todo o dinheiro arrecadado para instituições de cariedade”, promete o músico barbeiro.

Saiba mais

O primeiro show do acordeonista Irineu Pantarotto foi em 6 de outubro de 1962, em Birigui, no Estado de São Paulo. O músico ainda lembra do evento com brilho nos olhos.

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Balsas em extinção

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A balsa já foi um importante meio de ligação entre a região Sul e o Centro-Oeste 

A balsa, solitária, ainda percorre as águas do Rio Paraná (Foto: Reprodução)

A balsa, solitária, ainda percorre as águas do Rio Paraná (Foto: Reprodução)

No extremo Noroeste do Paraná, na divisa com o Mato Grosso do Sul, balsas que atravessam o Rio Paraná já tiveram fluxo diário de centenas de veículos. Nos últimos dez anos, isso mudou em função das pontes interestaduais. Hoje é comum ver no horizonte o solitário balseiro transportando apenas um automóvel, tendo como companhia o sol escaldante – referência do início e fim da jornada de trabalho.

Em meados de 1960, o grande número de pessoas que precisavam ir para o Mato Grosso do Sul ou vir ao Paraná estimulou a construção de dezenas de balsas. Um emblemático exemplo é a de Porto Caiuá/Felício, localizada a 33 km de Querência do Norte, inaugurada em 1963.  “Foi uma necessidade da época. O fluxo até Naviraí, no Mato Grosso do Sul, era muito grande”, conta o empresário Veigui Bérgamo.

Os ribeirinhos foram os primeiros a se engajar na atividade. Viajavam até Guaíra, no Oeste do Paraná, onde recebiam, por parte da Marinha, qualificação profissional. Todas as despesas eram custeadas pelos donos de balsas. “Sempre demos oportunidade para gente daqui, nunca alguém de fora. É desse jeito há mais de 40 anos”, destaca o empresário.

Na década de 1960, a balsa já garantia o intercâmbio entre o Sul e o Centro-Oeste (Foto: Reprodução)

Na década de 1960, a balsa já garantia o intercâmbio entre o Sul e o Centro-Oeste (Foto: Reprodução)

No princípio, investia-se muito no transporte fluvial, e tudo era proporcional aos lucros, tanto que durante décadas os donos de balsas foram responsáveis pela manutenção das principais vias de acesso aos portos. “Se a estrada estivesse ruim, a pessoa desistiria, então mantê-la em bom estado era o único meio de garantirmos a freguesia”, revela Bérgamo.

Há 10 anos, havia duas balsas em funcionamento no Porto Caiuá/Felício, tempo em que pelo menos 200 veículos por dia usavam o transporte fluvial. “Quando tinha uma no Mato Grosso do Sul, a outra estava deste lado, aqui no Paraná”, lembra Bérgamo, se referindo a um período em que os funcionários da balsa se revezavam ao longo de 24 horas. O serviço nunca parava, em respeito à demanda.

Hoje em dia, o trabalho começa às 6h e termina às 22h. “Quem chega aqui de madrugada encontra a balsa desativada”, conta o marinheiro de convés Robson Mendes Barbosa. A justificativa é que muitos motoristas preferem usar a Ponte Ayrton Senna, em Guaíra, e as cinco pontes do complexo de Porto Camargo.

Grande fluxo de veículos no final da década de 1990 (Foto: Reprodução)

Grande fluxo de veículos no final da década de 1990 (Foto: Reprodução)

“É difícil acreditar que já passou tanta gente por aqui. Como balseiro, conheci viajantes de Paranavaí, Umuarama, Maringá, Campo Mourão, Londrina, Cascavel, Curitiba, Presidente Prudente, Araçatuba, São Paulo, Campo Grande, Cuiabá e muitas outras cidades”, reitera o contra-mestre Cirço Sedano Silva.

Na atualidade, o transporte fluvial normalmente é usado apenas por pessoas da região noroeste. Entretanto, o contra-mestre percebe uma pequena mudança durante os feriados. “No mais, é normal atravessar apenas um veículo. Ainda estamos aqui por causa da fé. Restam poucas balsas na ativa. Acho que é o fim da profissão”, avalia.

Entre os poucos que ainda preferem a balsa, a justificativa é uma só – a praticidade do serviço. De acordo com Veigui Bérgamo, há proprietários de terras na região que se não fosse pelo transporte fluvial teriam de dirigir por mais de 200 quilômetros. “Com a balsa, percorremos 2,5 quilômetros em 15 minutos e o problema está resolvido”, finaliza.

Empresário ainda tem esperanças

As despesas com o transporte fluvial, que não são poucas, segundo o empresário Veigui Bérgamo, deveriam ser subsidiadas com a rentabilidade obtida nas travessias da balsa. “Na prática, isso não acontece. Se não fosse pelas minhas outras atividades econômicas, teria parado faz tempo. Gastamos aproximadamente dois mil litros de óleo diesel por mês. Além disso, temos despesas com funcionários e manutenção”, destaca.

Entretanto, Bérgamo diz ter esperança de que no futuro a situação melhore e o transporte fluvial não precise ser desativado. Faz um apelo para que o governo do Paraná contribua, se responsabilizando pela manutenção de uma rodovia. “A Jorge Baggio é a única estrada paranaense que liga Querência do Norte ao porto. Se for bem cuidada, acredito que poderemos atrair mais viajantes”, pondera.

Origem ribeirinha é trunfo na profissão de balseiro

Na infância, Cirço Sedano Silva brincava sobre um bote, fazendo de conta que era piloto de balsa. A criatividade era estimulada pelas experiências relatadas por três tios balseiros. Aos 19 anos, conseguiu o primeiro emprego com transporte fluvial, um cargo de cobrador na balsa do Porto Caiuá/Felício.

“A gente se divertia muito. Havia pelo menos quinze pessoas trabalhando em cada balsa”, relembra o contra-mestre sorrindo. Com o passar do tempo, o número de empregados caiu para 12 e depois para nove. “Hoje, são cinco, mas nos dividimos em três turnos. Agora é normal trabalhar sozinho”, afirma.

O fato de Cirço ser um ribeirinho é um trunfo na profissão de contra-mestre. Ninguém conhece melhor o Rio Paraná do que alguém criado diante de sua imensidão. “Sei onde estão todos os bancos de areia. Sendo assim, tenho o compromisso de desviar deles. Já o marinheiro de convés tem que ficar esperto e controlar o peso da balsa, distribuindo bem os veículos”, revela. Sedano sente falta de quanto trabalhava à noite. Antes de completar a travessia, via do outro lado um sem número de faróis piscando – um sinal de que o aguardavam.

Saiba Mais

Em caso de acidente, o contra-mestre entra em contato com o rebocador que chega ao local em 15 minutos.

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O dia em que a água acabou

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Em 1957, Joaquim Pereira Briso abasteceu Terra Rica com água de um poço particular

Moradores exibem como troféu a água trazida do centro de Terra Rica (Crédito: Reprodução)

Moradores exibem como troféu a água trazida do centro de Terra Rica (Foto: Reprodução)

Em 1956, durante a colonização, a população de Terra Rica, no Noroeste do Paraná, enfrentou muitas dificuldades envolvendo saneamento básico. Mas o diferencial veio no ano seguinte, quando uma eventualidade fez um serrador se tornar o principal fornecedor de água da cidade.

De acordo com o pioneiro Antônio Carlos Lage, ex-vice-prefeito e ex vereador, a população de Terra Rica enfrentou problemas com o abastecimento de água de janeiro de 1957 a 1970. À época, o município ainda não tinha sistema de saneamento. “A gente tinha que buscar água em um caminhão pipa que ficava parado no centro”, conta Lage.

Segundo o pesquisador Edson Paulo Calírio, a situação era tão complicada que muitos moradores perdiam horas do dia carregando grandes baldes até a região central, onde os enchiam com água e, mesmo muito pesados, percorriam quilômetros até chegar em casa. Naquele tempo, o déficit era tão grande que as famílias se reuniam para decidir se a água seria usada para lavar roupa ou louça.

Centro da cidade na época da chegada de Joaquim Briso (Crédito: Reprodução)

Centro da cidade na época da chegada de Joaquim Briso (Foto: Reprodução)

Tudo ficou mais difícil em 1957, quando, certo dia, os moradores foram até o centro da cidade e não encontraram água. O problema se tornou calamidade ao saberem que, por uma eventualidade, ficariam sem o caminhão pipa por tempo indeterminado. O veículo era o único meio para transportar a água do rio até o cidade. “Terra Rica foi fundada por pessoas pobres e humildes. Então naquele tempo era difícil encontrar alguém com condições financeiras para fazer um poço”, relata o pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso.

Naquele ano, Briso era o único morador de Terra Rica que tinha um poço. Segundo ele, não como um artifício de luxo, mas de necessidade, pois constantemente precisava de água no trabalho. “Eu tinha uma serraria, e o poço foi feito ali mesmo pra abastecer a minha máquina a vapor. Mas quando soube do problema, resolvi ajudar. No mesmo dia, o pessoal foi lá buscar água. Alguns iam a pé, outros iam de carroça”, lembra Joaquim Briso emocionado.

O pioneiro passou dias sem dormir ajudando a população a tirar água do poço que tinha pouco mais de 50 metros de profundidade. Segundo Antônio Lage, era uma época de muita solidariedade. “As pessoas naturalmente tinham muito calor humano para dar”, salienta o ex-vice-prefeito em tom calmo e reflexivo.

No início da década de 1960, as primeiras torneiras foram instaladas no centro de Terra Rica. Porém, Edson Calírio reitera que a água ainda era limitada. “Agora a gente vê a recompensa. Não dependemos diretamente do governo estadual. Temos uma autarquia municipal que oferece água e rede de esgoto para toda a população. Além disso, a nossa água atualmente é a mais barata do Paraná”, assegura o pesquisador.

“Viajava porque era obrigado”

O pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso chegou a Terra Rica em 1956, já com a intenção de construir uma serraria. “Dava para contar nos dedos das mãos quantas casas tinha aqui”, afirma Briso que descobriu a cidade por acaso.

Durante uma viagem, deixando a cidade natal de Paraguaçu Paulista, em São Paulo, Joaquim Briso atravessou a fronteira com o Paraná e chegou ao Porto São José. Viajou motivado pela curiosidade. “Tinha só um boteco montado aqui. O resto, era só mata, daqui até Nova Londrina”, explica.

Surpreso pela quantidade exorbitante de terras devolutas, o pioneiro não pensou duas vezes e decidiu começar uma nova vida no Paraná.  Retornou a Paraguaçu Paulista para avisar os familiares e se mudou para Terra Rica.

A motivação foi determinante para aguentar uma nova viagem de 14 horas dentro de um jipe. “Não existia nem estrada, só carreador. Então viajar naquele tempo era visto como coisa de aventureiro”, conta o pioneiro. Joaquim Luiz tinha pouco ou nenhum prazer durante as viagens, já que toda vez corria o risco do veículo atolar. Segundo o pioneiro, era muito comum encontrar caminhões e carros abandonados pelo caminho.

“Viajava porque era obrigado. Tinha negócios em São Paulo e no Rio de Janeiro. Então pegar a estrada era uma luta. Saía daqui hoje para chegar a uma cidade próxima amanhã. Quando viajava, demorava uns dias pra voltar, cansava demais”, revela.

À época, os moradores de Terra Rica mantinham mais contato com Estados da região Sudeste do que do Sul. “Nossa ligação era com o Estado de São Paulo”, complementa Briso em referência aos primeiros pioneiros que eram paulistas.

Viagem a Paranavaí durava cinco horas

Até o final da década de 1950, uma viagem de Terra Rica a Paranavaí durava em média cinco horas. O pioneiro Antônio Carlos Lage é testemunha disso. Ele e o também pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso tinham negócios com o Banco Comercial, então quando precisavam vir a Paranavaí, iam até um boteco em frente a Estação Rodoviária de Terra Rica e convidavam mais pessoas para viajarem de graça.

Antônio Lage buscava pessoas em frente a Estação Rodoviária (Crédito: Reprodução)

Antônio Lage buscava pessoas em frente a Estação Rodoviária (Foto: Reprodução)

Mas a cortesia de vez em quando tinha um preço. Quando o jipe atolava, todo mundo tinha de descer e ajudar. “Eram 60 quilômetros. Hoje, um trajeto curtíssimo. Naquele tempo, por causa da precariedade da estrada, parecia que estávamos no fim do mundo”, avalia Lage que, acompanhando Joaquim Briso, chegou a Terra Rica em 1956.

Briso se recorda com clareza de outra desventura muito comum na década de 1950: o atraso na entrega de correspondências. Certa vez, a mãe de Joaquim Briso adoeceu e, como não havia serviço telefônico na região, a mulher do então serrador enviou um telegrama para informá-lo do acontecido.

A correspondência despachada de Paraguaçu Paulista, São Paulo, chegou em Terra Rica depois de 20 dias. “Fiquei aqui seis dias e depois decidi viajar para a minha terra. Quando cheguei lá, vi minha mãe doente. Fiquei uns dias lá e retornei. Passaram-se mais uns dias antes do telegrama chegar”, assinala Joaquim Luiz.

Frases de destaque – Antônio Carlos Lage

“Tudo faz parte do começo de uma cidade, mas ela não se faz logo com tudo, surge aos poucos.”

“Terra Rica é uma cidade onde um dava a mão ao outro, até por questão de necessidade.”

Saiba mais

Em 1965, Terra Rica chegou ao ápice da produção cafeeira: 400 mil sacas de café beneficiado.

A colonização de Terra Rica foi feita por pioneiros paulistas que vieram ao Paraná com a intenção de produzir café.

As derrubadas de mata começaram em 1949 e se intensificaram de 1950 a 1952.

A colonização de Terra Rica foi feita pela Sociedade Imobiliária do Noroeste do Paraná (Sinop).

Memórias de um Paranagoano

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Dedé é um desses pioneiros esquecidos pela história oficial, mas que contribuiu para a construção de um patrimônio

Dedé ajudou a construir o Terminal Rodoviário de Paranavaí (Foto: Leonardo Brito)

Dedé ajudou a construir o Terminal Rodoviário de Paranavaí (Foto: Leonardo Brito)

O autônomo José Jovino da Silva, conhecido como Dedé, de origem alagoana, abandonou o Nordeste e se radicou em Paranavaí em 1957. Aqui desempenhou muitas atividades, inclusive a de pedreiro na construção do Terminal Rodoviária Urbano, criado há mais de cinco décadas.

Dedé mudou-se para Paranavaí com o mesmo sonho de todos os migrantes e imigrantes: a oportunidade de uma vida melhor. Infelizmente, o objetivo pelo qual tanto lutou não foi alcançado, ou melhor, não da forma idealizada.

Mesmo assim, José Jovino admite, com calma e parcimônia, que nunca teve saudades da sua terra natal. “Saí de Alagoas com quatro anos, e do nordeste na adolescência, então me considero paranaense. Além disso, aqui se vive de forma mais digna, mais humana”, declara o autônomo que viveu na prática as agruras da seca nordestina retratada na obra “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos.

O sabor e o aroma da farofa de mandioca com jabá, Dedé ainda preserva na memória, como um elemento cultural catártico que por um instante anula as experiências trazidas pela fome e miséria durante a infância.  “Lembro também da sede que sentia depois de comer”, diz o autônomo franzindo a testa e desviando o olhar. Tímido, José Jovino ri com as mãos tapando parte do rosto.

A iguaria tipicamente nordestina foi o principal alimento de José e mais 12 familiares durante sete dias de viagem, quando saiu da Bahia rumo a São Paulo. “Isso foi em 1955. Tinha 30 pessoas no caminhão pau-de-arara. Uma parte da carroceria estava ocupada por coco baiano e a outra parte por fumo arapiraca dos grossos. Viemos em cima de tudo isso. Embaixo tinha só uma lona”, afirma.

Durante a viagem mais longa de sua vida, deixando para trás amigos e familiares, Dedé teve a primeira experiência com uma fatalidade. Quando o caminhão estava chegando a Aparecida do Norte, em São Paulo, um senhor que sofria de distúrbios psicológicos saltou do caminhão, naquele momento, trafegando em alta velocidade. “Ele morreu na hora. Nem deu tempo de levar até um hospital. É uma cena que nunca saiu da minha memória”, informa em tom reflexivo.

Caminhão pau-de-arara trouxe José Jovino a Paranavaí (Foto: Roberto Faria)

Caminhão pau-de-arara trouxe José Jovino a Paranavaí (Foto: Roberto Faria)

Como se revivesse o passado, os olhos de José Jovino cintilam ao relembrar o primeiro contato com a malha viária. “Só conheci o asfalto em 1955. Também me emocionei no dia 7 de setembro daquele ano, quando vimos um desfile na Avenida Paulista, em São Paulo. Fiquei surpreso com um movimento tão bonito. Como fomos criados no mato, até babei de emoção”, frisa Dedé sorrindo e corando as maçãs do rosto.

De São Paulo, José Jovino veio ao Paraná. À época, com apenas 17 anos. Já estava acostumado ao trabalho braçal desempenhado desde os 14. Quando chegou a Paranavaí, Dedé conseguiu um serviço de colono, se responsabilizando pela produção de sete mil pés de café.

“Não deu certo porque houve uma crise financeira muito feia. Mas ainda bem que iam começar a construir o Terminal Rodoviário Urbano e me deram trabalho. Fiquei lá até o fim da obra. Lembro que tinha mais de 40 pessoas trabalhando”, reitera.

O autônomo José Jovino da Silva, 70, com fala mansa, disperso em um passado de satisfações e desventuras, diz que não sabe precisar quantas atividades desempenhou. “Já fui de tudo um pouco, mas nada me tomou mais tempo que a lavoura”, conta Dedé estendendo os braços e mostrando as mãos calejadas pelo trabalho braçal.

“Me sinto como se não existisse”

Na atualidade, o maior objetivo do autônomo é conseguir todos os documentos necessários para se aposentar. Sem qualquer registro de identificação, Jovino sofre por estar com a saúde debilitada e, mesmo assim, ter de trabalhar para se sustentar.

“Perdi tudo há 40 anos. Nem me recordo mais como é ter uma carteira de identidade. Durante muito tempo tive pelo menos o registro de nascimento, mas a casa em que morava tinha fiação elétrica muito velha e pegou fogo. Fiquei sem nada. Agora estou correndo atrás de novos documentos”, lamenta lacrimejando.

O desconhecido pioneiro sonha com a aposentadoria, para então tornar-se barbeiro, atividade que segundo ele não exige tanto esforço físico. “Antes tenho de voltar a existir legalmente. Me sinto como se não existisse”, comenta.

Saiba Mais

José Jovino da Silva nasceu em 1940.