David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

O dia em que a água acabou

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Em 1957, Joaquim Pereira Briso abasteceu Terra Rica com água de um poço particular

Moradores exibem como troféu a água trazida do centro de Terra Rica (Crédito: Reprodução)

Moradores exibem como troféu a água trazida do centro de Terra Rica (Foto: Reprodução)

Em 1956, durante a colonização, a população de Terra Rica, no Noroeste do Paraná, enfrentou muitas dificuldades envolvendo saneamento básico. Mas o diferencial veio no ano seguinte, quando uma eventualidade fez um serrador se tornar o principal fornecedor de água da cidade.

De acordo com o pioneiro Antônio Carlos Lage, ex-vice-prefeito e ex vereador, a população de Terra Rica enfrentou problemas com o abastecimento de água de janeiro de 1957 a 1970. À época, o município ainda não tinha sistema de saneamento. “A gente tinha que buscar água em um caminhão pipa que ficava parado no centro”, conta Lage.

Segundo o pesquisador Edson Paulo Calírio, a situação era tão complicada que muitos moradores perdiam horas do dia carregando grandes baldes até a região central, onde os enchiam com água e, mesmo muito pesados, percorriam quilômetros até chegar em casa. Naquele tempo, o déficit era tão grande que as famílias se reuniam para decidir se a água seria usada para lavar roupa ou louça.

Centro da cidade na época da chegada de Joaquim Briso (Crédito: Reprodução)

Centro da cidade na época da chegada de Joaquim Briso (Foto: Reprodução)

Tudo ficou mais difícil em 1957, quando, certo dia, os moradores foram até o centro da cidade e não encontraram água. O problema se tornou calamidade ao saberem que, por uma eventualidade, ficariam sem o caminhão pipa por tempo indeterminado. O veículo era o único meio para transportar a água do rio até o cidade. “Terra Rica foi fundada por pessoas pobres e humildes. Então naquele tempo era difícil encontrar alguém com condições financeiras para fazer um poço”, relata o pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso.

Naquele ano, Briso era o único morador de Terra Rica que tinha um poço. Segundo ele, não como um artifício de luxo, mas de necessidade, pois constantemente precisava de água no trabalho. “Eu tinha uma serraria, e o poço foi feito ali mesmo pra abastecer a minha máquina a vapor. Mas quando soube do problema, resolvi ajudar. No mesmo dia, o pessoal foi lá buscar água. Alguns iam a pé, outros iam de carroça”, lembra Joaquim Briso emocionado.

O pioneiro passou dias sem dormir ajudando a população a tirar água do poço que tinha pouco mais de 50 metros de profundidade. Segundo Antônio Lage, era uma época de muita solidariedade. “As pessoas naturalmente tinham muito calor humano para dar”, salienta o ex-vice-prefeito em tom calmo e reflexivo.

No início da década de 1960, as primeiras torneiras foram instaladas no centro de Terra Rica. Porém, Edson Calírio reitera que a água ainda era limitada. “Agora a gente vê a recompensa. Não dependemos diretamente do governo estadual. Temos uma autarquia municipal que oferece água e rede de esgoto para toda a população. Além disso, a nossa água atualmente é a mais barata do Paraná”, assegura o pesquisador.

“Viajava porque era obrigado”

O pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso chegou a Terra Rica em 1956, já com a intenção de construir uma serraria. “Dava para contar nos dedos das mãos quantas casas tinha aqui”, afirma Briso que descobriu a cidade por acaso.

Durante uma viagem, deixando a cidade natal de Paraguaçu Paulista, em São Paulo, Joaquim Briso atravessou a fronteira com o Paraná e chegou ao Porto São José. Viajou motivado pela curiosidade. “Tinha só um boteco montado aqui. O resto, era só mata, daqui até Nova Londrina”, explica.

Surpreso pela quantidade exorbitante de terras devolutas, o pioneiro não pensou duas vezes e decidiu começar uma nova vida no Paraná.  Retornou a Paraguaçu Paulista para avisar os familiares e se mudou para Terra Rica.

A motivação foi determinante para aguentar uma nova viagem de 14 horas dentro de um jipe. “Não existia nem estrada, só carreador. Então viajar naquele tempo era visto como coisa de aventureiro”, conta o pioneiro. Joaquim Luiz tinha pouco ou nenhum prazer durante as viagens, já que toda vez corria o risco do veículo atolar. Segundo o pioneiro, era muito comum encontrar caminhões e carros abandonados pelo caminho.

“Viajava porque era obrigado. Tinha negócios em São Paulo e no Rio de Janeiro. Então pegar a estrada era uma luta. Saía daqui hoje para chegar a uma cidade próxima amanhã. Quando viajava, demorava uns dias pra voltar, cansava demais”, revela.

À época, os moradores de Terra Rica mantinham mais contato com Estados da região Sudeste do que do Sul. “Nossa ligação era com o Estado de São Paulo”, complementa Briso em referência aos primeiros pioneiros que eram paulistas.

Viagem a Paranavaí durava cinco horas

Até o final da década de 1950, uma viagem de Terra Rica a Paranavaí durava em média cinco horas. O pioneiro Antônio Carlos Lage é testemunha disso. Ele e o também pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso tinham negócios com o Banco Comercial, então quando precisavam vir a Paranavaí, iam até um boteco em frente a Estação Rodoviária de Terra Rica e convidavam mais pessoas para viajarem de graça.

Antônio Lage buscava pessoas em frente a Estação Rodoviária (Crédito: Reprodução)

Antônio Lage buscava pessoas em frente a Estação Rodoviária (Foto: Reprodução)

Mas a cortesia de vez em quando tinha um preço. Quando o jipe atolava, todo mundo tinha de descer e ajudar. “Eram 60 quilômetros. Hoje, um trajeto curtíssimo. Naquele tempo, por causa da precariedade da estrada, parecia que estávamos no fim do mundo”, avalia Lage que, acompanhando Joaquim Briso, chegou a Terra Rica em 1956.

Briso se recorda com clareza de outra desventura muito comum na década de 1950: o atraso na entrega de correspondências. Certa vez, a mãe de Joaquim Briso adoeceu e, como não havia serviço telefônico na região, a mulher do então serrador enviou um telegrama para informá-lo do acontecido.

A correspondência despachada de Paraguaçu Paulista, São Paulo, chegou em Terra Rica depois de 20 dias. “Fiquei aqui seis dias e depois decidi viajar para a minha terra. Quando cheguei lá, vi minha mãe doente. Fiquei uns dias lá e retornei. Passaram-se mais uns dias antes do telegrama chegar”, assinala Joaquim Luiz.

Frases de destaque – Antônio Carlos Lage

“Tudo faz parte do começo de uma cidade, mas ela não se faz logo com tudo, surge aos poucos.”

“Terra Rica é uma cidade onde um dava a mão ao outro, até por questão de necessidade.”

Saiba mais

Em 1965, Terra Rica chegou ao ápice da produção cafeeira: 400 mil sacas de café beneficiado.

A colonização de Terra Rica foi feita por pioneiros paulistas que vieram ao Paraná com a intenção de produzir café.

As derrubadas de mata começaram em 1949 e se intensificaram de 1950 a 1952.

A colonização de Terra Rica foi feita pela Sociedade Imobiliária do Noroeste do Paraná (Sinop).

10 Responses to 'O dia em que a água acabou'

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  1. Boa tarde David!
    Gostaria de saber se existe algum e-mail para entrar em contato com você!

    Agradeço a atenção

    Eduardo

  2. Seu blog está cada dia melhor… com um conteudo de muito valor!

    Wellington Ribeiro

    Wellington

    11 Mar 09 at 1:09 am

  3. Prezado David;
    Parabéns pelo resgate da história. A matéria nos emociona muito com a dificuldade e a solidariedade vivida naquela época.
    Abraço
    André

    André Briso

    12 Mar 09 at 2:57 pm

  4. Parabens pelo Site.
    Estive conversando com meu sogro neste final de semana e ele me contou umas historias interessantes de um Doutor que deve ter sido um pioneiro em Terra Rica: Dr. Ezidio (segundo emeu sogro que tem hoje quase noventa anos…) Eu gostaria de tentar achar este doutor ou seu filho que nasceu em Terra Rica a mais de 50 anos. O Dr Eezidio era casado com uma medica e depois mudaram para São Paulo ou RIo de Janeiro. Conheces alguem que possa ter algum registro sobre o nome destas pessoas?
    Um Abraço Celson Ramos .:

    Celson

    13 Apr 09 at 3:14 am

  5. FIQUEI SABENDO DESSA HISTORIA DE UM TIO DE MINHA MAE QUANDO ELE FALOU NAO ACREDITEI MUITO, DAI PENSEI VOU PESQUISAR NA INTERNET QUE DEVE TER…

    PESQUISEI E ACHEI

    ACHO UMA BOA IDEIA COLOCAR ESSAS NOTICIAS ANTIGAS PARA QUE O POVO DESSA REGIAO VEJAM ….

    Lucas de Oliveira

    26 Apr 09 at 8:11 pm

  6. Eu moro em Terra Rica e achei muito legal ficar sabem do disso (minha avó ja tinha me contado isso mas achei legal ficar sabendo mais coisas

    Mariana

    7 Mar 10 at 11:58 pm

  7. Demorei cinquenta anos para descobrir alguma coisa sobre o Senhor Joaquim Briso – me batizou e nunca-o conheci pessoalmente, meu pai trabalhou com ele, moramos em Terra Rica, Santo Anastácio, Paraguaçu Paulista!!! fiquei muito feliz em ler está história, “triste” pelas dificuldades encontradas no período e me emociono pelas dificuldades que meus pais passaram…

    NANDIR DOS SANTOS

    11 Sep 10 at 1:58 am

  8. Prezado DAVI ARIOCH
    O Jockey Club de Londrina fundado em 1949 possui em seu quadro de associados em torno de mil sócios.
    O clube com o passar dos anos perdeu contato com muitos desses associados, motivo pelo qual estamos realizando buscas via Internet e outros meios para localizá-los ou seus descendentes, dentre eles destacamos Joaquim Briso sócio proprietário título Nº 899-P.
    Por favor, caso tenha contato com o mesmo ou com algum de seus familiares favor passar o contato ou comunica-los para entrar em contato com a secretaria do clube para maiores esclarecimentos e informações. tel 43-3024-2910
    Londrina, 03 de agosto de 2011
    Marcos Medeiros de Albuquerque
    Presidente

    albuquerquemarc

    3 Aug 11 at 7:33 pm

  9. Tive a honra e a oportunidade de trabalhar com esse um grande homem e amigo Dr. Joaquim Luiz Pereira Briso , grande economista , homem de uma sabedoria sem igual , com quem confesso de todo o meu coração que aprendi muita coisa sobre economia agrícola e agropecuária e importantes elementos que compõe essa fantastica ciência que é a economia , uma pessoa de extremo admirável e notável saber político e juridico ,grande negociante das bolsas de café em Santos , hoje sou Padre e trabalho na Baixada Bantista , e sou testemunha do quanto esse homem é conhecido ,lembrado e querido aqui por negociar café na bolsa de Santos ,todos os talves muitos não saibam mas ele deixou grandes amigos aqui em Santos ,todos os corretores de café da velha guarda lembram se dele , trabalhei com o Dr. Briso no ano de 1997 , um ano em que eu fiquei fora do seminario , ele me deu uma grande ajuda em um momento da vida em que eu muito precisava, um tempo em que eu estava desorientado ,bem é um grande amigo que como herança eu creio que ele me deixou o melhor que algume poderia deixar para alguem , o que de melhor um amigo poderia deixar para o outro , deixou experiencia e conhecimento ,coisas que o dinheiro jamais poderia comprar , sinto orgulho pelo trabalho que ele desenvolveu , sinto orgulho por um dia Deus ter dado me a oportunidade de trabalhar com ele, hoje com certeza ele esta junto ao Grande Arquiteto do Universo a interceder por cada um de nós, fica aqui minha homenagem de carinho e respeito por esse homem que tanto me ajudou em um tempo tão dificil , um verdadeiro e eterno Venerável Grão-Mestre

    Ass. Monsenhor : Claudinei Targino

    Monsenhor :Claudinei Targino

    13 Nov 11 at 6:49 pm

  10. MEU PAI;trabalhou nas montagens das serrarias,e em 1960,sofreu um acidente e desligou da empresa,o senhor BRISO,batizou meu irmão caçula,e tornaram compadres,,,,sempre foram muito amigos….TENHO SAUDADE,,,,,gostaria de falar com algum de seus filhos…MEU PAI,,,EURIDES,MÃE VICENTINA,EU EDIMILSON FONE 067-3355-6592–9265-9060…caso alguem puder me ajudar nesse contato,agradeço,,,moro em campo grande ms.abraço a todos… 22,03,2014.

    Edimilson jose dos santos

    22 Mar 14 at 7:18 pm

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