David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for January, 2011

Venda de lotes urbanos era lucro garantido

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Imóveis bem localizados não requeriam grande investimento

Colonizadoras já faziam estudos de viabilidade econômica antes de investir em loteamentos (Foto: Acervo da Fundação Cultural)

Na região de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, nas décadas de 1940 e 1950, em função das despesas com benfeitorias, colonizadoras não lucravam com a venda de propriedades rurais, mas sim com a comercialização de lotes urbanos que eram mais valorizados e não requeriam grande investimento.

Para investir nas áreas mais povoadas, as companhias de colonização faziam antes um estudo de viabilidade econômica. A iniciativa ia ao encontro da difícil realidade da época, a de que o progresso não teria como se estender a todas as regiões. Por isso, os primeiros colonizadores estabeleceram prioridades e desistiram de povoar muitas localidades.

Um exemplo foi o trabalho desempenhado pelo pioneiro Carlos Antônio Franchello que mais tarde fundou o município de Querência do Norte. Franchello comprou 15 mil alqueires de terras na região de Paranavaí, no entanto investiu somente em parte das propriedades. As áreas mais ermas, o pioneiro dividiu em lotes de dez alqueires que receberam a denominação de colônia e os vendeu por preços que cobriam as despesas com desmatamento e demarcação.

As colônias eram comercializadas por 30 mil cruzeiros e cada família podia adquirir até quatro, segundo informações do livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares da Silva. As companhias de terras consideravam o preço simbólico, pois um pequeno lote em área urbana não custava menos de 20 mil cruzeiros por estar bem situado e contar com uma razoável infraestrutura.

As colônias de Paranavaí eram comercializadas por 30 mil cruzeiros (Foto: Reprodução)

“Algumas companhias tinham boa influência e eram muito espertas, faziam propagandas pelo Brasil afora com promessas de escola, farmácia e comércio. Certos recursos já existiam na cidade ou no povoado antes da companhia aparecer”, afirmou o pioneiro gaúcho João Alegrino de Souza, acrescentando que a mobilização da comunidade fazia a diferença se tratando de progresso. Em contraponto, o pioneiro catarinense José Matias Alencar declarou que havia colonizadoras em Paranavaí que realmente investiam e se empenhavam para levar qualidade de vida à população e não simplesmente lucrar com a venda de terrenos.

Outro fato interessante sobre essa etapa da história local é que apesar da desvalorização dos imóveis rurais se comparado aos urbanos, ainda assim as colonizadoras levavam vantagem nas negociações de propriedades do campo, pois não era firmado nenhum compromisso de investimento em recursos de necessidade básica como captação de água e energia elétrica. Quem comprava uma grande propriedade rural já assumia a responsabilidade pelo desenvolvimento do local, caso quisesse transformá-lo em um núcleo urbano.

“Na maioria das glebas a terra não era cara, mas o problema é que dependendo da localização nem adiantava esperar o progresso. Tem gente que passou a vida toda morando em área rural esperando que o lugar fosse no mínimo transformado em distrito e isso nunca aconteceu”, comentou o pioneiro cearense João Mariano.

Em depoimento no livro “História de Paranavaí”, Carlos Franchello afirmou que os lotes urbanos mais acessíveis da Colônia Paranavaí eram vendidos na Gleba 27-A, atual Querência do Norte, onde um terreno podia ser comprado por 145 cruzeiros ao mês. Nos anos 1950, o objetivo da companhia de terras de Franchello era atrair principalmente agricultores gaúchos e catarinenses, famílias interessadas no solo virgem do Noroeste Paranaense.

Quando Paranavaí superou Maringá

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Paranavaí quase se tornou a “terceira capital do Paraná”

Região de Paranavaí somou 307 mil habitantes em 1960 (Acervo: Fundação Cultural)

A partir de 1946, a colonização na região de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, ganhou tanta força que anos depois superou as regiões de Maringá e Umuarama. À época, o que contribuiu para o desenvolvimento local foi o trabalho das colonizadoras de capital privado.

Hoje em dia, o que a população mais jovem de Paranavaí não sabe é que a cidade já foi um dos destaques do Paraná, se tratando de povoamento e desenvolvimento. De acordo com dados do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), a região de Paranavaí somou 90 milhões de pés de café antes do final da década de 1950, uma marca que deu visibilidade nacional ao Noroeste Paranaense.

Tudo começou nos anos 1930, quando a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) teve a concessão das terras de Paranavaí revogada pelo Governo Getúlio Vargas. Naquele tempo, muitos investidores se interessaram pela região considerada ideal para a cafeicultura em função das grandes áreas de solo virgem. Um dos colonizadores que apostou no progresso do Noroeste do Paraná foi o engenheiro Francisco Beltrão, da Sociedade Técnica Engenheiro Beltrão, que começou a comercializar lotes da Colônia Paranavaí em 1946.

O interesse de Beltrão pela região surgiu bem antes, no final da década de 1930, porém, só recebeu o aval do Ministério da Justiça em 14 de dezembro de 1943. Depois ainda teve de aguardar a expedição do título de propriedade liberado pelo Ministério da Agricultura em junho de 1946, segundo informações do livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares da Silva.

Naquele ano o progresso de Paranavaí só perdeu para Londrina (Foto: Toshikazu Takahashi)

Todos os documentos diziam respeito a compra de 17 mil hectares de terras que até então pertenciam ao Governo Federal em área próxima as propriedades da Companhia Norte do Paraná. Boa parte das posses do engenheiro na região de Paranavaí se situava em áreas que mais tarde se tornariam o município de Tamboara, Seara, Suruquá e Anhumaí.

Na década de 1950, foi a vez de pioneiros como Carlos Antônio Franchello e Enio Pipino, da Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop), apostarem no progresso da região de Paranavaí. Franchello investiu na Gleba 27-A, da Colônia Paranavaí, que se tornaria Querência do Norte, e Pipino no povoado que deu origem a Terra Rica. Na região, as colonizadoras se comprometiam a elevar a economia, proporcionar mais qualidade de vida e de sociabilidade, além das promessas de construção de escolas, unidades de saúde, igrejas e melhores vias de acesso e tráfego.

As campanhas publicitárias veiculadas por todo o Brasil, mas principalmente em cidades do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, surtiram tanto efeito que em Paranavaí foram vendidos milhares de imóveis entre lotes urbanos, chácaras e sítios. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), isso justificou os 307 mil habitantes da região de Paranavaí em 1960. “A terra era barata e os lotes rurais eram grandes, então todo mundo que vinha pra Paranavaí ou trazia dinheiro para comprar um imóvel ou logo arrumava um serviço pra adquirir uma propriedade o mais rápido possível”, comentou o pioneiro catarinense José Matias Alencar, complementando que parecia a “Corrida do ouro na Califórnia”, tão grande era o fluxo de pessoas na cidade.

Muitos moradores diziam que Paranavaí tinha tudo para ser a “terceira capital do Paraná”, logo atrás de Curitiba e Londrina. Os habitantes se baseavam no fato de que a região de Maringá somava 237 mil habitantes e a de Umuarama cerca de 253 mil, conforme registros do IBGE. Em 1960, com exceção de Curitiba, se tratando de desenvolvimento, Paranavaí só perdeu para a região de Londrina que chegou aos 600 mil moradores.

Curiosidade

Até o início da década de 1950, Paranavaí somava 45 mil hectares, subdivididos em Gleba-1, Gleba-2 e Gleba-3.

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População começou a pagar impostos em 1953

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Moradores não precisaram pagar tributos por mais de duas décadas

Paranavaí foi distrito de Tibagi, Apucarana e Mandaguari até 1951 (Acervo: Fundação Cultural)

A colonização de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, teve início em 1924, mas a população começou a pagar impostos em 1953,  quando houve a emancipação política que culminou na primeira eleição municipal, de 1952, que elegeu o médico José Vaz de Carvalho como prefeito.

Até 1951, ao longo de mais de duas décadas, Paranavaí foi distrito de Tibagi, Londrina, Rolândia, Apucarana e Mandaguari. Naquele tempo, como era importante para os prefeitos que as colônias se desenvolvessem, permitiam que qualquer tipo de estabelecimento fosse aberto, sem rigor e necessidade de se pagar impostos.

“Uma vez o prefeito de Apucarana criou um decreto que permitia ao comerciante desempenhar atividade por dez anos sem pagar nenhum tipo de tributo”, relatou o pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho. Ainda assim, é importante lembrar que nenhum dos municípios aos quais Paranavaí pertenceu desempenhou qualquer trabalho voltado ao progresso da colônia.

“Todo povoado tinha que ter uma origem, fazer parte de algum município, então era só algo formal, tanto é que a gente não conhecia essas cidades e quase nunca recebia algum político, investidor ou morador desses lugares. Aqui era bem abandonado”, garantiu o pioneiro cearense João Mariano.

Com o empenho do primeiro vereador de Paranavaí em Mandaguari, Otacílio Egger, que teve ajuda do pioneiro paulista Paulo Tereziano de Barros, a colônia conquistou a emancipação política em 14 de dezembro de 1951, por meio da lei estadual nº 790. Só que foi necessário esperar mais um ano para a realização da primeira eleição que transformou Paranavaí em município.

Ferreira de Araújo lembrou que os impostos começaram a ser cobrados em 1953, após a posse de José Vaz de Carvalho, que assumiu a prefeitura em 14 de dezembro de 1952. “O dinheiro do imposto era nosso, então todo mundo pagava”, comentou. A eleição municipal que elegeu Carvalho como prefeito foi coordenada por um juiz eleitoral de Mandaguari.

Em 1953, ninguém reclamou por ter de pagar impostos (Acervo: Ordem do Carmo)

Segundo o pioneiro catarinense José Matias Alencar, ninguém reclamou por ter de pagar os tributos, pois a população já tinha algum conhecimento sobre o assunto. “Havia muita gente humilde e simples em Paranavaí, mas ninguém era ignorante a ponto de não saber que o investimento era revertido pra gente mesmo, que seria usado para investir em infra-estrutura e mais qualidade de vida”, argumentou Alencar.

Houve grande comemoração quando Paranavaí se tornou município, o que estimulou a comunidade a crer no progresso da cidade. “Quando isso aqui ainda era um povoado ninguém tinha certeza de nada. A gente achava que a qualquer momento Paranavaí podia ser abandonada pelo Governo do Paraná e todo mundo ficaria na mão, perderia tudo que investiu”, revelou João Mariano.

O que aconteceu foi exatamente o contrário do que temiam os moradores. “Quando virou município, a cidade começou a melhorar. Muita gente do Paraná e de outros estados ficaram sabendo e quiseram conhecer. O interesse era bem maior do que na época da Brasileira. Acredito que a maioria nunca mais saiu daqui. Graças a toda essa gente que Paranavaí existe até hoje”, enfatizou o pioneiro gaúcho João Alegrino de Souza.

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Pioneiros perderam terras por falta de recursos

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Era preciso legalizar a propriedade para não correr riscos

Salles perdeu terras por não ter condições de legalizá-las (Foto: Reprodução)

Não foram poucos os pioneiros de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, que no decorrer dos anos perderam terras por não terem condições financeiras para legalizarem as propriedades. Um exemplo foi o pernambucano Frutuoso Joaquim de Sales que fixou residência na Vila Montoya em 1929.

Sales foi um dos primeiros migrantes nordestinos a conseguir em Paranavaí uma chácara situada em área de terras devolutas do Estado do Paraná, no entanto, como não tinha dinheiro para requerer o título de terras em Curitiba, mais tarde o pioneiro perdeu a propriedade.

“Ele não foi o único, muita gente passou por isso. Quando um sujeito ganhava um lote, era preciso dar um jeito de conseguir a escritura, senão mais tarde perdia a terra, já que não tinha como provar o direito de posse”, afirmou o pioneiro cearense João Mariano, acrescentando que a terra não era de graça, pois era necessário gastar com a documentação.

Frutuoso Joaquim admitiu que o futuro da Família Sales poderia ter sido bem diferente se não tivesse desperdiçado tantas oportunidades de conseguir terras e também legalizá-las. “Era pra eu ter ficado rico. A gente ganhou, mas não aproveitou, tem que se conformar”, disse Salles em entrevista ao jornalista Saul Bogoni.

Apesar das perdas, o pioneiro pernambucano viveu em Paranavaí até os últimos dias de vida. “Frutuoso tinha fibra de verdadeiro bandeirante. Venceu todas as intempéries e sobreviveu inclusive às pestes e doenças que tomavam conta da região”, afirmou o pioneiro sul-matogrossense Alcides Loureiro de Almeida em entrevista à Prefeitura de Paranavaí.

Porém, nem todos resistiram a tantas dificuldades. Muitos migrantes que ganharam terras do Governo do Paraná abandonaram Paranavaí, já que desempenhavam atividades que não permitiam lucrar o suficiente para investir na aquisição da escritura. “Muitos ficavam com medo, pois não tinham garantia nenhuma de que não seriam expulsos de suas terras. O peão não aguentava e partia pra outro canto. Só que isso foi ruim pra nós também. Apareceram muitos grileiros por causa das terras abandonadas”, comentou o pioneiro gaúcho João Alegrino de Souza.

A qualidade de vida naquele tempo era péssima, tanto que muitos morriam antes mesmo de terem a chance de explorar as próprias terras. João Mariano citou como exemplo um conterrâneo que contraiu malária e faleceu um mês depois. “Ele tinha acabado de conseguir um pedaço de chão. A família ficou tão desiludida com o lugar que partiram pra Londrina [no Norte Central Paranaense]”, relatou.

À época, alguns migrantes, mesmo sem condições financeiras para custear despesas com a escritura de uma propriedade, conseguiam resolver a situação, pois contavam com a amizade de algumas autoridades locais, como é o caso do pioneiro paulista Salatiel Loureiro. “Eu pedi pro Capitão Telmo Ribeiro requerer meu título de terras e ele não me cobrou nada. Foi até Curitiba e me fez o favor”, declarou.

 

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Montoya tinha a estrutura de uma cidade

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População da colônia era de mais de seis mil habitantes

O contato com outras cidades do Paraná só era possível através da Sorocabana (Foto: Reprodução)

Em 1928, a Vila Montoya, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, ganhou contornos de cidade. A colônia oferecia tudo que era necessário à sobrevivência dos mais de seis mil moradores. No entanto, o único acesso ao lugarejo era a estrada do Porto São José, na divisa com o atual Mato Grosso do Sul.

À época, todos que chegavam a Montoya usavam a mesma via que servia também para ligar a colônia ao Porto Ceará e a Presidente Prudente, no Oeste Paulista, de acordo com dados do livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares Silva. No passado, pela mesma estrada se chegava à Gleba-1 Ivaí, Piracema e Povoado de Cristo Rei.

Montoya ficava na Fazenda Brasileira, de Geraldo Rocha (Acervo: História de Barreiras)

Quem precisava viajar para outras cidades do Paraná era obrigado a atravessar a divisa com São Paulo, embarcar em um trem que percorria a antiga Estrada de Ferro Sorocabana até Ourinhos, e de lá partir para Tibagi, no Centro Oriental Paranaense, a quem Montoya pertencia. “Depois a pessoa ia pra onde quisesse, mas não tinha outro jeito. O peão tinha que dar toda essa volta”, afirmou o pioneiro catarinense José Matias Alencar.

Naquele tempo, a colônia tinha 1,2 milhão de cafeeiros, aproximadamente 60 mil ficavam em área onde se situa o Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), Cemitério Municipal e Fazenda Experimental do Estado. A colônia ainda contava com uma frota de 25 caminhões, 60 mulas-cargueiras, máquinas de beneficiar arroz, farmácia, serraria com motor a vapor de 50 HP e uma caldeira, armazém, Cartório de Paz e Registro Civil, além de mil casas cobertas de zinco situadas no Jardim Ouro Branco, Fazenda Carneiro Ribas e outras localidades, conforme informações dos livros “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo, e “Pequena História de Paranavaí”, do juiz de direito Sinval Reis.

A Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), que tinha o direito de concessão da área, investia ao máximo no povoado para evitar que os trabalhadores deixassem o distrito, pois como as viagens eram longas o colono podia perder dias de serviço ou nem mesmo voltar, caso estivesse insatisfeito. Montoya fazia parte da Fazenda Brasileira, de propriedade do jornalista Geraldo Rocha que, além de proprietário de importantes veículos de comunicação situados no Rio de Janeiro – Rádio Nacional e jornais “A Noite” e “O Mundo”, era dono da Braviaco, responsável pela administração de uma área total de 317 mil alqueires no Sudoeste, Oeste e Norte do Paraná.

Trabalho da Braviaco em Montoya era comandado por Landulpho Alves (Foto: Reprodução)

Quem cuidava dos negócios de Rocha na colônia e em toda a região era o vice-diretor da Braviaco, o engenheiro agrônomo Landulpho Alves de Almeida – que se tornaria senador e interventor federal da Bahia – cargo que equivalia ao de governador, Humberto Alves de Almeida e Joaquim da Rocha Medeiros. Humberto Alves, irmão de Landulpho Alves – sócio da Companhia Brasileira, era o responsável pelos serviços de transporte da fazenda e tinha como empregado de confiança o pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, considerado o primeiro cidadão de Paranavaí.

Concessão das terras da colônia foi repassada a Lindolfo Collor (Foto: Reprodução)

Salles chefiava um grupo de peões, ajudava a ensacar o café e cuidava para que o produto fosse transportado de forma segura. A Vila Montoya tinha uma população de centenas de famílias que somavam mais de seis mil moradores. A maior parte prestava serviços a Braviaco e aos empreiteiros Gonzaga, João Gomes e Coronel João Antônio. Foram muitos os peões que se casaram em Montoya, alguns até registraram os filhos no distrito, segundo o juiz de direito Sinval Reis.

O responsável por impor a ordem na colônia era o Cabo Simão que trabalhava em parceria com dois soldados da Polícia Militar do Paraná. É importante destacar que Montoya se desenvolveu muito bem até a chegada da Revolução de 1930, quando o Governo Provisório rompeu todos os negócios com a Braviaco. Mais tarde, Getúlio Vargas repassou a concessão das terras da região ao político gaúcho Lindolfo Collor, avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello.

Joaquim Medeiros conheceu a região em 1923

A Vila Montoya fazia parte da Gleba Pirapó que somava 100 mil alqueires, cerca de 108 quilômetros de extensão. Começava no Rio Paranapanema e ia até a margem direita do Rio Ivaí. A Gleba fazia divisa ao leste com as propriedades da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), de capital inglês, e a oeste com uma área destinada a Brazil Railway Company, de origem estadunidense.

“Em 1923, abri um picadão com dez metros de largura por sessenta quilômetros de extensão que começava na Fazenda Laranjeira e ia até o Rio Paranapanema. A estrada ficava a duzentos metros da propriedade de Adão Medeiros”, disse o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros em entrevista à Prefeitura de Paranavaí em 5 de julho de 1975.

O som dos colonos capinando nas imediações era tão alto que se ouvia mesmo de longe, segundo Medeiros. Encerrada a etapa de abertura do picadão até a divisa com o Paraná, o engenheiro agrônomo embarcou em uma canoa e atravessou o Rio Paranapanema. Já no extremo Norte do Paraná, Medeiros coordenou a derrubada de um alqueire para a construção de um rancho que recebeu o nome de Porto Itaparica que ficava numa área de 20 mil alqueires da Companhia Alves de Almeida. A iniciativa visava facilitar o escoamento do café para o Mato Grosso e Argentina.

Curiosidades

Os migrantes trazidos à Vila Montoya pela Braviaco eram de Minas Gerais, Piauí, Ceará, Alagoas, Sergipe, Pernambuco e Bahia. Porém, é bem provável que pessoas de outros estados e países também já viviam no povoado.

A intenção da Braviaco era explorar o café da Fazenda Brasileira por 20 anos e depois migrar para a pecuária.

Saiba Mais

Antônio Geraldo Rocha nasceu em Barra, Bahia, em 14 de julho de 1881 e faleceu aos 78 anos em 19 de junho de 1959. Em 1931, deixou de representar os interesses da empresa norte-americana Brazil Railway Company e foi obrigado a hipotecar parte dos bens. Rocha é autor do livro “O Rio São Francisco: fator precípuo da existência do Brasil” que contribuiu para a implantação da Comissão do Vale do São Francisco (CVSF).

Landulpho Alves de Almeida nasceu em Santo Antônio de Jesus, Bahia, em 4 de setembro de 1893 e faleceu no Rio de Janeiro, capital, em 15 de outubro de 1954. Como político, Landulpho Alves é sempre lembrado como defensor da estatização do petróleo e relator da lei N 2.004, de 1953, que deu origem a criação da Petrobrás.

Lindolfo Leopoldo Boeckel Collor nasceu em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, em 4 de fevereiro de 1890 e faleceu em 21 de setembro de 1942, no Rio de Janeiro, capital. Apesar de ter sido correligionário de Getúlio Vargas durante o Governo Provisório que sucedeu a Revolução de 1930, Collor se tornou um combatente da política ditatorial do Governo Vargas, chegando a ir para o exílio. Tornou explícito o desprezo pela ditadura em muitos jornais do Brasil, inclusive no semanário “Diretrizes”, do jornalista Samuel Wainer.

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Vila Montoya estava abandonada em 1932

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Landulpho Alves encontrou a Vila Montoya destruída (Foto: Reprodução)

Em 1932, o tenente-coronel Palmiro, da Polícia Militar do Paraná, e o vice-diretor da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), o engenheiro agrônomo Landulpho Alves de Almeida, encontraram a Vila Montoya, hoje Paranavaí, no Noroeste do Paraná, destruída, com muitas casas queimadas.

De acordo com informações do livro “Pequena História de Paranavaí”, de autoria do juiz de direito Sinval Reis, Palmiro e Almeida se surpreenderam ao ver a colônia desabitada. Os dois se depararam com centenas de casas destruídas, completamente queimadas. Na fazenda que recebeu o nome de Vila Montoya restaram poucos moradores, dispersos por vários pontos. “Estavam aqui Frutuoso Joaquim de Salles, José Firmino da Silva, João Clariano, Velho Caboclo, Marins, Velho Roque e mais alguns”, afirmou o juiz.

Os remanescentes continuaram na fazenda porque não achavam que valeria a pena migrar novamente, reviver as mesmas dificuldades que tiveram quando chegaram à região. Além disso, ainda havia cafeeiros para serem explorados. Na fazenda, os poucos colonos deram continuidade a produção, levando-a para ser comercializada em Presidente Prudente, no Oeste Paulista, conforme já o fazia a Braviaco antes de ter a concessão de terras da colônia revogada.

Quem também veio à região em 1932 foi o arrendatário Mario Pereira que construiu em Montoya a residência mais luxuosa do Noroeste Paranaense, criada sob o padrão estético europeu. A mansão também foi consumida pelas chamas. Sobre tal fato, ao longo de décadas, os pioneiros de Paranavaí levantaram três possíveis suspeitas. A primeira atribui ao presidente Getúlio Vargas o fim de Montoya.

Sinval Reis (de óculos): “Estavam aqui Frutuoso Joaquim de Salles, José Firmino da Silva, João Clariano, Velho Caboclo, Marins, Velho Roque…” (Acervo: Ordem do Carmo)

Especula-se que o Governo Vargas tenha enviado uma tropa do Exército Brasileiro à Vila Montoya para promover a destruição das residências, além da queima de milhares de pés de café. “O presidente Vargas anulou o contrato com a Braviaco e pegou todas as terras de volta porque a colonizadora apoiou um adversário político, o Júlio Prestes. Então mandar soldados para fazer esse tipo de serviço era uma forma de mostrar a companhia quem mandava aqui, caso alguém da Braviaco aparecesse de novo por essas bandas”, disse o pioneiro cearense João Mariano.

A segunda hipótese culpa a Companhia Brasileira de Viação e Comércio pelo que aconteceu. “A própria Braviaco poderia ter feito isso para se vingar do Governo Federal e também evitar que outros usufruíssem de suas benfeitorias. Muito dinheiro foi gasto. Você acha que eles deixariam outro se beneficiar disso? Acho que não!”, justificou o pioneiro gaúcho João Alegrino de Souza. Já a terceira suspeita diz respeito a grupos de criminosos que viajavam pelo Oeste Paulista e Norte do Paraná no princípio dos anos 1930, realizando atos de vandalismo, assaltos e saques. “Esses bandos visavam apenas colônias abandonadas e povoados que não contavam com força policial”, comentou o pioneiro catarinense José Matias Alencar.

Sobre a destruição de Montoya, há apenas inferências, pois os pioneiros que viveram esse período faleceram há muito tempo e nunca se dispuseram a falar abertamente sobre o assunto, nem mesmo o pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, homem que participou de praticamente todos os acontecimentos mais importantes do princípio de Paranavaí.

O que aconteceu com a população de Montoya?

Como o direito de concessão de terras da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) foi revogado em 1931, os mais de seis mil colonos que viviam na Vila Montoya ficaram sem trabalho. Muitos eram analfabetos e jamais desempenharam qualquer atividade que não a de empregado em lavouras. Por isso, sem terem como se sustentar, foram obrigados a partir em busca de serviço em outras colônias e cidades.

Supostamente, em vez de assegurar o emprego dos milhares de trabalhadores de Montoya, assumindo a colonização da região ou repassando a concessão a uma nova colonizadora, o Governo Federal preferiu, por questões ideológicas políticas, ignorar toda a problemática socioeconômica que surgiu naquele momento. A área só voltou a ser colonizada em 1935.

Há quem acredite que foi uma tentativa de mais tarde negar a existência do lugarejo, a partir da anulação histórica, já que restariam poucas testemunhas para futuramente relatarem o que aconteceu. Tal iniciativa pode ter contado com a conivência dos primeiros pioneiros de Paranavaí que ao longo da vida sempre evitaram falar sobre o assunto.

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A queda da ponte do Rio Santo Anastácio

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Pioneiros de Paranavaí tiveram de reconstruí-la em 1927

Local onde 300 famílias passaram sufoco em 1927 (Foto: Reprodução)

Em 1927, o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros teve de viajar até Pirapora, Minas Gerais, para buscar 300 famílias de migrantes para levar à fazenda que se tornaria a cidade de Paranavaí. Entretanto, a viagem foi interrompida por causa da queda de uma ponte.

Paranavaí era apenas uma fazenda situada no Norte do Paraná nos anos 1920, e que fazia parte da Gleba Pirapó, administrada pela Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), à época conhecida apenas como “Companhia Brasileira”. Inclusive por tal motivo, após 1930, a  área foi chamada de Fazenda Brasileira, uma pequena colônia que começou a se desenvolver em 1924, sob coordenação de Joaquim da Rocha Medeiros que naquele tempo tinha apenas 28 anos. Foi o jovem engenheiro agrônomo quem teve de viajar até Pirapora, no Norte de Minas Gerais, onde 300 famílias o aguardavam para trabalhar como colonos na área rural da Vila Montoya.

Medeiros conheceu a futura Paranavaí em 1924 (Foto: Reprodução)

Para trazer toda aquela gente a Paranavaí, Medeiros alugou um trem especial que levava passageiros até Presidente Prudente, no Oeste de São Paulo. A viagem foi interrompida por causa de chuvas torrenciais que se prolongaram por mais de um mês, causando enormes estragos. “A nossa sorte é que ficamos sabendo que a nove quilômetros havia dois galpões para a criação de bicho da seda que estavam abandonados. Também havia outras coberturas desocupadas. Lá, conseguimos acomodar todo mundo”, relatou o engenheiro agrônomo em um registro pessoal sobre a colonização do Norte do Paraná.

Quando a chuva cessou, Joaquim Medeiros chamou a atenção de todos e explicou que logo chegariam a uma estrada de terra próxima do Rio Santo Anastácio. Por azar, um pouco mais adiante havia uma ponte de madeira que não resistiu às chuvas e cedeu, indo por água abaixo. De acordo com o engenheiro, logo voltou a chover e tiveram de voltar aos barracões. “À nossa esquerda, as terras se resumiam a um massapé preto numa densa mata”, comentou Medeiros.

Estrada percorrida pelas 300 famílias de colonos (Acervo: Diederichsen & Tibiriçá)

No local onde a ponte caiu, o engenheiro selecionou o maior número possível de homens para ajudar a reconstruí-la, pois não havia nenhum outro meio de atravessar tanta gente pelo Rio Santo Anastácio. Além disso, não podiam abandonar os veículos usados no transporte dos colonos. “Fizemos nove quilômetros de estiva e depois iniciamos a transposição até a área do cerrado”, relatou Joaquim da Rocha, acrescentando que foi um trabalho surpreendente, que jamais seria completado com êxito se não fosse pelo tanto de pessoas dispostas a ajudar.

Mais tarde, os centenas de migrantes enfrentaram outro problema. Os caminhões atolavam com extrema facilidade no solo do arenito Caiuá, o que afetou tanto a viagem que entre atolar e desatolar os veículos passou-se uma semana. “Só mesmo o nordestino para suportar tanto desconforto”, admitiu o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros. Na fazenda da Companhia Brasileira, futura Paranavaí, os migrantes trazidos de Pirapora foram responsáveis pelo plantio e alinhamento de 1,2 milhão de cafeeiros, tendo somente a ajuda de 20 caminhões Ford.

Mapa da área que pertencia a Braviaco nos anos 1920 (Foto: Reprodução)

Saiba Mais

O pioneiro e engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros que conheceu a futura Paranavaí em 1924 nasceu em Alcobaça, no Sul da Bahia, em 16 de dezembro de 1895. O engenheiro faleceu em 15 de setembro de 1978, aos 82 anos, em São Carlos, na região central de São Paulo.

Medeiros foi Secretário da Agricultura da Bahia, no governo de Landulpho Alves de Almeida. Ficou conhecido por modernizar a agricultura baiana tendo como modelo a agricultura estadunidense.

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O sacrifício do casamento

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Moradores de Paranavaí tinham de se casar em Mandaguari

Geraldo Bruno e Guilhermina Baptista foram a Mandaguari a pé para formalizar a relação (Foto: Akmitsu Yokoyama)

Geraldo Bruno e Guilhermina Baptista foram a Mandaguari a pé para formalizar a relação (Foto: Akmitsu Yokoyama)

Geraldo Bruno e Guilhermina Baptista viviam na zona rural de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, e decidiram se casar em 1951, após dois anos de namoro. O maior obstáculo na época era que não havia cartório de registro civil, obrigando-os a irem até Mandaguari. Apesar da distância de cem quilômetros, o casal aceitou o desafio para formalizar a relação. Saíram de mãos dadas numa madrugada de outono, antes do galo cantar, com a intenção de chegar a Mandaguari no mesmo dia. “Fomos a pé e não deu tempo de achar o cartório aberto, então dormimos numa pensão, em quartos separados, e nos casamos no dia seguinte pela manhã”, relata a pioneira Guilhermina Baptista, acrescentando que hoje quando conta aos netos pensam que é invencionice.

Geraldo e Guilhermina levaram as roupas e os sapatos do casamento dentro de uma bolsa de estopa, pois sabiam que chegariam sujos em Mandaguari. “O caminho foi bem tortuoso, mas a vontade de casar era tanta que parecia que não existia mais nada além de nós dois na estrada”, comenta Guilhermina em tom de nostalgia, esboçando um largo sorriso. Geraldo Bruno, com um olhar disperso no tempo, lembrou que viajaram de galocha porque tinha chovido dias antes e o lamaçal pelo caminho podia deixá-los descalços se percorressem todo o trajeto com calçados comuns. “Atenção era tudo porque dependendo de onde a gente pisava a lama afundava”, frisa Bruno.

A viagem foi longa e os dois não conseguiram chegar limpos a Mandaguari, mas pelo menos viajaram com roupas escuras para evitar que a sujeira ficasse mais evidente. “Quando passava algum caminhão ou jipe por perto, a gente tinha que cortar pela mata. A paisagem fazia valer a pena. Era bonita demais e tinha muitos bichos pela floresta, fora o verde que forrava o chão pra gente pisar em cima, o que deu mais segurança”, diz Guilhermina.

Cerimônia religiosa foi realizada na Capela São Sebastião (Acervo: Fundação Cultural)

O casamento no cartório de Mandaguari foi testemunhado por desconhecidos, pois naquele tempo a viagem não compensava para quem iria apenas assinar o testemunho da oficialização. Além disso, poucos tinham automóvel. Por isso, alguns casais tinham de ir a Mandaguari a pé para se casar.

Em Paranavaí, os familiares já estavam preparando a cerimônia na igreja e também a festa de casamento. “Deixamos tudo acertado. Mesmo assim a viagem demorou mais do que a gente imaginou. Levamos dois dias pra ir a Mandaguari casar e depois voltar pra Paranavaí. Na volta, a gente ficou mais feliz porque tinha dado tudo certo”, afirma Geraldo Bruno. A viagem foi muito cansativa, mas, entre sorrisos e olhares, o casal declara que seria capaz de fazer tudo de novo se ainda fossem jovens. Guilhermina confidenciou que antes do matrimônio o relacionamento se limitou a abraços não muito íntimos e carícias na mão.

“Era tudo muito diferente de hoje, havia uma relação muito forte de respeito e cumplicidade. Era bem mais gostoso porque muitas moças só se envolviam quando sabiam quais eram as intenções do rapaz. A gente também tinha certas curiosidades, mas valia a espera”, enfatiza. Quando não eram casados, de acordo com Geraldo Bruno, só saíam de casa com a autorização dos pais de Guilhermina. “Só dava pra namorar nos finais de semana e ainda assim tinha um limite, por volta das 21h, no máximo, eu tinha que levá-la pra casa. Se passasse um minuto além da conta era punido. Ficava uma semana sem ver a Guilhermina”, explica. Geraldo e Guilhermina Bruno têm mais de 80 anos e estão juntos há mais de 60.

Curiosidade

Em 1951, Paranavaí ainda era Distrito de Mandaguari. O título de município só foi assegurado em dezembro de 1952.

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A trágica história de João Levinho

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Um grande jóquei que teve um triste fim como andarilho

Levinho foi encontrado morto na área rural de Marilena (Foto: Reprodução)

O roraimense João Ortino Moreira, conhecido como João Levinho, foi um jóquei que teve a carreira interrompida em Boa Vista, Roraima, em 1952, e veio ao Noroeste do Paraná a pé, fixando residência em Paranavaí. Mais tarde, se tornou agricultor, mas devido a algumas desilusões abandonou tudo e passou os últimos dias de vida vagando como andarilho pela região.

João Levinho nunca conheceu os pais. Em 1929, foi abandonado numa sarjeta da periferia de Boa Vista seis meses após o nascimento. Dizem que no mesmo dia a proprietária de um prostíbulo o recolheu e lhe deu abrigo até os cinco anos, além de registrá-lo.

“Um dia, Levinho foi chamar a mulher pela manhã e a encontrou morta, estirada sobre a cama. Parece que teve um ataque cardíaco. Quando ouviu as garotas da casa falando que deveriam entregá-lo à polícia, ele se assustou e fugiu”, relata o aposentado Juraci Martins que conheceu João Moreira em um bar em 1955.

Afastou o frio e a fome cheirando cola de sapateiro

Levinho não teve infância. Enquanto as outras crianças brincavam, o garoto andava pelas ruas procurando restos de alimentos no chão e em latas de lixo. Para afastar o frio e a fome, muitas vezes recorreu a um tipo de cola de sapateiro que os companheiros de rua partilhavam. Costumava passar a noite em um terreno baldio. Pulava o muro e dormia enrolado em folhas de bananeira. “Falou que se sentia protegido assim. Quando tinha uns 12 anos, Levinho conheceu Orlando de Maria, um comerciante que o ajudou”, conta Martins.

O homem levou João Moreira a um clube de hipismo, onde lhe mostrou as corridas de cavalos. Foi aí que surgiu a oportunidade de se tornar um jóquei e o garoto aceitou. O pequeno e leve João se destacou, demonstrando talento para o esporte. Até os 22 anos, conquistou títulos que renderam bastante prestígio nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil.

Com uma carreira de sucesso, surgiram melhores oportunidades, mas Levinho não aceitou nenhuma, pois tinha uma dívida de gratidão. “O João continuou vivendo em Boa Vista e dividia tudo que ganhava com o comerciante”, explica o aposentado. Numa noite de 1952, Orlando de Maria foi assassinado a tiros por um apostador na saída do clube de hipismo, após mais uma vitória de Levinho.

Assustado, Moreira recebeu a recomendação de ir embora de Boa Vista. Partiu para Belém, no Pará, a pé, só com a roupa que estava usando e um anel de ouro que tinha uma pequena pedra no formato de um cavalo – presente do comerciante. Lá, Levinho ouviu a conversa de dois homens na saída de um bondinho. “Falavam de um lugar no Paraná pra onde as pessoas estavam indo, algo como ‘Paraivaí’ ou ‘Paranaivaí’”, diz Martins, reproduzindo as palavras de Levinho. Moreira, que nem sabia onde ficava o Sul do Brasil, decidiu encarar a aventura e tomou a decisão de vir ao Paraná.

Atravessou rios e matas para chegar a Paranavaí

A viagem toda foi percorrida a pé porque antes de João Moreira deixar Boa Vista o rapaz fez uma promessa de nunca mais depender de ninguém para alcançar qualquer objetivo. “Levinho andou mais de cinco mil quilômetros, atravessou rios e matas. Queria provar a si mesmo do que era capaz”, justifica Juraci Martins. Antes de completar metade do trajeto, João Ortino estava quase descalço, com a sola do sapato completamente gasta. Então Levinho improvisou um calçado feito de chapa de madeira, borracha e barbante.

Andou mais centenas de quilômetros até chegar a Ponta Porã, no Mato Grosso. Lá, Moreira dormia sob um banco de praça quando foi surpreendido por um ladrão que tentou arrancar-lhe o anel do dedo. Levinho resistiu e levou duas facadas, uma na perna e outra no braço. Ainda assim preservou o seu único bem material. Em vez de ir a um hospital, conseguiu uns pedaços de tecido e um pouco de pó de café num armazém e os usou para estancar o ferimento.

Algumas semanas mais tarde, já recuperado, prosseguiu viagem. “Quando chegou na divisa com o Paraná era de madrugada. Levinho viu uma canoa encostada, a desamarrou e atravessou o Rio Paraná”, narra o amigo. Quando se sentia cansado, para não ser surpreendido por animais selvagens, dormia quase no topo das árvores, preso à corda que antes estava amarrada à canoa. “O João a usava para evitar que caísse da árvore durante o sono”, comenta Martins. Levinho chegou a Paranavaí cinco meses depois que deixou Boa Vista.

Abandonou tudo em 1965

Na cidade, conheceu um migrante português que estava de partida para Londrina, no Norte Central Paranaense. O homem ofereceu uma chácara em troca de 50% dos rendimentos. Levinho hesitou por um instante, mas aceitou a proposta. Na propriedade situada na saída de Paranavaí, o roraimense construiu um rancho. Para investir na propriedade, trabalhou como peão na derrubada de mata. “João Levinho comia só uma vez por dia pra guardar dinheiro pra investir na cafeicultura.  Conseguiu uma fazenda de café em menos de dez anos”, enfatiza o aposentado.

Moreira se casou em 1957 com uma moça de origem polonesa. O relacionamento foi mantido até 1965, quando descobriu que a mulher o traía. Um ano antes já tinha vivido uma tragédia. Os três filhos de Levinho, que tinham entre três e seis anos, estavam brincando quando foram atropelados por um caminhão carregado de café que ia para o Mato Grosso. “A traição foi o estopim. Ele abandonou tudo, fugiu de casa. Procurei por toda parte, mas não o achei em canto nenhum”, garante Juraci Martins.

Após o Natal de 1968, um caminhoneiro, amigo do aposentado, informou que um homem com as características de João Moreira foi visto nas imediações de Marilena, a 70 km de Paranavaí. Martins percorreu a localidade por horas, até que viu um homem deitado sobre um capinzal, às margens de uma estrada que dava acesso à Fazenda Santa Lúcia. “Levinho estava muito mal vestido, barbudo e com o cabelo comprido. Quase não o reconheci. Tinha um ar sereno no rosto, apesar de um dedo torto, que parecia quebrado, e as cinco facadas que o mataram, deixando a blusa toda vermelha”, confidencia.

Pela primeira vez em 26 anos, João Moreira estava sem o anel de ouro no dedo. “Se tornou o seu bem mais precioso. Sempre me dizia isso. Até hoje não dá pra acreditar que João Ortino Moreira foi morto por aquilo que lhe era tão importante, mas não tão significante para quem quer que tenha sido seu assassino”, declara Juraci Martins. Quando a polícia desistiu das investigações, o amigo percorreu a região tentando descobrir quem matou Moreira. Soube apenas que João Levinho tinha ganhado o apelido de “Quietinho”, um andarilho que nada falava ou pedia a quem quer que fosse e por onde passasse.

Saiba Mais

João Levinho foi encontrado morto em 27 de dezembro de 1968, dia em que completaria 39 anos.

Curiosidade

João Ortino Moreira começou a competir por volta dos 14 anos. Era rápido e leve como o vento, diziam os outros jóqueis que o apelidaram no primeiro campeonato em que participou.

A idolatria e o culto de imagens nos anos 1950

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“Muitos participavam das missas porque era algo diferente dentro da monótona vida no mato”

Nos tempos de colonização, o apego aos santos chamou a atenção dos padres alemães (Foto: Ordem do Carmo)

A partir de 1950, autoridades religiosas que se mudaram para Paranavaí, no Noroeste do Paraná, perceberam que milhares de moradores tinham o costume de endeusar imagens, principalmente de santos, colocando-os num patamar de deidade.

Sobre o perfil dos cristãos que viviam em Paranavaí, o padre alemão Alberto Foerst escreveu, em um artigo da edição número 10, do ano 21, da revista alemã Karmelstimmen, de 1954, que a maioria não sabia o real significado da palavra fé e ainda afirmou que havia muita ignorância no campo religioso local. “Muitos só participavam das missas porque se constituía em algo diferente dentro da monótona vida no mato”, comentou Foerst.

À época, os cristãos da cidade depositavam toda a fé em figuras de santos que variavam em formas, cores e tamanhos. Eram tratados de forma tão peculiar que chamava a atenção das autoridades religiosas que assumiam alguma missão em Paranavaí. “Os santos eram seus deuses. Após a missa, apareciam carregando todos os tipos de quadros de santos para serem bentos, talvez até pela décima vez”, relatou o padre alemão.

A relação dos cristãos locais com os santos era tão extrema e profunda que alguns destinavam um quarto da casa para as esculturas. As imagens eram tratadas com tanto esmero, inclusive havia quem passasse horas do dia cuidando da aparência do santo esculpido. “Tinha gente que acreditava que sua vida desabaria se o mesmo teto não pudesse ser dividido com aquela imagem”, destacou a pioneira paranaense Maria Neuza Constantino.

Ter a escultura de um santo em casa fazia as pessoas acreditarem que estavam seguras. Era como se a proximidade com as imagens afastasse tudo de ruim, principalmente as dificuldades da vida no campo, segundo o pioneiro catarinense José Matias Alencar. “Muitos se apegavam a isso como algo único e se afastavam de todo o resto. Se analisar bem, até de Deus, pois muita gente ia pra igreja para rezar ou conversar somente com os santos”, enfatizou.

Durante os anos em que viveu em Paranavaí, frei Alberto constatou que para a população Jesus Cristo e os santos eram iguais, sem qualquer diferença. “A Festa de Santo Antônio e de outros santos, por exemplo, era comemorada muito mais do que a Páscoa e Pentecostes. As procissões, se não fossem acompanhadas pelas imagens dos santos poderiam ser confundidas com um bloco de Carnaval”, ressaltou e lembrou que as comemorações eram acompanhadas de enorme quantidade de fogos lançados ao céu.

Um acontecimento inusitado no Povoado de Cristo Rei

Em 1954, o padre alemão Alberto Foerst foi a uma missão religiosa no Povoado de Cristo Rei, que pertencia a Paranavaí, onde as pessoas se referiam a Jesus Cristo da mesma maneira que se referiam aos santos. O que mais chamou a atenção do frei foi uma mãe que estava com o filho diante do altar do Cristo crucificado.

No local, a mulher percebeu o olhar curioso do filho e chamou-lhe a atenção. A mãe disse: “Olhe, filho, aquele ali lutou contra os poderosos, então bateram muito nele e ele sangrou. Mais tarde, se tornou um grande santo. Tome nota, meu filho: nunca brigue com os poderosos!”, recomendou a mulher em tom sério. Em seguida, a mãe do garoto complementou: “Pense neste que está deitado aí, senão assim acontecerá igualmente a você.”

Por essas e outras, o padre alemão explicou aos leitores da revista alemã Karmelstimmen que a ignorância religiosa em Paranavaí era muito grande porque a comunidade era formada na década de 1950 por uma maioria de pessoas que pouco ou quase nada sabiam a respeito do real significado do cristianismo.

Saiba Mais

Na década de 1950, o culto de imagens em Paranavaí, principalmente de santos, não era apenas um fator religioso, mas também cultural e tinha relação direta com o que os cristãos da cidade aprenderam com seus antepassados, independente do vínculo que tinham ou não com a Igreja Católica; À época, cerca de 95% da população local da época se considerava católica, conforme pesquisa da Ordem dos Carmelitas do Paraná.

O extremo culto de imagens só começou a perder forças em Paranavaí anos depois, com o trabalho desempenhado pelos padres da Paróquia São Sebastião e também com o surgimento das religiões protestantes. Por muito tempo, esta região viveu alheia às instituições religiosas, tanto que das décadas de 1920 até 1950 a maior parte da população demonstrava profundo apego as crenças que faziam a manutenção da fé a partir de conceitos baseados no conhecimento empírico e não no estudo formal religioso.

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