Um México de miseráveis e delinquentes
Los Olvidados, uma denúncia social com requinte poético
Los Olvidados é um filme revolucionário do mestre surrealista espanhol Luis Buñuel sobre jovens miseráveis e solitários que sobrevivem praticando crimes. No Brasil, o filme que décadas mais tarde recebeu o título de Os Esquecidos tem algumas semelhanças com Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, e Pixote – A Lei do Mais Fraco, de Hector Babenco. Claro, com a principal diferença de que a obra mexicana foi produzida há mais de 60 anos.
Quando lançado em 1950, Los Olvidados gerou muita controvérsia. Foi censurado porque o governo mexicano e a iniciativa privada vendiam ao exterior uma propaganda de país em constante progresso. Buñuel não se importou e fez o contrário com um requinte poético de denúncia social.
Baseado na Cidade do México, o filme apresenta a realidade conflitante, fria e crua das periferias. O apelo estético e cenográfico consiste em mostrar as nuances da miséria que oscilam do campo material para o imaterial. Todos os personagens, principais ou não, estão mergulhados na imundície lapidada pela sociedade e pelo sistema político vigente.
Os destaques da película são Jaibo (Roberto Cobo) e Pedro (Alfonso Mejía), dois jovens delinquentes que se envolvem no homicídio de Julián (Javier Amézcua). O primeiro é o autor e o segundo é o cúmplice. Por ser mais velho, Jaibo se considera mais esperto que Pedro, inclusive tenta seduzir a mãe do amigo. Quando percebe a rejeição de Pedro, o persuasivo Jaibo coloca todos contra o garoto.
Confuso e solitário, o arredio Pedro, que vive o presente como se não houvesse amanhã, pratica um delito e é levado para um reformatório, onde conhece pela primeira vez o significado prático de palavras como carinho, educação, fraternidade e respeito. São valores que nunca aprendeu com a figura materna, alguém por quem cultiva um amor dúbio.
O novo mundo de Pedro desaba quando recebe uma visita de Jaibo que o convence a fugir do reformatório. Sem direito à redenção, o ingênuo e volúvel Pedro retorna ao universo da crônica rejeição familiar e descrença na moralidade, onde prevalece a primitiva lei do mais forte. Luis Buñuel cumpre um papel social que foge de pieguices como amor, paixão e honra para dar visibilidade a sentimentos tão comuns, mas ignorados pela indústria cinematográfica da época, como desprezo, desafeto, torpor, egoísmo, inveja e ódio.
Los Olvidados é tão contundente e anti-romântico que não há escapismo. Ainda assim, Buñuel consegue transmitir, em meio ao caos e a degradação motivada pela escassez material, uma inocente beleza surreal. Exemplo é o momento em que Jaibo está dormindo e o sono é o único momento em que ele é capaz de sentir-se, mesmo que fantasiosamente, realizado. Isso porque o sonho funciona como um catalisador surrealista.