David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

“O pessoal ficava até quatro meses sem ir a Paranavaí”

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Pioneira Francisca Schiroff lembra as dificuldades dos anos 1950

Em 1953, Graciosa já contava com mais de 200 famílias (Foto: Reprodução)

O distrito de Graciosa já contava com mais de 200 famílias em 1953 (Acervo: Ordem do Carmo)

Hoje em dia, quem visita Graciosa, no Noroeste do Paraná, nem imagina que a distância percorrida em 15 minutos até chegar a Paranavaí era um obstáculo nos anos 1950. A maior parte da população da colônia, então de predominância germânica, vinha a Paranavaí apenas de vez em quando. “O trajeto era difícil, tanto que até caminhão atolava. E mesmo sem imprevistos, a viagem poderia durar horas, então o pessoal ficava até quatro meses sem ir a Paranavaí”, relata a pioneira e professora Francisca Schiroff que nasceu em São José, Santa Catarina, distrito que pertencia a Braço do Norte, no Sul do estado, e se mudou para Paranavaí em 1951. Quando alguém adoecia e precisava ir ao médico na cidade, o costume era recorrer a um pioneiro que possuía um caminhão Ford 1950.

Como a estrada era estreita e havia muita mata virgem, os moradores tinham de seguir todas as recomendações do motorista do caminhão que transportava madeira até uma serraria de Paranavaí. Os cipós iam de uma árvore até a outra, chegando a formar uma cortina no meio do caminho. “O veículo rodava devagar e o motorista dizia: ‘cuidado com a cabeça, olha o cipó’ e todo mundo desviava quase que em sincronia”, conta Francisca rindo. Um dia a professora e alguns familiares decidiram ir até a cidade pegando carona em cima de um caminhão usado no transporte de algodão.

No trajeto o veículo quebrou e tiveram de seguir viagem a pé. Perto da ponte onde hoje está instalada a Avícola Felipe se depararam com uma enorme queimada. “A fumaça atravessava toda a estrada. Tivemos que dar uma grande volta para evitar de se asfixiar com a fumaça. Foi um dia muito difícil”, relata. Muitos dos migrantes saíam do distrito apenas para comprar roupas no armazém de Severino Colombelli e Casa Faber, situada onde é hoje a agência do Banco do Brasil. Dona Francisca, como é mais conhecida, sempre teve espírito de aventureira. Não ficava mais de um mês sem vir a Paranavaí.

Casa Faber, um dos destinos da população do distrito em Paranavaí (Foto: Toshikazu Takahashi)

Casa Faber, um dos destinos da população de Graciosa em Paranavaí (Foto: Toshikazu Takahashi)

Naquele tempo, um dos produtos preferidos da população da cidade era a broa de milho da pioneira. “Vendia muito, assim como o pão de fubá, porque não existia padaria”, lembra. A mandioca, até hoje uma das culturas mais tradicionais de Graciosa, era usada na produção de farinha, e a oferta dificilmente acompanhava a demanda. Como não havia feira em Paranavaí nos anos 1950, os produtores faziam as entregas de carroça ou montavam pontos provisórios nas principais ruas da região central.

Os moradores da cidade sabiam quais eram os dias e os horários da chegada dos vendedores. Um fato curioso é que nas décadas de 1950 e 1960, ao contrário da atualidade, os compradores preferiam o porco caipira gordo em vez do suíno fino – branco ou de raça. “Atraía até gente de São Paulo. Isso acontecia porque não tinha óleo de cozinha, então o animal gordo rendia bastante toucinho e banha para fritura”, justifica Francisca. O milho cultivado no distrito também chamava atenção de compradores de longe. Muitas cargas do produto foram enviadas para Santa Catarina. Nos anos 1950, Graciosa tinha duas serrarias. Uma possuía motor elétrico e a outra uma turbina a vapor. Eram modestas, mas atendiam as necessidades da população.

Em 1952, Francisca Schiroff lecionava para mais de 150 alunos do primeiro e segundo ano do ensino fundamental. Um total que aumentou no ano seguinte, quando o distrito somou mais de 200 famílias morando em sítios e chácaras. “Algumas tinham uma área de até 50 alqueires, mas a maioria residia em propriedades de 7 a 10 alqueires”, explica a pioneira. Antes de Paranavaí se tornar município, a população de Graciosa sofreu bastante porque as reivindicações tinham de ser feitas na distante Mandaguari. Era preciso dispor de vários dias para realizar a viagem.

À época, Paranavaí tinha como representante o vereador Antonio Lacerda Braga, mais tarde homenageado com o nome de um importante ginásio de esportes. A união da comunidade de Graciosa sempre foi notória e rendeu bons resultados. Exemplos são as conquistas de um campo de futebol, associação esportiva e um clube. “No passado, chegamos a ter até três vereadores na Câmara de Paranavaí. Os moradores eram bem ativos na política”, destaca dona Francisca.

Nos tempos da “domingueira”

Nos anos 1950, Graciosa ainda não realizava os tradicionais bailes que nas décadas seguintes atrairiam moradores de toda a região de Paranavaí. Por isso os mais jovens encontraram uma alternativa de lazer. Aos domingos, se reuniam na casa de algum morador, onde preparavam uma refeição, seguida por dança e atividades esportivas. “Esses encontros de domingo ficaram conhecidos como ‘domingueira’, a nossa alegria de final de semana”, revela a pioneira.

Frei Burcardo Lippert e frei Bonaventura Einberger na construção do seminário em 1954 (Acervo: Ordem do Carmo)

Frei Burcardo Lippert e frei Bonaventura Einberger na construção do seminário em 1954 (Acervo: Ordem do Carmo)

A “domingueira” era sempre organizada bem cedo porque os pais não deixavam as filhas saírem de casa à noite, inclusive os namoros costumavam ser supervisionados pelas famílias das moças. “Também não se namorava por tanto tempo como hoje. Os jovens casavam bem rápido. Em média, com um ano de relacionamento”, garante Francisca Schiroff. Para o rapaz conquistar o direito de segurar a mão de uma jovem era imprescindível namorar por alguns meses. Além disso, as famílias do casal precisavam se conhecer e estabelecer uma relação de respeito.

Um seminário que se tornou referência

Além de professora, dona Francisca também era muito ativa nos trabalhos da comunidade católica de Paranavaí, tanto que por muitos anos deu aulas de catequese para crianças. “Foi por causa desse meu envolvimento com a igreja que recepcionei praticamente todos os padres que chegaram da Alemanha a partir de 1953”, enfatiza. Em 1954, a pioneira contribuiu na construção do Seminário Imaculada Conceição, inaugurado com uma turma inicial de 50 jovens. Francisca se recorda com alegria dos muitos seminaristas que se tornaram excelentes profissionais e importantes lideranças religiosas.

Segundo a pioneira, o seminário representou um grande avanço na educação de Graciosa, pois muitas crianças e adolescentes não tinham condições de viajar para estudar. “A maior parte das despesas era bancada pela Ordem dos Carmelitas da Alemanha. Desde a comida até a administração do local e a remuneração dos professores”, confidencia, sem deixar de citar que o seminário também recebeu uma boa ajuda dos moradores do distrito e de Paranavaí.

Com o tempo, o Seminário Imaculada Conceição, conhecido pelo rigor educacional, começou a atrair jovens de todas as partes do Brasil. Além de oferecer acompanhamento pedagógico e exigir dedicação cotidiana dos alunos, o local já funcionava sob regime de internato. “Devemos muito aos padres alemães que foram responsáveis pelo seminário. Eles transformaram Graciosa em uma referência até na Alemanha, de tão positivo que foi esse trabalho”, avalia.

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One Response to '“O pessoal ficava até quatro meses sem ir a Paranavaí”'

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  1. Parabéns dona Francisca muito amável sua história; da qual algumas coisa eu participei são realidades verídicas que passastes; Deus te abençoe e proteja .A

    Adolfo Rech .

    1 Dec 15 at 10:51 pm

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