David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

O homem que sobreviveu a três tentativas de assassinato

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Nebrão: “Dei como certa a minha morte. Ouvi só o barulho acionado pelo gatilho, mas a bala não veio”

Na Vila Alta, quem ingressa no crime precisa de sorte para chegar aos 25 anos (Foto: David Arioch)

Na Vila Alta, quem ingressa no mundo do crime precisa de sorte para chegar aos 25 anos (Foto: David Arioch)

Quem conversa com o pacato Nebrão, de 33 anos, não imagina que ele já foi um dos homens mais perseguidos da Vila Alta, na periferia de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Comunicativo e de fala mansa, hoje se orgulha da vida tranquila e também de ter evitado que crianças e adolescentes entrassem ou continuassem no mundo do crime.

“Saí desse caminho errado graças a Deus. Já fui ladrão sim. Também me envolvi em outras coisas erradas. Não posso negar meu passado, mas me distanciei dessa vida sem futuro”, garante enquanto exibe inúmeras cicatrizes, principalmente marcas de facadas. De origem pobre e sem estrutura familiar, Nebrão é um raro exemplo de sobrevivência, ainda mais levando em conta que no bairro onde foi criado quem se torna criminoso precisa de sorte para chegar aos 25 anos.

O rapaz perdeu muitos amigos de infância e adolescência nos anos 1990, quando uma onda de terror tomou conta do bairro. Naquele tempo, a Vila Alta era conhecida como Vila do Sossego. “Muita gente foi pra debaixo da terra e outro monte pra cadeia. Era bandido matando bandido. É até difícil citar uma rua onde não morreu ninguém na época”, afirma. Os assassinatos no bairro sempre tiveram relação com o narcotráfico ou rixas entre facções do crime organizado. “Aqui é bem tranquilo para quem não se envolve com essas coisas, mas o ‘bicho pega’ se tu seguir a vida do crime e der mancada”, garante e cita o exemplo de um garoto de 13 anos que morreu após levar um tiro na cabeça enquanto estava escorado sobre um tanque, bebendo água da torneira.

Nebrão: "Difícil era citar uma rua onde não morreu ninguém” (Foto: David Arioch)

Os assassinatos no bairro sempre tiveram relação com o narcotráfico ou rixas entre facções do crime organizado (Foto: David Arioch)

O adolescente foi morto porque furtou uma trouxinha de drogas. A tolerância é zero, tanto com quem tenta enganar algum traficante quanto com quem consome e não paga pelo produto. “A quantidade nunca interessa. Pra eles, o mais importante é impor medo e respeito, mostrar que a punição é mortal”, enfatiza. Enquanto converso com Nebrão, ele faz questão de caminhar alguns passos e me mostrar onde três adolescentes foram executados porque “cresceram os olhos” sobre os lucros do chefe. “Quem se envolve com a bandidagem tem que respeitar também a lei do crime”, explica.

Por muito tempo, Nebrão foi conhecido como o maior “ladrão de água e de energia elétrica da Vila Alta”, atividade que depois lhe trouxe problemas com a Companhia Paranaense de Energia (Copel), Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) e polícia militar. Autodidata, se tornou uma espécie de mestre das gambiarras. “Só de olhar, eu sabia o que tinha de fazer. Por R$ 35, eu resolvia o problema de qualquer um. Só ficava sem água ou sem luz quem quisesse”, lembra e acrescenta que já atendeu cerca de 1/3 do bairro.

Famoso pelo serviço rápido, o rapaz desde cedo demonstrou talento em montar e desmontar objetos. Chegou a ser contratado para furtar pontes de córregos. “Dependendo do tamanho, ele não precisava nem de uma hora para desmontar e levar embora”, garante um amigo que entre sorrisos testemunha a conversa. Envolvido com furtos, roubos e receptação de mercadorias desde a adolescência, Nebrão declara que só está vivo porque Deus quis assim. “Quem tem um histórico parecido com o meu não vive muito. Sou um sobrevivente”, garante.

Nebrão falando dos anos 1990: "Difícil era citar uma rua onde não morreu ninguém” (Foto: David Arioch)

Nebrão falando dos anos 1990: “Difícil era citar uma rua onde não morreu ninguém” (Foto: David Arioch)

O rapaz tem motivos para pensar assim. Perdeu as contas de quantas noites dormiu sem saber se acordaria. Uma vez atearam fogo em sua casa de madrugada. Nebrão percebeu o incêndio a tempo e escapou da morte, apesar dos prejuízos materiais. “Comecei a ser perseguido porque um cara delatou dois traficantes e deu o meu nome como se fosse o dele. Ele queria me ‘ferrar’”, revela.

Quando tudo parecia ter voltado à normalidade, Nebrão foi surpreendido na rua por dois homens armados. No momento da execução, apesar da insistência dos atiradores, nenhum dos revólveres disparou. “Dei como certa a minha morte. Ouvi só o barulho acionado pelo gatilho, mas a bala não veio. Corri e vieram no encalço com pedaços de pau. Tentaram me derrubar golpeando minhas pernas. Não caí por milagre e consegui escapar mais uma vez”, confidencia o rapaz que é alto e corpulento, o que também pode ter ajudado na fuga.

As histórias de Nebrão são confirmadas por outros vizinhos que se aproximam para ouvir a conversa. Apesar das tentativas de homicídio, continuou no bairro, próximo da família e dos amigos. Mais tarde, um conhecido apareceu na casa do rapaz e gritou: “Ô, nego, chega aí. Quero falar contigo, é papo reto, coisa rápida.” Em seguida, a irmã de Nebrão disse: “Tenha fé, meu irmão. Deus me disse que hoje você vai amarrar o diabo.”

Quando abriu o portão, o sujeito apontou o revólver para Nebrão que começou a orar enquanto mantinha os olhos fixos sobre o atirador. “Ele abaixou a arma, chorou e disse que não aguentava mais aquela vida. Decidiu se entregar para a polícia”, relata Nebrão que em diversas situações foi perseguido por falsas denúncias de delação de traficantes.

Naquele dia, o homem enviado para matar Nebrão já tinha assassinado cinco pessoas na periferia de Paranavaí. Preocupado com o futuro, Nebrão se distanciou do crime, parou de beber, fumar e se tornou evangélico. Admite que atualmente ganha pouco para sobreviver, mas está feliz por não dever nada a ninguém. “É um dinheiro honesto. Quando a situação aperta, trabalho até na roça nos finais de semana”, assegura.

Hoje, se empenha em fazer alguma diferença na vida de crianças e adolescentes que se tornam ladrões ou ingressam no mundo das drogas. “‘Mando a real’ na molecada. Explico que esse caminho não traz nada de bom. É uma ilusão, e se continuar nele vai morrer sem aproveitar a vida. Aos traficantes e ladrões que conheço, peço pra não oferecer droga nem serviço pra eles. O que posso fazer é aconselhar e pedir”, comenta Nebrão que já conquistou bons resultados com essas ações.

Saiba Mais

Nebrão é um apelido fictício para preservar a identidade do entrevistado.

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