Archive for April, 2015
Seis anos lutando pela cultura de Paranavaí
Paulo Cesar de Oliveira, um dos melhores presidentes da história da Fundação Cultural
No início de 2009, atendendo a um pedido da classe artística de Paranavaí, o prefeito Rogério Lorenzetti convidou o músico Paulo Cesar de Oliveira para assumir a presidência da Fundação Cultural. Embora já estivesse aposentado há alguns anos, Paulo Cesar aceitou o desafio de mais uma vez fazer a diferença na cultura local.
Sob a direção de Oliveira, a FC começou a trilhar um novo caminho de conquistas, transparência e interação com a população. Assim que assumiu, sugeriu a retomada de um projeto antigo da Fundação Cultural. Ou seja, a produção do DN Cultura, página semanal em que são publicadas matérias sobre as atividades da FC, o trabalho dos artistas locais e eventos realizados no Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa. Desde então, se passaram seis anos e a página continua sendo publicada no Diário do Noroeste, parceiro da iniciativa.
Também foi na gestão de Paulo Cesar que houve um grande incentivo à criação de novas mostras, projetos e festivais. “Com o PC, implementamos o projeto Portas Abertas, um evento de música com entrada gratuita. Muita gente participou”, comenta o ex-diretor geral e atual presidente da Fundação Cultural, Amauri Martineli. Com Oliveira, o Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup) foi elevado à mostra, perdendo o caráter competitivo que normalmente acirrava os ânimos e segregava artistas. Com a nova proposta, houve mais harmonia entre músicos, contistas, poetas e espectadores. Não há mais motivos para conflitos porque todos os selecionados hoje recebem prêmios em dinheiro e também ajuda de custo da FC.
Paulo Cesar se esforçou para motivar a criação do Fórum de Cultura de Paranavaí que trouxe nomes de grande projeção no cenário nacional, além de propor mais diálogos e debates entre os artistas. A gestão de Oliveira marcou o retorno do Festival de Teatro de Paranavaí que cresceu consideravelmente nas últimas edições, trazendo artistas de todo o Brasil. Apesar da cidade não ter uma sólida cultura audiovisual, Paulo Cesar sempre incentivou a realização do Projeto Mais Cinema que de 2008 até 2013 exibiu mais de cem filmes seguidos de análise e debate na Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade.
Além de duas mostras de cinema, inclusive uma internacional, o ex-presidente da Fundação Cultural também se empenhou na descentralização das atividades culturais do município. Exemplos são as muitas oficinas que foram realizadas nos bairros ao longo dos anos, atendendo crianças e adolescentes. “Com o Arte em Todos os Cantos, o Paulo Cesar também defendeu o acesso aos mais diversos tipos de espetáculos. Muita gente não tem condições de vir ao Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa e Casa da Cultura, então sempre escolhemos um bairro da periferia para levar apresentações dos nossos artistas”, destaca a gerente de desenvolvimento cultural Talise Schneider.
Paulo Cesar de Oliveira uniu a equipe da Fundação Cultural e os seus colaboradores. Em pouco tempo, a FC chegou a um total de dois mil alunos participando das dezenas de oficinas de artes. É até difícil enumerar em apenas um texto todas as conquistas que tiveram a contribuição de Paulo Cesar em seis anos de dedicação. Na gestão de Oliveira, a FC criou também o Concurso Altino Costa de Declamação, que visa incentivar crianças a se interessarem por poesia, e o Femupinho, uma versão do Femup para crianças e adolescentes. “A boa vontade e empenho do Paulo permitiu também que criássemos o Festival A Voz do Trabalhador e melhorássemos o Festival de Corais de Paranavaí”, destaca Martineli.
Talise cita também que Paulo Cesar viabilizou a criação do Festival de Dança de Paranavaí, evento que tem crescido e se tornado uma grande referência regional. No 1º Fórum de Cultura de Paranavaí, o então presidente da FC incentivou a criação de grupos de trabalho divididos por segmentos. Assim os artistas poderiam se unir para discutir sobre as necessidades de cada área. Muitas vezes, Oliveira se responsabilizou por conseguir patrocínio para projetos de artistas locais. Um exemplo é o Camerata Paranavaí, coordenado pelo músico Arnaldo Santos.
Quando necessário, Paulo Cesar ia muito além da sua função. Chegou a tirar dinheiro do próprio bolso para custear despesas da Fundação Cultural e ajudar artistas que enfrentavam alguma crise financeira. Também implantou o Projeto Clave de Luz, de formação profissional de música para crianças e adolescentes na Escola Municipal de Música Luzia Guina Machado, ampliou o número de oficinas oferecidas pela Fundação Cultural e depois batalhou pela criação da Banda Sinfônica Clave de Luz.
A gravação do primeiro CD da Orquestra de Sopros Paranavaí, mantida pela Fundação Cultural, também não seria possível sem a ajuda do então presidente da FC. “O Paulo lutou também pela aquisição de novos instrumentos para a orquestra e para o Projeto Clave de Luz”, garante Amauri Martineli. O fortalecimento do Conselho Municipal de Cultura e as criações do Fundo Municipal de Cultural, Edital Municipal de Incentivo à Cultura e Conferência Municipal de Cultural também são conquistas que contaram com a dedicação de PC. Após tanto trabalho, Paulo Cesar de Oliveira pediu exoneração do cargo na semana passada para trilhar um novo caminho.
A versatilidade de Paulo Cesar de Oliveira
Filho dos pioneiros Sebastião Bem Bem de Oliveira e Elazir Azevedo de Oliveira, personagens ilustres da história de Paranavaí, Paulo César de Oliveira nasceu em Paranavaí em 30 de maio de 1951. Começou a trabalhar com apenas 12 anos no Banco América do Sul. Antes de ingressar no Exército em 1970, trabalhou na Livraria Santa Helena e na Livraria Eclética. Quando retornou, assumiu a chefia da Divisão de Pessoal da Prefeitura de Paranavaí, até que em abril de 1974 tomou posse como funcionário do Banco do Brasil, onde trabalhou até 1997.
Paulo Cesar também foi vereador por dois mandatos, secretário da administração municipal, gerente da Associação Comercial e Empresarial de Paranavaí (Aciap), presidente da Associação Atlética Banco do Brasil (AABB) e vice-presidente do Sindicato dos Bancários, além de presidente da Associação Paranavaiense de Arte e Cultura (Apac) e da comissão organizadora do Femup em 1973.
Mas para a classe cultural de Paranavaí, Paulo Cesar é sempre lembrado como membro-fundador do Teatro Estudantil de Paranavaí (TEP), um dos mais antigos do teatro paranaense, e fundador do Grupo Gralha Azul, importante nome da música regionalista do nosso estado. Músico, poeta, compositor e bacharel em direito, Oliveira compôs mais de 100 músicas ao longo da carreira.
“Ele escreveu, dirigiu e atuou no espetáculo ‘A Hora da Boia’, montado pelo TEP. Recebeu diversos prêmios, inclusive o de melhor ator coadjuvante no Festival Internacional dos Países do Mercosul, realizado em Marechal Cândido Rondon em 1999”, enfatiza Amauri Martineli. Paulo Cesar também escreveu e dirigiu a peça “Bar Copa 70”, montada pelo TEP em 2009 em comemoração aos 40 anos do grupo.
Depoimentos da equipe da Fundação Cultural de Paranavaí
“PC foi de longe um dos melhores presidentes que a Fundação Cultural já teve. Paulinho é da classe, é músico, é poeta, é da gente. Por isso seu comprometimento e seriedade à frente da cultura da nossa Cidade Poesia foi tão importante. Posso afirmar que sua ausência faz parecer que nos falta um braço direito, uma parte de nosso corpo que leva um tempo para nos acostumarmos com sua falta. PC deixa em todos nós marcas indeléveis e inspiradoras. Querido por artistas e não necessariamente artistas, PC deixa sua marca e muitas conquistas para o meio cultural. Para mim, será sempre o nosso presidente de honra.”
Amauri Martineli, presidente da Fundação Cultural de Paranavaí
“Paulo Cesar foi mais que presidente, administrador e artista. Foi humano ao compreender todo o movimento artístico que faz de nossa Paranavaí a Cidade Poesia. A cultura chegou aos bairros mais distantes e trouxe muitos para perto. Artistas e plateia, inclusive formada por crianças, dividiram o palco inúmeras vezes. O grande pescador que sempre contava histórias ao final de cada reunião com a equipe jogou a rede e trouxe muitas conquistas para a cultura de nossa cidade. Hoje temos festivais que mobilizam artistas de todo o país. Exemplos são os festivais de teatro e dança. Admirado por muitos artistas, será sempre grande inspiração para o movimento cultural de Paranavaí.”
Talise Schneider, gerente de desenvolvimento cultural da Fundação Cultural de Paranavaí
“O Paulo César foi um grande mestre na minha juventude, quando me iniciei no teatro. Anos depois, pude me reencontrar com o mestre durante esses seis anos na Fundação Cultural. Bem, foi uma honra para mim esses dias de convivência, aprendizado e trabalho. Para ele, minha gratidão enquanto artista e agente cultural. Como presidente da Fundação Cultural, promoveu o Movimento Cultural de nossa cidade, assim como já havia feito na sua juventude e durante sua vida em tempos atrás. Não vou mensurar ou destacar aqui suas contribuições. Eu seria injusta com certeza, pois foram muitas. O que quero dizer é que sei de sua luta de anos atrás e sei da sua luta durante esses últimos seis anos. Por isso, agradeço ao mestre PC com minha alma de artista por mais essas lições e pelos caminhos apontados para trilharmos. Siga com sua poesia, mestre querido. Não podemos viver sem ela. Evoé!”
Rosi Sanga, coordenadora da Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade
“Eu acredito que a música é uma ferramenta capaz de formar cidadãos sensíveis e críticos, além de músicos. Assim como um maestro dotado de muita sensibilidade tira o melhor de seus músicos, o PC com sua experiência e sabedoria soube tirar o melhor de sua equipe e assim nasceram projetos incríveis como a banda sinfônica Clave de Luz e os projetos de música nos bairros. Considero o PC um grande maestro da cultura paranavaiense.”
Rafael torrente, coordenador da Escola Municipal de Música Luzia Guina Machado.
Oficina do Tio Lú no Encontro com Fátima Bernardes
Artista plástico de Paranavaí recebeu a equipe do programa ontem
Anteontem, eu estava retornando de Curitiba, quando parei em Califórnia por volta das 22h para atender uma ligação. Era o Tio Lú, artista plástico da Vila Alta, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, que faz um trabalho de recuperação de crianças em situação de vulnerabilidade social. Feliz, me contou que ontem de manhã receberia a equipe de jornalismo do programa Encontro Com Fátima Bernardes, da Rede Globo. Emocionado, me agradeceu várias vezes pela divulgação da sua oficina em texto e vídeo.
Depois pediu que eu fosse até a casa dele antes das 9h para dar uma força. Gostei muito da experiência. Fiquei emocionado em ver que após seis anos acompanhando a Oficina do Tio Lú, o trabalho do Seu Luiz vai ter uma repercussão muito maior. Outra felicidade foi encontrar o artista plástico Jesus Soares que teve importante participação nesse processo. Inclusive foi quem me apresentou ao Tio Lú há seis anos. Jesus fez questão de contribuir, tanto que dedicou a manhã toda e parte do início da tarde.
Admito que não tenho o hábito de assistir TV, mas fiquei grato em ver o carinho e a sensibilidade da equipe do programa com todo mundo que participou e testemunhou esse trabalho que findou só por volta das 14h. Tiveram uma grande preocupação em conhecer a fundo o projeto do Tio Lú. Recolheram fotos, vídeos produzidos de forma independente e checaram todos os outros materiais já publicados sobre o assunto.
É muito legal saber que o Seu Luiz, já com 84 anos, dois joelhos problemáticos e diagnosticado com uma hepatite C no final de dezembro, continua lutando pelos seus ideais, se esforçando para fazer a diferença em um mundo cada vez mais individualista e materialista. A garotada também merece só elogios. Deram um grande show de comprometimento e gratidão. A reportagem gravada em Paranavaí vai ao ar no programa Encontro com Fátima Bernardes na terça-feira.
Link do vídeo produzido pela equipe do Encontro Com Fátima Bernardes (atualizado no dia 21-04-2015):
http://globotv.globo.com/t/programa/v/gabriela-lian-mostra-trabalho-de-artesao-de-84-anos/4124935/
Conheça um pouco mais o trabalho do Tio Lú nos links abaixo:
//davidarioch.com/2014/02/22/oficina-do-tio-lu/
//davidarioch.com/2014/10/14/ajudando-jovens-em-situacao-de-risco/
Renato Esteves, um soldado pacifista no Oriente Médio
Conhecido como Sete Metros, jovem de Paranavaí se destacou no Batalhão de Suez e recebeu condecoração da ONU em 1962
Em 1961, Renato Esteves Oliveira tinha 23 anos quando foi selecionado para ser um dos boinas azuis da Organização das Nações Unidas (ONU) no Canal de Suez, no Oriente Médio. O soldado deixou Paranavaí, no Noroeste do Paraná, porque queria ajudar a acabar com a guerra entre judeus e árabes, intensificada em 1956, quando Israel invadiu o Egito.
“A gente morava na fazenda e um dia o meu marido Joaquim [Mariano Silva] foi entregar leite e parou na venda de um português conhecido como ‘Seu Augustinho’, perto da Sanepar [Companhia de Saneamento do Paraná]. O comerciante disse que o meu irmão avisou que iria para o Canal de Suez [que liga o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho]”, conta a aposentada Maria Aparecida Oliveira Silva.
Com a 7ª Companhia do 3º Pelotão do Batalhão de Suez, Renato Esteves, que era conhecido pela família como Lula e pelos amigos como Sete Metros porque tinha 1,92m de altura, precisou suportar uma viagem de navio com duração de 25 dias até chegar ao Oriente Médio, onde começou a patrulhar na Linha de Demarcação do Armistício (LDA). “Lembrei muito de vocês. Foram muitos dias e noites vendo apenas água, mas deu pra passar na África e na França. Se Deus quiser, vou a Jerusalém na Semana Santa. Também quero levar pra vocês um pouquinho de água do Rio Jordão”, prometeu Renato Esteves à família em carta de 19 de novembro de 1961.
Na LDA, o trabalho do soldado era ajudar a garantir a paz. Ou seja, não permitir que a zona neutra fosse ocupada por israelenses e árabes, caso surgissem provocações ou tentativas de transposição. Se houvesse alguma suspeita, deveria avisar os superiores. Como era voluntário, Sete Metros viajou para o Egito sem se preocupar com salário, mas quando chegou lá ficou feliz com a remuneração paga pela ONU. “Sinto saudade de Paranavaí, mas gosto muito daqui porque o ordenado que ganho em um mês equivale ao salário de um ano no Brasil. Já estou com quinhentos dólares na caixa”, escreveu em carta de novembro de 1961.
De natureza pacífica, o soldado, também chamado de Pracinha 4307 por causa do seu número de identificação, se orgulhava de não ter matado ninguém em 1961 e 1962, período em que fez parte do Batalhão de Suez. Na fronteira do Egito com Israel, teve de aprender a lidar com o perigo. Era preciso resistir ao calor escaldante, às frequentes e violentas tempestades de areia e às minas terrestres instaladas nas áreas de patrulhamento. À noite, dormiu muitas vezes em uma barraquinha de tecido branco ao lado da guarita B17. Independente das dificuldades, Sete Metros tentava resolver qualquer situação da forma mais amistosa possível. Só ficava feliz em empunhar uma arma quando era para ser fotografado. Gostava de impressionar a família, amigos e as moças com quem se correspondia.
Em 23 de novembro de 1961, o soldado afirmou que quando estava de folga passava o dia escrevendo cartas. “Cida [irmã], compre a revista Sétimo Céu que você vai ver o meu nome na última página. Já recebi mais de 300 cartas. Tem muitas moças aí do Brasil querendo me conhecer. Pergunte ao Sandro [um amigo] se ele ainda está levando um papo com aquela mineira. Estou levando um papo firme com uma de Itajubá [Minas Gerais]. Tem mais algumas de outros estados que vão me esperar na Praça Mauá quando o navio [Soares Dutra] atracar no Rio de Janeiro”, relata. Naquele tempo, como Paranavaí não tinha agência dos Correios, as correspondências eram retiradas na Casa Lusitana na Rua Manoel Ribas ou na Casa Moreira na Avenida Distrito Federal.
Trabalhando no Canal de Suez, Renato Esteves fez muitas amizades com egípcios e israelenses. À época, os boinas azuis tinham à sua disposição um avião para viagens de lazer. “Estou gostando bastante da minha vida aqui. Já conheci Beirute, no Líbano, e também o Cairo, a capital do Egito, além da Grécia. Da última vez, encontramos o presidente Juscelino Kubitschek assim que chegamos. Ele veio visitar o nosso batalhão e nos parabenizar”, narra em carta enviada à irmã no dia 13 de janeiro de 1962, acrescentando que a viagem do Cairo até Jerusalém levava 40 minutos de avião.
Enquanto viveu no Oriente Médio, nada abalou mais o pracinha do que a notícia de que o irmão João Ramos Oliveira morreu envenenado. “O meu irmão era meu amigo. A gente estudava junto e ele morreu. Falei pra ele não ficar triste com a minha partida porque eu voltaria logo”, confidenciou dias depois. Em tributo ao irmão, agendou uma missa em uma igreja católica ortodoxa de Jerusalém e tirou uma foto ajoelhado e orando. O que ajudou Sete Metros a lidar com a perda foi a amizade com uma criança egípcia de menos de dez anos. Todos os dias o soldado recebia a visita do menino que percorria quilômetros a pé para vê-lo. Quando o garotinho não podia visitá-lo, Renato Esteves ia até ele. Os dois se tornaram inseparáveis.
Embora tivesse pai, o menino viu no brasileiro uma nova figura paterna. “O Lula ficava muito tempo em uma guarita e quase sempre aquela criança o acompanhava. Levava o menino para o acampamento, comia com ele, dava presentes. O pai do garotinho também ia de vez em quando e gostava do relacionamento dos dois. Ele via uma rara bondade no meu irmão”, assinala Maria Aparecida.
Uma das brincadeiras preferidas da dupla era deitar no chão quando surgia alguma rápida tempestade. Em poucos segundos, seus corpos sumiam na imensidão desértica, cobertos pela areia. A criança ficou tão apegada ao pracinha que um dia pediu que o trouxesse ao Brasil. Como o garotinho tinha família, Esteves admitiu que não poderia fazer isso. “Você me põe dentro de uma caixa e fecha. Quando for passar na vistoria, eu vou com você”, sugeriu.
Sete Metros se sentiu tentado a trazer o menino, mas sabia que seria errado. Durante algum tempo ainda trocaram correspondências, até que as mudanças da vida fizeram com que perdessem contato. Quando retornou ao Brasil, o soldado passou um período no Rio de Janeiro, atuando no Exército. De volta a Paranavaí, quis seguir carreira militar. Então foi para Maringá, onde se tornou policial. “Como morávamos em uma fazenda e meu irmão gostava muito de viajar, ele sempre tinha um quarto reservado em um hotel perto do Terminal Rodoviário de Paranavaí. Era tudo muito bonito e bem arrumado”, explica Aparecida.
Após alguns anos, começou a namorar uma moça em Paranavaí, sem saber que a jovem também estava envolvida com outro homem. Um dia, os dois rapazes se encontraram e se estranharam. A discussão terminou em luta e Sete Metros sacou a arma primeiro e atirou no seu agressor que faleceu no local. Familiares de Esteves testemunham que a moça manipulou a situação, colocando um contra o outro. Depois da tragédia, o rapaz que fazia parte do Destacamento Policial de Nossa Senhora das Graças, na microrregião de Astorga, se entregou na delegacia de Paranavaí, alegando que estava preparado para ser punido pelo que aconteceu. Renato Esteves admitiu a culpa e aceitou a sentença.
Maria Aparecida acredita que o destino poderia ser diferente se o irmão não tivesse retornado a Paranavaí. Pelos serviços prestados no Canal de Suez, Sete Metros recebeu uma condecoração de soldado de destaque da ONU no Rio de Janeiro. O prêmio proporcionou grande visibilidade. “Sempre tinha gente tentando arrumar confusão com ele. Havia muita inveja. O Lula me contava que até os colegas de trabalho implicavam muito com ele”, frisa a irmã que até hoje não entende como o irmão, alguém tão calmo, educado e pacífico se colocou em uma situação tão antagônica à própria natureza.
Quando estava preso em Paranavaí, antes de receber a sentença, foi ameaçado muitas vezes. “Cansado e preocupado, ele pediu que eu falasse com o [deputado federal] doutor José de Alencar Furtado para acelerar a transferência dele”, revela a irmã. Após a mudança para a Penitenciária Central do Estado (PCE), em Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, a família começou a visitá-lo aos sábados. “Eu ia sempre à noite, daí amanhecia lá e o encontrava pela manhã”, enfatiza Aparecida Oliveira que não ficava muito tempo sem ver o irmão.
Só que tudo mudou no dia 6 de janeiro de 1970, quando Sete Metros estava na fila do refeitório segurando uma bandeja e aguardando o momento de pegar a comida. Um detento conhecido como Mergulhão que estava logo atrás o golpeou três vezes nas costas com um “estoque” de ferro. Quando o rapaz caiu no chão, um amigo correu para socorrê-lo. Desprevenido, também foi golpeado várias vezes. Os dois morreram no refeitório da penitenciária sem a intervenção de ninguém, nem mesmo de funcionários do complexo prisional.
Mais tarde, a família de Renato Esteves descobriu que o crime foi encomendado por um tenente de Paranavaí. “Meu irmão virou notícia em praticamente todas as emissoras de rádio do Paraná. Fiquei muito revoltada porque os soldados e policiais que eram amigos dele ficaram sabendo da morte no dia do acontecido e não avisaram a gente. Quando eu soube, fui até a barbearia frequentada por eles e discuti com todo mundo. O único que se preocupou em nos procurar foi o compadre Jobi, um ex-soldado já falecido”, garante Aparecida.
Em Curitiba, o deputado federal José de Alencar Furtado designou o próprio motorista para acompanhar a irmã de Renato Esteves até Piraquara. “Foi muito gentil e disse que o motorista poderia me levar onde eu precisasse”, comenta. Na penitenciária, Maria Aparecida entregou uma carta escrita por Alencar Furtado. Se emocionou quando viu que do irmão restou apenas uma mochila pequena com poucos pertences. Muitos itens pessoais foram furtados, não se sabe se por outros detentos ou por funcionários da prisão.
O corpo de Sete Metros foi transferido do Instituto Médico Legal (IML) para um caixão grande e azul. Antes taparam com algodão os três ferimentos causados pelos golpes. Também o vestiram com uma de suas roupas preferidas, limpinha e perfumada, embora já não pudesse mais senti-la. Na viagem a Paranavaí, a ambulância que trouxe o corpo do rapaz parou em Alto Paraná, onde a família de Renato Esteves era bem conhecida. “Quando chegamos lá, muitos que estavam próximos da prefeitura se aproximaram e falaram: ‘Nossa! Esse é o filho do Aureliano!’”, lembra Maria Aparecida visivelmente emocionada.
Depois de avisar os amigos, a família o velou por uma noite e o sepultou no dia seguinte. A mãe de Sete Metros, a portuguesa Maria Esteves, que já tinha perdido o filho João Ramos Oliveira em 1962, não resistiu a mais uma perda e adoeceu gravemente. Em 1970, faleceu alguns meses após a morte do filho Renato Esteves Oliveira que partiu sem imaginar que em 1988 o Batalhão de Suez receberia o Prêmio Nobel da Paz.
Soldado escrevia todos os dias para a família em Paranavaí
Enquanto prestava serviços para a Força de Emergência das Nações Unidas (Unef) no Oriente Médio, o soldado Renato Esteves Oliveira, conhecido como Sete Metros, escrevia todos os dias para a família em Paranavaí. Também gostava de enviar presentes. Curiosamente, as encomendas que saíam do Brasil para o Egito sempre chegavam, mas as que partiam do Canal de Suez para cá muitas vezes eram extraviadas. “O avião que leva as encomendas só vem aqui uma vez por mês. Elas chegam através do Ministério da Guerra, no Rio de Janeiro”, explicou o pracinha em carta de 1º de janeiro de 1962, seis meses antes de retornar ao Brasil.
Entre os produtos enviados por Sete Metros estavam tapetes, chinelos, navalhas, roupas e brinquedos. “Ele enviou ‘chinelo de dedo’ pra gente numa época em que aqui ainda não existia. Mandou também uma réplica de um camelinho bem bonitinho para o Pedrinho [sobrinho já falecido]. Depois de mais de 50 anos, ainda guardo com carinho”, assegura a irmã Maria Aparecida Oliveira Silva.
Em 1961, o pracinha experimentou pela primeira vez uma cerveja em lata no Egito, versão que os brasileiros conheceriam só em 1971. Gostou tanto da bebida que em 10 de abril de 1962 comemorou o aniversário rodeado de amigos e uma mesa repleta de latinhas. “Como aqui não existia, ele trouxe de lá. Junto veio um baú com tapetes e roupas para toda a família. Tinha muitas novidades, coisas que não se via no Brasil”, conta Aparecida, lembrando que o irmão geralmente pedia para enviarem jornais, cigarros e revistas, principalmente O Cruzeiro, uma de suas preferidas. No entanto, as remessas não podiam ultrapassar 20 quilos.
Em carta de 25 de novembro de 1961, Renato Esteves pediu que o pai fosse a uma barbearia para perguntar o preço da navalha alemã Solingen. “Aqui é muito barato. Eu mando pra ele vender. Vou enviar também um embrulho com tapete que não existe aí. Diga para o pai repassar por dois mil cruzeiros. Quem não quiser comprar, é só mandar vir buscar aqui no Egito”, ironizou. No Canal de Suez, o traje tradicional de Sete Metros incluía farda, boina, anel de formatura, cachecol e um cinto de couro com uma pistola 45 e uma submetralhadora INA. “Nunca deixei de mandar uma resposta pra ele. Tenho um pacote enorme de cartas que me enviou. Estão todas velhinhas e amarelas”, revela a irmã.
Sete Metros abominava injustiças
Foi justamente por abominar injustiças que Renato Esteves Oliveira, o Sete Metros, optou por deixar o trabalho no campo para se tornar soldado e depois policial. Nos anos 1960, a Polícia Militar do Paraná não tinha uma divisão específica para lidar com situações de alta gravidade, então no Norte do Paraná convocavam Sete Metros que logo ficou famoso por prender alguns dos criminosos mais perigosos que atuavam na região.
Apesar da curta carreira como policial militar, Renato Esteves desmantelou inúmeras quadrilhas de assaltantes e sequestradores. “Era temido pelos bandidos porque sabia como reagir em qualquer situação. Foi o responsável por acabar com ondas de tiroteios e outras ações criminosas em cidades como Nossa Senhora das Graças, Jaguapitã e Colorado”, garante a sobrinha Maria Neuza Silva. Mesmo quando estava de folga, o policial costumava intervir em casos de injustiça.
Maria Neuza se recorda das vezes em que na infância ela e o irmão Luiz Ademir saíam com o tio para comer pão com sardinha. “Era a comida preferida dele. Ele também adorava o seu jipe e gostava muito de mecânica. Foi criado na roça, mas não se identificava com o campo”, comenta a sobrinha.
Trecho de uma carta escrita por Renato Esteves em 19 de novembro de 1961
Saudações,
prezada irmã Cida. É com muito prazer que pego na pena para responder a sua cartinha recebida há poucos dias. Que bom saber que todos estão com saúde. Também vou bem graças a Deus. Fiquei muito contente de saber que recebeu carta minha e que continua me escrevendo. Quando for na Casa Lusitana, procure carta no nome do pai porque escrevi muitas. Cida, quero que tu me mande umas cinco revistas, daí quando eu receber vou te mandar um corte de vestido que aí no Brasil não tem desse pano. Tu fala para a mãe que eu mando um pra ela também. O Tim [irmão] mandou eu levar um revólver pra ele. Manda ele preparar a grana que na volta eu passo na Itália e compro a arma direto da fábrica.
Você disse na carta que o Zé [irmão] ainda não voltou e que o Francisco [cunhado] já está bom. Eu desejo felicidades pra eles. Cida, você falou que o pai conseguiu o endereço do Feliciano. Ele foi meu colega quando servimos o Exército no Rio de Janeiro. Ele queria vir pra Suez. Aqui o ordenado de um soldado é de 32 contos por mês e se Deus quiser vai vir aumento pra nós agora com a saída do Jânio Quadros. Você falou na carta que está chovendo aí. Aqui passa até um ano sem chuva. Começou o frio agora em novembro e vai até março. Quando vocês estão jantando, aqui é meia-noite e eu já estou dormindo. Deixo a minha benção ao pai, mãe e meus sobrinhos. Lembranças para todos daí.
Saiba Mais
45 anos após sua morte, o túmulo de Renato Esteves Oliveira, tio-avô do autor da reportagem – David Arioch, ainda recebe muitas visitas no Cemitério Municipal de Alto Paraná.
Sete Metros era tão respeitado que uma semana após a sua morte alguns detentos se uniram e mataram o criminoso conhecido como Mergulhão.
Frases de Renato Esteves Oliveira
“Cida [irmã], quando me escrever, mande perguntar na Fazenda Ouro Verde se tem família nova. Se alguma colega da Clarisse perguntar de mim, dê o meu endereço que é pra eu treinar a caligrafia porque a minha letra está um pouco ruim.”
Nos anos 1950 e 1960, era muito comum os casos de envenenamento em Paranavaí e região. Então um dia Renato disse: “Ô Pai, nunca tome nada que te derem para beber sem antes ver a pessoa abrir a garrafa na sua frente.”
Por que os soldados brasileiros foram enviados para o Canal de Suez?
De acordo com o Manual do Expedicionário Brasileiro em Suez, a Força Internacional das Nações Unidas enviou soldados brasileiros para fazer uma interposição entre árabes, israelenses, franceses e ingleses. O objetivo era evitar que guerreassem. Em 1956, o desentendimento entre os quatro povos teve como estopim a nacionalização do Canal de Suez pelo presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, apoiado pela União Soviética. Com isso, franceses, ingleses e israelenses não poderiam mais usar o canal como rota estratégica de navegação para Ásia, África e Europa.
Com o apoio dos Estados Unidos, França, Inglaterra e Israel se uniram para atacar o Egito. Preocupada com a possibilidade do conflito se transformar em uma Terceira Guerra Mundial, a ONU agiu rapidamente e enviou tropas de paz para o Canal de Suez. Lá, brasileiros trabalharam em parceria com soldados da Noruega, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Iugoslávia, Índia, Colômbia e Indochina.
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Idosos, os livros da cultura oral
Na minha infância e adolescência, uma das coisas que mais me agradava era a ideia de conhecer ou aprender algo sobre quem nasceu antes do século 20 ou em seu princípio. Me sinto privilegiado por ter conhecido pessoas que vieram ao mundo nas décadas de 1890, 1900 e 1910. Quando pequeno, nas visitas ao cemitério com a minha família, sempre me dispersava procurando os túmulos mais antigos e as pessoas que nasceram há mais tempo. Imaginava como eram, como viveram e o que fizeram ao longo da vida.
Estamos em 2016 e lamento que restam poucas pessoas que nasceram no século XIX. Em pouco tempo, não existirá mais nenhuma. Muito conhecimento se perde diariamente com a morte de tantos personagens. Sempre que fico sabendo do falecimento de alguém que teve uma vida considerada longa, me pergunto quantas experiências únicas essa pessoa deve ter vivido. O que será que ela viu no mundo que ninguém viu e ainda assim não teve a oportunidade de compartilhar? Será que seus filhos, netos e bisnetos ouviam suas histórias? Ou será que tanto conhecimento se desvaneceu junto com a carne?
Pelo menos pra mim, o mundo sempre parece mais raso com a morte de um ancião ou de uma anciã. Ninguém conta uma história melhor do que uma pessoa idosa. A visão que eles têm do mundo é única e inestimável. Quando o caixão de um idoso é lacrado, imagino sempre centenas de livros se fechando, livros que nunca mais serão lidos ou abertos.
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Manoel de Oliveira faleceu hoje aos 106 anos
No ano passado, o cineasta português lançou o média-metragem “O Velho do Restelo”
O cineasta português Manoel de Oliveira faleceu hoje. Aos 106 anos, ainda trabalhava. O seu último trabalho que assisti foi “O Velho do Restelo”, um média-metragem lançado no ano passado sobre um hipotético encontro de Camões, criador do personagem que empresta nome ao filme, Dom Quixote de La Mancha, Pascoaes e Castelo Branco. Em síntese, uma viagem por reflexões sobre o passado, presente e futuro. Foram 83 anos trabalhando como cineasta e passeando por gêneros.
Nem mesmo a idade avançada o impedia de se lançar no cinema como um aventureiro redescobrindo a sétima arte em tempos de cinema digital. Gostava muito de trabalhar com atores como Miguel Cintra, Diogo Dória e Leonor Silveira. Ao mesmo tempo, intrigou e atraiu estrangeiros de renome internacional como Marcello Mastroianni, John Malkovich, Catherine Deneuve e muitos outros artistas que surpreendeu pela versatilidade e amor ao que fazia, independente de imposições e limitações.
Oliveira, que nasceu no início do século XX, sempre me intrigou por ser menos conservador do que cineastas com menos da metade de sua idade e não mais do que 1/5 de sua longeva experiência profissional. Impossível e injusto listar as suas melhores obras, assim como é inadequado dissociá-las de sua própria natureza.
O cinema português, e não somente ele, não seria o que é hoje se não fosse Manoel de Oliveira, um artista livre de amarras que passeava por formatos e se dedicou a fazer com que refletíssemos sobre as nossas incertezas e a nossa condição humana, mesmo quando estas pareçam perpetuadas por décadas e séculos.