Neusa Sanches conta a história do Femup
Neusa fez parte da turma de estudantes que criou um dos festivais mais antigos do Brasil em atividade
“Nós éramos a turma pioneira do curso clássico do Colégio Estadual de Paranavaí [CEP]. Nos reunimos em 13 alunos para discutir sobre a formatura e pensamos em realizar alguma promoção”, conta a professora Neusa Sanches, uma das fundadoras do Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup), criado em 1966.
A princípio, por iniciativa de Osvaldo Cruz, vários estudantes cogitaram a possibilidade de fazer um baile, até que Neusa Sanches sugeriu uma noite de artes. Todos concordaram com a ideia e procuraram o professor Gomes da Silva, do Rio de Janeiro, que ministrava aos alunos um curso de oratória e liderança. “Fomos até o Hotel Elite, onde ele estava hospedado. Falamos a nossa ideia e ele achou ótima”, lembra Neusa.
A primeira sugestão da turma foi a abertura de inscrições de poemas inéditos. Como não havia categoria música, a animação do evento era feita por professores e alunos do Conservatório Nice Braga. “A ideia de se chamar de festival partiu do professor Gomes da Silva. Ele disse o seguinte: ‘Façam o primeiro festival e depois deem continuidade’. Começamos o trabalho antes das férias, em junho. Não tivemos muito tempo. Mas tudo deu certo com a orientação dele. Logo saímos às ruas colando cartazes”, relata.
O primeiro festival teve um formato elitizado, já que os convites eram vendidos para pessoas que os alunos consideravam interessadas em arte. Além dos envolvidos na organização, 50 convidados participaram da primeira edição realizada no Paranavaí Tênis Clube. Quem fez a apresentação foi o professor Ângelo Sebastião de Andrade, diretor do Colégio Estadual de Paranavaí.
Dos 16 poemas inscritos, um era “Maria Rio Bahia”, do professor Gomes da Silva.
Toda a divulgação do evento era feita a pé e o dinheiro arrecadado com a venda de convites era destinado às despesas gerais, incluindo confecção dos pequenos e simplórios troféus. Para evitar imprevistos e desorganização, como a maior parte dos estudantes trabalhava, eles assumiram o compromisso de usar a hora do almoço para contribuir na coordenação do evento. “Eu, por exemplo, fazia o curso clássico à noite e escola normal durante o dia. Ninguém tinha muito tempo. Era preciso fazer sacrifícios”, garante Neusa.
No segundo festival, que teve um público três vezes superior ao primeiro, o radialista Fernando da Silva declamou “João das Dores” e também “Maria Rio Bahia”. “Ele foi excelente e ajudou a dar uma cara popular ao festival. O segundo Femup foi realizado em parceria com o pessoal da turma do clássico do período noturno. Não tinha mais a turma da manhã. A repercussão só foi melhorando”, declara Neusa que se emociona ao se recordar do empenho do professor Gomes da Silva.
A partir do terceiro festival, ainda sob coordenação da turma pioneira do curso clássico, não houve mais cobrança de convite nem de ingresso. O 4º Femup, realizado no Cine Ouro Branco em 1969, e pela primeira vez fora do Paranavaí Tênis Clube, contou com o 1º Concurso de Contos de Paranavaí. O grande vencedor foi o escritor Paulo Marcelo Soares da Silva com o conto “O Cafezal”, publicado no Diário do Noroeste.
Desde as primeiras edições os organizadores convidavam professoras de português para participarem da comissão julgadora. “Sempre tivemos essa preocupação. A professora Maria Alice Penteado, que depois casou com o João Vitorino Franco, depois de estreitarem contato através do festival, teve importante participação na comissão de poesia”, declara Neusa Sanches.
Se nos dois primeiros festivais a participação se restringia mais a Paranavaí, a partir do terceiro o Femup começou a atrair atenção de pessoas de todo o Paraná. “Vinha muita gente de Londrina. E com a criação do concurso de contos o festival cresceu muito. Tínhamos apoio do radialista Fernando da Silva que fazia entrevistas com artistas e organizadores do Femup em horário nobre. O Diário do Noroeste e a Folha de Londrina também ajudaram muito”, garante.
Outra característica que distingue o Festival de Música e Poesia de Paranavaí de muitos outros festivais é que desde o surgimento já existia uma preocupação em publicar os trabalhos vencedores. “Começamos em 1966 com um livrinho bem simples, encadernado, até feinho, feito no mimeógrafo. Fazíamos tudo com material doado, desde a tinta até as folhas. Não tínhamos condições financeiras de ir além”, justifica Neusa, lembrando que só os quatro melhores trabalhos eram premiados.
Após décadas de envolvimento com o festival, a professora Neusa Sanches se afastou para cuidar dos filhos pequenos. “Quando me tornei professora do Colégio Estadual, eu sempre participava das comissões julgadoras de contos e poesia. Mais tarde, preferi me distanciar para não fazer um trabalho mal feito. Mas posso dizer que passei muitos anos sem perder nenhum, era macaca de auditório”, comenta às gargalhadas.
João Franco e Leonar Cardoso se emocionam ao falar do Femup
João Vitorino Franco e Leonar Araújo Cardoso também fizeram parte da primeira turma do curso clássico do Colégio Estadual de Paranavaí (CEP) que criou o Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup). Os dois se recordam com muita emoção das primeiras edições. “Até então a gente nem pensava em festival. Queria só fazer uma atividade cultural. E a pessoa mais indicada para nos ajudar era o professor Gomes da Silva. Ele abraçou a ideia e explicou o que era preciso fazer”, conta Franco.
Leonar relata que o 1º Femup teve um público modesto, mas que serviu de estímulo para levar a iniciativa mais a sério, ampliando a qualidade do festival. “Procuramos algumas empresas de Paranavaí porque já achávamos importante fazer um troféu para entregar aos vencedores. Todos ajudaram. Só não vou citar nomes dos patrocinadores porque posso esquecer algum e ser injusto”, justifica João Vitorino.
O segundo festival trouxe novo fôlego e começou a chamar a atenção da população de Paranavaí. “Tínhamos mais público e mais experiência. Não estávamos mais restritos ao curso clássico e ao Colégio Estadual de Paranavaí”, comenta Leonar Cardoso. A comissão organizadora do 3º Femup foi presidida por João Franco que considera um privilégio a oportunidade de organizar um festival que hoje tem abrangência nacional e quase 50 anos. “Se tudo deu certo em 1968 é porque todos os meus colegas contribuíram. A gente ainda não tinha ideia da dimensão que o festival alcançaria. Foram anos inesquecíveis no Paranavaí Tênis Clube e Cine Ouro Branco”, avalia Franco.
Hoje, os ex-alunos do curso clássico do Colégio Estadual acham mais do que justo dizer que o mérito também é de Paranavaí. “A cidade, indireta e indiretamente, tomou consciência do festival a partir da segunda edição e se tornou muito participativa”, defende João Vitorino, lembrando que o festival não existiria hoje sem o apoio da população e da classe artística local.
Neusa Sanches, Leonar Cardoso e João Franco, que estão entre os homenageados do 50º Festival de Música e Poesia de Paranavaí, lamentam apenas a ausência de importantes nomes que ajudaram a moldar o Femup desde a primeira edição. “Dói saber que um amigo como Osvaldo Cruz, uma figura extraordinária, já não está mais entre nós. Mas a vida é assim. Também sentimos a falta de Hermenegildo Garcia que foi embora de Paranavaí há muito tempo. Ele trabalhava na Rádio Cultura e ajudou demais na divulgação. Torcemos para que o Femup nunca chegue ao fim”, declara João Franco.
Quem era o professor Gomes da Silva
O professor José Gomes da Silva, graduado em letras e professor no Rio de Janeiro, é considerado pelos criadores do Femup como a “alma do festival”. Responsável por ensinar como fazer um bom evento de artes, inclusive como julgar, morou em Paranavaí até o final do terceiro festival. “Uma das declamadoras, a Célia, se casou com ele. Numa das viagens para Curitiba, eles sofreram um acidente e caíram na serra. A Célia morreu e o professor Gomes da Silva conseguiu salvar o bebezinho deles depois de subir a serra para pedir socorro. Eu soube que ele deixou a criança no hospital e desapareceu”, confidencia a professora Neusa Sanches.
Comissão organizadora do 1º Femup
Professor José Gomes da Silva, Alzira Suguino, Clóvis Costa Cordeiro, Edna Parpinelli, Elizeu Petrelli de Vitor, Else Ravelli, Gentil Carraro, Hermenegildo Garcia, João Vitorino Franco, Juarez Echeli, Leonar Araújo Cardoso, Luiz Geraldi Sobrinho, Luiz Volzzi Neto, Mara Watanabe, Neusa Sanches, Osvaldo Cruz (In memoriam), Pedro Jardim e Terezinha Silva de Oliveira.
Vencedores do 1º Concurso de Contos de Paranavaí
Curiosidades
Na primeira edição o Femup recebeu cerca de 60 inscrições.
Em 1987, o troféu Barriguda, então feito de ferro e desenvolvido pelo artista plástico Saulo Suguimati, foi entregue pela primeira vez aos participantes que ficaram em primeiro lugar no festival.
Outra boa lembrança era frequente participação do declamador José Maria Cavalcanti.
Frases da professora Neusa Sanches
“O falecido Osvaldo Cruz era da linha de frente em 1966. Muito companheiro, assim com o Hermenegildo Garcia.”
“A Elmita Simonetti Pires era pequeninha e já declamava nas primeiras edições. Era muito bonito de se ver.”
“O Paulo Cesar de Oliveira depois injetou mais ânimo no Femup com o Grupo Gralha Azul.”
“Quando o doutor Atílio planejou criar o curso clássico em Paranavaí, a menina dos olhos dele, trouxe muita gente de fora. Veio o professor Apolo e vários outros professores de português, francês e latim que eram de Curitiba. Todos deram sua contribuição.”
“O professor Gomes da Silva foi o melhor orador que conheci na minha vida.”
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