Como o heavy metal me levou para o jornalismo
O que me levou para o jornalismo foi o heavy metal, sim, a vertente mais pesada do rock
Às vezes, alguém me pergunta como me interessei por jornalismo e de que forma me tornei jornalista. Me recordo que com 15 anos eu já tinha esse interesse bem definido. Não escolhi essa profissão por acaso ou por falta de opções. Na realidade, acho até curioso quando alguém me questiona sobre isso porque minha história é pouco ou nada usual.
O que me levou para o jornalismo foi o heavy metal, sim, a vertente mais pesada do rock, e um estilo ainda hoje amado por muitos e odiado por tantos outros. Na minha adolescência, eu escrevia para zines, revistas feitas por fãs que entrevistavam bandas, escreviam artigos, resenhas e matérias curtas sobre o gênero. Já tínhamos publicações online, além de impressas.
No final da década de 1990 e início de 2000 era uma alternativa empolgante, uma oportunidade para produzirmos conteúdo sobre bandas que nunca ou raramente veríamos nas revistas brasileiras mais tradicionais de rock. E foi nessa época que fundamos e lançamos através de redes nacionais e internacionais de IRC um zine chamado Marcha Fúnebre, inspirado no conceito da composição de Frédéric Chopin.
Tínhamos uma equipe bem consistente e unida, formada por pessoas de Norte a Sul do Brasil. Embora o projeto tenha alcançado alguns milhares de pessoas, a nossa projeção era maior. No entanto, por causa de outros compromissos, só conseguimos manter o zine ativo por dois anos. Ainda assim foi um período de grande aprendizado porque tínhamos a responsabilidade de produzir material toda semana. A melhor parte de tudo era o intercâmbio cultural.
E foi assim que tive o privilégio de entrevistar, mesmo que de forma amadora, jornalisticamente falando, bandas de mais de 15 países da América do Sul, América do Norte, Oceania e Europa – dos mais distintos subgêneros do heavy metal. Alguns grupos estavam na estrada desde o final dos anos 1980. O respeito que recebi durante aqueles anos fez crescer muito mais a minha admiração por fãs e músicos do gênero.
Fiz parte de uma geração de jovens que seguia de fato o ideal do “faça você mesmo”. Sabíamos que não era necessário ser famoso ou trabalhar em uma revista de grande circulação para estar em contato com bandas que marcaram nossas vidas. Também era divertido viajar para entrevistar os músicos antes ou depois dos shows, ou então filmar a apresentação para depois fazer uma permuta de materiais. Além disso, valorizávamos ao máximo as bandas brasileiras, de nossos estados e cidades.
Com a penetração ainda modesta da internet no Brasil, esse era o tipo de motivação que fazia a diferença em nossas vidas. Em alguns casos, quando a entrevista não podia ser feita pessoalmente, também recorríamos às correspondências, se necessário. Assim as fotos não raramente chegavam impressas dentro de um envelope.
Não havia retorno financeiro. Não ganhávamos dinheiro por esse trabalho, mas a sensação de satisfação, o reconhecimento e a alegria em contribuir de alguma forma fazia tudo valer a pena, até mesmo as nossas despesas que às vezes não eram poucas. Éramos motivados pela forma mais clássica de idealismo.
Me recordo que quando eu estava no segundo ano do curso de jornalismo muitos zines já tinham desaparecido pelos mais diferentes motivos, e o nosso Marcha Fúnebre também acabou sucumbindo diante das adversidades. Então continuei escrevendo como colaborador ocasional de publicações de camaradas que modestamente deram continuidade a esse trabalho no Brasil, Estados Unidos, Suécia e Alemanha.
Expressado o expresso, só me resta declarar que quem me conhece como jornalista não me conheceria se não fosse pelo heavy metal. Na realidade, digo ainda hoje que tudo que faço tem muito a ver com minhas escolhas nos tempos de adolescência – e o heavy metal foi uma das mais importantes delas.
Com ele, aprendi mais sobre solidariedade, abri os olhos para notar a importância dos marginalizados e reconhecer a existência de um submundo. Também sofríamos preconceito em figura explícita e velada, mas acredito que perseveramos diante de centenas de situações que nos empurravam para as mais variegadas formas de uniformização e conformismo.
De fato, abandonei o visual daqueles tempos há anos, o que considero uma mudança natural, já que a transformação é inerente ao ser humano. Contudo, os verdadeiros predicados que o heavy metal me proporcionou hei de carregar por toda a vida, num lugar onde a observação perfunctória nada vê.
Me fez relembrar 12 anos atrás. Tu, Carlos, Renato e Hugo!
Alessandra Moreira
30 Dec 15 at 2:05 am
Alessandra, muito legal saber disso!
David Arioch
30 Dec 15 at 9:57 am
Altas histórias neste local, “tribu’s”, me fez lembrar do Juninho, da Pri, dos shows, das idas só pra bater papo.. enfim era minha segunda casa.
Dani Freytas
10 Mar 16 at 1:25 pm
Valeu, Dani!
David Arioch
10 Mar 16 at 3:51 pm