O homem que estuprou as 14 filhas
“Falou que não existia nada melhor do que ter mulheres da família sempre à sua disposição”
Um dia, na Vila Operária, na periferia de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, eu estava conversando na calçada com alguns moradores quando um senhor de 70 anos se aproximou. Aparentemente tranquilo, o sujeito que caminhava quase arrastando os pés fez alguns comentários sobre o tempo e o clima e se afastou, caminhando em direção à Rua Luiz Spigolon.
Há alguns anos, esse mesmo homem a quem chamo de Turvo, para velar sua identidade – a pedido dos envolvidos na história, descobriu um câncer e o médico disse que ele tinha apenas poucos meses de vida. À época, amigos, vizinhos e conhecidos o visitaram para se despedir, crentes de que o sujeito não sobreviveria.
Mesmo quem não simpatizava com o homem, sensível à situação, o procurou para se desculpar por velhos desentendimentos. Ninguém queria que o sujeito morresse amargando veleidades envolvendo fofocas e discussões acaloradas por causa de empréstimo de míseras quantias em dinheiro.
Ainda assim as visitas tinham atmosfera fúnebre, mas o sujeito, genioso e autoritário, parecia não se importar muito, já que seu comportamento e hábitos não mudaram em nada. Com o passar do tempo, Turvo não morreu, inclusive atualmente circula pelo bairro, e até mais saudável do que antes, surpreendendo muita gente.
Porém, há poucos dias, uma de suas ex-mulheres decidiu fazer uma confidência chocante, com a única exigência de que nenhum nome real fosse divulgado. Nervosa, constrangida e assustada, a mulher relatou que Turvo estuprou as 14 filhas, de um total de 19 filhos. E o homem jamais encarou isso como violência sexual ou incesto, mas sim como direito de pai.
“Só tivemos uma filha e ele também se aproveitou dela. Quando fiquei sabendo disso me deu um nojo muito grande. Ele mesmo contou tudo numa noite, depois de chegar bêbado em casa. Falou que não existia nada melhor do que ter mulheres da família sempre à sua disposição, nem que fosse pelo uso da força”, revela Marga que depois se separou do marido. No entanto, não teve coragem de prestar queixa na delegacia.
Com olhos marejados, a mulher relata que o homem só não estuprou todos os filhos porque cinco são homens. Apesar disso, prevendo a represália do pai que os criou sob a disciplina do medo, nenhum deles ousou enfrentá-lo ou denunciá-lo, mesmo sabendo que o pai estuprou todas as filhas.
Os primeiros casos de violência sexual e incesto praticados por Turvo começaram há mais de 30 anos, quando as filhas mais velhas entraram na puberdade. O homem chegava tarde em casa com odor de cachaça, ignorava a esposa que dormia e ia direto para o quarto das filhas, onde as obrigava a ter relações sexuais com ele. Às vezes, enquanto ele molestava uma, as outras filhas fingiam que dormiam, aterrorizadas com a possibilidade de serem as próximas vítimas.
“Vem cá que o papaizinho vai cuidar de você. Papaizinho vai provar que te ama tanto quanto ama a mamãe. Vem, Sandrinha, vem! Papai vai te ensinar que não existe nada melhor que amor de pai”, murmurou o homem cheirando à pinga e enrolando a língua num tom de voz meloso aos pés da cama. A sombra e as mãos pegajosas de Turvo a cobriam de forma tão sufocante que pareciam tentáculos.
Sandra se recorda do desespero que sentiu quando o pai a observou com olhos graúdos, assustadores e repulsivos. O sujeito acariciou suas pernas com as mãos esfoladas e sujas de terra. Talvez tivesse caído na rua quando caminhava do boteco para casa. Em seguida, percorreu seu corpo com a língua áspera e fedorenta que a fez sentir-se como se fosse lambida por uma dessas lagartas que invadem pedaços de pau podre em terrenos baldios.
Com o rosto virado, Sandra chorava em silêncio, mordendo os lábios e mirando o telhado de fibrocimento (Eternit). Se esforçava para sair do próprio corpo. Não queria enxergar nem sentir nada. A poucos centímetros, observou Isabel à direita – a bonequinha de tecido tinha um vestido encardido, levemente avermelhado.
“Lembrei da virgindade que aquele velho pedófilo tirou de mim. Ele ainda comemorou quando viu o meu sangue escorrendo pelo lençol. Falou desse jeito: ‘É assim, filhinha, a primeira vez de vocês tem que ser com o papai.’” Turvo se levantou e desapareceu na escuridão, carregando uma garrafa de pinga e arrastando os pés no chão.
Nada a fazia esquecer o cheiro nauseante do pai. As palavras do homem continuaram ecoando pela mente de Sandra. Era como se por um artifício fantástico tivessem anexado ao seu ouvido um gravador que reproduzia copiosamente as frases do criminoso. Ela não conseguia expor ao mundo o sentimento inimaginável que a dominou desde a noite do estupro.
Em seu interior, o desespero incessante consumia a voz e a capacidade de se comunicar. “Os gritos e o choro não eram ouvidos e vistos por ninguém. Existiam apenas dentro de mim. E minha mãe [primeira esposa de Turvo] sabia de tudo e aceitava”, narra chorando. As lágrimas pareciam banhar o interior de cada um dos órgãos – do coração ao útero. A voz perdida, apenas ela ouvia. A vontade de viver se esvaía com o sangue maculado, arbitrariamente dilacerado do seu corpo em desenvolvimento.
Lá fora, no quintal sujo, Sandra tentava, sem sucesso, chorar, observando um pneu que balançava preso à corda amarrada em uma árvore. Para ela, tudo continuava desfocado e diluído. “Eu queria morrer e, em vários momentos da vida, sei que minhas irmãs também. Ele abusou da gente não só uma ou poucas vezes, mas muitas. Ele estuprou todas as filhas e mesmo depois de tantos anos algumas ainda recebem suas visitas noturnas”, garante Sandra que se arrepia, apontando com o dedo indicador os pelos eriçados do braço.
Embora todas sejam bonitas, os traumas provocados por Turvo atingiu as 14 filhas de forma tão truculenta que até hoje, mesmo as que são casadas, não têm estrutura familiar ou conseguiram se realizar como mulheres ou profissionais. Com baixa autoestima, não se sentem bem ou bonitas, mesmo que alguém diga o contrário.
“Temos um bloqueio muito grande, dificuldade em confiar em alguém, enxergar sinceridade no que dizem. Pra você ter uma ideia, eu e todas as minhas irmãs viramos prostitutas em algum momento da vida. Algumas se prostituem até hoje. Acham que a intimidade já não vale mais do que um punhado de reais”, desabafa Sandra, sem velar o olhar pesaroso.
Saiba Mais
Os nomes são fictícios para preservar a identidade dos entrevistados.
Lamentável
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Noel Silva
20 Jan 16 at 7:48 pm
Sem dúvida, Noel.
David Arioch
21 Jan 16 at 9:41 am
Teve um momento que tive que parar de ler o artigo, para reiniciar depois, devido a forte emoção. Mais lamentável é o silêncio dos inocentes.
Amauri Martineli
4 Apr 16 at 2:26 pm
Pois é, Amauri. Situação deveras delicada.
David Arioch
4 Apr 16 at 11:15 pm