Uma corrida que quase terminou em tragédia em 1941
“O infeliz puxou a rédea do meu animal. Aí não perdoei. Desci o chicote no lombo e ele soltou”
O cearense João Mariano tinha oito anos quando perdeu o pai. Aos dez, seu irmão mais velho pediu à sua mãe que o deixasse morar com ele. Alegou que precisava de alguém para cuidar de suas terras enquanto viajava para comprar e vender gado. “Depois de dois anos morando com meu irmão, comecei a treinar com um cavalo de corrida dele e logo me tornei jóquei. Lá havia as raias nas estradas, não em clube. E muita gente ganhava algum dinheiro nas corridas, vendendo bolo, café, lanches, essas coisas. Mas ninguém lucrava mais que os donos dos cavalos, assim como os apostadores”, narra.
Por cada disputa realizada aos domingos, Mariano recebia uma “groja”, além de um adicional em caso de vitória. As competições lotavam e de longe se ouvia a torcida e a algazarra do público. “Eu corria muito em São José, uma vila a 60 quilômetros de Guassussê, o maior distrito de Orós [no Centro-Sul do Ceará]. Só tinha cavalo pra páreo de 600 ou mil metros. Então era tudo bicho de qualidade”, informa, acrescentando que os animais eram muito bem tratados.
Três dias antes de cada corrida, Mariano e mais dois companheiros montavam guarda nas cocheiras, inclusive revezavam na hora de dormir, para evitar que alguém invadisse o local e dopasse os cavalos a mando dos rivais. “Lembro de um menino da minha idade, um tal de João, filho de um homem chamado João Cabral. Ele tinha o costume de puxar as rédeas do cavalo adversário durante a ultrapassagem. Então quando fomos correr na Vila de Bom Jesus, eu avisei ele: ‘Olhe, João, não segure meu cavalo nem me feche porque se você fizer isso eu desço o chicote em você’”, prometeu.
Depois de ouvir a ameaça, João prometeu que não iria fazer nada, apenas guiar o próprio cavalo. No entanto, mudou de ideia ao ver João Mariano perto de assumir a liderança. “Me fechou, tirando a frente do meu cavalo. Ainda pedi pra ele me deixar em paz e o infeliz puxou a rédea do meu animal. Aí não perdoei. Desci o chicote no lombo e ele soltou. Naquele dia do ano de 1941 meu cavalo ganhou o páreo”, declara.
Quando Mariano estava deixando a pista, João Cabral, o pai do garoto, se aproximou com um revólver em punho para vingar a surra que o filho levou diante da plateia. “Ele veio pra me matar. Deixou a pistola no jeito, engatilhada. Aí tinha um senhor de mais de 60 anos que eu não conhecia. Ele se levantou de uma cadeira, sacou o revólver e falou para o João Cabral: ‘Atire primeiro pra ‘modi’ eu ver se tu é homem. Saiba que esse menino é meu parente’”, revelou, guardando o revólver na guaiaca assim que Cabral virou as costas e partiu.
O desconhecido era primo da mãe de João Mariano. Ele não o conhecia porque o homem vivia em uma vila a mais de 80 quilômetros de Bom Jesus, numa região para onde seus pais nunca viajavam.
Saiba Mais
O pioneiro João Mariano vive em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, desde 1955.