David Arioch – Jornalismo Cultural

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Paulinho e a fazendinha das abelhas

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“Cadê o dourado do sol cobrindo a fazendinha das abelhas?”

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Parou de lacrimejar e sorriu, levantando as mãos para o firmamento, onde o zunido da última abelhinha ecoou como um tipo de agradecimento (Pintura: Delilah Smith)

Até os sete anos, a maior alegria de Paulinho era acordar cedo para comer algumas bolachinhas de mel, tomar um copo de suco de laranja e sair para brincar com os amiguinhos. O doce sabor do alimento fazia sua língua acidular. Com satisfação, ele sempre dizia: “Eita, delícia!”

Iogurte com mel, banana com mel, panqueca com mel, bolo de mel, torta de mel e bala de mel. Tudo que tinha o néctar das abelhas o alegrava. E depois de comer, não era raro o garotinho ludibriar os pais, fugindo da obrigação de escovar os dentes. Entrava no banheiro, fechava a porta, molhava a escova de dentes e a esfregava contra a palma da mão esquerda, fazendo barulhinho ardiloso.

Após dois ou três minutos, saía de lá sentindo-se vitorioso, roçando a língua entre os dentes e absorvendo o aroma de mel da própria boca. “Amo mel! Queria que minha boca nunca perdesse o cheiro de mel”, refletia copiosamente.

E era verdade. Paulinho gostava tanto de mel que seu quarto foi decorado como se fosse a mais romanesca das colmeias. Havia abelhas e zangões bem pintados nas quatro paredes. Sobre a cômoda, repousavam alguns espécimes elétricos – todos sorriam. O destaque era um zangão de brinquedo que voava perdido num voo sem sentido, porém divertido.

Em seu mundinho era impossível conceber a ideia de que abelhas e zangões não fossem felizes. E as maiores provas estavam nos desenhos animados que assistia, nos livrinhos que o apraziam e nas histórias em quadrinhos que o satisfaziam. Tudo parecia tão belo.

Paulinho acreditava que as abelhas davam mel às pessoas em troca de algo que ele ainda não tinha descoberto o que era. “O que será que elas ganham? Tem que ser algo muito mais gostoso do que mel. Será que existe?”, monologou. Um dia, se surpreendeu quando seu amiguinho Inácio contou que seu pai descobriu a localização de uma fazenda de mel.

— Vamos dar um jeito de ir lá ver como é, Inácio. Agora fiquei curioso.

— Eu também, Paulinho. Já sei! Vamos inventar uma história pra conseguir visitar esse lugar.

Para convencer sua mãe a levá-los até a fazenda apícola, Paulinho disse que a professora deu um trabalho sobre a vida das abelhas. “Depois ela quer que a gente escreva sobre tudo que vimos lá”, justificou. Como ele jamais tinha mentido, a mãe estranhou a tarefa, mas não o questionou.

O primeiro sinal de estranhamento dos meninos surgiu quando eles perceberam que a fazenda não era tão colorida como nas historinhas infantis. Parecia opaca demais para ser real. Não havia nenhum tipo de brilho no local, somente dezenas de caixas velhas e sujas de madeira rodeadas por árvores fragilizadas, com galhos secos que se inclinavam como se suplicassem pelo despertar da vida em suas mais variadas formas.

A terra nua persistia áspera, arenosa e rala, onde poucas porções de gramíneas se esforçavam para brotar do chão choroso.

– Cadê o girassol e o dourado do sol cobrindo a fazendinha das abelhas? Por que tem pessoas aqui e nenhuma abelha veio receber a gente?

— É mesmo, Paulinho! E que roupa estranha é aquela que tão usando ali?

— Acalmem-se, meninos! É cedo ainda para começar a reclamar.

Logo um homem carregando uma máscara se aproximou para recebê-los. Era o administrador da Fazendinha Douradina, de onde saía o mel que Paulinho tanto apreciava.

— Vieram conhecer nosso trabalho? Sejam bem-vindos, meus amigos!

— Cadê as abelhas?, questionou Paulinho sem titubear.

— Elas estão naquelas caixas ali.

— Ué, mas cadê a colmeia? Aquilo não parece uma, reclamou Inácio.

Sem saber o que responder, o homem desconversou e os convidou para irem até a área industrial da fazenda, onde o mel era processado e embalado. Antes de segui-lo, Paulinho não gostou de ver pessoas manipulando as abelhas nas caixas. Quanto mais eles mexiam, mais os insetos ficavam agitados. Paulinho e Inácio sentiram o desconforto das abelhas através da frequência dos zunidos.

No depósito, enquanto passeavam por expositores com milhares de potinhos de vidro, que traziam na embalagem abelhinhas felizes voando sobre um caldeirão de mel, Paulinho perguntou onde era o banheiro. Disfarçadamente caminhou até um senhor que observava o trabalho da equipe de apicultores.

— Você sabe o que eles estão fazendo ali?, perguntou Paulinho.

— Sei sim. Estão se preparando para substituí-las. Com esse calor e trabalhando na produção de mel, as operárias cansam muito rápido, não vivem mais do que 45 dias. Vão trocar também a Rainha porque ela fez dois anos e está colocando menos de dois mil ovos por dia. Inclusive já devem ter achado as “realeiras”. É difícil evitar que elas morram nesse processo, revelou o motorista da Fazendinha Douradina.

Paulinho ficou surpreso, sentiu os olhos fumegantes e se esforçou ao máximo para não chorar. Seus lábios tremiam e ele não conseguiu desfazer o bico. Sensibilizado, o homem se arrependeu de ter contado a verdade.

— Não, filho! Não é bem assim. Não fique triste, por favor!

De repente, Paulinho sentiu uma leve picada na panturrilha. Quando se agachou, viu uma abelhinha estonteada desfalecendo sobre o chão calcinado. Junto dela, contou mais sete, oito, nove, dez abelhas mortas.

— Nunca mais vou comer nada com mel! Juro por tudo!, berrou o menino antes de correr até os caixotes e derrubar um por um com as próprias mãos nuas. Contrariando todas as probabilidades, as abelhas não atacaram Paulinho, simplesmente partiram voando e zunindo, deixando para trás tudo que produziram.

Quando os apicultores perseguiram o menino, o motorista gritou:

— Não! Deixem ele! Toda criança tem razão porque sua ação vem da pureza do coração.

Cansado, Paulinho deitou ileso numa porção de relva que parecia ter brotado naquele momento, aspirando à vida que ele assistia preenchendo o céu em forma de abelhas. Parou de lacrimejar e sorriu, levantando as mãos para o firmamento, onde o zunido da última abelhinha foi interpretado por ele como um tipo de agradecimento.

O suposto motorista era na realidade o dono da Fazendinha Douradina. Ele não repreendeu Paulinho. Também não se queixou com a mãe do menino. Muito pelo contrário, o agradeceu. No final da tarde, não havia mais abelhas nem mel no local. Pela primeira vez em 20 anos a fazenda fez jus ao próprio nome, quando a luz inédita do sol dourou tudo que renascia sob o canto de um rouxinol.

Curiosidade

“Realeira” é uma grande célula de onde emerge a nova rainha.

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Written by David Arioch

August 21st, 2016 at 11:25 pm

4 Responses to 'Paulinho e a fazendinha das abelhas'

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  1. super tendencioso

    roque de sousa oliveira

    22 Aug 16 at 11:24 am

  2. Não entendi seu comentário. É um conto, não uma reportagem.

    David Arioch

    22 Aug 16 at 12:31 pm

  3. Muito bom! Amei! Parabéns pelo belo trabalho.

    Marcia Ferreira Lopes

    22 Aug 16 at 1:57 pm

  4. Marcia, muito obrigado! 🙂

    David Arioch

    22 Aug 16 at 2:17 pm

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