Na fila do caixa
Na fila do caixa do mercado havia um senhor na faixa dos 80 anos, desinibido e conversador. De repente, percebi ele conversando com minha mãe e sorrindo. Curioso, me aproximei e ele comentou: “Que filho mais bonito que a senhora tem! Olhem pra esse rapaz!” Sem falar nada, até porque sou tímido, fiquei sorrindo que nem cachorro de porcelana na estante.
Àquela altura, enquanto muita gente me observava, o senhor emendou: “Quantos filhos a senhora tem?” Minha mãe respondeu três e ele interpelou: “Tudo bonito que nem esse?” Sem dar trégua, o homem chamou a atenção da moça do caixa e disse: “Olhe pra esse rapaz! E essa barba preta, como pode? Nunca vi uma barba preta como essa na minha vida. E como é bonito! Parece um galã!”, repetia. Calado, eu continuava sorrindo e balançando a cabeça, sem saber pra onde, também lembrando aqueles animaizinhos que os taxistas colocam no painel do carro.
“Não case, meu filho, não faça essa besteira. Compre um saco de quarenta quilos de sal grosso e chupe uma pedrinha bem minúscula por dia. Quando acabar o sal, daí sim você pode pensar em se casar”, recomendou. Depois o homem apontou para um senhor ao seu lado e declarou: “Esse aqui é meu filho, já tá feio, coitado! Engordou e nem tem mais cabelo.”
A vítima, conhecendo o pai que tem, só riu, sem esculpir expressão de desconforto. Antes de pagar a moça do caixa e partir, o senhor mais velho sentiu o cheiro de pão quente saindo de um pacote nas mãos de minha mãe. “É pão quente? Posso pegar?” Minha mãe consentiu, abriu o saco, o homem tirou um pão, agradeceu e começou a comer tranquilamente.
Sem demora, caminhou até a saída dando um tapinha amistoso nas costas do filho, que retribuiu o gesto encostando a mão no ombro do pai. Em menos de minuto, desapareceram na escuridão solene, e por assim dizer transparente, da primavera.