Uma manhã com Frei Jerônimo
Fiquei muito feliz de conhecer o alemão George Karl Brodka (Frei Jerônimo), que sobreviveu à Segunda Guerra Mundial e à dominação soviética. A conversa rendeu algumas horas e agora já penso em transformar isso não apenas em uma reportagem, mas algo muito maior. Inclusive me comprometi em retornar mais vezes. Logo abaixo, segue uma prévia do bate-papo com Frei Jerônimo que vive no Seminário Imaculada Conceição desde o início da década de 1960. (Na foto, ele está segurando o primeiro dicionário de alemão/português que comprou antes de se mudar para o Brasil)
Suas impressões da Segunda Guerra Mundial são narradas sob a ótica de uma criança, já que na época ele não tinha mais que dez anos. Brodka se emociona ao contar que seu pai, assim como muitos outros alemães, entraram para o exército porque suas famílias estavam passando fome, e era o único tipo de trabalho disponível na Alemanha nazista. “Participei de um encontro de oficiais da Alemanha na década de 1950, e meu pai chorou ao dizer que nunca matou ninguém e jamais deu alguma ordem de assassinato.”
Brodka diz se envergonhar e não entender como na infância ele e muitas outras crianças tiveram coragem de andar sobre os cadáveres dos soldados mortos, retirando distintivos para compor suas coleções. Crente de que o filho de 14 anos não teria futuro na Alemanha Oriental, o pai de George Karl forjou documentos para que ele pudesse atravessar a fronteira. “Tive que percorrer uma grande selva, e depois acabei preso. Fui preso duas vezes na minha vida”, narra.
Outro relato surpreendente é o do dia em que os tchecos amarraram sua mãe com uma corda no capô de um jipe e percorreram toda a cidade fazendo piadas e a exibindo como um troféu. “Eles também nos obrigavam a comer borra de café e depois faziam piadas dos nossos dentes pretos. Eles odiavam os alemães”, declara. Seu tio, um pregador, foi capturado pelos poloneses e enforcado em uma árvore diante de uma plateia porque transportava uma bíblia. “Em algumas regiões a circulação da bíblia era proibida”, enfatiza.
Brodka conta que pelo fato de ter vivido muitos anos na Alemanha Oriental, quando ele decidiu se tornar carmelita sofreu muito preconceito. “Na Alemanha Ocidental, na própria Ordem do Carmo, não me chamavam pelo nome, mas apenas de comunista. Até mesmo quando cheguei em Paranavaí, e os outros padres ficavam sabendo que vivi na Alemanha Oriental, sempre se referiam a mim como ‘o comunista’. Era muito triste”, lamenta.
Algumas frases ditas por Frei Jerônimo e que ainda continuam ecoando na minha mente:
“Um dia, na Alemanha, um Bernardino, um cachorro que ajuda a encontrar pessoas perdidas nas montanhas, escapou do seu tutor e correu em minha direção. Quando ele se aproximou de mim, coloquei as mãos nas costas, abaixei a cabeça e conversei com ele. Depois veio o tutor dele correndo e disse que o cachorro era bravo. Eu falei que não, que ele não era bravo. Então olhei pro cachorro e expliquei: ‘Não vou bater em você e você não vai me morder.” O homem achou que eu estava louco: ‘Como?’ Expliquei que falei com o cachorro e ele entendeu. Sempre me entendi muito bem com cachorros.”
“Não gosto de gente que bate em cachorro. Não gosto de gente que não aceita cachorro. Dá pra desconfiar de gente assim…”
“Uma coisa que acho estranha em brasileiro é que brasileiro gosta de dizer que é descendente de italiano, alemão, português…que é descendente disso ou daquilo. Por que não apenas gostar de ser brasileiro?”
Frei Jerônimo é o fundador do Grupo Escoteiro Guy de Larigaudie, de Paranavaí, que este ano completou 50 anos.