Somos mais e nos julgamos menos
Enquanto eu aguardava atendimento, Alberto sentou ao meu lado em uma das poltronas da Caixa Econômica Federal. Me falou que estava se aposentando depois de 40 anos de trabalho dedicados a mesma empresa. Parecia satisfeito, mas não tão seguro sobre isso. “Terminei a faculdade e passei a vida inteira fazendo praticamente a mesma coisa”, contou. Perguntei se ele se sentia realizado. Respondeu que não, mas que se adaptou a viver dessa forma.
O questionei também sobre seus sonhos de infância e adolescência, se tinha lembranças de algum deles. “Já não me lembro quais eram. Faz muito tempo”, disse. Todos os dias, encontro Alberto na figura de outras pessoas. Eles estão por todos os lados e me fazem pensar que não nascemos para nos dedicar somente a uma atividade. Não somos naturalmente mono, somos pluralistas desde o primeiro respiro, mas a vida, o mundo e aquilo que nos cerca muitas vezes nos limita. O tempo sempre parece curto, sem margem para a diversidade.
E assim corremos o risco de perder nossa pluralidade na infância ou adolescência, quando nos dizem o que devemos ou não fazer, para o que nascemos ou não nascemos; quando as pessoas agem como se conhecessem melhor nossas aptidões do que nós mesmos. A criança nunca quer ser somente uma coisa. Ela quer ser várias. As horas e os dias mostram isso. A vida demanda liberdade, e a nossa diminui quando crescemos por fora, mas nos reduzimos por dentro.
As inseguranças são amplificadas quando você não se vê como parte de um caminho, e ao mesmo tempo alguém te oferece prazos para “tornar-se alguém”. E esse alguém não raramente é outra pessoa que não você. Os conflitos aumentam na fase adulta porque você é obrigado a abandonar a multiplicidade da sua existência para se resumir a não mais do que uma atividade – o trabalho.
Nomes tornam-se metonímias da profissão, a identidade humana é suprimida pela profissional, e o ser perde cada vez mais espaço para o ter. Acredito que muitos dos males psicológicos e emocionais da atualidade têm relação com essa supressão existencial. Somos mais e nos julgamos menos. Nos vemos como incapazes de fazer mais do que fazemos, ou o que realmente queremos – porque é o que o mundo nos diz.
E o tempo nos leva à passividade, a aceitação de uma perspectiva lancinante de pragmatismo. O conformismo nos sufoca com um tipo de sutileza travestida de aceitável incerteza. Quantas pessoas que você conhece são hoje o que realmente gostariam de ser? Sentem-se verdadeiramente recompensadas pelo que fazem? Vive-se pelo não viver quando a vida se torna um simulacro do que poderia ser.
Não somos seres mecânicos, somos complexos. Quando nossas potencialidades, mesmo que ainda desconhecidas, são ignoradas, morremos um pouquinho a cada dia, sufocados pela rotina, pelas pressões externas e por nossas próprias descrenças. Acredito que somos como árvores que cedem diante da tempestade quando amargam na própria raiz o dissabor da incredulidade.
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