Tatyana Pavlova, a ativista que definiu os rumos dos direitos animais na Rússia
“Ela revolucionou nossa consciência, motivando pessoas a repensarem suas atitudes sobre os seres vivos”
A russa Tatyana Nikolaevna Pavlova, que comandou a Sociedade Vegetariana Russa e o Centro Pela Ética no Tratamento de Animais (Ceta), foi uma das pessoas que revolucionou o vegetarianismo na Rússia e mais chamou a atenção para os direitos animais naquele país. Embora sua luta tenha chegado ao fim com o seu falecimento em 21 de agosto de 2007, o seu legado segue contagiando pessoas em todo o mundo.
Tatyana Pavlova se tornou vegetariana em 1969, influenciada por amigas ligadas à defesa do bem-estar animal. À época, ficou horrorizada com os relatos sobre maus-tratos contra animais. Então se ofereceu como voluntária à Sociedade de Proteção Animal, a primeira organização de direitos animais da Rússia, que antes era chamada de Departamento de Proteção Animal da Sociedade Russa para Proteção à Natureza.
“Participei da organização até ser fechada alguns anos atrás, e novas sociedades se formarem em Moscou e em outras cidades russas. Eu própria fundei o Ceta [Centro pela Ética no Tratamento de Animais] porque seu propósito era diferente da sociedade em que trabalhei por 20 anos”, contou no seu artigo “Uma Vegetariana na Rússia”, publicado em dezembro de 1995.
Tatyana relatou que sua transição para o vegetarianismo não foi tão fácil. Ela pensou em se tornar vegetariana muitas vezes, mas as pessoas ao seu redor sempre diziam que era impossível viver sem carne. “Era estranho, porque temos o exemplo de milhões de pessoas na Índia e em outros países orientais. Mesmo sabendo que eles não comem carne, a princípio isso não me motivou o bastante”, cita em referência ao fato de que as pessoas são tão influenciadas pelo meio que ignoram outras realidades.
Foi no final dos anos 1970 que Pavlova criou as primeiras comissões de bioética da Rússia, contando com a participação de médicos e biólogos que se ofereceram para definir metas e desenvolver alternativas à experimentação animal. O trabalho foi baseado em literatura ocidental traduzida por Pavlova, que logo estabeleceu relações amistosas com organizações estrangeiras que realizavam trabalho semelhante.
Em 1989, fundou a primeira Sociedade Vegetariana Russa desde a Revolução de 1917. Em 1991, criou o Centro pela Ética no Tratamento de Animais (Ceta), que combate a exploração de animais na indústria alimentícia, de peles e couro, além de experimentação científica e entretenimento. Mais tarde, conseguiu introduzir algumas de suas ideias no sistema de ensino russo.
O primeiro livro de Pavlova sobre bioética, “Deontologia – Experimentos Biomédicos” lançado em 1987, foi aprovado pelo Ministério da Educação, e com ele Tatyana propôs a realização de seminários para professores, abrindo espaço para a implantação de cursos de leitura e compreensão de bioética nas universidades russas.
“A situação do vegetarianismo na Rússia é interessante. Há pessoas que são predispostas a terem uma vida saudável, que se interessam por ioga e pela medicina oriental. Estes representam a maioria dos vegetarianos russos. Mas aqui há também pessoas que são vegetarianas porque suas religiões exigem isso. Por exemplo, os hare krishna. Também temos pessoas que fazem isso por razões éticas”, explicou no artigo “Uma Vegetariana na Rússia”.
No início dos anos 1990, Tatyana Pavlova inspirou a criação da série de TV “A Vida Sem Crueldade”, que abordava a exploração animal em vários países. Ações como essa deram um forte impulso para o renascimento do vegetarianismo na Rússia, onde o estilo de vida vegetariano começou a decair nos anos 1930. Décadas depois, os novos defensores dos direitos animais trouxeram novas ideias. Em 1994, sob coordenação de Pavlova, a Praça Pushkin, em Moscou, foi cenário da primeira grande manifestação pública vegetariana realizada em território russo. O evento, que teve inclusive cobertura dos mais importantes jornais da Rússia, ficou marcado por palavras de ordem como: “Vegetarianismo é bondade e saúde!” e “Você está matando os animais todos os dias!”
De acordo com o Centro de Direitos Animais Vita, sediado em Moscou, Tatyana se tornou a mais importante personagem do vegetarianismo russo e da causa animal russa no final da década de 1990, sendo convidada para participar de diferentes programas televisivos de entrevistas. Em 1998, por iniciativa da ativista, podia-se encontrar cartazes sobre os benefícios do vegetarianismo e sobre os direitos animais na Praça Pushkin e em metrôs das mais importantes cidades russas.
Ela também lutou pela criação de um projeto de lei federal para proteger os animais contra abusos, tendo como referências as leis progressistas dos países ocidentais. O problema é que mesmo após três revisões e a aprovação do Soviete da Federação, a câmara alta da Assembleia Federal da Rússia, o presidente Vladimir Putin a rejeitou em 2000, e o seu destino segue desconhecido, segundo o Centro de Direitos Animais Vita.
Pavlova também foi uma das responsáveis pela criação da campanha “Um Dia Sem Carne” na Rússia. Coordenou a realização de shows em defesa dos direitos animais na Praça Vermelha e publicou muitos artigos nos grandes jornais do país. Um dos eventos teve cobertura da TV. “A partir disso, muitas pessoas entraram em contato comigo, e pelo menos um terço tornaram-se vegetarianos por razões éticas. Eram homens jovens, o que foi muito agradável de saber”, informou no artigo publicado em 1995.
Alguns anos antes de falecer, Tatyana sentiu-se recompensada ao reconhecer que muitas pessoas que se tornaram vegetarianas por razões éticas na Rússia jamais se deixaram desviar por crises econômicas ou políticas. “Para eles, é algo sério. Nosso principal problema na Rússia é que as pessoas não sabem muito bem o que são os direitos animais, e nosso Centro [Ceta] foi a primeira organização a se esforçar para promover essas ideias na TV e no rádio, além de publicar livros, folhetos e ministrar palestras”, declarou.
Tatyana Pavlova argumentava que o desenvolvimento espiritual da humanidade depende do fim de uma sociedade antropocêntrica, que aceita e incentiva a escravidão de outras espécies para satisfazer supostas necessidades. “Ela revolucionou nossa consciência, motivando pessoas a repensarem suas atitudes sobre os seres vivos, inspirando eles a juntarem-se na luta pela libertação das criaturas com menos direitos neste planeta – os animais não humanos”, assinalou o escritor vegano estadunidense Kim Stallwood, especialista em direitos animais.
No início da década de 1990, por meio de pesquisas realizadas pelo Centro Médico Científico, Pavlova conseguiu fazer com que o governo russo reconhecesse os benefícios do vegetarianismo, obrigando o Ministério da Saúde a incluir a dieta vegetariana como o caminho para uma vida saudável. “Os cientistas tiveram de admitir oficialmente, após longos anos de silêncio sobre esse assunto, as vantagens do vegetarianismo”, comemorou a ativista.
Para Tatyana Pavlova, vai continuar sendo muito difícil proteger os animais enquanto as pessoas continuarem consumindo demais, porque quanto mais consomem, mais terão de produzir e mais terão de descartar, assim poluindo o meio ambiente e degradando o habitat dos animais não humanos. A ideia de se produzir muitos produtos com vida útil curta sempre a incomodou. “Fundamentalmente, o nosso problema com os animais se resume a um problema de violência e sofrimento, de proteger quem não pode se proteger”, ponderou no artigo “Uma Vegetariana na Rússia”.
A ativista russa dizia que o melhor caminho é ensinar os mais jovens a verem os animais como nossos iguais, tão importantes quanto os seres humanos. “A humanidade tem uma grande responsabilidade em relação a todos os seres vivos. No geral, estou otimista sobre o futuro da Rússia. Outro dia, conheci pessoas da Sibéria Oriental que se mudaram para o país e estão tentando arrecadar dinheiro para começar um experimento de viver distante da civilização. Estão desistindo de tudo, todos os tipos de máquinas. Querem retornar a uma vida simples e que era típica há cem anos. Isso não quer dizer que os russos não sejam tolos como os americanos. Eles também acreditam que produzir para consumir muito é o sonho de uma vida”, revelou em seu artigo publicado em dezembro de 1995.
Alguns dos livros de autoria de Tatyana Pavlova
Deontologia – Experimentos Biomédicos (1987)
Vegetarianismo – Saúde, Bondade, Beleza (1992)
Tudo Sobre o Vegetarianismo (1992)
Vegetarianismo e Ética (1993)
Vegetarianismo e o Futuro do Planeta (1993)
Alimentos que Tratam (1995)
Bioética na Escola (1996)
Bioética na Escola – Parte II (1996)
A Educação Humanitária (1998)
Alimentação Saudável – Um Manual para a Escola Primária (1998)
Saiba Mais
Tatyana Pavlova nasceu em 14 de março de 1931 e faleceu em 21 de agosto de 2007.
Referências
http://www.satyamag.com/dec95/pavlova.html
http://www.vita.org.ru/new/2007/aug/24.htm
http://grumpyvegan.com/blog/2007/11/14/434/
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