Empédocles, um pré-socrático contra o derramamento de sangue dos animais
Em “Retórica”, Aristóteles escreveu que Empédocles era contra a matança de qualquer criatura
Sempre que se fala nos filósofos da Grécia Antiga, e na forma como eles influenciaram o vegetarianismo, surgem controvérsias. Alguns alegam que vários filósofos gregos apontados como vegetarianos somente se abstiveram da carne. Outros dizem que a defesa de uma dieta livre de ingredientes de origem animal normalmente tinha como motivação uma crença espiritual, principalmente a transmigração de almas; assim os julgando como antropocentristas.
Porém, mesmo que isso seja verdade, ainda é possível citar filósofos gregos que, de algum modo, contribuíram para a discussão sobre o vegetarianismo e os direitos animais, mesmo que sob viés polêmico. Ainda que, a princípio, suas ideias tenham sido pautadas a partir das consequências das ações humanas, e o que isso significaria propriamente à humanidade, o filósofo pré-socrático grego Empédocles (490-430 a.C), o pai da retórica, defendia que é preciso seguir o princípio do amor em relação a todas as espécies; portanto, abster-se de violência e derramamento de sangue, o que já figurava como uma defesa da compaixão e do direito dos animais à vida, de acordo com o livro “Animal Suffering: Philosophy and Culture”, da finlandesa Elisa Aaltola.
Rod Preece, autor do livro “Sins of the Flesh: A History of Ethical Vegetarian Thought”, segue pela mesma linha de raciocínio, e diz que, dos pitagóricos, Empédocles foi o que mais dispensou atenção à sensibilidade animal, mesmo que julgado, como ainda pode acontecer hoje, como um filósofo com uma percepção mística dos animais. “Ele era considerado um tipo de xamã em sua prática, e às vezes um extremista em suas visões. Mas podemos ver no mínimo um elemento de ética animal em suas expressões. Naturalmente, suas razões refletem seu ascetismo primário”, declara Preece.
Avesso às religiões tradicionais, Empédocles demonstrava uma forma singular de espiritualidade, até por influência de Pitágoras. O filósofo que tinha como motivação a busca pela verdade e pela virtude, abominava o sacrifício de animais. “Empédocles, como outros vegetarianos órficos-pitagóricos, lembra a Era de Ouro, em que o assassinato, a ira e a discórdia não reinavam, e em que o abate de animais, como particularmente um sacrifício aos deuses, era visto como uma ‘impureza’”, escreveram Kerry S. Walters e Lisa Portmess em “Religious Vegetarianism: From Hesiod to the Dalai Lama”.
Idealista, Empédocles dizia que não era tarde demais para os seres humanos deixarem a caverna em que se aprisionaram e, como Perséfone, conquistarem a oportunidade de experimentar o renascimento espiritual. Porém, a condição maior para essa mudança seria a recusa em continuar derramando sangue. E isso, naturalmente, e em parte, significaria um retorno à dieta vegetariana pacífica da perdida Era de Ouro.
Na observação feita por Walters e Portmess fica claro que, na defesa de Empédocles, ele apelava à espiritualidade humana e as consequências do consumo para quem via os animais como comida; talvez, não apenas por realmente acreditar nisso, mas também por entender que o ser humano não seria tocado simplesmente pela compaixão pelos animais.
“O derramamento de sangue, afirma ele, é o pecado de uma poluição que afasta os seres humanos da divindade e traz a retribuição do renascimento contínuo. A alma do assassino é forçada a uma cansada e desabrigada ronda de transmigrações. […] e o abate de animais é o que garante a continuidade da violência“, cita o livro “Religious Vegetarianism: From Hesiod to the Dalai Lama”, em referência a fragmentos de um manuscrito do poema “Purificações”, do filósofo grego.
Para Empédocles, se recusando a consumir animais, o ser humano evitaria ter sua alma aprisionada no corpo de um animal; alegando que os corpos dos animais que comemos se tornam, nas próximas vidas, moradas de almas punidas. Apesar dessa perspectiva considerada limitante no contexto do vegetarianismo, o filósofo grego também sugeria que todas as criaturas têm direito à justiça, segundo Gordon Lindsay Campbell no livro “The Oxford Handbook of Animals in Classical Thought and Life”.
Mesmo que citasse deuses e a transmigração de almas em sua defesa da abstenção de carne, e por isso muitos vejam uma relação próxima de Empédocles com o vegetarianismo de viés religioso, o professor Christian Wildberg, da Universidade de Princeton, que tem uma extensa pesquisa desenvolvida na área de filosofia antiga, argumenta que o vegetarianismo de Empédocles foi uma poderosa ferramenta de ataque à religião grega tradicional, condenando massivamente a realização de sacrifícios de animais.
Sendo assim, e também levando em conta que de toda a sua produção restaram apenas dois trabalhos parciais – os poemas “Purificações” e “Na Natureza”, não é possível dizer com certeza qual era a sua maior motivação no que diz respeito ao vegetarianismo; talvez estivessem além do que foi legado à humanidade.
Parafraseando John Rundis em “The Vegetarianism of Empedocles in Its Historical Context”, Stephen T. Newmyer, professor da Universidade Duquesne e pesquisador da questão animalista, argumenta que o vegetarianismo de Empédocles pode ser visto como uma declaração política que se opôs à identificação aristocrática do sacrifício animal. Isto porque o consumo de carne à época já era associado à barbárie e à glutonaria, já que os cidadãos de maior poder aquisitivo sempre “reivindicavam primeiro a maior porção de carne”.
Tal observação pode ser corroborada pelo estilo de vida idealista do filósofo grego. Embora não haja tantas informações sobre sua vida, sabe-se que o pai de Empédocles, Meto, foi um dos responsáveis pela derrubada do tirano Agrigento, que comandou Acragas, na região da Sicília, até por volta de 470 a.C.. Empédocles, deu continuidade à tradição familiar, sendo crucial na deposição de outros oligarcas. Dizem que, mais tarde, quando ofereceram-lhe o comando da cidade, ele recusou.
“Empédocles acreditava amplamente em princípios igualitários, era considerado um vegetariano e respeitava os direitos animais, acreditando que todos os seres vivos têm espíritos. Era um forte defensor da democracia. […] Desprezava abertamente a glorificação dos indivíduos e era conhecido por condenar o materialismo consumista e a gula dos cidadãos de Acragas”, escreveu Vincenzo Mormino em 2007 na revista “Best of Sicily”. Há estudiosos que afirmam que filosoficamente as ideias de Empedócles influenciaram o naturalista britânico Charles Darwin a escrever a teoria da seleção natural.
Em “Retórica”, Aristóteles escreveu que Empédocles era totalmente contra a matança de qualquer criatura, alegando que era injustificado e injusto os seres humanos matá-los. A questão de parentesco entre seres humanos e animais teve grande peso sobre a consciência do filósofo grego, segundo o livro “The Animal and the Human in Ancient and Modern Thought: The ‘Man Alone of Animals’ Concept”, de Stephen T. Newmyer. “Empédocles só falou em termos de uma lei universal [nomimon], a lei contra matar animais. É Aristóteles quem escreve a lei de Empédocles como [sendo] natural”, comenta Richard Sorabi em “Animal Minds and Human Morals: The Origin of the Western Debate”.
Saiba Mais
Empédocles é o nome mais importante da escola plurarista, que reconhecia a não existência de um princípio único que explique todo o universo. Ele estudou com Pitágoras e foi um dos primeiros cientistas a sugerir que a luz viaja a uma velocidade constante. Embora Empédocles viveu muitos antes de Arquimedes, os dois tinham muito em comum.
“Purificações” e “Na Natureza”, suas duas únicas obras remanescentes, tinham 5 mil linhas, mas restaram apenas 500; e acredita-se que na realidade “Purificações” seja uma introdução ao poema “Na Natureza”.
Ele afirmava que tudo que compõe a natureza é formado por terra, ar, água e fogo, misturados ou não.
Referências
Campbell, Gordon Lindsay. The Oxford Handbook of Animals in Classical Thought and Life. Oxford University Press (2014).
Cleary, John J. Gurtler, Proceedings of the Boston Area Colloquium in Ancient Philosophy, Volume 7. University Press of America (1992).
Preece, Rod. Sins of the Flesh: A history of Ethical Vegetarian Thought. Página 92. UBC Press (2009).
Walters, S. Kerry. Portmess, Lisa. Religious Vegetarianism: From Hesiod to the Dalai Lama. State University of New York Press (2001).
Aaltola, Elisa. Animal Suffering: Philosophy and Culture. Página 68 (2012).
Newmyer, Stephen. The Animal and the Human in Ancient and Modern Thought: The ‘Man Alone of Animals’ Concept. Routledge (2016).
Newmyer, Stephen. Animals, Rights and Reason in Plutarch and Modern Ethics. Routledge; 1 edition (2005).
http://www.bestofsicily.com/mag/art242.htm
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.01.0258%3Abook%3D8%3Achapter%3D2
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