A história do vegetarianismo na Rússia
Ao final de 1914, a Rússia contava com 73 restaurantes vegetarianos em 37 cidades
De acordo com informações do Vegetarianskij.ru, a história oficial do vegetarianismo na Rússia começou com o surgimento da primeira sociedade vegetariana, ironicamente chamada de “Ни рыба, ни мясо”, ou seja, “Nem Carne, Nem Peixe”, em meados de 1860, em São Petersburgo.
O presidente vitalício da sociedade era o cirurgião Alexander Petrovich Zelenkov, que faleceu em 1914. Ele se tornou vegetariano em decorrência de problemas de saúde, quando outros métodos de tratamento se mostraram ineficazes. Ele também era um defensor da homeopatia e fazia campanhas contra o consumo de álcool.
Em 1902, a esposa de Zelenkov, Olga Konstantinovna, escreveu o livro “Нечто овегетарианстве”, ou “Algo Sobre Vegetarianismo”, que foi publicado em quatro volumes, cada um trazendo um extenso estudo sobre o vegetarianismo com base em registros históricos, estudos científicos e declarações de pessoas famosas de diferentes épocas.
A obra também conta com a análise do tratado “Питание человекав его настоящем и будущем”, que significa “A Dieta do Indivíduo em Seu Presente e Futuro”, escrita pelo botânico Andrey Beketov em agosto de 1878. Seu modesto ensaio em defesa da dieta e do estilo de vida vegetariano teve um efeito significativo na sociedade de seu tempo e eventualmente foi traduzido para muitas línguas.
Em 1913, Olga publicou o primeiro livro de receitas vegetarianas da história da Rússia. O nome da obra, que traz 1500 receitas, é “Я никого не ем”, ou seja, “Não Como Ninguém”. O livro foi editado inúmeras vezes e vendeu milhares de cópias, segundo o Vegetarianskij.
À essa altura, o vegetarianismo na Rússia já passou a ser visto sob outra perspectiva, que ia muito além da saúde humana, e tudo isso graças à publicação do ensaio “O Primeiro Passo”, de Liev Tolstói, lançado em 1892. Segundo o Vegetarianskij, a sociedade vegetariana russa então encontrou um profundo argumento ético em favor da dieta vegetariana.
O ensaio teve como ponto de partida as experiências de Tolstói desde que ele abandonou o consumo de carne em 1884, quando começou a promover o ideal vegetariano. Tolstói fez uma grande diferença porque se preocupou mais com as implicações morais e éticas do consumo de carne do que com os benefícios da dieta para a saúde.
Valendo-se de seu prestígio, Tolstói, sem dúvida, foi um dos grandes responsáveis pelo crescimento do vegetarianismo na Rússia – que teve adesão exponencial por parcela significativa da população após o lançamento de “O Primeiro Passo”. Figuras influentes da Rússia daquele tempo, como Nikolai Peskov, Ilya Repin, Alexander Voeykov, Nikolai Ge, Sergey Esenin e tantos outros se juntaram ao movimento. Entre os que mais simpatizaram com o vegetarianismo estavam cientistas, médicos, professores, escritores e poetas.
Em 1904, B.A. Dolyachenko e um grupo de professores fundaram a primeira revista vegetariana da Rússia. Intitulada “Вегетарианский вестник”, que significa “O Mensageiro Vegetariano”. Em 1909, foi a vez de Isosif Perper fundar e publicar o “Вегетарианскоеобозрение”, ou “O Jornal Vegetariano”, em Kiev. A publicação circulou até 1915.
Em 1909, a Sociedade Vegetariana de Moscou abriu suas portas. Em abril de 1913, foi realizada a Primeira Conferência Nacional Russa de Vegetarianos em Moscou, reunindo mais de 200 participantes. Uma das questões discutidas durante o evento foi a criação de sociedades vegetarianas por toda a Rússia.
Rapidamente surgiram sociedades vegetarianas em Varsóvia, Kiev, Chișinău, Vilno, Minsk, Saratov, Poltava, Odessa, Rostov-on-Don, Carcóvia, Zhitomir, Dnepropetrovsk, Krasnodar, Tumen e muitas outras. Ao final de 1914, o número de membros já chegava a duas mil pessoas, o que favoreceu o surgimento de 73 restaurantes vegetarianos em 37 cidades da Rússia. As refeições vegetarianas nos cafés eram baratas e bem diversificadas: salsichas feitas com ervilhas, hambúrgueres de repolho, panquecas vegetarianas (blini) e muito mais. E tudo era aceito com entusiasmo – como uma ideia original.
Os grandes planos dos vegetarianos russos, que previam transformar a Rússia em referência em vegetarianismo, foram interrompidos com o advento da guerra. Naqueles anos difíceis, e com o clima bastante tenso, os defensores de uma nutrição sem morte logo se tornaram alvos de desprezo e ridicularização.
Isto porque a alimentação vegetariana começou a ser vista como imoral em um cenário em que pessoas morriam aos milhares e a escassez de alimentos era comum. No entanto, os ativistas sociais vegetarianos não desistiram. Eles se voluntariaram para trabalhar em hospitais do exército, fornecendo refeições gratuitas para os militares em seus restaurantes, e também criaram enfermarias especiais para atender os animais usados pelo exército.
Porém, o desenvolvimento do vegetarianismo na Rússia, que tinha tudo para se destacar internacionalmente, servindo de referência para países do mundo todo, encontrou sua mais forte resistência após a Revolução Russa e a implantação do regime soviético, conforme informações do Vegetarianskij. Nesse período, a divulgação do vegetarianismo foi proibida na Rússia. Inclusive ativistas foram presos e o termo vegetariano acabou banido dos dicionários. As sociedades vegetarianas também foram fechadas em todos os territórios da URSS. A última a fechar suas portas foi a Sociedade Vegetariana de Moscou, que resistiu até 1929.
Em 1961, A Grande Enciclopédia Soviética, uma publicação massivamente popular na época, registrou que: “As ideias do vegetarianismo foram fundadas em hipóteses erradas e não têm seguidores na União Soviética.” Somente em 1990, depois da perestroika [reestruturação política do país], o vegetarianismo voltou à luz pública e suas ideias ressurgiram, ganhando novamente força na Rússia.
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