David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

O homem e o urubu

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“Tens razão, e admito que sou comedor de carniça. Admitir isso é sensato”

Um humano ficou enojado quando viu um urubu comendo carniça na beira da estrada. Se aproximou e tentou bater no animal com um galho caído sobre o asfalto quente.

— Saia daí, seu carniceiro. Fique longe desse cadáver.

Para a surpresa do homem, o urubu continuou se alimentando do cãozinho atropelado. Até que incomodado com os berros do homem, virou-se em sua direção.

— Os seus atropelam o cachorro por falta de atenção e indiferença, o que resta é somente a carne que jaz, sem vida, e você vem me dar sermão? Quem é você?
— Que isso! Que isso! O urubu tá falando!
— Estou sim! E daí?
— Pare de comer esse bicho aí. Deixe ele em paz. Vou enterrar ele naquele mato ali.
— Para quê e por quê? O que restou aí é alimento para os meus. Dependemos disso pra sobreviver. E a vida que existiu ali já se foi há muito tempo.
— Não! Não! Não posso deixar você fazer isso.
— O quê?
— Isso é muito nojento.
— Nojento?
— E a carne que vocês comem, não é? Deixe os animais apodrecendo sobre o solo e veremos se existe alguma diferença entre esse cachorro deitado sobre o asfalto e aqueles que vocês matam sem necessidade.
— Sem necessidade? Você é uma piada!
— Não, senhor. Somos realmente carnívoros, e não matamos animais e nos alimentamos deles para além da nossa necessidade. Comemos para viver, não vivemos para comer. Considere também o fato de que vocês são incapazes de se alimentar da carne em estado natural, o que é chocante para nós carnívoros. Isso não existe. Comemos o que está à nossa disposição e como nos foi ofertado, sem máscaras, ou seja, sem fogo, sem tempero. Respeitamos a natureza.
— Você é louco! Louco!
— Talvez, se estamos falando de um mundo onde ser normal é matar para agradar o paladar.
— Pelo menos não como nada do chão.
— O cachorro que morreu por uma fatalidade se incomodaria menos de ser comido por nós nessa situação do que os animais que vocês agradam para depois matar em atitude traiçoeira. Afinal, o que tem de glorioso em abraçar antes de golpear? Sejamos honestos, meu amigo.
— Não vou perder meu tempo discutindo com um comedor de carniça.
— Poderia dizer o mesmo de você, já que nós dois nos fartamos da carniça de seres que viviam.
— Eu não. Você! Você! Só você!
— Tens razão, e admito que sou comedor de carniça. Admitir isso é sensato. Mas por que levanta a voz, range os dentes e demonstra tanto incômodo e desconforto? Examine a sua consciência, pois a minha resplandece tranquila – disse o Urubu antes de continuar se alimentando do cãozinho.

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