David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Nenhuma vida animal deveria ter um preço

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AP Photo/Carrie Antlfinger

A vida, que não deveria ter preço, é um dos negócios mais rentáveis da história da humanidade. Somente a indústria da exploração animal movimenta trilhões de dólares por ano. Não há como não pensar que quando o ser humano se tornou um mercador da morte, ele abriu um precedente que ajudou a naturalizar as mais diferentes formas de violência que conhecemos hoje. Enfim, se uma vida pouco vale, o que as outras coisas, menores que a vida, devem valer? Muito menos.

Matamos por ano aproximadamente 70 bilhões de animais terrestres e cerca de um trilhão de animais marinhos, sendo que temos uma população mundial de pouco mais de 7,2 bilhões de pessoas, o que significa que para onde olhamos há morte, há algum tipo de sofrimento, padecimento, perecimento. Eu sorrio, você sorri, todo mundo sorri, e muitas vezes fechando os olhos para o que nos cerca.

O lugar que mais reflete a morte não é o cemitério, não são os hospitais com doentes terminais, mas as nossas casas, os nossos locais de trabalho, os mercados, os restaurantes, as lanchonetes, as padarias, as farmácias, os nossos espaços de lazer. Todos eles estão imersos na finitude de outras existências, de outras criaturas.

Há histórias de privação e sofrimento por todos os lados. Se os animais que morreram para tornarem-se produtos ganhassem vida em um mercado, milhares deles correriam pelos corredores. Ouviríamos berros, mugidos, zumbidos, cacarejos, grunhidos, etc. Seria uma balbúrdia inimaginável. Quantas histórias de privação e sofrimento são veladas nas embalagens dos produtos que compramos? Quantas caricaturas animalescas encontramos à venda em todos os lugares, simplesmente sendo usadas desonestamente na venda de produtos?

Agências de publicidade criam, para a indústria de produtos de origem animal, personagens animais rindo, cantando e brincando. Em síntese, dissimulação e desrespeitosa ilusão que mascara a simples realidade de que não há diversão no sofrimento nem na morte. Quando um animal se torna mascote caricato de um produto, ele não apenas tem a sua identidade dissociada, como também é elevado à condição de estúpido, parvalhão.

Qual ser vivo que não deseja morrer comemoraria o seu próprio fim ou ofereceria a sua própria carne com prazer? Nesse contexto, o ser humano não apenas mata um animal, mas macula sua imagem. Somos cegos, ou somos negligentes, ou somos tolos, ou somos indiferentes; ou somos simplesmente especistas.

Onde estariam escondidas todas essas carcaças flageladas? De bilhões de animais mortos por ano. Em todos os lugares, e até mesmo dentro de nós. Não temos onde escondê-los. Nem queremos isso. Os matamos para expô-los, para aproveitarmos o máximo possível de suas carcaças, de suas carnes, órgãos, tudo que pudermos. E se algo sobrar? Criamos um novo produto. Não há razão para desperdiçar, principalmente se é possível lucrar.

Semeamos a vida tanto quanto semeamos a morte. Choramos pelas injustiças vividas pelos que consideramos nossos semelhantes, mas não por aqueles que morrem para serem reduzido a pedaços sobre os nossos pratos. Sentimos nojo quando passamos perto de um curtume que polui um rio, reconhecendo ali o cheiro da podridão – da morte e da poluição, mas não aventamos a ideia de não usarmos sapato de couro porque a consideramos ridícula ou exagerada.

Reclamamos da violência aguardando a chegada de um lanche recheado de hambúrguer bovino, presunto, filé de frango, ovos, muçarela e bacon. Paz somente para nós, não é mesmo? Nos sensibilizamos ao assistirmos na TV uma vaca com a pata quebrada sendo retirada de um buraco. Fazemos isso tomando milk-shake e comendo um sanduíche com queijo prato. Criticamos toda e qualquer forma de aprisionamento percorrendo as fileiras do mercado com bandejas de ovos nas mãos, ignorando a realidade das galinhas poedeiras que passam a vida toda confinadas em regime industrial.

Nos entristecemos com a cena de um porco-do-mato agonizando com a boca aberta sobre a relva. Depois o esquecemos e saboreamos um sanduíche de pernil. Abraçamos a galinha doméstica do vizinho e jantamos frango ao molho. Criamos coelhos e lavamos nossos cabelos com produtos testados em seus semelhantes. Brincamos de senhores da existência, que estabelecem prazos de vida para dezenas e até centenas de espécies de animais. Definimos quando eles nascem, crescem e morrem. Nada pode acontecer sem a nossa interferência. Afinal, somos mercadores e consumidores de morte.

 

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Written by David Arioch

August 21st, 2017 at 1:39 am

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