David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Jacaré, mais um animal reduzido a alimento

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Espécie se tornou alvo da ganância humana

Corumbá, no Mato Grosso do Sul, tem o terceiro e maior frigorífico de jacarés do Brasil, e, assim como outros, com o aval e apoio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Assim como outros animais, do jacaré não se aproveita apenas a carne, mas tudo, inclusive os olhos. Este ano a estimativa é de que pelo menos 600 animais sejam abatidos por dia somente em um frigorífico, de acordo com informações da Caimasul. Isso representa 65 mil quilos de carne de jacaré por mês.

Estamos falando de uma carne que pode custar até R$ 70 por quilo. Logo, além da exploração desnecessária e da crueldade legitimada, interessa a quem algo assim? Quem tem condições de pagar por isso? Não é difícil interpretar que essa oferta vai ao encontro de uma demanda específica, que se volta para a exportação e para uma pequena camada da sociedade com maior poder de compra.

Atualmente, nas maiores cidades do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, o jacaré já é visto por muita gente como alimento, assim como o boi, o porco e o frango. Não é incomum encontrar pedaços de jacaré em açougues e mercados. Normalmente, estão reduzidos à ponta de cauda, filé de cauda, filé de lombo, filé de dorso, filé mignon, coxa, sobrecoxa, linguiça e iscas. Uma cooperativa de criadores de jacaré alega que a iniciativa visa a conservação do meio ambiente e a preservação da espécie.

Mas será mesmo que criar milhares de animais em cativeiro, em baias e galpões, e manter um ritmo de produção de milhares de toneladas por ano é uma medida que visa realmente o bem-estar da espécie? E o que eles pretendem fazer quando a demanda dobrar, triplicar ou quadruplicar? Ou até mais do que isso. Afinal, eles estão incentivando novos hábitos na população, e também a ideia de que o Pantanal é território fértil para esse tipo de exploração.

Além disso, essa demanda também pode estimular naqueles que veem nisso um bom negócio, mas não têm condições de investir formalmente e legalmente na área, o interesse pela comercialização ilegal de carne de jacaré, que pode ter um custo até quatro ou cinco vezes menor. Ou seja, surge aí um estímulo para que mais animais selvagens sejam mortos para atender a uma demanda que deve crescer substancialmente.

Precisamos considerar também o fato de que esses animais estão sendo criados fora do seu habitat. Se o foco é a preservação ambiental, então por que matá-los e reduzi-los a alimentos? Se a ideia é o controle populacional, por que eles são condicionados a se reproduzirem em cativeiro? Enfim, se há uma superpopulação de jacarés no Pantanal, e eles devem ser supostamente abatidos, a situação chegou a esse ponto por negligência e interferência humana.

Vivemos em um mundo com mais de 7,2 bilhões de pessoas, e onde mais de 870 milhões de seres humanos sofrem de subnutrição crônica, mas temos um péssimo costume de culpar outras espécies por nossas falhas e concupiscências. A comercialização de carne de jacaré é um exemplo disso. Transformamos um animal selvagem em bode expiatório, extraímos o máximo que pudermos dele para gerar lucro, e esse lucro não é redistribuído nem mesmo direcionado à recuperação do meio ambiente.

Acredito que é mister não ignorar que essa indústria mata animais privados de seu habitat, habitat este que não pertence a ninguém, a não ser à própria natureza. E os espólios de suas mortes são celebrados por uma pequena parcela da população com maior poder aquisitivo. É justo isso? Não creio.





Written by David Arioch

September 9th, 2017 at 8:11 pm

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