Críticas à exploração animal nos romances “Moby-Dick” e “As Pontes de Madison”
Publicado em 1851, o romance “Moby-Dick; or, The Whale”, de Herman Melville, que se tornou um dos livros mais importantes da literatura dos Estados Unidos, conta a história de vingança de Ahab, o obsessivo capitão do baleeiro Pequod que, depois de ter a sua perna arrancada pela lendária baleia branca Moby-Dick, decide dedicar sua vida a persegui-la e destruí-la, ignorando o fato de que ele invadiu o habitat do animal e tentou matá-lo.
Quando escreveu a obra, Melville já havia sido influenciado pelas ideias e obras de Henry David Thoreau e Ralph Waldo Emerson, escritores e filósofos estadunidenses que defendiam o respeito à natureza, e que, por vezes, são classificados por alguns autores como vegetarianos, embora não haja registros tão precisos sobre seus hábitos alimentares, assim como os de Melville.
A inspiração para produzir “Moby-Dick” veio de aventuras fantásticas que o escritor vivenciou a partir de 1841, quando passou 18 meses no baleeiro Acushnet, um dos mais de 700 navios baleeiros dos Estados Unidos, de um total de 900 atuando na pesca comercial naquele ano.
Embora a experiência tenha sido muito rica, Herman Melville a qualificou como extremamente infeliz, porque a vida no mar era absolutamente miserável. E ele, assim como outros marinheiros, eram tratados como escravos e tinham que se submeter a todos os tipos de ordens de “homens vulgares e brutais”.
Na página 289 de “Moby-Dick”, Ishmael, alter ego de Herman Melville, narra que não resta dúvida de que o primeiro homem que matou um boi tenha sido considerado um assassino; talvez tenha sido enforcado; e, se o tivessem levado a julgamento por causa disso, certamente teria merecido a sua sentença. E naturalmente, são os compradores e consumidores que perpetuaram tal negócio que ainda nos dias de hoje parece distante do fim.
“Num sábado à noite, vá ao mercado de carnes e veja as multidões de bípedes vivos de olhos vidrados nas longas filas de quadrúpedes mortos. Esse espetáculo não tira um dos dentes do maxilar dos canibais? Canibais? Quem não é um canibal? Garanto a você que o Juízo Final será mais tolerante com um providente Fijiano que salgou um missionário magro em sua adega para se prevenir contra a fome do que contigo, gourmand civilizado e esclarecido, que prendes os gansos no chão e te refestelas com seus fígados dilatados em teu patê de foie gras”, criticou.
Melville era um autor muito à frente do seu tempo, e a maior prova disso é que o seu romance mais famoso – “Moby-Dick; or, The Whale”, dedicado a Nathaniel Hawthorne, não obteve qualquer prestígio após o lançamento. Quando faleceu em 28 de setembro de 1891, seu livro já não era mais encontrado à venda em lugar algum.
A rejeição ao seu trabalho pode ter sido facilitada pelas críticas que fez ao comportamento dos ocidentais de seu tempo, imersos em hipocrisia, egolatria, preconceitos, superficialidades e pouco respeito à natureza. Em suma, “Moby-Dick” também é um livro que desvela a ferocidade do antropocentrismo, embora, por vezes, também transpareça, mesmo que minimamente, antropocêntrico; provavelmente por influência da época.
O escritor estadunidense William Faulkner, um dos mais importantes dos Estados Unidos do século 20, declarou que gostaria de ter escrito “Moby-Dick”. O inglês D.H. Lawrence, outro autor igualmente relevante, definiu o romance da baleia branca como um dos mais estranhos e maravilhosos livros do mundo.
“Mas Stubb, ele come a baleia à luz de seu próprio óleo, não? E isso é somar insulto à injúria, não é? Olhe para o cabo de sua faca, meu caro gourmand civilizado e esclarecido a comer um rosbife, do que é feito o cabo? – do quê, senão dos ossos do irmão do mesmo boi que você está comendo? E com o que você palita os dentes, depois de devorar aquele ganso gordo? Com uma pena da mesma ave. E com que pena o Secretário da Sociedade de Supressão de Crueldade aos Gansos escreve suas circulares? Há apenas um ou dois meses essa sociedade tomou a decisão de patrocinar somente penas de aço”, escreveu Herman Melville na página 289 de “Moby-Dick; or, The Whale”, romance publicado em 1851.
Em “The Bridges of Madison County”, ou “As Pontes de Madison”, romance contemporâneo publicado em 1992, Robert James Waller conta a história de uma mulher casada e solitária que tem um relacionamento de quatro dias com um fotógrafo da revista National Geographic em 1965. Ele viaja para registrar imagens das famosas pontes cobertas do condado.
Durante esse período, além de uma curta e intensa história de amor que vem à tona somente após a morte de Francesca, é interessante perceber como o estilo de vida do fotógrafo, que não come carne de animais, é visto com estranheza, e até mesmo como uma afronta, em um cenário onde muitos têm como principal fonte de renda a criação de animais enviados para o abate.
Nas páginas 11, 14, 24, 27, 32 e 64, o autor aborda a sintonia de Kincaid com os animais e a natureza em geral, além da curiosidade de Francesca com o seu estilo de vida incomum e intrigante se comparado aos moradores de Madison:
Ele desejou pela milésima vez em sua vida ter um cão, um golden retriever, talvez, para viagens como essa e também para ter alguma companhia em casa. Mas frequentemente ele se ausentava, passando a maior parte do tempo no exterior, e isso não seria justo com o animal. Ainda assim, ele pensou a respeito. Em poucos anos, ele estaria velho demais para o trabalho de campo. “Eu poderia ter um cão até lá”, disse ao conífero que via passar através de sua janela.
Ao contrário da população, que se alimentava de molho madeira, purê de batatas e carne vermelha, alguns, três vezes por dia, Robert Kincaid parecia não comer nada além de frutas, nozes e legumes. Rijo, ela pensou. Ele parece rijo, fisicamente.
— Só legumes estaria ótimo, para mim. Eu não como carne. Já faz anos. Nada de mais, só me sinto melhor assim. Francesca sorriu, de novo.
— Por aqui, esse ponto de vista não seria muito popular. Richard e seus amigos diriam que você está tentando destruir o sustento deles. Eu também não como muita, não sei por quê. Apenas não ligo muito. Mas toda vez que tento servir um jantar sem carne, com minha família, há uivos de rebelião. Aí acho que desisti de tentar. Será divertido fazer algo diferente, para variar um pouco.
O sol branco tinha ficado vermelho e imenso, logo acima dos campos de milho. Pela janela da cozinha, ela viu um falcão que voava nas correntes de vento do começo da noite. O noticiário das sete começava no rádio. E Francesca olhou para o outro lado da mesa amarela de fórmica, para Robert Kincaid, que tinha vindo por um caminho tão longo, até sua cozinha. Um longo caminho, atravessando mais que milhas.
— Já está um cheiro bom — disse ele, apontando o fogão.
— Está com um cheiro… tranquilo. — Ele olhou para ela.
Tranquilo? Alguma coisa pode ter cheiro tranquilo? Ela pensava na frase e se questionava. Ele estava certo. Depois das costeletas de porco, bifes e assados que fazia para a família, aquela era, sim, uma culinária tranquila. Nenhuma violência envolvida na cadeia alimentar, exceto, talvez, por arrancar os legumes da terra. O ensopado cozinhava de um modo tranquilo e tinha um cheiro tranquilo. Estava tranquilo ali na cozinha.
Algo que nunca consegui entender é como eles podem dispensar tal amor e cuidado aos animais e, em seguida, vê-los vendidos para o abate. No entanto, não me atrevo a dizer nada sobre isso. Richard e seus amigos viriam para cima de mim em um segundo. Mas há algum tipo de contradição fria e insensível nesse negócio.
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