Sobre pessoas que cometem assassinatos em massa
Não raramente, quando casos envolvendo mass murderers ou rampage killers ganham visibilidade, as pessoas dizem: “Ele sempre foi uma boa pessoa” ou “sequer levou uma multa de trânsito ao longo da vida”. Sou bem avesso a tal perspectiva que nos divide entre bons ou maus com base em análise subjetivamente superficial de conduta e caráter; sempre fui, e devo dizer que o ser humano “de bem”, dependendo de como vive, pode se transformar em uma bomba-relógio em qualquer momento de sua vida.
Quando isso acontece, certo e errado já não significam nada, assim como bondade ou maldade, porque foram diluídos durante um processo de alomorfia, quando o ser humano se torna incapaz de ver sentido em uma coisa ou em outra. Não há equivalência, nem descoincidência.
Por isso, considero importante boa educação, boa comunicação, estrutura familiar e capacidade de desenvolver desde cedo uma relação de pertencimento à vida e ao mundo, mesmo que tudo que vivemos seja provisório. Claro, não estou me referindo a pessoas que desenvolvem psicopatia desde cedo sem motivação contextual.
Falo de pessoas aparentemente comuns que, imersas em um viperino e volátil elã emocional e psicológico, tornam-se assassinas em algum momento de suas vidas. São seres que não veem nada de bom na humanidade ou na vida e, pesando a própria degradação como reflexo da falência existencial, anseiam em feri-la, mesmo que literalmente e alegoricamente matando alguns dos seus.
Em síntese, assassinos dessa categoria às vezes são seres derribados que se sentam diante da falésia, mas saltam somente no instante em que suas correntes estejam bem dispostas para arrastar outros, porque creem que somente por meio da morte daqueles que não eram “insignificantes”, sua história ou memória será perpetuada. Talvez o descomplicado suicídio seja solitário demais, liliputiano demais. Afinal, não ganha manchetes nos jornais, nem conversas entre mais do que meia dúzia de conhecidos. É um dos pináculos ou fossos da degradação sequer humana.
E quando alguém chega a matar alguém para provar alguma coisa, isso reverbera também uma nova porção de tentáculos da falência social. Por isso, eu jamais colocaria outro ser humano neste mundo se não fosse para assumir o compromisso de torná-lo um ser humano digno. Muitos dos males que testemunhamos hoje em dia vêm também do envilecimento e da indefensibilidade estrutural, terreno fértil não simplesmente para a calejada imoralidade, mas também para a, muitas vezes ignorada, amoralidade.