David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

O Velho Barbanço, os animais e os gaiatos

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Foto: iStock

Uma vez por semana alguns pequenos gaiatos invadiam a propriedade do Velho Barbanço e davam estilingadas no porco, no boi, na vaca, na cabra, na ovelha, em dois cordeiros e uma galinha que circulavam livremente. A visão do velho não era atilada, mas a sua audição sim. Crentes de que jamais aquele homem de idade avançada os surpreenderia, os petizes aproveitavam – gargalhavam, penduravam sobre a mangueira e até mesmo estercavam perto do comedouro dos animais.

Remansado, o Velho Barbanço apenas aguardou, na sua característica odara. As horas não diziam nada, porque os tarecos nunca invadiam o local no mesmo horário. Então o velho descobriu uma forma de surpreendê-los. Instalou um fio sob a terra que começava na porteira e percorria a mangueira frontal. Se alguém se aproximasse, um sino era acionado na sala, e quem estava fora nada ouvia.

Um dia, os moleques pularam mangueira adentro e observaram o entorno, asseverando-se de que não havia ninguém por perto. Com a confirmação, prepararam as primeiras estilingadas.

— Estilingue poderia ser uma coisa boa se não a usassem para o mal — disse uma voz roufenha sobre eles.

Espaventados, os quatro gaiatos observaram o Velho Barbanço sentado sobre um dos galhos mais massudos de uma sibipiruna acima deles. Não imaginaram que um dia seriam flagrados. Apesar da idade avançada, o velho saltou da árvore e seus pés tocaram o chão com a lenidade de uma lebre.

— Por que vocês incomodam esses pobres animais? Por que feri-los? Por que tirar-lhes a paz, que é uma das poucas coisas que buscam em suas vidas? Eles vivem bem menos do que nós, e não merecem tal maldade. Agora venham.

Os tarecos hesitaram, se entreolharam, mas seguiram o velho. Barbanço mostrou os curativos que fez em cada um dos animais feridos. Um deles ainda gemia expectando convalescença.

— Eles sangram e sentem dor como eu e você. Imagine se fosse cada um de vocês no lugar deles. Agradaria?

— Não… — responderam encalistrados.

— Podem não parecer tão inteligentes ou sábios pra vocês, mas eles são sim. Sabe por que sei disso? Porque eles buscam mais a paz do que nós. Sabem o que um animal desses faz quando ninguém o machuca? Ele é condescendente, leniente. Entendem o que isso significa? Que ele não conhece o mal como nós conhecemos, não é inerente à sua natureza. Até quando fazem algo de errado, não o fazem por pura maldade, mas por alguma motivação quase sempre alheia à nossa compreensão.

— Hum…mas o senhor come eles, né? — questionou o gaiato menor.

— Na realidade, não, filho.

— Como não?

— Que sentido teria eu livrá-los da dor que vocês causam a eles e entregá-los ao açougueiro? Isso seria muito pior do que o que vocês fizeram. Não se abraça mirando carcaça.

— Ah! Isso é estranho. Nunca conheci quem não comesse carne — comentou outro.

— Pois então está conhecendo agora.

— Isso é diferente.

— É uma reação comum.

— Humm…

— Acredito que quando ferimos alguém, e não nos importamos, estamos mandando uma mensagem de que nem todas as vidas são importantes, e que podemos chegar ao extremo de escolher quem merece viver e quem merece morrer.

— Mas não é isso que já fazemos hoje? — questionou um petiz.

— Sim, e isso te agrada?

— Agora não.

 





 

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