David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Archive for April, 2018

Elsie Shrigley, uma mulher de destaque na história do veganismo na Inglaterra

without comments

Sally ajudou a fundar a Vegan Society e assumiu a presidência da entidade a partir de 1960

Elsie Shrigley ajudou Donald Watson a fundar a Vegan Society (Acervo: Vegan Society)

Elsie Beatrice Shrigley é um nome pouco conhecido entre veganos do mundo todo, embora tenha sido uma das cofundadoras da Vegan Society, na Inglaterra, e desempenhado importante papel na história do movimento vegano, que passou a existir formalmente em 1944, após a idealização dos termos “vegan” e “veganism”.

Normalmente quando se fala na história do veganismo na Inglaterra, o nome que desponta com mais frequência é o do carpinteiro Donald Watson, que passou a ter a sua imagem associada à Vegan Society desde o início. No entanto, Elsie Shrigley, mais conhecida como Sally, uma possível referência ao seu sobrenome de solteira – Salling, não teve um papel de pouca relevância na articulação do movimento vegano inglês que se espalharia pelo mundo.

A pesquisadora Samantha Calvert, coordenadora de comunicação e relações públicas da Vegan Society, que tem contribuído no resgate de aspectos históricos pouco claros da entidade, aponta Elsie Shrigley como uma mulher que em parceria com Donald Watson articulou uma coalizão com os vegetarianos da época que não concordavam com o consumo de laticínios, mel e outros alimentos e produtos de origem animal – ou seja, indo muito além da abstenção do consumo de carne, que fazia parte da típica realidade dos vegetarianos britânicos.

Antes, Donald Watson e Sally tentaram criar um grupo com essa proposta como uma ramificação dentro da tradicional Vegetarian Society, de Londres, fundada em 30 de setembro de 1847, e da qual já faziam parte. Porém o pedido foi declinado pelo conselho consultivo da entidade. Talvez especialmente porque Watson, Sally e outros vegetarianos estritos solicitaram também um espaço no principal veículo de divulgação das ideias da inglesa Sociedade Vegetariana, ou seja, o periódico Vegetarian Messenger, onde imaginavam ter a oportunidade ou abertura de discutir o paradoxo do consumo de outros alimentos de origem animal – e não apenas sobre as implicações do consumo de carne.

A proposta também foi rejeitada, e assim surgiu um grupo dissidente em agosto de 1944, mas que começou a se consolidar após a fundação da Vegan Society no The Attic Club, no distrito londrino de Holborn, em novembro de 1944. Na ocasião, apenas meia dúzia de pessoas participaram da reunião organizada por Donald Watson e Elsie Shrigley, embora a sociedade já somasse 25 membros registrados após a sua fundação.

Segundo Samantha, talvez a Vegan Society não teria sobrevivido se não fosse pelo trabalho duro de Donald Watson nos primeiros anos – inclusive a idealização da revista The Vegan foi uma iniciativa dele. Contudo, Sally já despontava também como uma liderança, inclusive mais tarde assumindo a presidência da Vegan Society.

Uma informação praticamente desconhecida sobre Elsie Beatrice Shrigley é que possivelmente ela foi a primeira pessoa a criar uma lista de produtos livres da exploração animal – isto em 1947. Entre os produtos que ela pesquisou e listou como liberados para veganos estavam biscoitos e chocolates. A lista foi publicada no periódico The Vegan, e contribuiu consideravelmente para facilitar a vida dos veganos da época.

Tendo participado ativamente da Vegan Society desde o princípio, Sally foi eleita para assumir a presidência da Vegan Society a partir de 1960. De acordo com Samantha Calvert, Elsie Shrigley era tão engajada nos ideais do movimento vegano que ocupou todas as posições oficiais da Vegan Society, entidade a qual serviu até 13 de maio de 1978, quando faleceu em Tonbridge, no condado de Kent. “Foram incríveis 33 anos de serviço. Ela também foi delegada da Vegan Society para muitos congressos internacionais da União Vegetariana Internacional”, garante a pesquisadora e coordenadora de comunicação da Vegan Society.

Ainda assim, não há tantas informações disponíveis sobre a vida de Sally. Um artigo publicado no periódico The Vegan, no verão de 1967, revela que ela viveu com os pais em Hampstead, a noroeste de Charing Cross, até casar-se com o dentista Walter Shrigley em 1939, de quem adotou o sobrenome. Embora tenha nascido em Londres, Elsie era de origem escandinava e falava dinamarquês fluentemente. Depois de passar pela Chelsea College of Physical Training, onde estudou educação física com enfoque em ginástica, ela decidiu enveredar pelo caminho da música e passou a dar aulas de piano de 1932 a 1939.

No início da Segunda Guerra Mundial, Sally Shrigley morava em Purley, ao Sul de Londres, onde atuou como bombeira voluntária para a Fire Guard Services. Também trabalhou na unidade móvel de Swiss Cottage, em Hampstead, onde dava suporte às enfermeiras. De 1940 a 1958, ela foi Secretária honorária da Sociedade Vegetariana de Croydon, e mais tarde ocupou o mesmo cargo na Sociedade Vegetariana de Surrey.

“Seus serviços foram solicitados pela Sociedade Vegetariana de Londres [que era uma organização nacional separada na época, comparável à Sociedade Vegetariana do Noroeste] que a convidou para ser a sua secretária-adjunta por três meses antes da nomeação de um novo secretário. Sally foi uma figura importante no início do movimento vegano e acabou relegada à sombra de Donald Watson. Indiscutivelmente, as contribuições de muitas mulheres para os movimentos reformistas sociais são ofuscadas dessa maneira”, avalia Samantha Calvert.

Saiba Mais

Elsie Beatrice Shrigley (Elsie Beatrice Salling) nasceu 30 de outubro de 1899 e faleceu em 13 de maio de 1978.

Referências

Calvert, Samantha. In Search of Sally – The lesser known founder of the Vegan Society with Donald Watson (2016)

Know Your Roots. The Vegan Society (2 de setembro de 2016)

The Vegan. Páginas 2 a 5 (Verão de 1967).

Fox, Sarah W. Elsie Shrigley: The woman behind the word veganism (30 de abril de 2017).





Por que só reconhecemos a exploração animal quando envolve violência explícita?

without comments





Sobre zombar de animais e matá-los baseando-se na crença do querer e poder

without comments

Deveria a morte violenta, coercitiva e indesejada ser associada às coisas boas da vida? 

Deveríamos zelar pelos animais, não violentá-los (Foto: Jo-Anne McArthur/We Animals)

O que leva uma pessoa a tirar foto sorrindo com um animal morto? Você já pensou sobre isso? Considera normal? Aceitável? Por que deveríamos celebrar a morte de criaturas que não nos causam qualquer mal? E mesmo que causassem, consideradas as proporções, isso seria justo? Moral? Ético? Que tipo de mensagem realmente passamos quando jocosamente erguemos um animal morto pelas orelhas, pelas patas, pelo couro ou pelo dorso enquanto seus olhos já não mostram nada a não ser uma ideia concreta de finitude, de um vácuo que parece sempiterno? Como sorrir segurando um corpo desfalecido, um cadáver?

Os animais que matamos, seja para consumo, ou outro tipo de uso ou até mesmo nenhum, não existem ou existiram sozinhos – eles vieram de algum lugar, de alguém. Têm ou tiveram mães, pais, irmãos, irmãs – todo um contexto social, já que não apenas nós humanos somos seres sociais, mas animais de muitas outras espécies também. E mesmo que não tivessem ninguém, e vivessem no mais pleno ostracismo, ainda assim não teríamos tal direito de privar-lhes da vida.

Não tão raramente quanto eu gostaria, um sujeito está junto a um animal morto, o sangue daquela criatura desfalecida ainda quente em contato com a sua mão, mas ele está em frenesi; tão imerso no desconhecimento, no obscurantismo e na ignorância que nem se dá conta de que a sua satisfação e o seu prazer estão associados à morte. E deveria a morte violenta, coercitiva e indesejada ser associada às coisas boas da vida? Como podemos vincular violência e tortura de vulneráveis ao prazer? Deleite? Contentamento?

Deveríamos sorrir quando matamos animais simplesmente porque queremos e podemos? Talvez seja a valiosa lição de que há vidas que podemos suprimir, destruir, exterminar sem qualquer prejuízo consciencioso ou moral? Deveríamos comemorar? Vibrar? Mesmo nos casos em que um animal é apontado como um problema, o ser humano opta sempre pela solução mais fácil – que é exterminá-lo o mais rápido possível. “Matemos e está resolvido!” Não se fala em alternativas, porque alternativas “custam caro”, e vidas não humanas valem pouco.

Nesse aniquilamento ignora-se o fato de que quem morreu não queria morrer – mas apenas viver à sua maneira, não importando conceitos confusamente abstratos ou a racionalização humana da felicidade ou da tristeza. Há quem diga que matamos determinadas espécies porque esse é o papel delas, assim como outros alegam que matamos específicas criaturas porque essas tornaram-se “pragas”.

Se o papel delas é esse por que nasceram sencientes, e até mesmo com níveis distintos e equiparáveis de consciência e inteligência? Com habilidades sociais. Não seriam características a serem consideradas moralmente? Que indicam que assim como nós não partilham do desejo pela morte precoce? Além disso, diante de tanto impacto que causamos ao mundo em proporções desmedidas e pouco refletidas há milhares de anos, e mais visceralmente há centenas de anos, será que temos o direito de chamar qualquer espécie de pinima, de praga?

 





Moby está vendendo seus equipamentos musicais para arrecadar dinheiro para um comitê de médicos veganos

without comments

Além de músico, Moby é conhecido pelo seu ativismo a favor do veganismo (Foto: Kris Konnor)

O renomado músico e ativista vegano Richad Melville Hall, mais conhecido como Moby, abriu hoje uma loja online depois de firmar uma parceria com o mercado online reverb.com para vender mais de 100 peças de seus instrumentos e equipamentos musicais pessoais. Os recursos serão doados ao Comitê de Médicos Pela Medicina Responsável dos Estados Unidos, formado por médicos veganos. “Estou vendendo o equipamento que usei para fazer todos os meus discos. Tenho muitos equipamentos e quase todos têm profundo valor sentimental para mim, incluindo sintetizadores que comecei a usar nos anos 1980. Mas, em vez de guardar tudo, quero vendê-los por uma boa causa”, disse Moby ao reverb.com.

O Comitê beneficiado pela boa ação de Moby defende o consumo de alimentos de origem vegetal em substituição aos alimentos de origem animal como uma medida preventiva contra doenças. O grupo também vai além da dieta, voltando-se para os direitos animais. Nos últimos anos, o Comitê de Médicos pela Medicina Responsável dos Estados Unidos tem lutado por medidas legislativas contra a realização de testes em animais nas escolas de medicina. O grupo também é conhecido por incentivar a reformulação das refeições escolares nos Estados Unidos – oferecendo opções veganas e também excluindo alimentos de origem animal como carnes processadas.

Referência

VegNews





Por que acredito que o sofrimento de um animal não humano não é menor do que o humano na iminência da morte

without comments





Empresa alemã lança tênis vegano a partir de “couro de cogumelo”

without comments

Foto: Divulgação

A empresa de engenharia alemã nat-2 recentemente criou um tênis vegano de alta qualidade baseado em uma mistura de cogumelos que passam por uma colheira natural anual. Depois a matéria-prima é usada na fabricação dos calçados feitos a mão por uma empresa familiar italiana. O conceito e o material da Linha Fungi foi desenvolvido pela designer Nina Fabert, de Berlim, na Alemanha, que trabalha para a empresa vegana Zvnder.

O tênis também conta com materiais ecológicos como algodão orgânico, camurça de microfibra de garrafas recicladas, cortiça e borracha. Essa alternativa ao couro animal, e que tem um “visual vintage”, possui textura macia, é ecologicamente correta, orgânica, vegana, livre de glúten ou de qualquer aditivo químico — garante a empresa. O “couro de cogumelo” é mais uma das alternativas veganas ao couro animal, somando-se ao Piñatex (“couro de abacaxi”), ao “couro de casca de maçã” – criado pela marca de calçados VEERAH; e também ao couro de levedura desenvolvido pela empresa de biotecnologia Modern Meadow. O “couro de abacaxi” foi desenvolvido na Inglaterra e os outros dois nos Estados Unidos.

Referência

Veg News





Written by David Arioch

April 26th, 2018 at 12:00 am

Animais que produzem medicamentos a partir de plantas podem despertar novas discussões sobre a senciência e a inteligência animal

without comments

A medicina não é exclusivamente uma invenção humana, e muitos outros animais são conhecidos por se automedicarem com plantas e minerais

Orangotangos transformaram o extrato de uma planta da ilha de Bornéu em um analgésico tópico (Foto: Getty Images)

Este mês, a Scientific American, uma das revistas científicas mais prestigiadas dos Estados Unidos, publicou um artigo intitulado “Orangutans use plant extracts to treat pain”. Ou seja, “Orangotangos usam extratos de planta para tratar a dor”. No artigo, o autor Doug Main, afirma que a medicina não é exclusivamente uma invenção humana, e que muitos outros animais; como insetos, aves e primatas não humanos, são especialmente conhecidos no meio científico por se automedicarem com plantas e minerais – principalmente para tratar infecções e outras enfermidades. O que por si só já é um indicativo claro não apenas dos níveis de consciência animal, mas também de inteligência.

Mas o que mais chama a atenção no artigo, que pode despertar novas discussões sobre a inteligência animal e a senciência, ou seja, a capacidade de sentir dor, é que a pesquisadora e ecologista comportamental Helen Morrogh-Bernard, que há décadas estuda o comportamento dos orangotangos na ilha de Bornéu, encontrou evidências de que orangotangos têm produzido medicamentos de forma inédita a partir de plantas.

Helen, que trabalha para a Borneo Nature Foundation, passou mais de 20 mil horas realizando observação formal do comportamento desses animais, e constatou que ocasionalmente eles mastigam especificamente uma planta que não faz parte de suas dietas. Os orangotangos a mastigam até formar uma espuma e então a esfregam na pele. As massagens com o medicamento natural duram até 45 minutos, e normalmente o extrato é usado nas pernas e nos braços. Os pesquisadores acreditam que esse é o primeiro exemplo conhecido de um animal não humano usando um analgésico tópico fabricado por ele mesmo.

A planta, que tem o nome de Dracaena cantleyi, é um arbusto de aparência incomum com folhas riscadas, e é muito eficaz no tratamento de dores. A química do analgésico dos orangotangos da ilha de Bornéu foi estudada na Academia Tcheca de Ciências, na Universidade Palacký (em Oromouc, na República Tcheca) e na Universidade Médica de Viena.

Os pesquisadores dessas instituições, parceiros da Borneo Nature Foundation, adicionaram extratos às células humanas que foram cultivadas em um prato e as estimularam artificialmente para produzir citocinas – uma resposta do sistema imunológico que causa inflamação e desconforto. Os cientistas envolvidos na pesquisa relataram à revista acadêmica Scientific Reports que o extrato vegetal da Dracaena cantleyi reduziu a produção de vários tipos de citocinas.

Segundo o biólogo Jacobus de Roode, da Universidade Emory, sediada em Atlanta, nos Estados Unidos, o resultado realmente sugere que os orangotangos usam a planta para reduzir a inflamação e tratar a dor. Descobertas como essa ajudam a identificar plantas e substâncias químicas que podem ser úteis na fabricação de medicamentos de uso humano.

De acordo com o artigo “Orangutans use plant extracts to treat pain”, publicado pela Scientific American, em criaturas como insetos, a capacidade de se automedicar é quase certamente inata; as lagartas do tipo urso lanoso infectadas com moscas parasitas procuram e comem substâncias vegetais que são tóxicas para as moscas. Mas animais mais complexos podem aprender tais truques após uma descoberta inicial por um membro de seu grupo.

“Por exemplo, um orangotango pode ter esfregado a planta em sua pele para tentar lidar com parasitas e percebeu que ela também causava um agradável efeito analgésico”, disse Michael Huffman, primatologista da Universidade de Kyoto, no Japão. Esse comportamento pode então ter sido passado para outros orangotangos.

Aparentemente, não há registros desse tipo de automedicação fora do centro-sul de Bornéu, o que significa que a descoberta tem grande valor científico. E claro, tudo isso ajuda a endossar o fato de que não temos razão para subestimar a senciência e a inteligência animal não humana quando, cada vez mais, eles nos dão mostras de que ainda temos muito a aprender, e principalmente em relação às suas lições e ao valor da vida não humana – incluindo sua capacidade de sentir dor.





Ocidentais e orientais e o consumo de animais

without comments





Revolução industrial, Chicago e a matança de animais

without comments

(Fotos: Reprodução)

Tenho estudado há algum tempo sobre a criação e a execução de animais criados para consumo durante a Primeira Revolução Industrial e após a Segunda Revolução Industrial. Isso me permite ter um entendimento melhor sobre como a violência contra os animais se intensificou no final do século 19 e início do século 20 com a ampliação da criação de espécies domesticadas em regime intensivo.

É interessante notar como Chicago teve um papel determinante nessa transformação mundial, tornando-se conhecida como o “berço da matança de porcos em regime industrial”. Foi nesse período que os suínos criados para consumo começaram a ser vistos enfaticamente, e de forma mais visceral, não mais como seres vivos, mas como pedaços ambulantes de bacon. O crescimento vertiginoso da industrialização, da maneira babélica como aconteceu, favoreceu muito a coisificação e a objetificação animal. Claro, não que não existisse antes – mas cresceu a níveis alarmantes.





Podemos falar sobre os direitos dos animais?

with one comment

“Podemos começar reconhecendo que o fracasso moral do moderno consumo de carne não é o fim da história”

Gottlieb: “quando você pede uma deliciosa vitela à parmegiana em um chique restaurante italiano, você está consumindo a carne de um ser vivo que foi confinado em uma gaiola tão pequena que mal podia se mover” (Foto: Jo-Anne McArthur/We Animals)

Em 2014, o filósofo Roger S. Gottlieb, professor de filosofia do Instituto Politécnico de Worcester, em Massachusetts, e autor de 18 livros, incluindo obras sobre filosofia política e crise ambiental, publicou pelo Harvard Divinity Bulletin, um dos boletins da Universidade Harvard, um artigo intitulado “Can We Talk (about Animal Rights)?”.

No texto, Gottlieb apresenta assuntos bastante controversos que envolvem a discussão dos direitos dos animais, como o uso de animais para as mais diferentes finalidades – como consumo e experimentação animal, e defende que nenhuma mudança é possível se não estivermos dispostos a entender ou reconhecer as implicações de nossas ações para os animais não humanos.

O objetivo do filósofo claramente não é oferecer respostas, mas propor reflexões inclusive conflitantes sobre o nosso papel no mundo a despeito das nossas relações com seres não humanos – inclusive evidenciando argumentos de perspectivas contrárias aos direitos dos animais. No decorrer do artigo, Roger. S Gottlieb enfatiza que se uma pessoa age com indiferença em relação ao sofrimento dos animais, inclusive com escárnio, isso não significa que ela seja incapaz de compreender essa realidade ou mudar, mas que talvez agora a mudança não seja moralmente possível.

Na sua perspectiva, o entendimento da realidade da exploração animal depende de uma reflexão profunda e da aptidão para um diálogo horizontal, que deve partir tanto por parte de quem instiga a reflexão quanto de quem é convidado a toma parte nela: “Uma conversa verdadeiramente moral. Parece necessário nos abrimos para o que a outra pessoa está dizendo e tentar encontrar o máximo possível de verdade.” Segundo o autor, não importa o quão correta seja uma afirmação moral, se a humanidade não estiver pronta para aceitar a sua verdade, ela não terá consequências sociais:

Os animais sofrem por muitas razões: eles congelam até a morte em invernos rigorosos, são despedaçados por predadores, envelhecem e passam fome porque não conseguem mais caçar. Se você colocar uma música bem triste nesse cenário, enquanto testemunhamos esses momentos, sem dúvida, muitos olhos se encherão de lágrimas. Mas essas lágrimas são facilmente remediadas por um momento de reflexão sobre os intermináveis e necessários ciclos da vida e da morte.

Existem outras formas de sofrimento que não diminuem tão facilmente. As aves marinhas cobertas de óleo, a raposa presa na armadilha de um caçador – roendo a própria perna na tentativa de fugir; as longas e longas filas de bois e vacas esperando para serem espancados e terem suas gargantas cortadas; os milhões de camundongos a serem usados, sabe lá Deus para qual finalidade, incluindo aqueles que foram cientificamente e geneticamente modificados para desenvolverem câncer (chamados de onco-camundongos). Sem mencionar espécies inteiras, milhares delas, morrendo porque os humanos dominaram ou contaminaram o seu habitat, ou trouxeram espécies exóticas contra as quais eles não desenvolveram defesas, ou simplesmente foram comidos em grandes quantidades.

O que acontece quando olhamos para a dor deles? Muitas vezes, nada de mais, porque a maioria de nós não se preocupa em olhar. Ou, se o fizermos, o que vemos é uma abstração: x milhões de mortos em experimentos, x milhares de espécies perdidas. Se olharmos com cuidado, dispostos a aceitar quaisquer sentimentos que surjam, como por exemplo no caso dos ursos populares forçados a canibalizarem uns aos outros porque o aquecimento global derreteu tanto gelo que eles não podem mais caçar. Olhe para eles – magníficas criaturas com pelos espessos e brancos, incrivelmente adaptados a suportarem o gelo glacial e à neve, em casa e mesmo no mar. São mães que protegem seus filhos jovens e brincalhões dos poderosos caçadores de focas. Esses animais estão morrendo, não de velhice nem na luta contra predadores ou pela liderança de um rebanho, mas porque nós estamos matando eles através do aquecimento global e da imprudente caça esportiva. Há toxinas feitas pelo homem que se acumulam em suas carnes.

A questão é que não é apenas o sofrimento individual dos ursos polares que chegam até nós, ou mesmo a perda potencial dessa espécie majestosa. Tudo isso é sobre como é difícil olharmos para nós mesmos. Para salvar o urso polar, os grandes felinos e os bovinos nos matadouros, o quanto teríamos que mudar? Quanto da nossa economia, cultura e vida familiar? Quantas leis teríamos que aprovar? Quantos encontros de Ação de Graças seriam ou teriam um sabor diferente? Teríamos que desistir do nosso sonho de infindável expansão econômica a fim de deixar algum espaço para outras espécies? Teríamos que convencer todos os nossos camaradas que um tofu grelhado pode ser tão bom quanto um bife grelhado? Teríamos que dizer que todo o empreendimento humano dos últimos dez mil anos – buscando cada vez mais poder, riqueza, controle, conhecimento técnico e posses – deveria (profundamente, seriamente e essencialmente) ser contido?

Entre a intensidade da dor que sentimos, a culpa pela nossa própria cumplicidade, e a aparente impossibilidade de que todos nós teríamos que mudar, ficamos em uma posição moral difícil. Sentimos culpa por nós mesmos e raiva contra “os outros” que “não entendem isso”. A necessidade de por em prática algo que “fazer tudo parar” e a certeza de que não podemos. Uma vida que já parece suficientemente difícil, mas à qual esses “tipos dos direitos dos animais” querem acrescentar mais preocupações, problemas e coisas para nos incomodar.

Não há saída para esse conflito e confusão. Isto é, de maneira nenhuma isso levará a uma simples solução dos problemas, ou a uma maneira universalmente aceita de pessoas de lados opostos se unirem para terem uma conversa moral calma, racional e agradável. A verdade é que temos sentimentos extraordinariamente poderosos sobre esse assunto, e essas respostas podem se traduzir em intuições morais muito fortes. Essas instituições antagônicas podem ser resumidas da seguinte maneira:

Instituições de ativistas dos direitos animais. Os animais sofrem, como nós. Eles amam seus companheiros e filhos, brincam na grama e brigam entre si. Eles se deleitam em voar através do céu de madrugada, correr pela floresta, ruminar. E apesar do ocasional momento em que eles machucam as pessoas, eles são praticamente indefesos contra nós. E pense em quanto sofrimento lhes causamos: em laboratórios, em fazendas, nos frigoríficos. Se você realmente olhar para eles, ouvir seus gritos, tomar para si suas feridas, como poderá continuar fazendo isso com eles?

Instituições que priorizam o ser humano. Pessoas são mais importantes que os animais. Elas apenas são. Além disso, a vida já é bastante difícil – se eu quiser um bife ou um pedaço de frango frito, eu terei. Tem um gosto realmente bom. E a ideia de que algum rato ou pombo tem direitos é simplesmente ridícula. As pessoas precisam de alimentos. A ciência precisa de animais de laboratório. Pessoas do mundo todo estão famintas e doentes, e você quer que eu me preocupe com uma vaca ou um rato? Caia na real. Se você quiser enlouquecer com isso, tudo bem. Mas deixe o resto de nós em paz. A maioria das pessoas, a maior parte do tempo, vai usar os animais para qualquer coisa que elas queiram. Isso nunca vai mudar.

As coisas poderiam ser amenizadas se todos nós pudéssemos apenas “concordar em discordar”. Por que cada um de nós não pode se dar bem com pessoas que têm opiniões diferentes sobre comer carne, usar animais em experimentos ou sobre a quantidade de espaço que um bezerro deve ter em sua jaula antes de ser abatido? No entanto, isso não daria certo, porque, querendo ou não, se uma determinada e particular “diferença” é permitida, isso já é parte do problema em si. Como indivíduos, como sociedade, temos que desenhar linhas: entre diferenças que são uma questão de gosto (como um guarda-roupa realmente ruim) e diferenças que o colocarão na cadeia (como abusar de seus filhos). Embora a opção pela tolerância às diferenças seja certamente uma opção possível, os direitos animais e os cuidados com os animais podem não ser um problema de tolerância.

Ao mesmo tempo, ainda que pensemos que nossos pontos de vista são tão moralmente corretos que as pessoas do outro lado não nos pareçam apenas diferentes, mas erradas – e tão erradas que o que elas fazem deveria ser ilegal e considerado um ultraje antiético –  seja lá qual for o lado em que estamos, ainda devemos ponderar que há muitas pessoas do outro lado. Se vamos nos relacionar moralmente – pensar naqueles do outro lado como agentes morais que merecem respeito por suas escolhas, assim como nós fazemos, é importante pelo menos para tentarmos nos entender, Além do mais, tal entendimento pode nos levar a um pouco de terreno comum.

Quando os pontos de vista têm uma aceitação ampla e de longa data – como a superioridade humana, consumo de carne e a exploração científica de animais – temos de levá-los a sério em seus próprios termos. Similarmente, quando tantas pessoas são vegetarianas morais, ou se opõem ao uso de animais na ciência, não funciona descrevê-los como hippies excessivamente sentimentais. Se um dos lados for desconsiderado logo no começo, as tentativas de comunicação, ou mesmo de compreensão, dessas diferentes pessoas estarão condenadas desde o início. E onde isso nos deixaria? Uma conversa verdadeiramente moral. Parece necessário nos abrimos para o que a outra pessoa está dizendo e tentar encontrar o máximo possível de verdade.

Primeiro vamos reconhecer que nos relacionamos com os animais de muitas maneiras diferentes. Considere: usamos animais como alimento, para o trabalho e para experimentos científicos. Há animais de estimação, animais selvagens e animais de zoológico. Os animais são presas de caçadores, sacrifícios para algumas religiões e companheiros para os cegos. Como podemos entender todos esses diferentes contextos? Não vou oferecer uma regra simples e universal. No entanto, podemos comparar dois contextos muito diferentes e ver como as diferenças afetam nossas respostas.

Aqui está o primeiro cenário: quando você pede uma deliciosa vitela à parmegiana em um chique restaurante italiano, você está consumindo a carne de um ser vivo que foi confinado em uma gaiola tão pequena que mal podia se mover, e foi mantido por muito tempo no escuro para que sua carne empalidecesse, sem qualquer companhia (o que é necessário, sendo ele um animal social) e, para preservar a delicadeza do gosto de sua carne, nunca foi alimentado sequer com a comida sólida que seu organismo naturalmente requeria.

Claramente, existem todos os tipos de razões culturais para continuar comendo vitela à parmegiana – que tem sido uma iguaria por muito tempo. E tem um ótimo sabor. As pessoas ganham a vida criando, cozinhando e servindo vitela. No entanto, se você se inclinar na direção dos direitos animais, como eu faço, pode parecer muito fácil descartar todas essas defesas em relação à carne de vitela – apontando [inclusive] que a escravidão foi culturalmente apoiada e que as pessoas ganharam dinheiro com o Holocausto. Mas a grande maioria das pessoas simplesmente não equipara gaiolas para bezerros com campos de concentração, então, ao comparar o tratamento dado aos animais aos horrores que humanos infligiram uns aos outros pode ser moralmente válido, mas pode não parecer para muitas das pessoas que você precisa convencer disso.

Mas é muito difícil entender o modo como os bezerros são criados sem dizer que a dor dos animais é moralmente insignificante. Essa posição é uma espécie de antropocentrismo ortodoxo: as pessoas são o centro de todas as coisas e os seres na periferia disso tudo não contam muito. Curiosamente, até mesmo as pessoas que creem nesse tipo de coisa geralmente não acreditam nisso completamente; e é essa falta de completude que deixa uma abertura para a outra perspectiva. Por exemplo: um bom número de consumidores de vitela à parmegiana (ou servidores) sem dúvida têm seus próprios animais de estimação favoritos que não sonham em tratar da maneira como os bezerros são tratados: animais cujo bem-estar, felicidade e prazer contam para alguma coisa. Nisso há uma inconsistência fundamental que cria um profundo buraco lógico do qual é muito difícil sair.

Então, quando olhamos para a vitela – e, na verdade, para o consumo de carne em geral – o que temos é uma prática social profundamente arraigada que é, quando examinada, sem qualquer justificativa moral. O que o consumidor de vitela pode dizer em resposta? Não muito, e é por isso que sua resposta geralmente é o riso, o desprezo, o ato de ignorar a verdade, isso quando não assistem os filmes sobre as fazendas industriais e os matadouros e dizem: “Isso é apenas como as coisas são feitas aqui”, e repetem: “Isso tem um gosto bom”, como se isso fosse razão suficiente para continuar comendo. Geralmente, há muita atitude, mas pouca discussão. Se o feliz consumidor de carne não quiser se envolver seriamente com as alegações de um defensor dos direitos animais, o que devemos fazer?

Bem, podemos começar reconhecendo que o fracasso moral do moderno consumo de carne não é o fim da história. Há muitas coisas que fazemos que não se somam moralmente. Certamente tenho minhas próprias fraquezas éticas. De fato, todo ativista dos direitos animais vive de uma maneira que prejudica os animais. Esses ativistas dirigem seus carros [elétricos] que se ligam à rede elétrica, contribuindo com o aquecimento global que erradica inúmeras espécies. Até mesmo sua dieta totalmente vegana envolve agricultura em grande escala que promove o deslocamento de animais. E quando seus filhos estão doentes eles não rejeitam medicamentos “fora de princípio” que foram desenvolvidos por meio de testes em animais.

Uma das coisas que distingue a ética em uma época de aquecimento global é que não podemos deixar de ser parte do problema. Certamente seremos [problematicamente] menos importantes se deixarmos de comer produtos de origem animal e nos recusarmos a comprar produtos que foram testados em animais. Mas enquanto integrarmos essa sociedade, estaremos nesse limite.

E a triste verdade é que muitas pessoas que apreciam profundamente os animais podem, ao mesmo tempo, ser indiferentes a outras pessoas e a outras preocupações morais importantes. Elas podem pensar e falar com humanos que comem animais com ódio e violência verbal. Elas podem se refugiar em um senso reconfortante de superioridade, analisando incessantemente o inventário moral das falhas de todos os outros enquanto nunca examinam seriamente as suas próprias falhas.

Essa linha de pensamento não elimina as tensões entre os “dois lados”. No entanto, permite que o ativista dos direitos animais, crítico moralmente, se aproxime do seu adversário com uma postura menos arrogante e mais modesta. Poderíamos também ser capazes de ver que uma melhora parcial é melhor do que nenhuma melhora. Em alguns países, houve um acordo sobre restrições legais sobre como você pode criar carne de vitela e em outros assuntos relacionados a animais também. Se essas novas leis não são o suficiente para o vegetariano moral, entendo completamente. Mas a vida moral é, muitas vezes, talvez tipicamente, não um caso de “suficiência”. Geralmente é, na melhor das hipóteses, um caso de “buscar melhorias”.

Agora vamos considerar um segundo cenário: seu filho nasceu com fibrose cística (FC), uma condição genética geralmente fatal em que a ausência de uma enzima leva a problemas pulmonares e digestivos. Enquanto isso costumava significar uma morte prematura para todos os portadores, pesquisas recentes permitiram que muitos vivessem por seus 30 e 40 anos.

Se fosse seu filho, condenado a uma vida de infecções pulmonares frequentes, ciclos de tosses aparentemente intermináveis, e um tratamento contínuo de fisioterapia respiratória para limpar o muco de FC distintamente espesso e imutável, você se importaria com quantos animais de laboratório estão morrendo na busca pela cura? Ou mesmo na busca de um tratamento que permitirá ao seu filho ter uma vida um pouco mais longa e tolerável? Em 40 anos, a idade média de portadores de FC passou de dez para 37. É isso que você está contando, não o número de ratos que foram usados para desenvolver tratamentos e, potencialmente, uma cura para o seu filho.

Se comer carne, em especial vitela, é uma imoral autoindulgência, o uso de animais para pesquisas para curar doenças mortais é outra coisa. Aqui temos o que pelo menos parece ser uma escolha clara: permitir que uma criança sofra e morra jovem, ou faça o que precisa ser feito pelo humano às custas dos animais. Se você é esse pai – ou a própria criança – você acha que vai dar mais atenção aos relatos sobre o sofrimento animal?

É claro que o defensor dos direitos animais pode simplesmente dizer que não há razão para preferir o humano ao animal, ou levantar questões de grau e escopo. Além disso, e mais poderosamente, pode-se argumentar que usar animais para pesquisa custa dinheiro, e que o dinheiro para os cuidados de saúde é limitado e que há muitas outras coisas que podemos fazer com esse dinheiro que são boas para a saúde das pessoas e não envolvem crueldade contra os animais. Podemos melhorar o meio ambiente para que menos pessoas tenham câncer em decorrência da poluição; podemos ensinar as pessoas e terem melhores hábitos de saúde; para que as doenças que surgem a partir dos seus estilos de vida diminuam; podemos encorajar as pessoas a não comerem alimentos de origem animal, uma vez que contribuem muito para o surgimento de problemas de saúde. Essas medidas não prejudicarão os animais; na verdade, elas ajudarão tanto os animais quanto as pessoas, uma solução vantajosa para todos.

No entanto, mesmo os melhores regimes ambientais e toda uma população fazendo ioga, meditando e comendo apenas saladas, arroz integral e lentilhas cozidas não acabarão com problemas genéticos de saúde como a FC. Ainda teremos o pai desesperado e a criança doente, pessoas com uma doença terrível e os animais cujas vidas desejaremos sacrificar para encontrar melhores tratamentos.

Talvez, mais uma vez, a única abordagem com uma chance razoável de sucesso seja tentar melhorar as coisas. Primeiro, pare com todos os estúpidos, inúteis e insanos experimentos com animais: os que jogam cosméticos nos olhos dos coelhos até ficarem cegos, ou que esmagam as cabeças dos macacos em paredes para confirmar se cabeças esmagadas contra uma parede ferem o cérebro; ou aquele teste de quanto tempo leva para os animais enlouquecerem, sujeitando-os aleatoriamente a choques elétricos.

E quanto aos experimentos de fibrose cística? Bem, talvez pudéssemos concordar em falar sobre eles mais tarde. Há muita coisa que pode ser feita para limitar ou eliminar experimentos com animais antes de pararmos a pesquisa destinada a curar doenças letais. Em uma vida moral, muitas vezes nos deparamos com escolhas difíceis. Às vezes, essas são escolhas realmente falsas, e devemos nos certificar de que sabemos quem ou o que disse: “Escolha entre A e B.”

Talvez haja uma opção C que funcione para todos nós – como as medidas de saúde holísticas e preventivas descritas acima. Ainda assim, às vezes, e infelizmente, há casos em que não há saída para alternativas dolorosas. Nós ainda teremos que lidar com a dor nesta vida, assim como todos os outros, e nenhuma quantidade de bondade moral jamais levará isso embora. Tipos que defendem “Eu posso fazer qualquer coisa que eu quiser com os animais” têm seus próprios animais de estimação, assim como há defensores dos direitos animais que têm seus filhos e outras pessoas que privilegiariam em vez dos animais. Essa é uma das razões pelas quais essa questão dos experimentos com animais é muito difícil, e exatamente onde um acordo entre diferenças reais pode ser alcançado.

A verdade prática de qualquer reivindicação moral – direitos dos animais, das mulheres, casamento gay, e o que devemos às pessoas que passam fome – é tão poderosa quanto o nível de desenvolvimento moral das pessoas com quem estamos conversando. Não importa quão correta seja uma afirmação moral, se a humanidade não estiver pronta para aceitar a sua verdade, ela não terá consequências sociais. Pode ser que, de acordo com o pleno respeito pelos animais, isso seja apenas algo que não é psicologicamente e, portanto, moralmente possível agora. A cada minuto de cada dia a nossa civilização pode de fato estar cometendo crimes monstruosos, e talvez os angustiados e “extremistas” gritos dos ativistas dos direitos animais são exatamente o que precisamos para despertar. No entanto, suspeito que, neste caso, quaisquer mudanças que façamos serão necessariamente graduais, mais baseadas na compreensão silenciosa e em lentas e moderadas melhorias do que em rejeições morais por atacado.

Provavelmente, alguns ativistas dos direitos animais, e talvez até mesmo os próprios animais, pensem que isso é uma desculpa covarde diante do massacre em massa. Mas devemos lembrar que a longa luta pela igualdade social e legal das mulheres está longe de terminar; e enquanto os escravos foram libertados em 1865 [nos Estados Unidos], mais de um século depois, os afro-americanos ainda lutavam por direitos civis básicos. Com todas as mudanças importantes que ocorreram, é difícil saber quanto foi conquistado através de raiva, violência verbal e leis coercivas, e quanto foi conquistado pelo paciente trabalho de conversação moral – em que fazemos o melhor que podemos para entender o “outro”, apesar do amargo desacordo. Talvez refletir sobre essa história nos ajude a ficar um pouco satisfeitos com ganhos limitados que tornam a vida um pouco melhor, em vez de nos apegarmos com raiva e amargura a um ideal impossível [em curto prazo]. Goste ou não, grandes mudanças são lentas.

Enquanto isso, aqueles de nós que prestam atenção [a essa realidade], podem pelo menos reconhecer o quanto isso nos incomoda. Podemos nos lamentar em relação aos limites morais de outras pessoas, sabendo que por nós mesmos já temos muitos limites. Podemos nos perguntar qual é a diferença entre o golden retriever que dorme em nossa cama à noite e o bacon que comemos no café da manhã. E se estamos realmente dispostos a sentir toda a gama e intensidade de nossas emoções sobre os nossos primos animais, na tentativa de assimilar a sua dor e a nossa responsabilidade sobre isso, e desenvolver a compaixão por eles e ao mesmo tempo por nossos companheiros humanos, quem sabe no que isso pode resultar? Não o suficiente, com certeza. Mas claramente o suficiente para fazer a diferença.

Referência

Gottlieb, Roger S. Can We Talk (about Animal Rights)? Harvard Divinity Bulletin. Harvard University (2014).