Ativistas dos direitos animais intensificam táticas de guerrilha na França
A organização L214 tem se inspirado nas ações do ativista belga Henry Spira
Durante anos, o movimento dos direitos animais, desprezado tanto por políticos quanto pelo público na terra do foie gras, lutou para ganhar força na França, maior produtor e consumidor de carne vermelha da Europa, onde um bilhão de animais são executados nos matadouros.
“O bem-estar animal nunca foi realmente uma causa bem vista pelos políticos franceses, embora o público concorde que os animais não devem ser maltratados”, diz Sébastien Arsac, cofundador de uma das organizações de direitos dos animais mais populares do país, a L214 Éthique & Animaux.
Então, quando Arsac e a cofundadora da organização, Brigitte Gothière, ouviram Emmanuel Macron, agora presidente, prometer salvaguardar direitos básicos para o bem-estar animal durante a campanha eleitoral de 2017, eles acharam que haviam encontrado um aliado. Macron prometeu exigir a instalação de circuito interno de televisão em matadouros e proibir a venda de ovos de galinhas criadas em gaiolas até 2022, que são duas prioridades da L214.
Mas enquanto os legisladores franceses estão debatendo uma lei sobre agricultura e nutrição esta semana, o governo de Macron recuou em relação às suas antigas promessas de campanha, frustrando as esperanças da L214 de fazer incursões com o apoio de líderes políticos.
Por isso, seus ativistas, se espelhando em outros países, incluindo os Estados Unidos, estão intensificando uma campanha de táticas de guerrilha na esperança de chocar o Parlamento e alterar a lei proposta pelo governo.
Recentemente, a L214 lançou uma série de vídeos gravados clandestinamente que mostravam a enorme falta de higiene nas granjas e as terríveis condições em que as galinhas são mantidas – onde há registros de aves arrancando as penas uma das outras e pisoteando cadáveres apodrecidos dentro de suas gaiolas.
A inspiração para essa tática veio de Henry Spira, o ativista belga que emigrou para os Estados Unidos e abraçou a causa dos direitos animais há quase 50 anos. Spira costumava procurar empresas e instituições para conversar sobre o tratamento dispensado aos animais, mas quando isso não funcionava, ele recorria às denúncias de maus-tratos baseadas em registros que ele mesmo fazia. Então as publicava em forma de anúncio nos jornais.
Gothière e Arsac disseram em entrevista ao New York Times que sua organização faz parte do legado do ativista Henry Spira, falecido em 1998. Eles fundaram a L214, a nomeando após a publicação do artigo do código rural francês que define os animais como seres sencientes que devem ter seus direitos respeitados.
Com 50 funcionários e dois mil voluntários por toda a França, a organização tenta dialogar com empresas e instituições, mas quando isso não funciona, eles recorrem à má publicidade baseadas em investigações e registros de denúncias, assim como Spira. Embora as conquistas ainda sejam modestas, a L214, com o apoio do clamor público, conseguiu fechar dois frigoríficos que abatiam vacas, ovelhas e cavalos semiconscientes.
Uma das campanhas mais conhecidas do grupo teve como alvo o “produtor premium” de foie gras, Ernest-Soulard, acusado de torturar gansos após o vazamento de um vídeo de 2013 que mostra aves feridas e angustiadas. No primeiro julgamento, Ernest-Soulard foi inocentado, mas aclamados chefes de cozinha como Joël Robuchon e Gordon Ramsay pararam de comprar seus produtos.
“Como Spira, nosso objetivo é dar um passo de cada vez”, comentou Gothière em entrevista ao New York Times, citando o julgamento de Ernest-Soulard e a proibição dos ovos de galinhas criadas em gaiolas em bateria como exemplos de avanços que não resolvem a situação, mas ajudam a reduzir o sofrimento dos animais.
A Elian Peltier, do NYT, o filósofo australiano Peter Singer, que era amigo de Spira, e está publicando uma biografia sobre a vida do ativista, falou que por muitos anos a França foi um pouco atrasada na sua forma de encarar os animais. Mas reconheceu que a L214 fez progresso com base nos métodos de Spira, que mostrou que o movimento em defesa dos animais tem condições de triunfar sobre grandes corporações e veneradas instituições.
Nos últimos dois anos, a L214 levou dezenas de cadeias de supermercados francesas a se comprometerem a pararem de vender ovos de galinhas em gaiolas em bateria até 2022 ou 2025. No mundo todo, inclusive nos Estados Unidos, grandes empresas de alimentos se comprometeram a comercializar os chamados “ovos livres”.
No entanto, os métodos da L214 não conseguiram convencer os políticos franceses, e suas demandas enfureceram muitos que veem nos produtos de origem animal um elemento vital da cultura e da economia da França. Ao contrário de vários outros países europeus, como Portugal, Espanha e Holanda, a França não tem partidos políticos que fizeram do bem-estar animal uma prioridade.
Como um sinal de que a L214 está lutando uma batalha contra políticos, a maioria dos legisladores optou por ignorar a convocação da instalação de circuito fechado de televisão em matadouros. “Que tipo de espiral descendente enfrentaremos se começarmos a filmar os funcionários?”, defendeu Sandrine Le Feur, fazendeira e legisladora do partido de Macron, no canal de televisão LCP, que faz oposição a L214.
Até agora, a Grã-Bretanha é a única na Europa com planos de tornar as TVs de circuito fechado obrigatórias em todos os frigoríficos até 2018. O senhor Moreau, ex-gerente de um matadouro e pecuarista que divide seu tempo entre o Parlamento em Paris e sua fazenda na região de Creuse, no centro da França, onde mantém 100 vacas, disse que se recusou a negociar com a L214, que ele chamou de “organização extremista que prejudica os fazendeiros com métodos fascistas “.
Suas críticas à L214 ecoaram uma animosidade generalizada entre os profissionais da indústria da carne, que alegam que as práticas denunciadas pela organização representam a realidade de uma minoria de matadouros. “A causa da L214 não é o bem-estar animal, mas a abolição da criação de animais”, disse Marc Pagès, diretor da Interbev, uma organização nacional de profissionais de carne e gado.
Pagès e Moreau argumentaram que a prioridade é outra. “O fim da pecuária resultaria na extinção de qualquer vida no campo”, exagerou Moreau. De fato, os objetivos finais da L214 seriam revolucionários. A Sra. Gothière declarou a Elian Peltier que apenas uma sociedade vegana seria um sucesso, mas os pequenos passos já são um progresso.
“Quando vejo como nossas sociedades ainda estão lutando contra o racismo ou o sexismo, não estou muito otimista de que verei o fim do especismo em minha vida. Mas também não estou desesperada”, acrescentou.
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