Archive for September, 2018
Por que a massiva “má interpretação” de um discurso político não é um problema da população, mas sim do candidato
Desde o início de sua campanha, Jair Messias Bolsonaro (PSL) está envolto em polêmicas. Seus defensores dizem que seus discursos, assim como do General Mourão, são frequentemente mal interpretados, que há má-fé. Exemplos são as recentes questões do 13º salário e de filhos criados sem pais. Eu discordo. Quando você se lança na política, você precisa entender em primeiro lugar a importância da boa retórica, do discurso, da clareza e da capacidade em transmitir o que realmente pensa, acredita e defende. É por isso que existe marketing eleitoral. Tenho amigos que trabalham nessa área há décadas, e os mais experientes dizem sempre que o que muitos eleitores interpretam é mais um problema do candidato do que do eleitor, porque a sua obrigação é não dar margem para a dubiedade, para crassos equívocos. Se você faz isso, sua equipe está equivocada e você está despreparado, simplesmente.
Acordou
Acordou. Não conseguia ficar de pé nem se mover. “Chamem uma ambulância, a situação é grave!” Só babava e rosnava. Raiva? Cachorro? “Alguém mordeu este homem!”, advertiu o paramédico. Não, não tem nenhum animal aqui, a não ser o próprio paciente. É só ele mesmo, segundo a vizinha. Como pode ser tão pesado? Não aparentava mais de 70 quilos, mas parecia impossível levantá-lo. “Que coisa bizarra, estranha…”
“Pois é…vamos tentar de novo” Não, não! Não vai. Chame mais gente. Quatro homens – dois segurando as pernas e dois segurando os braços. Nada de colocar o sujeito na maca, pesado demais. A baba caía apurada e baça no piso de taco. Escorria e corria. Se tinha vida? Ninguém via ou sabia. Bora de novo! O homem tremia, olhos vermelhos, rajadas de fogo, estrias nervosas na esclerótica. Será que vai? Não, não vai.
“Chame mais gente! Não saio daqui enquanto não levar este homem. Missão dada é missão cumprida!” Dez tentando erguer o sujeito. Ranger de dentes, franzir de testa, carantonhas. Vai! Vai! Vai! Não….não vai! “Não é possível uma coisa dessas!” O homem não parava de babar. O chão enturvecia e logo o esputo sumia. Engasgou, engasgou, e agora? Bate nas costas. Isso, nas costas! “Como? Ninguém consegue virar esse sujeito!” Acamado, num esforço sobressaltado rolou e arroxeou. Cinco batidas.
A boca se abriu e o homem vomitou. Expelia sem parar. Minutos e mais minutos. Nada de comida ou bebida, só ódio, cólera, intemperança, jactância, pedaços cevados de ignorância. Que ar pesado, hein? Mau cheiro medonho! “Caramba! Quanta coisa!” “Tragam um balde! Não, um não, o máximo possível”, pediram. Os baldes não deram conta e alguns começaram a derreter. Chegou um carrinho de mão. A rodinha entortou e o pneu murchou. O homem arrotou, coçou a barriga e se levantou.
Sem oposição à ditadura, você não poderia votar para presidente hoje
Após a ditadura, o direito ao voto para presidente, o surgimento das Diretas Já, foi uma conquista baseada em oposição e luta. Sendo assim, qual foi a contribuição ao processo democrático das pessoas que apenas seguiram suas vidas nos tempos da ditadura militar? Elas simplesmente não contribuíram nesse processo. Quem diz que a ditadura foi uma maravilha deixa claro que não era opositor, e nessa ausência de oposição você confirma que não é graças a você que temos o direito de votar para presidente hoje.
Opiniões como verdades inquestionáveis
Acho sempre problemático tomar as próprias opiniões como verdades inquestionáveis. Sempre preferi ver opiniões como referências. A partir do momento que você acredita que a sua opinião é uma verdade irrefutável, isso significa que você já não está aberto ao diálogo. Opiniões só evoluem quando se transmutam.
Sobre respeito, tolerância e diálogo
Há pessoas que estão sempre buscando salvadores, heróis, gurus ou pessoas que, numa idealização romanesca, concordem com elas em tudo, ou as representem em tudo. Mas ao sinal do primeiro defeito apresentado pelo objeto de reverência, surge uma exasperação por vezes incontrolável fundamentada em um excesso de expectativas que desconsidera a complexidade humana, a sujeição às contrariedades e as falhas naturalmente possíveis. Isso na minha opinião pode ser também um sintoma de uma carência superlativa.
Fala-se muito em tolerância, respeito ao outro, mas muitas vezes até mesmo quem prega esse discurso acaba por fomentar o sectarismo, externar intolerância, intransigência, incapacidade em lidar com opiniões que estão em conflito com a sua ou divergem da sua. Percebo muito isso no cotidiano, felizmente não muito fora da internet, mais frequentemente nas mídias sociais, e inclusive entre pessoas bem-intencionadas.
Há muitos casos em que não se trata apenas de não respeitar a opinião do outro, mas até mesmo odiar ou desprezar uma pessoa que jamais conheceu de fato. Chamar de defeito o fato de alguém não concordar com você não é exatamente defeito, porque a qualificação disso como defeito é uma constatação sua, pessoal, individual, não do outro. Afinal, qual é a baliza que define algo como defeito? Neste caso, a sua concepção de algo, o seu termômetro, e mesmo um ideal fementido e particular de perfeição, mestria, impecabilidade. E se sua defesa de algo é fundamentalmente tão justa, há justiça em atacar o outro?
Por isso parece um desafio na atualidade se abrir para o diálogo sem atacar ou ofender, sem se armar sob as intercessões passionais dos pré-conceitos e preconceitos. As pessoas vivem armadas e pouco racionalizam isso. Se calar para ouvir pode ser um desafio quando as palavras não nos agradam, mas é recompensador porque é a maior prova de que a cachimônia humana não abandonou o ser. Quem busca semelhanças o tempo todo, independente do quão boa seja a intenção, corre o risco de se inclinar sobre si mesmo e não perceber que o outro na realidade é apenas o seu próprio reflexo imutável e pulverizado, como um ouroboros distorcido. Logo sou da opinião de que o amadurecimento demanda diferenças.