David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

Coronavírus e os milhões de vulneráveis do Brasil

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(Foto: Acervo/Justificando)

Trinta e cinco milhões de brasileiros vivem hoje em situação de extrema vulnerabilidade, sem acesso à água potável, e temos autoridades tratando o coronavírus como se não fosse uma situação de grande preocupação. É fácil analisar a realidade dessa forma ganhando 20, 30, 40 mil reais por mês, e ainda tendo outras regalias bancadas até mesmo às custas do sangue e suor dos mais miseráveis.

Acredito que quando um grave vírus ou doença surge em um país, em vez de priorizar a economia em detrimento da vida, o primeiro passo seria considerar o que precisa ser feito para que essas pessoas mais vulneráveis não sofram as consequências da displicência humana e de suas más ações. Não olhe para você para avaliar a situação, olhe para quem está no ponto mais baixo.

Até dias atrás me surpreendi um pouco acompanhando algumas notícias e vendo pessoas falarem em quarentena voluntária ou isolamento social como se fosse algo acessível para todo mundo; e inúmeros discursos fazendo a tal da quarentena parecer uma colônia de férias – “aproveite para assistir filmes, jogar, tocar instrumentos, se exercitar, ler livros, etc.”

Pelo nível do que foi transmitido, parecia que estavam se direcionando à população da Islândia. Temos vários Brasis, e alguns deles são de até dez pessoas vivendo no mesmo casebre, e ainda hoje sem saneamento básico e esgoto – sem comida de qualidade ou nenhuma comida (como 5,2 milhões de brasileiros), sem sabão, menos ainda acesso a álcool em gel.

O comércio aqui já não funciona normalmente e apenas mercados, farmácias e alguns outros tipos de estabelecimentos podem continuar abrindo, mas com algumas ressalvas e observações de conduta – como manter distância específica ou efetuar pagamento por uma janela ou outro meio sem qualquer contato muito próximo. Encontrei placas em um mercado pedindo que os consumidores sejam mais conscientes e não comprem todo o estoque de determinados produtos.

Quem faz isso, reconheço que teme o pior, mas isso não é motivo para pensar somente nas suas necessidades ou vontades. De alguma forma, me recordei de filmes de ficção apocalítica e pós-apocalíptica em que as pessoas priorizam somente a si mesmas e os seus. Mas a diferença é que parece que no mundo real o ser humano é sempre capaz de fazer isso antes mesmo de qualquer situação realmente caótica.

Isso me preocupa bastante, porque ainda que a situação não seja tão grave quanto pode ficar, se não reavaliarmos nosso papel no mundo e na maneira como nos importamos demais somente conosco, parece que estamos fadados a instaurar um caos inimaginável.

Em Curitiba, há medicamentos que estão faltando nas farmácias porque consumidores “leram ou ouviram” que tal remédio ajuda no combate do coronavírus, sem qualquer comprovação científica, e decidiram fazer estoque em casa, prejudicando pessoas que agora precisam desses medicamentos e já não os encontram com facilidade.

Já existe tanta coisa errada no Brasil desde que surgiram os primeiros casos confirmados de coronavírus, e as autoridades postergando a importância de decisões rápidas porque o “dinheiro vem em primeiro lugar”, que parece que a única solução para superar tudo isso seria um profundo exame de consciência, reeducação e o aperfeiçoamento da nossa capacidade de empatia e de consideração de valores.

São tantos sinais de que tudo isso é consequência das escolhas erradas que fazemos, das coisas que priorizamos em detrimento do que realmente importa. O coronavírus surgiu porque, na presunção ignorância, não nos importamos muito com o que acreditamos que não diz respeito a nós. E a verdade é que diz respeito a nós, mas também aos outros, e por ignorar o amplo mal que causamos que vivemos agora essa realidade.

Há tantas especulações sobre o que pode acontecer ou não, mas uma suspeita crescente que tenho é que se não estivermos preparados para mudar para melhor, talvez o coronavírus seja apenas um princípio de acontecimentos ainda piores que possam surgir.

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