David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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Um homem moldado pelo ferro

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Com 20 anos de treino, Betão Marcatto se tornou uma importante referência da musculação no Brasil

A evolução de Betão Marcatto com a musculação (Foto: Arquivo Pessoal)

Na internet, o paulista Betão Marcatto se tornou uma das mais proeminentes referências da musculação, e não por acaso. Com uma relação de amor e ódio ao treinamento iniciada há 20 anos, o marombeiro graduado em eletrotécnica, mecânica, engenharia de produção e educação física se destaca por dividir o conhecimento com milhares de seguidores por meio do “Blog do Betão” e de uma página no Facebook. Outro diferencial é que Betão é o fundador da Academia Betoflex, de Guarulhos, São Paulo, uma das “mecas” do treino com pesos no Brasil.

Assim como muitas lendas do fisiculturismo, Betão Marcatto se sentia pequeno e muito magro na adolescência. “Um dia, meu pai trouxe uma fita de videocassete do filme ‘Comando para Matar’ com o Arnold Schwarzenegger, o que me impulsionou a procurar uma academia de musculação. Achei que se ficasse daquele tamanho seria mais respeitado na escola”, conta se referindo a um episódio em 1986, quando estava na sexta série do atual Ensino Fundamental.

Ao longo da trajetória com a musculação, Betão que tem 1,84m passou por uma fase em que se preocupava mais com volume do que qualidade muscular. “Só depois me dei conta que estava obeso, com 147 quilos. Foi a minha maior frustração. Então me empenhei e consegui reverter isso”, explica.

Marcatto: “O treino com pesos moldou meu caráter” (Foto: Arquivo Pessoal)

Apesar de ter vivido situações típicas entre marombeiros que estudam e trabalham, como dificuldade para conciliar horários, Marcatto jamais abandonou os treinos, nem quando era estagiário da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec) e tinha apenas 30 minutos por dia para praticar musculação. Em vez de desistir, como faz a maioria, Betão encontrou uma academia no caminho para o trabalho.

Para entender a filosofia de vida do marombeiro é preciso ter em mente que a musculação vai muito além de atividade física que promove mudanças estéticas e de saúde. É uma prática com sentido metafísico que ensina a viver melhor, a ter disciplina e lidar com a frustração e a dor. “A musculação moldou meu caráter. Me deixou mais forte, menos emocional no sentido de sofrer por pouco. Você consegue transportar para fora da academia tudo aquilo que aprende treinando”, avalia.

Betão tem como inspiração fisiculturistas conceituados como o inglês Dorian Yates, o alemão Markus Rühl e o estadunidense Lee Priest que se tornaram expoentes da chamada Freak Era, em que os atletas começaram a se preocupar com enorme volume muscular, além de simetria e definição extrema. “Também me inspiro no [estadunidense] Derek Poundstone, grande atleta de strongman da atualidade”, acrescenta.

Os melhores resultados ao longo de duas décadas, Marcatto conquistou se autoavaliando, conhecendo o próprio corpo, lendo muito e tornando-se “cobaia” das próprias experiências que ele define como “insanidades”. “Tenho mais de 80 livros de musculação e aprendi a colocar em prática tudo que sei”, relata o marombeiro. Com muita bagagem profissional, reclama que as faculdades de educação física não preparam adequadamente o estudante para a profissão. A sugestão para o egresso evitar o fracasso é a procura de cursos específicos.

Betão fundou uma das “mecas” do treino hardcore no Brasil (Foto: Arquivo Pessoal)

A Metroflex brasileira

Nos Estados Unidos, a Metroflex Gym, autora do slogan “A Hardcore Training Facility”, é um dos mais almejados ginásios de treino com pesos do mundo, onde treinam figuras emblemáticas como Ronnie Coleman e Branch Warren, fisiculturistas de elite do Mr. Olympia, a maior e mais tradicional competição de bodybuilding.

Com a referência da Metroflex, Betão Marcatto fundou a Betoflex em 13 de fevereiro de 2006, uma data que até hoje é lembrada com alegria e emoção. Betão deixou o emprego em outra academia um dia antes, levando para o novo ginásio um grupo de marombeiros que já se identificavam com o rigor de seus ensinamentos. “Sempre quis uma academia com professor que treina e incentiva os alunos, o que é raro hoje em dia”, diz.

Quem pratica musculação sem nenhuma meta específica pode se assustar logo na recepção, onde há cartazes com a frase “Pare! Se você não tem objetivo, não entre!” Outra raridade é que a Betoflex tem uma rigorosa política de trabalho aplicada aos alunos. “Já adianto o que espero de cada um e explico como será o tempo em que eles estarão aqui. Alguns desistem na mesma hora”, garante.

Betoflex oferece estímulos por meio de desafios (Foto: Arquivo Pessoal)

O marombeiro se orgulha dos 90% de alunos matriculados, de um total de 250, que treinam com seriedade. É um dado atípico se comparado a maior parte das academias, onde a minoria se empenha.

Cultura old school

Betão Marcatto faz o possível para contribuir com o sucesso dos alunos, seja incentivando, corrigindo a execução incompleta dos exercícios, um fato comum, ou impondo desafios. “Há alunos que chegam com vários vícios e um exemplo é o meio supino. A pessoa deve estar disposta a ouvir que treina errado e precisa mudar. É um grande impacto pra eles, tanto que muitos só ficam um mês”, lamenta. Embora a Betoflex seja conhecida como um ambiente masculino, a academia conta com uma sala feminina frequentada por um bom número de alunas.

Adepto dos princípios de treino old school, Betão deixa sempre um caderno na recepção, o que serve de baliza para estatísticas de melhorias. Quem chega deve escrever o próprio nome e o horário. “Além de custar uma fortuna, a catraca eletrônica deixa tudo muito formal e automatizado, o que não condiz com a Betoflex. Tanto é que sei o nome de todos os alunos. É uma questão de respeito”, ressalta.

No ginásio, também existe a preocupação com a trilha sonora, elaborada sob um esquema de progressão. Há mais de três mil músicas disponíveis. Pela manhã, os marombeiros “puxam ferro” curtindo hard rock, heavy rock ou rock clássico como Airbourne, Deep Purple e AC/DC. Betão treina um pouco mais tarde, quando prioriza bandas de thrash metal, groove metal e metal industrial como Sepultura, Pantera e Fear Factory.

Se o treino é pesado, a música também deve ser. “São gêneros que me inspiram. O resto do dia é recheado de Metallica, System of a Down e outros”, exemplifica. Outra curiosidade da Betoflex é que alguns aparelhos foram desenvolvidos dentro da própria academia.

O Blog do Betão

Betão Marcatto, que é chamado carinhosamente de “tio” ou “titio”, não tinha a mínima ideia da influência sobre milhares de marombeiros de Norte a Sul do Brasil. Ficou sabendo da repercussão do trabalho há pouco tempo, quando instalou um contador de visualizações no “Blog do Betão”. Mais tarde, encontrou muitos de seus artigos espalhados por dezenas de sites e blogs sobre musculação.

O marombeiro oferece assistência a todos os alunos (Foto: Arquivo Pessoal)

A ideia de criar uma página surgiu quando percebeu que muitas pessoas estavam com dúvidas sobre treinamento, mas não tinham a quem recorrer, seja por interesse em aprender um pouco mais ou não conhecer um profissional bem preparado. O blog se popularizou e todos os dias Betão recebe muitas perguntas que responde conforme a disponibilidade. “Às vezes, acontece de algumas mensagens sumirem em meio a tantas outras, parecendo que estou ignorando a pergunta, mas não estou [risos]. Além disso, gosto muito de escrever”, frisa.

Betão sabe que se não atualizar o blog diariamente a cobrança dos leitores aparece no mesmo dia. A justificativa é o conteúdo diferenciado que conta com metodologias de treinamento que foram criadas ou adaptadas por Marcatto. Um exemplo é a técnica 3D’s – Difícil, Dolorido e Doentio, destinada a praticantes intermediários e avançados de musculação. Em síntese, o “Blog do Betão” é recomendado para apaixonados por musculação, pessoas dispostas a treinar sob um novo patamar de intensidade.

Mister Freaky, personagem interpretado por Betão que ficou famoso na internet (Foto: Arquivo Pessoal)

Três perguntas para Betão Marcatto

Betão, o seu estilo de vida inspira muita gente, não apenas de Guarulhos [na Região Metropolitana de São Paulo], mas de todo o Brasil. Você acha que isso é um reflexo da insatisfação quanto a falta de uma política de seriedade na maior parte das academias do país?

Acho que quem treina sério percebe quando o objetivo de quem está por trás do estabelecimento é só dinheiro. O comportamento passivo da maioria dos donos de academia é o reflexo disso. Tenho academia porque amo musculação. Poderia estar trabalhando em outra área, mas isso não me traria felicidade. ‘Trabalhe no que você não gosta e só será feliz no dia do pagamento. Trabalhe com o que gosta e será feliz todos os dias’. Você tem que ganhar dinheiro, claro, mas isso tem que ser consequência de um trabalho bem feito. Por parte dos donos de academias, vejo muito “abandono” tanto de aparelhos quanto de alunos. São verdadeiros órfãos do ferro.

Como surgiu a ideia de criar a série Mister Freaky, com um fictício e controverso personagem que ganhou muita popularidade discutindo de forma bem humorada os clichês da musculação?

Publicidade feita com bom humor (Arte: Arquivo da Betoflex)

A ideia do Mister é satirizar dois públicos da musculação: o cara que se acha mau e forte e aquele que vai malhar e não treinar, o popular “franguinho”. Produzi diversos vídeos, mas os retirei da internet porque estavam vinculados a um projeto ao qual não pertenço mais. Fiz alguns remakes, mas a edição ainda não saiu. Estou estudando a possibilidade da volta do Mister Freaky.

Recursos ergogênicos são sempre úteis se usados corretamente, porém dentre os principiantes há uma exaltação dos suplementos em detrimento da alimentação. Como você avalia isso?

Alimentação é a chave. É por meio da alimentação que construímos nossos corpos, que chegamos ao objetivo. Se você negligenciar a alimentação, tudo estará perdido. Suplementos ajudam, mas não podem ser considerados essenciais. São importantes se você não tem tempo para preparar suas refeições.

Blog do Betão

http://blogdotitiobetao.blogspot.com.br

A grande injustiça de 1930

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Apoio da Braviaco a Júlio Prestes culminou em desemprego para 300 famílias de migrantes

Geraldo Rocha, proprietário da Braviaco (Foto: Arquivo Pessoal)

Em 1930, o apoio dos colonizadores da Gleba Pirapó ao político Júlio Prestes custou o desenvolvimento de Paranavaí. Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, o governo federal ordenou em 1931 a cassação de todos os bens da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco). A consequência mais drástica foi o desemprego de centenas de migrantes que plantaram mais de um milhão de pés de café.

Tudo começou no início do Século XX, quando todo o Vale do Ivaí ainda era território selvagem, de terras devolutas. Á época, o governo brasileiro teve a ideia de propor permuta às companhias estrangeiras. Oferecia terras em troca da colonização das áreas inabitadas. Quem gostou muito da proposta foi o empresário estadunidense Percival Farquhar, proprietário da Brazil Railway Company que até 1917 administrou 11 mil quilômetros de terras brasileiras.

Braviaco recebeu 317 mil alqueires no Paraná

Naquele tempo, Farquhar que recebeu títulos de posse de 317 mil alqueires no Noroeste do Paraná, conforme registros históricos do governo paranaense, transferiu a administração da área para a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), do empresário baiano Geraldo Rocha, também superintendente da Brazil Railway Company e proprietário do jornal carioca “A Noite”.

Apoio do empresário a Júlio Prestes resultou em desemprego para a população do Distrito de Montoya (Foto: Reprodução)

No mesmo período, o engenheiro agrônomo baiano Joaquim Rocha Medeiros, funcionário da Companhia Alves de Almeida & Cia, foi incumbido de desbravar uma área que começava na região Oeste de São Paulo e ia até o território paranaense do Rio Paranapanema.

Lá, Medeiros recebeu uma proposta de trabalho do também engenheiro agrônomo e diretor geral da Braviaco, Landulpho Alves (que se tornaria governador da Bahia em 1938), para ajudar a administrar os mais de cem mil alqueires da Gleba Pirapó que somavam 108 quilômetros.

“A área começava no Rio Paranapanema e terminava a margem direita do Rio Ivaí. A mim cabia a supervisão de serviços de campo como derrubada, plantio e formação de cafezais”, escreveu Joaquim Medeiros em um relatório sobre a colonização do Norte do Paraná.

A mão de obra trazida de Minas Gerais

Com a criação do Distrito de Montoya em 1929, Medeiros assumiu o cargo de subdelegado, o que lhe deu autoridade para enfrentar muitos grileiros que acampavam às margens do Paranapanema. “Houve muita luta porque os invasores chegavam aqui em grupos e armados, preparados para tomar posse das terras. Muitas vezes tive de sair daqui para buscar apoio em Curitiba”, relatou.

O que naquele tempo trouxe progresso à região, mas ao mesmo tempo abriu espaço para oportunistas e criminosos, foi a construção de uma estrada com 110 quilômetros que ia do Rio Pirapó até o Rio Ivaí. Pelo mesmo caminho, foi transportado todo o equipamento necessário para a viabilização de uma serraria, empreendimento sem o qual jamais seria construída a sede da Fazenda Ivaí, atual Paranavaí.

“Em 1926, coordenei a derrubada de uma área para o plantio de 1,2 milhão de cafeeiros. Tivemos de fazer uma nova estrada ligando a fazenda ao Porto São José. O objetivo era negociarmos com Guaíra, Porto Mendes e a Argentina, para onde o café seria transportado”, explicou.

Em 1927, Joaquim Medeiros viajou a Pirapora, Minas Gerais, e buscou 300 famílias de vários estados para trabalharem no plantio de café. “Trouxe eles até Presidente Prudente em um trem especial. O problema foi que lá choveu durante 40 dias e 40 noites. A estrada estava intransitável e a única ponte que existia tinha caído. Só quando parou de chover que pudemos reconstruí-la”, assinalou. E como se não bastasse, o engenheiro e os migrantes levaram mais de uma semana para chegar a Fazenda Ivaí, pois também choveu na região, fazendo os veículos atolarem com facilidade.

A perda do café e o desemprego dos colonos

Na fazenda, não havia espaço para acomodar todas as famílias, então cada uma tratou de criar o próprio rancho. Construíram casas e realizaram sorteios para decidir qual família seria contemplada. Outra medida que evitava problemas era a proibição do consumo de bebidas alcoólicas.

O plantio de 1,2 milhão de cafeeiros começou a ser feito em 1927. Trouxeram uma boiada do Mato Grosso para alimentar os colonos. A dedicação dos migrantes permitiu que após três anos o café estivesse pronto para a colheita. Infelizmente, com a Revolução de 1930, o título de propriedade da Gleba Pirapó foi cassado.

De acordo com Joaquim Rocha Medeiros, esta foi a punição do governo federal contra a Braviaco, de Geraldo Rocha, que apoiou a candidatura do eleito Júlio Prestes, logo deposto pelos aliados de Getúlio Vargas. “Colonos e funcionários da empresa, incluindo eu e Landulpho Alves, tiveram que abandonar o Distrito de Montoya, obrigados a deixar tudo pra trás e percorrer a pé, levando família, uma distância de 220 quilômetros”, revelou.

O desabafo do engenheiro veio à tona 45 anos depois. “O governo Vargas não respeitou os interesses das pessoas humildes que mesmo ao custo de tanto suor perderam tudo. As portas da justiça foram trancadas, deixando na miséria uma multidão de humildes brasileiros.”

Curiosidades

Nos tempos de colonização, era muito comum chamar de nortista ou nordestino qualquer pessoa que viesse de alguma região que não fizesse parte do Sul do Brasil.

Em 1927, o Juizado de Paz realizou o casamento formal de todos os migrantes trazidos de Pirapora, Minas Gerais.