David Arioch – Jornalismo Cultural

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Deusdete, o peão que se tornou exemplo de superação  

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“Posso dizer que os políticos mais atrapalharam do que ajudaram no crescimento de Paranavaí. É uma cidade marcada por mais injustiça do que justiça”

O pioneiro segurando a única mala que restou da época em que tinha uma fábrica de malas na Rua Santa Catarina (Foto: David Arioch)

O pioneiro segurando a única mala que restou da época em que tinha uma fábrica de malas na Rua Santa Catarina (Foto: David Arioch)

Em 1952, aos 22 anos, o pioneiro Deusdete Ferreira de Cerqueira deixou Monte Alegre, na Bahia, e viajou de trem de Mundo Novo até a divisa com Minas Gerais, onde subiu em um caminhão pau de arara que parava em qualquer lugar onde alguém acenasse com a mão. Mais adiante, entrou em outro trem na divisa com São Paulo. “Em Ourinhos, peguei o ônibus e a mala errada. Desci com a bagagem de um companheiro. Quando cheguei em Paranavaí, entreguei a mala dele. Perdi tudo”, conta Deusdete às gargalhadas, acrescentando que as malas azuis de madeira foram feitas pelo próprio irmão.

Depois de nove dias de viagem, o pioneiro chegou a Paranavaí em 9 de julho de 1952. A ideia de sair da Bahia surgiu quando Cerqueira ficou sabendo que um irmão do seu cunhado estava morando em Paranavaí. “Viemos em cinco, incluindo meu irmão e outro parente. Parei na Pensão São João, em frente ao Posto Minas, onde fiquei uma semana. Lá estava hospedado um rapaz que era gerente da fazenda onde meu irmão e cunhado trabalhavam”, relata.

O homem que ficaria conhecido como Toninho do Cartório administrava uma fazenda em Itaúna do Sul, onde Deusdete começou a trabalhar como peão. Meses mais tarde, a inexperiência o deixou com as mãos tão feridas que teve de assumir o posto de cozinheiro nas incursões pela mata virgem da região. Depois de preparar a boia, tinha de levá-la para os peões.

O trabalho era tão difícil que poucos resistiam. “Até quem tinha uma vida ruim na cidade natal preferia voltar assim que recebia um dinheirinho, inclusive meu irmão. Eu quis vencer e sempre fui da opinião de ficar”, afirma. Um dia, Deusdete Ferreira percorreu três quilômetros de mata fechada para levar o café da tarde aos peões. Durante o trajeto, se deparou com uma peroba enorme caída no meio de um estreito carreador. Receoso, olhou para um lado e para o outro.

Ao longe, viu uma onça e ficou tão desesperado que gritou, jogou tudo no chão e saiu correndo. Quando chegou ao galpão, teve de aguentar as broncas do fiscal e dos peões. “E olha que onça não pegava ninguém cara a cara. Ela se escondia e atacava de surpresa”, comenta Deusdete rindo e lembrando que como peão trabalhou na abertura de muitas estradas de três a cinco quilômetros de extensão nas fazendas. Naquele tempo as ferramentas mais usadas eram o machado e o traçador.

Cerqueira também derrubou muitas árvores de cedro e canjerana usadas na construção de residências, tulhas e casinhas para manter a sustentação dos pés de café. O salário baixo não o esmorecia. Em pouco tempo foi promovido a subempreiteiro, responsável pela contratação e fiscalização do trabalho de 10 a 20 peões. “Buscava gente nas pensões de Paranavaí e levava pro mato. Fazia o trabalho de peão e ganhava um pouco mais pra cuidar do serviço da turma e cozinhar. O trabalho se estendia por até 12 horas”, enfatiza.

1960 - Deusdete e Raquel na primeira casa que compraram, situada na Rua Pernambuco (Foto: Arquivo Familiar)

1960 – Deusdete e Raquel na primeira casa que compraram, situada na Rua Pernambuco (Foto: Arquivo Familiar)

Nos tempos da colonização de Paranavaí, eram poucos os que se arriscavam a trabalhar como subempreiteiro, já que havia peões brutos. Entre os mais valentes, a moda da época era o bigode com as pontas mirando os olhos. Armados e bravos, não gostavam de lidar com os teimosos, nome dado aos empreiteiros sem experiência profissional, como era o caso de Cerqueira.

Uma vez, trabalhando na Fazenda 5R, o patrão atrasou o pagamento e Deusdete teve de vender o próprio encerado para pagar os peões. “O cara poderia até te matar se você não pagasse. Então era preciso se virar”, explica o pioneiro que também complementava a renda comercializando leite, leite condensado e fumo.

A situação só melhorou quando Cerqueira recebeu uma proposta do proprietário da Pensão Jacobina, onde vivia há um bom tempo. Sem condições de assumir a derrubada de 200 alqueires de mata em uma propriedade em Mirador, que pertencia ao diretor da Mercedes-Benz, o homem ofereceu a Deusdete a oportunidade de coordenar metade do trabalho, desde que ele recebesse uma parte dos lucros.

Deu tudo certo e plantaram 200 mil pés de café. A força de vontade de Cerqueira era tão grande que quando faltava comida ele saía de Mirador a pé para fazer compras em Paranavaí. A vantagem era que o proprietário do armazém mandava entregar tudo de caminhão. “Tinha gente que derrubava o mato e deixava margens de quiçaça de pelo menos 10 alqueires, o que era um problema na hora do plantio de café. Nesses casos os fazendeiros geralmente dispensavam ou davam preferência para outras pessoas”, pontua.

Quando o trabalho na mata durava meses, era normal o empreiteiro montar um barracão para vender alimentos aos peões, principalmente arroz, feijão, jabá e peixe. Deusdete percebeu que a maioria tinha o costume de comprar pinga, beber e abandonar a garrafa. Então ele as recolhia e levava para a cidade. “Eu percorria dois quilômetros a pé para trocar por garrafas cheias. Daí à noite, como eu sabia que os peões não tinham mais pinga pra beber durante o jogo de baralho, eu aparecia com as garrafas e vendia os copinhos de pinga”, garante.

Após as noitadas de bebida e jogatina, os peões se amontoavam em um barracão e dormiam sobre camas de palhas de milho e sacos que antes serviram para o armazenamento de carne seca. Quando esfriava, faziam fogueira, mas tinham o cuidado de isolá-la para evitar incêndio. Aos domingos, Deusdete lucrava de outra forma. Enquanto os demais relaxavam ou jogavam, ele ia até uma mina, onde lavava as roupas dos peões sobre uma pedra. Só entregava à noite. “Como fazia frio, ninguém reclamava e pagava certinho”, assegura.

Em 1958, Cerqueira deixou o trabalho na mata e usou as economias para comprar o Bar Continental, um dos pontos preferidos da população mais humilde de Paranavaí. O estabelecimento antes pertencia a uma família italiana que veio do Rio de Janeiro. No local o movimento era constante. Além do espaço amplo e das dez mesas de sinuca, a freguesia era atraída por cerveja, whisky, gim, Fogo Paulista, Cinzano, conhaque de alcatrão São João da Barra, cachaça Jurubeba, pinga Tatuzinho, refrigerantes Garoto, cigarros e charutos. “Eu vendia dois tipos de cerveja. Só que tinha uma que ninguém queria, então quando todo mundo ficava bêbado eu tirava o rótulo da cerveja boa e colocava na outra. Aí bebiam do mesmo jeito”, confidencia gargalhando.

Anos depois, Deusdete viveu uma situação constrangedora. Um dia houve briga e troca de tiros em um bar ao lado do Bar Continental e o chamaram na delegacia para se explicar sobre o acontecido. “Falei que não foi no meu bar e ainda provei. Não deram a mínima para o que falei porque a confusão tinha acontecido em um local frequentado pelos ricos e poderosos de Paranavaí. Queriam me culpar, já que eu não era ninguém na cidade”, reclama.

Com a experiência de quem se tornou comerciante na Bahia quando era criança, Deusdete ganhou dinheiro o suficiente para comprar uma casa na Rua Pernambuco e investir em pequenas propriedades rurais. “Adquiri uma chácara de um português atrás do 8º Batalhão da Polícia Militar. Depois vendi e comprei cinco alqueires do pioneiro Severino Colombelli perto da Fafipa [Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí]”, assinala.

Cerqueira viu uma boa oportunidade quando o governo começou a pagar para que os produtores rurais cortassem seus pés de café. Numa época em que as terras eram desvalorizadas, Deusdete comprou propriedades cheias de café, derrubou os cafezais e, seguindo a determinação governamental, plantou outra cultura por dois anos. “Quando ficava pronta, eu vendia pro vizinho. Fui indo, comprando e vendendo, até que consegui adquirir uma área de mais de 35 alqueires. Vendi também e comprei outra na Água da Cobra, perto do finado Luiz Lorenzetti”, cita.

Mais tarde, com a ajuda de Raul Piccinin, comprou uma fazenda de café de pouco mais de 100 alqueires em Santa Isabel do Ivaí. O imóvel pertencia a um senhor árabe de Londrina, conhecido como “Seu Nagibe”. Em 1965, Deusdete vendeu o Bar Continental, adquirido com o dinheiro que ganhou trabalhando na fazenda em Mirador. “Não cheguei e comprei. Continuei trabalhando até quitar o valor total. Falava-se em reserva de domínio. Depois vendi a minha metade do bar para um sócio”, revela e informa que o bar abria às 8h e fechava por volta da 1h.

Mais tarde, investiu em uma fábrica de malas de duratex na Rua Santa Catarina, no cruzamento com a Rua Souza Naves. Além de 10 funcionários, tinha também um caminhão. Deusdete vendia tantas malas que precisava viajar de avião com frequência para São Paulo, onde buscava matéria-prima na indústria de Paulo Maluf.

Em melhores condições financeiras, o pioneiro adquiriu a Fazenda Nova Marília, com 120 mil pés de café, de um fazendeiro árabe chamado Ney Jorge. Aproveitou que os bancos estavam oferecendo financiamento com juros baixos e investiu.

"Com o meu touro Reno, fui campeão nacional em 1974 em Uberaba, Minas Gerais" (Foto: David Arioch)

“Com o meu touro Reno, fui campeão nacional em 1974 em Uberaba, Minas Gerais” (Foto: David Arioch)

Deusdete e Raquel se casaram após um mês de namoro

Em 1960, depois de oito anos em Paranavaí, Deusdete Ferreira de Cerqueira foi para a Bahia rever a família. Desembarcou de avião em Feira de Santana e subiu em um caminhão pau de arara com destino a Angico, onde na infância já costumava participar da feira, vendendo galinha, fumo de corda, rapadura, leitoa e banana. “Vi uma mocinha e gostei muito dela. Fiquei na casa do primo João Soares e ela parava lá porque tinha comércio também. Então deu certo da gente namorar. Antes falei com a família dela. A mãe aceitou, até porque o pai da Raquel era afilhado do meu avô e nossas famílias moravam perto. Mas exigiu que eu ficasse lá. Eu disse que não porque estava recomeçando a vida no Paraná”, narra.

Após um mês de namoro, o vínculo de confiança entre os dois era tão forte que decidiram se casar na Bahia com a bênção das duas famílias. Deusdete tinha 30 anos e Raquel Reis, a primeira de uma família de 14 irmãos a sair da Bahia, tinha 18. “Vim pra um lugar completamente diferente, mas não foi muito difícil. Senti muita saudade da família. Fui me adaptando, construindo a vida, fazendo amizades. Gosto de Paranavaí. Lá eu morei 18 anos e aqui 55 anos, então aqui é a minha cidade. Meus filhos nasceram aqui e pretendo ficar aqui por toda a vida”, diz Raquel Reis de Cerqueira.

Deusdete declara que não seria quem é hoje se não fosse a companhia de Raquel. Segundo o pioneiro, a esposa só merece elogios. “O casamento me ajudou demais. Minha mulher me acompanhou desde o começo. Sofreu muito quando tínhamos filhos pequenos e íamos de um lugar para o outro na tentativa de melhorar de vida”, analisa.

“Única coisa que me deu prejuízo foi a política”

Ao receber o convite dos amigos para ser candidato a prefeito de Paranavaí em 2000, Deudete Ferreira de Cerqueira aceitou porque tinha o sonho de ver Paranavaí retomar o caminho do desenvolvimento que rendeu tanta popularidade ao município até o final da década de 1960. “Única coisa que me deu prejuízo foi a política. Você não vence uma eleição se não gastar. Banquei tudo do meu bolso. Gastei demais. É claro que ganhando R$ 4 mil por mês eu nunca iria recuperar isso”, admite.

Porém, o que desanimou mais Deusdete não foram os gastos com a campanha, mas sim o que veio depois. Sem grandes apoiadores, sentiu o peso da influência dos grupos políticos mais representativos de Paranavaí. Um deles interviu para que o município não recebesse recursos dos governos estadual e federal. “Paranavaí tinha R$ 3,5 milhões para receber. E só consegui fazer esse dinheiro chegar depois de muito tempo. Eu não tinha apoio. Dei R$ 1 milhão para a Santa Casa de Paranavaí e sobrou R$ 2,5 milhões. Foi o único recurso que recebi na minha gestão”, desabafa, acrescentando que a cidade tem uma história política marcada pela malandragem de grupos que agem como mafiosos.

A preocupação maior não era o futuro da cidade, mas sim atrapalhar o trabalho do poder público municipal. “Meu apoio era a minha família e o povo que acreditava em mim. Muita gente me defendeu, mas minha família sofreu muito por causa da exposição”, afirma Deusdete e revela que os opositores só não conseguiram prejudicar sua imagem porque ele não devia nada a ninguém. De 2001 a 2004, o então prefeito teve de trabalhar no limite, contando principalmente com recursos municipais.

“Não fiz tudo que gostaria porque não havia muito dinheiro, mas pelo menos deixei para a população algumas escolas novas, reformei praças, ruas, avenidas, investi um pouco em saúde e nos pequenos empresários. Tenho orgulho de ter ajudado na criação de uma cooperativa de costura para mais de 600 donas de casa. O resultado foi bom, mas quando saí acabaram com a cooperativa”, lamenta.

Cerqueira relata que deu continuidade a vários projetos do prefeito anterior. No entanto, desabafa que desde que Paranavaí surgiu a cidade é castigada pela inveja entre prefeitos. É rara a preocupação de não sacrificar o progresso em benefício próprio. “Por que Paranavaí não cresceu tanto quanto os outros municípios? Tínhamos tudo nas mãos, mas aqueles que têm o poder sempre fizeram o possível para que a cidade ficasse para trás. Sabe por quê? Porque eles se beneficiam disso”, enfatiza.

Mesmo quando era prefeito, Deusdete Cerqueira teve de enfrentar o preconceito. Ouvia ofensas até nos corredores da prefeitura. “Sofri muito por causa da minha cor e por ter pouco estudo. Nunca deixei de passar por essa situação. Só que enfrentei tudo de cabeça erguida, ignorando quem me agredia. Não me arrependi de ser prefeito, mas o resultado não foi o esperado. Posso dizer que os políticos mais atrapalharam do que ajudaram no crescimento de Paranavaí. É uma cidade marcada por mais injustiça do que justiça”, avalia.

Saiba Mais

Deusdete Ferreira de Cerqueira nasceu no dia 13 de março de 1930.

Frases do pioneiro e ex-prefeito Deusdete Ferreira de Cerqueira

“Tudo que tenho eu devo a Paranavaí.”

“Prefeitura foi feita para ser tocada como uma empresa, um comércio. Não pode ser administrada com base na politicagem.”

“Peguei a prefeitura com uma dívida de R$ 2,7 milhões. Paguei tudo e não deixei nenhuma dívida quando saí.”

1959: Incêndio criminoso na Prefeitura de Terra Rica

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Prédio municipal foi destruído no dia da posse de James Clark

Antiga prefeitura foi consumida pelas chamas no dia 4 de dezembro de 1959 (Foto: Reprodução)

Antiga prefeitura foi consumida pelas chamas no dia 4 de dezembro de 1959 (Foto: Reprodução)

Terra Rica, no Noroeste Paranaense, se tornou oficialmente distrito de Paranavaí em 5 de agosto de 1952, embora o povoado tenha surgido em 1950 com o nome de Estrela do Norte. Em 26 de novembro de 1954, a colônia foi elevada a município, mas a história política da localidade só teve início em 1955, quando o candidato Francisco Ramirez Galeoti conseguiu se eleger como prefeito. Quatro anos depois, um incêndio criminoso destruiu o prédio da prefeitura, fato que chocou a população e entrou para a história com uma das maiores tragédias de Terra Rica.

Após a eleição municipal de 1955, a população também soube que Ovídio Damiani, João dos Santos, Oswaldo Menoti, Izídio Modena, Vitalino Rodrigues da Silva, Alberto Filipak, Durval Veronese, Serafim dos Santos e Francisco Antônio de Oliveira se tornaram os primeiros vereadores da recém constituída Câmara Municipal de Terra Rica. Em menos de dois anos, o município somou 20 mil habitantes, a maior parte vivendo sob a égide da cultura do café, algodão e cereais. “Tínhamos quase sete milhões de pés de café plantados em Terra Rica”, disse o pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso em entrevista concedida ao autor deste blog em 2006.

Crime foi cometido no dia da posse do prefeito James Clark (Foto: Reprodução)

Crime aconteceu no dia da posse do prefeito James Clark (Foto: Reprodução)

A alta produtividade cafeeira contribuiu para que o município alcançasse a marca de 146 estabelecimentos comerciais em pleno funcionamento em 1957. Segundo o pesquisador Edson Paulo Calírio, Terra Rica estava se desenvolvendo muito bem, além das expectativas. “Havia quatro hotéis na cidade, cinco pensões e um cinema com capacidade para pelo menos 200 pessoas”, contou. Entre os meios de transporte, o mais popular era o caminhão, até pela facilidade de tráfego nas precárias e íngremes estradas de chão da região. A frota de veículos circulando no município era de 52 caminhões, 14 automóveis e 3 jipes.

Em 1959, um novo prefeito trouxe mais esperanças à população. O engenheiro de origem inglesa James Patrick Clark assumiu a administração municipal quando a cidade atravessava um bom momento econômico. Há dez anos vivendo em Terra Rica, Clark foi enviado à região pela Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop), comandada por Ênio Pipino e João Pedro Moreira de Carvalho, com a missão de coordenar a abertura de estradas, delimitação do perímetro urbano e divisão de lotes rurais. James Patrick começou a gostar do lugar e dos moradores, então adotou a cidade como lar definitivo.

Com bastante conhecimento sobre a realidade local e regional, não foi difícil para o engenheiro conquistar os eleitores e se eleger prefeito. O trabalho liderado na mata fez até os mais humildes se identificarem com Clark. No entanto, a postura de James Patrick não agradava a todos, principalmente a oposição política que não aceitou muito bem o resultado registrado nas urnas. “Exatamente no dia 4 de dezembro, quando Clark assumiu como prefeito, atearam fogo na prefeitura, deixando somente as cinzas do antigo prédio de madeira. Supostamente, a intenção era eliminar papéis comprometedores que estavam em posse do novo gestor. A maior parte dos documentos tinha relação com apropriação de terras”, revelou o pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso.

Trabalho na mata fez até os mais humildes se identificarem com o engenheiro (Foto: Reprodução)

Trabalho na mata fez até os mais humildes se identificarem com o engenheiro (Foto: Reprodução)

No momento da tragédia, não havia ninguém na prefeitura. Outros antigos moradores de Terra Rica declararam que James Patrick Clark tinha uma postura de trabalho bastante rígida e provavelmente não cedeu aos interesses de outros políticos. Por isso atearam fogo na prefeitura como forma de punição e destruição de provas. Apesar da gravidade, ninguém foi responsabilizado pelo incêndio criminoso.

Considerada uma autoridade de “pulso firme”, o engenheiro de origem inglesa tinha fama de rejeitar acordos que não beneficiassem diretamente a população. “Naquele tempo de pioneirismo, havia muita rixa política, era algo absurdo. Vendo tudo isso, eu nunca quis me meter com política, sempre tive nojo. É muita sujeira”, desabafou Pereira Briso. Mais tarde, mesmo não cedendo aos adversários, Clark foi surpreendido por uma grave doença que o obrigou a se afastar da prefeitura para se tratar fora de Terra Rica.

Nesse período, a administração municipal foi comandada por José Teixeira Prates, Agostinho Vicenzi, Antônio Gerlach e Alberto Filipak. James Patrick planejava retomar a vida política, mas a doença já estava em estado avançado. Clark faleceu antes de colocar em prática seus planos para Terra Rica. “Ninguém jamais soube o que poderia ter mudado se ele tivesse vivido mais”, comentou Briso.

A saga de um mineiro em Paranavaí

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Sátiro Dias de Melo, do Vale do Jequitinhonha para o Noroeste do Paraná

Facão usado pelo pioneiro na derrubada de mata entre os anos 1930 e 1950 (Foto: David Arioch)

Foi com um facão e um machado de quatro libras que o mineiro aposentado Sátiro Dias de Melo, de 91 anos, conquistou boa fama no Vale do Jequitinhonha nos anos 1930. Mais tarde, colocou o talento à prova no Paraná e Mato Grosso do Sul, onde outra vez surpreendeu pela habilidade na derrubada de mata.

“Tinha essa popularidade porque era bom no traquejo. Com 15 anos, poucos cortavam comigo, tinham dificuldade de acompanhar o ritmo”, conta Sátiro. O facão usado em Minas Gerais e Bahia nos anos 1930 e 1940 também veio ao Paraná na década seguinte. Dentro de uma mala, o instrumento viajou de trem e de ônibus até chegar a Paranavaí em 1952.

Nostálgico, enquanto acaricia o cabo e a lâmina do facão, o pioneiro diz que deixou marcas de corte até nas beiras dos rios Paraná e Paranapanema. “Ajudei a abrir cidades e estradas. Fui muito longe, trabalhei até do lado de lá, quando o Mato Grosso do Sul ainda era Mato Grosso. Ele ‘tá’ acabadinho, tem mais de 70 anos, mas até hoje funciona, é só dar uma afiada”, destaca sorrindo.

Uma carta de Paranavaí

Sátiro teve a primeira notícia de Paranavaí por meio de um ex-namorado da filha que lhe escreveu uma carta elogiando a cidade e contando sobre as oportunidades de trabalho. “Logo pensei: que nome! É quase o mesmo do estado. Deixei a nossa propriedade rural na Bahia e trouxe a minha mulher e dez filhos pra cá”, lembra. O trajeto foi percorrido de trem e de ônibus. Só de Maringá a Paranavaí a viagem durou um dia.

Logo que chegaram, conseguiram abrigo na Pensão da Dona Amélia, onde mais tarde foi construído o antigo Posto Moringão, na Rua Souza Naves. Chovia tanto que a primeira atitude de Melo foi levar todo mundo para se lavar. “Ficamos descalços porque tinha lama pra todo lado. A Dona Amélia viu que a família era grande e falou que pra ajudar faria um sortido pra gente em vez de cobrar o preço de costume por cada refeição”, relata.

Naquele dia, por azar, enquanto se prepararam para o jantar, um ladrão lhes furtou as malas e correu pelos fundos, invadindo quintais e saltando muros. O homem foi alcançado a algumas dezenas de metros do Terminal Rodoviário. “Só consegui recuperar graças a ajuda de um morador que se tornou meu amigo”, lembra o aposentado.

Sátiro Dias de Melo: “Ajudei a abrir cidades e estradas. Fui muito longe” (Foto: David Arioch)

A vida na Fazenda Domingos de Almeira

Em 1952, quando começou a trabalhar na Fazenda Domingos de Almeira, o pioneiro acompanhou o caso de dois colonos que venderam uma vaca da propriedade para um açougueiro local. “Eles achavam que o Almeira nunca iria descobrir. Inventaram uma desculpa de que o animal tinha escapado, mas ele não acreditou”, relata. Para despistar o fazendeiro, a dupla pediu que enviassem uma caminhonete para buscar a vaca próxima a um riacho. Sátiro ouviu um diálogo suspeito e relatou ao administrador da propriedade. Foram até o córrego investigar o desaparecimento do animal e encontraram um bezerro abandonado.

À época, Paranavaí só tinha três açougues. No terceiro, identificaram a vaca pelo couro salgado nos fundos do estabelecimento. “O Edson, que era o gerente da fazenda, voltou para a colônia com a polícia. Foi um terremoto por dois dias. Só não prenderam os colonos porque eram casados e tinham filhos pequenos. Sem direito a nada, foram despejados em São João do Caiuá”, revela. Algum tempo depois, Melo começou a cuidar do gado da fazenda, inclusive entregava o leite ordenhado na cozinha da casa principal. A família ficou muito satisfeita porque tiveram a chance de morar em uma casa fora da colônia.

O preconceito contra os migrantes do Norte

Sátiro ainda se recorda do preconceito que sofreu quando morava perto de outras dezenas de colonos na Fazenda Domingos de Almeira. “Um dia, uma mulher disse para uma comadre cuidar muito bem das galinhas porque chegaram nortistas na colônia. Falou que baiano era tudo ladrão. Me deu vontade de ir embora daqui”, admite. Naquele tempo, muitos dos que deixavam os estados ao Norte para vir ao Paraná eram chamados de “nortistas”, até quem partia da região Sudeste.

O pioneiro atribui o preconceito às experiências negativas que os moradores tiveram com migrantes mal intencionados. Cita como exemplo ladrões e grileiros que buscavam “vida fácil” em vez de trabalharem. “Os bons que sofreram com isso. Lembro que era muito difícil uma pessoa que vinha do Norte conseguir comprar fiado. Vi muitos passarem fome enquanto esperavam o pagamento”, assegura.

A geada negra e o frio

Embora a geada que mais tenha marcado Paranavaí seja a de 1975, as duas anteriores nunca foram esquecidas por Sátiro. “A primeira foi a geada negra em 1953 e a segunda em 1955. Vi muita gente pagando para cortarem café, abandonando mesmo, e começando a fazer invernada. Eu ficava com muito dó. A imagem dos cafezais escuros, queimados e mortos me marcou para sempre. Tudo que era verde ficou preto”, frisa.

O desgosto do mineiro foi grande, mas ainda assim preferiu ficar, ao contrário de muitos outros migrantes. Teve de lidar com o desemprego e assistir ao fim dos pomares. “Nem laranjeira e abacateiro sobreviveram ao frio. Vi até o gado morrer com a geada. Para piorar, nem tínhamos roupas de frio. A gente andava quase nu, com aquelas roupas lisas, cavadinhas. Sofremos demais por isso”, revela. Paranavaí tinha fama de cidade chuvosa e nublada, tanto que era comum ver  muitas pessoas nas ruas carregando enxada para desatolar veículos. “Só tinha estrada de chão, então todo dia eu resgatava alguém”, exemplifica Sátiro Melo que testemunhou brigas e assassinatos por causa de terras.

Quem ficasse uma semana longe do próprio imóvel corria o risco de perdê-lo. Sempre havia alguém circulando por Paranavaí, procurando propriedades sem moradores. “Conheci muitos que viviam disso. A pessoa perdia todo o trabalho limpando a fazendinha. Invadiam o local e quando o proprietário voltava não podia nem se queixar. Caso contrário, tinha que estar disposto a matar ou morrer”, pondera.

Melo: “Muita gente tinha medo dele [Frutuoso Joaquim de Salles], as ‘histórias corriam’” (Foto: David Arioch)

A amizade com Frutuoso Joaquim de Salles

O mineiro Sátiro Dias de Melo foi amigo do controverso pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, considerado o primeiro cidadão local, que chegou a Paranavaí em 1929, nos tempos do Distrito de Montoya. “Ele morava num lugar escondido na baixada do Jardim São Jorge. Gostava muito de conversar sobre laços, até porque foi vaqueiro. Ficava muito feliz quando reparavam no seu trabalho”, confidencia.

Já se fizessem perguntas sobre violência e crimes no período da Fazenda Velha Brasileira, Frutuoso desconfiava, mudava o semblante e encerrava a conversa. “Com quase todo mundo, ele era bem fechado, não facilitava o diálogo, mas comigo era diferente. Eu ia lá pra prosear, batia na porta, ele saía, olhava e quando via que era eu a abria na hora. Gostava de conversar com aquele velho pernambucano do bigodão’”, brinca. Sátiro foi parceiro de trabalho de Salles. Apesar do gênio difícil, o pernambucano foi considerado por Melo um homem muito trabalhador e confiável.

“O frutuoso não deixava de fazer nada que lhe pediam. Só que muita gente tinha medo dele, as ‘histórias corriam’. Ele morreu nos anos 1980, mas pra mim foi um bom amigo”, salienta. Em Paranavaí, é raro encontrar alguém que tenha conversado abertamente com Frutuoso Salles sobre o que aconteceu em Montoya e na Velha Brasileira entre os anos 1920 e 1940, quando muitos foram assassinados no povoado. Um dos poucos que tiveram essa chance foi Sátiro Dias.

“Ele era capanga do capitão Telmo Ribeiro e um dia me segredou que matou muita gente em Paranavaí. As vítimas eram enterradas debaixo dos pés de café, tanto que anos depois, quando vieram as geadas e muita gente preferiu acabar com os cafezais, acharam bastante ossada humana”, explica o mineiro. Antes de morrer, o pernambucano falou que os restos humanos encontrados não chegaram nem perto do total de mortos na “Brasileira”. “Uma vez, achamos ossada perto do prédio da antiga Telepar. Acredito que ainda tem muitos restos de gente por aí”, alega o pioneiro.

O aposentado era dono do folclórico cavalo Boneco (Foto: David Arioch)

As aventuras com João do Mato

Não foram poucas as vezes que Sátiro Dias de Melo saiu para caçar com o amigo e caçador João do Mato. Como o fornecimento de carne bovina em Paranavaí nem sempre atendia a demanda, a dupla chegava a ficar de 20 a 30 dias na selva caçando cateto, veado, capivara e outros animais. “No mato, nunca faltava carne. O que passava pela espingarda, a gente atirava. Infelizmente, não tinha aquela consciência de preservação dos bichos”, confessa.

Por muitas noites, Sátiro e João do Mato foram intimidados por onças que passavam perto dos carreadores. Quando a ameaça era iminente, atiravam contra o animal. Os maiores perigos das incursões em território selvagem, a dupla vivenciou na região do Povoado de Cristo Rei e no Morro do Diabo, no Pontal do Paranapanema. Nessas áreas, a biodiversidade animal era tão grande que somente caçadores experientes se aventuravam pela região.

O folclórico cavalo Boneco

O cavalo Boneco foi um personagem popular em Paranavaí no final dos anos 1960 e princípio de 1970. Muito bem educado, o animal adestrado pelo pioneiro Sátiro Dias de Melo gostava de descansar atrás das moitas, mas sempre que ouvia o chamado do proprietário, respondia na hora. “Eu podia deixar ele solto que mesmo assim não fugia nem aprontava nada. Também não deixava ninguém colocar a mão nele, além de mim”, pontua.

Luís Carlos Prates: “Pessoas de muitos estados vinham a Paranavaí para contratar os serviços de ferreiro e curtidor do ‘Seu Sátiro’” (Foto: David Arioch)

Quando circulava pelas ruas da cidade, boneco chamava a atenção pela altivez, beleza e impecável sela feita por Sátiro. Muitos, principalmente mulheres, pediam para tirar fotos com Boneco, a quem precisava convencer durante uma “conversa”. “Era um bicho que nunca tinha apanhado”, acrescenta. Um dia o cavalo deixou que uma pessoa o roubasse. O mineiro passou horas o procurando, chamando o pelo nome, mas não adiantou.

Boneco estava em Tamboara, preso a uma mangueira. Quando quis partir, simplesmente quebrou a cerca e arrastou o arame farpado. Dias depois, Melo ouviu um relinchado ao longe e identificou o cavalo em disparada. “Chegou e ficou junto de mim todo machucado pelo arame. Estava com o peito bem ferido. Dei banho e cuidei dele até ficar bom de novo, então o vendi para um gaúcho. Nunca mais quis saber de ter cavalo”, assume.

A oficina

Famosa também era a oficina do pioneiro que atraía até viajantes de Minas Gerais e Mato Grosso, segundo o artista plástico Luis Carlos Prates. “Ele é um artista. A fama dele ia longe. Pessoas de muitos estados vinham a Paranavaí para contratar os serviços de ferreiro e curtidor do ‘Seu Sátiro’”, testemunha Prates. O mineiro era conhecido na região como o melhor manipulador de alumínio. Fazia desde instrumentos mais simples até peças para maquinários pesados.

“Trabalhei muito com fundição. Foram mais de dez anos. Criava cadeado de qualquer tipo e tamanho”, garante enquanto mostra o local de trabalho no fundo da residência onde reside desde a década de 1960. Aos 91 anos, ainda passa algumas horas do dia produzindo ou consertando alguma peça. A fama de Melo foi longe, tanto que em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul até hoje tem muita gente que se recorda de suas habilidades.

Há alguns anos, Sátiro retornou à terra natal, Jequitinhonha, Minas Gerais, onde nasceu em 12 de janeiro de 1921. Ficou chocado com o que viu depois de mais de 60 anos. “Ajoelhei à beira do Rio Jequitinhonha e chorei. Não era mais o mesmo, virou um córrego”, lamenta.

Curiosidade

Sátiro Dias de Melo se aposentou pela Prefeitura de Paranavaí em 1985, na gestão do prefeito Benedito Pinto Dias. Trabalhou durante muitos anos como “faz-tudo”.

Contribuição

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População começou a pagar impostos em 1953

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Moradores não precisaram pagar tributos por mais de duas décadas

Paranavaí foi distrito de Tibagi, Apucarana e Mandaguari até 1951 (Acervo: Fundação Cultural)

A colonização de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, teve início em 1924, mas a população começou a pagar impostos em 1953,  quando houve a emancipação política que culminou na primeira eleição municipal, de 1952, que elegeu o médico José Vaz de Carvalho como prefeito.

Até 1951, ao longo de mais de duas décadas, Paranavaí foi distrito de Tibagi, Londrina, Rolândia, Apucarana e Mandaguari. Naquele tempo, como era importante para os prefeitos que as colônias se desenvolvessem, permitiam que qualquer tipo de estabelecimento fosse aberto, sem rigor e necessidade de se pagar impostos.

“Uma vez o prefeito de Apucarana criou um decreto que permitia ao comerciante desempenhar atividade por dez anos sem pagar nenhum tipo de tributo”, relatou o pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho. Ainda assim, é importante lembrar que nenhum dos municípios aos quais Paranavaí pertenceu desempenhou qualquer trabalho voltado ao progresso da colônia.

“Todo povoado tinha que ter uma origem, fazer parte de algum município, então era só algo formal, tanto é que a gente não conhecia essas cidades e quase nunca recebia algum político, investidor ou morador desses lugares. Aqui era bem abandonado”, garantiu o pioneiro cearense João Mariano.

Com o empenho do primeiro vereador de Paranavaí em Mandaguari, Otacílio Egger, que teve ajuda do pioneiro paulista Paulo Tereziano de Barros, a colônia conquistou a emancipação política em 14 de dezembro de 1951, por meio da lei estadual nº 790. Só que foi necessário esperar mais um ano para a realização da primeira eleição que transformou Paranavaí em município.

Ferreira de Araújo lembrou que os impostos começaram a ser cobrados em 1953, após a posse de José Vaz de Carvalho, que assumiu a prefeitura em 14 de dezembro de 1952. “O dinheiro do imposto era nosso, então todo mundo pagava”, comentou. A eleição municipal que elegeu Carvalho como prefeito foi coordenada por um juiz eleitoral de Mandaguari.

Em 1953, ninguém reclamou por ter de pagar impostos (Acervo: Ordem do Carmo)

Segundo o pioneiro catarinense José Matias Alencar, ninguém reclamou por ter de pagar os tributos, pois a população já tinha algum conhecimento sobre o assunto. “Havia muita gente humilde e simples em Paranavaí, mas ninguém era ignorante a ponto de não saber que o investimento era revertido pra gente mesmo, que seria usado para investir em infra-estrutura e mais qualidade de vida”, argumentou Alencar.

Houve grande comemoração quando Paranavaí se tornou município, o que estimulou a comunidade a crer no progresso da cidade. “Quando isso aqui ainda era um povoado ninguém tinha certeza de nada. A gente achava que a qualquer momento Paranavaí podia ser abandonada pelo Governo do Paraná e todo mundo ficaria na mão, perderia tudo que investiu”, revelou João Mariano.

O que aconteceu foi exatamente o contrário do que temiam os moradores. “Quando virou município, a cidade começou a melhorar. Muita gente do Paraná e de outros estados ficaram sabendo e quiseram conhecer. O interesse era bem maior do que na época da Brasileira. Acredito que a maioria nunca mais saiu daqui. Graças a toda essa gente que Paranavaí existe até hoje”, enfatizou o pioneiro gaúcho João Alegrino de Souza.

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A trágica história de João Levinho

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Um grande jóquei que teve um triste fim como andarilho

Levinho foi encontrado morto na área rural de Marilena (Foto: Reprodução)

O roraimense João Ortino Moreira, conhecido como João Levinho, foi um jóquei que teve a carreira interrompida em Boa Vista, Roraima, em 1952, e veio ao Noroeste do Paraná a pé, fixando residência em Paranavaí. Mais tarde, se tornou agricultor, mas devido a algumas desilusões abandonou tudo e passou os últimos dias de vida vagando como andarilho pela região.

João Levinho nunca conheceu os pais. Em 1929, foi abandonado numa sarjeta da periferia de Boa Vista seis meses após o nascimento. Dizem que no mesmo dia a proprietária de um prostíbulo o recolheu e lhe deu abrigo até os cinco anos, além de registrá-lo.

“Um dia, Levinho foi chamar a mulher pela manhã e a encontrou morta, estirada sobre a cama. Parece que teve um ataque cardíaco. Quando ouviu as garotas da casa falando que deveriam entregá-lo à polícia, ele se assustou e fugiu”, relata o aposentado Juraci Martins que conheceu João Moreira em um bar em 1955.

Afastou o frio e a fome cheirando cola de sapateiro

Levinho não teve infância. Enquanto as outras crianças brincavam, o garoto andava pelas ruas procurando restos de alimentos no chão e em latas de lixo. Para afastar o frio e a fome, muitas vezes recorreu a um tipo de cola de sapateiro que os companheiros de rua partilhavam. Costumava passar a noite em um terreno baldio. Pulava o muro e dormia enrolado em folhas de bananeira. “Falou que se sentia protegido assim. Quando tinha uns 12 anos, Levinho conheceu Orlando de Maria, um comerciante que o ajudou”, conta Martins.

O homem levou João Moreira a um clube de hipismo, onde lhe mostrou as corridas de cavalos. Foi aí que surgiu a oportunidade de se tornar um jóquei e o garoto aceitou. O pequeno e leve João se destacou, demonstrando talento para o esporte. Até os 22 anos, conquistou títulos que renderam bastante prestígio nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil.

Com uma carreira de sucesso, surgiram melhores oportunidades, mas Levinho não aceitou nenhuma, pois tinha uma dívida de gratidão. “O João continuou vivendo em Boa Vista e dividia tudo que ganhava com o comerciante”, explica o aposentado. Numa noite de 1952, Orlando de Maria foi assassinado a tiros por um apostador na saída do clube de hipismo, após mais uma vitória de Levinho.

Assustado, Moreira recebeu a recomendação de ir embora de Boa Vista. Partiu para Belém, no Pará, a pé, só com a roupa que estava usando e um anel de ouro que tinha uma pequena pedra no formato de um cavalo – presente do comerciante. Lá, Levinho ouviu a conversa de dois homens na saída de um bondinho. “Falavam de um lugar no Paraná pra onde as pessoas estavam indo, algo como ‘Paraivaí’ ou ‘Paranaivaí’”, diz Martins, reproduzindo as palavras de Levinho. Moreira, que nem sabia onde ficava o Sul do Brasil, decidiu encarar a aventura e tomou a decisão de vir ao Paraná.

Atravessou rios e matas para chegar a Paranavaí

A viagem toda foi percorrida a pé porque antes de João Moreira deixar Boa Vista o rapaz fez uma promessa de nunca mais depender de ninguém para alcançar qualquer objetivo. “Levinho andou mais de cinco mil quilômetros, atravessou rios e matas. Queria provar a si mesmo do que era capaz”, justifica Juraci Martins. Antes de completar metade do trajeto, João Ortino estava quase descalço, com a sola do sapato completamente gasta. Então Levinho improvisou um calçado feito de chapa de madeira, borracha e barbante.

Andou mais centenas de quilômetros até chegar a Ponta Porã, no Mato Grosso. Lá, Moreira dormia sob um banco de praça quando foi surpreendido por um ladrão que tentou arrancar-lhe o anel do dedo. Levinho resistiu e levou duas facadas, uma na perna e outra no braço. Ainda assim preservou o seu único bem material. Em vez de ir a um hospital, conseguiu uns pedaços de tecido e um pouco de pó de café num armazém e os usou para estancar o ferimento.

Algumas semanas mais tarde, já recuperado, prosseguiu viagem. “Quando chegou na divisa com o Paraná era de madrugada. Levinho viu uma canoa encostada, a desamarrou e atravessou o Rio Paraná”, narra o amigo. Quando se sentia cansado, para não ser surpreendido por animais selvagens, dormia quase no topo das árvores, preso à corda que antes estava amarrada à canoa. “O João a usava para evitar que caísse da árvore durante o sono”, comenta Martins. Levinho chegou a Paranavaí cinco meses depois que deixou Boa Vista.

Abandonou tudo em 1965

Na cidade, conheceu um migrante português que estava de partida para Londrina, no Norte Central Paranaense. O homem ofereceu uma chácara em troca de 50% dos rendimentos. Levinho hesitou por um instante, mas aceitou a proposta. Na propriedade situada na saída de Paranavaí, o roraimense construiu um rancho. Para investir na propriedade, trabalhou como peão na derrubada de mata. “João Levinho comia só uma vez por dia pra guardar dinheiro pra investir na cafeicultura.  Conseguiu uma fazenda de café em menos de dez anos”, enfatiza o aposentado.

Moreira se casou em 1957 com uma moça de origem polonesa. O relacionamento foi mantido até 1965, quando descobriu que a mulher o traía. Um ano antes já tinha vivido uma tragédia. Os três filhos de Levinho, que tinham entre três e seis anos, estavam brincando quando foram atropelados por um caminhão carregado de café que ia para o Mato Grosso. “A traição foi o estopim. Ele abandonou tudo, fugiu de casa. Procurei por toda parte, mas não o achei em canto nenhum”, garante Juraci Martins.

Após o Natal de 1968, um caminhoneiro, amigo do aposentado, informou que um homem com as características de João Moreira foi visto nas imediações de Marilena, a 70 km de Paranavaí. Martins percorreu a localidade por horas, até que viu um homem deitado sobre um capinzal, às margens de uma estrada que dava acesso à Fazenda Santa Lúcia. “Levinho estava muito mal vestido, barbudo e com o cabelo comprido. Quase não o reconheci. Tinha um ar sereno no rosto, apesar de um dedo torto, que parecia quebrado, e as cinco facadas que o mataram, deixando a blusa toda vermelha”, confidencia.

Pela primeira vez em 26 anos, João Moreira estava sem o anel de ouro no dedo. “Se tornou o seu bem mais precioso. Sempre me dizia isso. Até hoje não dá pra acreditar que João Ortino Moreira foi morto por aquilo que lhe era tão importante, mas não tão significante para quem quer que tenha sido seu assassino”, declara Juraci Martins. Quando a polícia desistiu das investigações, o amigo percorreu a região tentando descobrir quem matou Moreira. Soube apenas que João Levinho tinha ganhado o apelido de “Quietinho”, um andarilho que nada falava ou pedia a quem quer que fosse e por onde passasse.

Saiba Mais

João Levinho foi encontrado morto em 27 de dezembro de 1968, dia em que completaria 39 anos.

Curiosidade

João Ortino Moreira começou a competir por volta dos 14 anos. Era rápido e leve como o vento, diziam os outros jóqueis que o apelidaram no primeiro campeonato em que participou.

A perspectiva alemã sobre Paranavaí

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“Havia enormes plantações, prados, pastagens, tudo interrompido por grandes florestas”

Jacobus Beck escreveu sobre Paranavaí em 1952 (Foto: Ordem do Carmo)

Jacobus Beck escreveu sobre Paranavaí em 1952 (Foto: Ordem do Carmo)

O padre provincial alemão Jacobus Beck veio a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, em fevereiro de 1952 para conhecer o trabalho do frei Ulrico Goevert, responsável pela Paróquia São Sebastião. Na então colônia, Beck se surpreendeu e se identificou com alguns costumes. No mesmo ano, a experiência de três semanas foi registrada em várias edições da revista alemã Karmelstimmen, de Bamberg, no Estado da Baviera.

A curta passagem de Beck não permitiu que ele aprendesse a língua portuguesa. Por isso, pode-se dizer que o frei alemão está entre os padres germânicos que vieram a Paranavaí nos anos 1950 e não tiveram tempo de ter um profundo contato com a cultura dos moradores da colônia, fossem brasileiros ou estrangeiros. O fato fato foi o diferencial nos artigos publicados na Karmelstimmen, sob o título de “Meine Reise Nach Brasilien“.

Era um sábado, 9 de fevereiro de 1952, quando Jacobus Beck sobrevoou o Noroeste do Paraná. Observou ao longe os campos cortados por imensos rios. “Havia enormes plantações, prados, pastagens, tudo interrompido por grandes florestas. Mas foi só quando estávamos na região de Paranavaí que vi a mata virgem”, afirmou o alemão, acrescentando que tudo era tão belo que dava a impressão de que o céu se curvava diante do avião. Por volta do meio-dia, o padre se deparou com a colônia composta por um sem número de pequenas casas de madeira.

Logo o avião pousou no antigo Aeroporto Edu Chaves, atual Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), ladeado por espessa mata primitiva. De lá, Beck pegou uma carona com o frei Ulrico Goevert em um jipe estadunidense. Foram para o centro da colônia, onde viviam mais de cinco mil pessoas. “Não era uma cidade ao modelo europeu com casas de pedras e ruas asfaltadas, mas também não lembrava nossas aldeias. As residências eram bem simples e remetiam às nossas barracas de feira. As vias pareciam os caminhos alemães que davam acesso aos areais”, comentou frei Jacobus.

O que chamou a atenção do alemão na Colônia Paranavaí foi a ordem e a limpeza, além da facilidade em se adquirir bens de consumo. De acordo com Beck, o povoado contava com muitos locais de lazer, carros e caminhões. “Isso já me lembrou a Alemanha, o tráfego dos veículos, os barulhos dos que vinham e dos que iam pelas ruas esburacadas”, frisou, rememorando que em 1952 três novas casas eram construídas por semana em Paranavaí. O padre também percebeu que a agricultura na colônia era voltada principalmente para a produção de café, algodão, arroz e milho.

“A terra de Paranavaí era muito fértil porque o solo era virgem”

Jacobus Beck estranhou o fato de não ter encontrado batata no povoado, um dos principais alimentos da culinária germânica. “Em Paranavaí se consumia a mandioca, uma hortaliça de raiz grossa que tem gosto e uso equivalente ao da batatinha”, avaliou o alemão que se surpreendeu com o tamanho do gado bovino criado na colônia, bem maior do que os animais alemães.

Nas passagens pelos pomares locais, entre as frutas tropicais que Beck experimentou e aprovou estavam banana, abacaxi, limão e figo. “A terra de Paranavaí era muito fértil porque o solo era virgem. Estava sendo trabalhado pelas mãos humanas pela primeira vez, então tinha uma umidade inacreditável. Apesar do calor tropical, chovia muito e acho que a proximidade com muitos rios e riachos ajudava”, enfatizou.

De acordo com o padre, o solo e as condições climáticas eram os principais fatores que atraíam tanta gente a Paranavaí. Havia brasileiros de outras regiões, europeus e japoneses. “Não cheguei a presenciar nenhum caso de racismo. Acho que todos viviam pacificamente”, destacou o frei que estranhou a maneira como a população local o cumprimentou, com abraços e tapas nas costas, embora admitiu que se acostumou.

O padre diante da imensidão do Rio Paraná no Porto São José (Acervo: Ordem do Carmo)

Na Casa Paroquial, no quarto onde Jacobus Beck foi hospedado, o padre imaginou que encontraria janelas com vidraças e cortinas, ao melhor estilo alemão. “Foi uma procura em vão. Só havia uma grande abertura na parede e que era fechada à noite com janelas feitas de tábuas. Dormia na própria sacristia, com morcegos e camundongos “, ressaltou em tom bem humorado.

A hospitalidade dos moradores estava entre as melhores lembranças do frei. Segundo Beck, o que um tinha dividia com o outro. Além disso, os convidados de uma festa eram sempre tratados com muito carinho e atenção. “É claro que a maioria tinha pouco a oferecer, mas caso o agraciado não aceitasse, isso era entendido como uma ofensa”, observou.

“Ficamos com o jipe quase dependurado em muros de pedras”

À época, os padres eram vistos como autoridades de suma importância, tanto que por onde passavam ficavam rodeados de pessoas, como numa feira, na analogia de Beck ao perceber que a figura do vigário era muito estimada pela população. Até mesmo em casos de dores de dente, as pessoas procuravam o padre para dar uma solução ao problema ou então ofertar uma bênção.

Nas muitas vezes que percorreu as estradas de Paranavaí, achou o trânsito bastante intenso, até mesmo nas estradas por onde jipes e caminhões trafegavam dia e noite. “Isso ocorria porque muita gente era levada para as fazendas na mata virgem”, justificou.

À revista alemã, Jacobus Beck discorreu sobre um episódio em que foram até a Fazenda Santa Lúcia (situada em área que hoje pertence a Marilena) pela estrada da Água do 14, entre Piracema e Guairaçá, e tiveram de percorrer dezenas de quilômetros de mata a bordo de um jipe. “Nas subidas e descidas, muitas vezes ficamos com o jipe quase dependurado em muros de pedras. Chegamos a atravessar rios com o veículo. Encontramos animais selvagens, como répteis, e muitas plantações”, confidenciou o padre que enganou uma cascavel de cinco anos, com um metro e meio de comprimento, e cortou-lhe o guizo de cinco anéis para levar de lembrança à Alemanha.

Naquele tempo, às imediações do Rio Paraná, viviam um tenente e um pelotão de soldados do Exército Brasileiro dispersos por pequenas casas de madeira. Com eles, frei Ulrico e frei Jacobus tomaram chimarrão. O grupo era responsável por controlar as navegações fluviais, evitando contrabandos de produtos enviados à Argentina.

Curiosidades

Em artigo à revista alemã Karmelstimmen, Jacobus Beck escreveu que a mata primitiva que circundava o Rio Paraná era a maior floresta virgem do Brasil.

Nos anos 1950, por causa das dificuldades de tráfego, o avião era o meio de transporte mais usado pela população de Paranavaí, superando caminhões, jipes e carros.

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Um padre de muitos talentos

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Henrique Wunderlich: padre, pintor, escultor, marceneiro e carpinteiro

Frei Henrique criou dezenas de esculturas em Paranavaí (Acervo: Ordem do Carmo)

O frei alemão Henrique Wunderlich viveu em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, apenas cinco anos, mas foi tempo o suficiente para deixar marcas indeléveis na cultura e história local, a partir de seus trabalhos com pinturas, esculturas, marcenaria e carpintaria.

Hartwig Wunderlich, conhecido como Frei Henrique, chegou a Paranavaí em setembro de 1952 para prestar assistência ao padre alemão Ulrico Goevert, responsável pela paróquia local, que em maio do mesmo ano recebeu autorização do bispo para fundar a igreja matriz.  “Frei Henrique não era somente um padre, mas também excelente escultor, marceneiro e carpinteiro”, afirmou Goevert em publicação à revista alemã Karmelstimmen na década de 1950.

Wunderlich começou a mostrar suas qualidades artísticas em Paranavaí ajudando na construção da primeira Igreja São Sebastião, principalmente o altar-mor. À época, os dois padres tiveram de se desdobrar em engenheiros porque em Paranavaí não havia profissionais da área. O que exigiu bastante cautela, pois naquele tempo muitas igrejas tinham desmoronado na primeira tempestade, após construídas nas proporções erradas.

Frei Ulrico lembrou que não demorou para a igreja ficar pronta, apesar do árduo trabalho. Pouco tempo depois, Frei Henrique começou a lapidar um enorme pedaço de árvore para dar-lhe formas inimagináveis. Wunderlich, conhecido na Alemanha como um prolífico artista, logo que terminou o altar teve a ideia de criar um grande quadro de madeira com o símbolo da eucaristia. “Ele fez o peixe e o pão, e no mesmo estilo um cálice com hóstia nas portas do tabernáculo, além de uma enorme cruz atrás do altar”, declarou Goevert que se surpreendeu com o talento do frei em trabalhar com pranchas grossas e duras de madeira de marfim.

O padre se mostrou tão criativo em Paranavaí que desenvolveu métodos particulares de aplicação de tintas. De acordo com Frei Ulrico, primeiro, Wunderlich preparou uma talhadeira tipo cinzel e então esculpiu figuras e linhas na madeira. Frei Henrique preencheu tudo com tinta importada do Japão. “As gravações impediram que as cores se misturassem e logo tudo ficou belo e liso”, comentou Goevert que admitiu ter ficado maravilhado com os quadros de Wunderlich que mais pareciam mosaicos em madeira, tamanha a perfeição.

A população local também ficou extasiada com as criações de Frei Henrique. Não imaginavam que em Paranavaí havia um padre que ao mesmo tempo era um artista de exímias habilidades. O mais incrível é que Wunderlich criava muitas obras em questão de semanas. Uma das esculturas do frei que até hoje chama bastante atenção é a de Jesus pregado na cruz com uma feição carregada de saudade. “Como ele sentia muita falta da Alemanha acabou transmitindo isso ao crucificado”, revelou Frei Ulrico, citando a obra criada em 1953 e que pode ser vista no altar-mor da Igreja São Sebastião.

Uma das esculturas mais famosas da Igreja São Sebastião foi feita por Henrique Wunderlich (Foto: Ordem do Carmo)

Uma das esculturas mais famosas da Igreja São Sebastião foi feita por Henrique Wunderlich (Foto: Ordem do Carmo)

Outra peça do padre alemão muito lembrada pelos pioneiros de Paranavaí é o escudo dos carmelitas feito em madeira e que traz o lema da Ordem: “Zelo Zelatus Sum Pro Domino Deo Exercituum” que significa “Consome-me o zelo pelo Senhor, Deus dos exércitos.” Também se destacam as pinturas da Santíssima Trindade e da Rosa Mística. “Esta foi pintada como um botão aberto de uma tenríssima rosa da qual nasce a divina criança”, disse Frei Ulrico, acrescentando que junto ao altar, em cima do livro com sete selos, Wunderlich lapidou a imagem de Jesus como o bom pelicano e também como o cordeiro de Deus.

Das peças que podem ser apreciadas ainda hoje, entre as dezenas de esculturas e pinturas que Henrique Wunderlich legou a Paranavaí, uma das que desperta mais curiosidade é a outra escultura de Jesus na cruz, situada na Paróquia São Sebastião. Quem o observa de frente não consegue ver seu rosto. O crucificado está cabisbaixo e com o cabelo tapando parcialmente o rosto em uma simbologia de tristeza e ao mesmo tempo compaixão pelo próximo.

Para conseguir enxergar Jesus com nitidez a pessoa precisa se ajoelhar. A intenção de Frei Henrique era transmitir a ideia de que diante de Jesus crucificado, o cristão deve se abaixar em ato de respeito e adoração. Wunderlich viveu em Paranavaí até 6 de dezembro de 1957, data em que foi enviado de volta à Alemanha para trabalhar nas paróquias de Fürth e Schlusselau, no Estado da Baviera. Ao se aposentar em 1993, Henrique Wunderlich retornou para a sua cidade natal, Kulmbach, também na Baviera, onde viveu até falecer em 18 de abril de 2000.

Curiosidade

Henrique Wunderlich foi soldado do Exército Alemão de 1939 a 1945.

O agrimensor que se elegeu prefeito

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Ulisses Faria Bandeira venceu a eleição municipal de 1956

Bandeira se mudou para Paranavaí em 1944 (Foto: Reprodução)

O agrimensor Ulisses Faria Bandeira conheceu Paranavaí, no Noroeste do Paraná, em 1939, mas fixou residência alguns anos depois. Foi o primeiro morador a se casar na colônia. Em 1956, se elegeu prefeito e viveu em Paranavaí até os últimos dias de vida.

Ulisses Faria, que nasceu em São Mateus do Sul, no Sudeste Paranaense, se mudou para Londrina aos 17 anos, em 1938, após aceitar um convite do tio Francisco de Almeida Faria para trabalhar na 4ª Inspetoria de Terras do Estado do Paraná.

Bandeira se dedicou muito ao trabalho e logo se tornou o braço direito de Francisco de Almeida, diretor da inspetoria. O ofício, Ulisses aprendeu rápido, e em 1939 foi um dos ilustres convidados a participar da viagem de inauguração da linha Londrina-Fazenda Brasileira, da Viação Garcia.

Em 1942, aos 21 anos, Bandeira retornou à Brasileira, encarregado de demarcar algumas vias. Ao final do trabalho, o agrimensor voltou para Londrina. A oportunidade para fixar residência na futura Paranavaí surgiu em 1944, quando Ulisses Faria assumiu o cargo de diretor da Inspetoria de Terras do Estado, escritório regional de Paranavaí.

Bandeira definitivamente adotou a Brasileira como lar, tanto que em 11 de maio de 1949 se casou com uma moradora local, Balbina Guilherme de Aguiar. Foi o primeiro casamento de Paranavaí. “Naquele tempo, uma das maiores colônias que havia na Brasileira era a Colônia Nº 2, onde é hoje o Jardim Ouro Branco”, relatou Ulisses Faria ao jornalista Saul Bogoni há algumas décadas.

Ex-prefeito era jogador do Atlético Clube Paranavaí (ACP) (Foto: Reprodução)

Quando questionado sobre os primeiros pioneiros de Paranavaí, o agrimensor sempre citava a Família Fabrício, José Firmino, Frutuoso Joaquim de Salles, João Clariano e Telmo Ribeiro. “Todos esses eram da época da [Companhia Brasileira de Viação e Comércio] Braviaco”, garantiu o pioneiro.

O prestígio do inspetor de terras junto à população era tão grande que Bandeira foi estimulado a disputar as eleições municipais de 18 de novembro de 1956, concorrendo ao cargo de prefeito. Obteve 4071 votos contra 4029 de Herculano Rubim Toledo. “Foi uma campanha pesada e acirrada”, admitiu.

O agrimensor foi o segundo prefeito de Paranavaí, sucedendo o médico José Vaz de Carvalho. Naquele ano, assumiram como vereadores Aldo Silva, Francisco Rodrigues Ruiz, Gustavo Marques de Oliveira, José Vaz de Carvalho, José de Souza Leite, José Vendolino Schueroff, Minoru Imoto, Nelson Busato dos Santos, Osvaldo Madalozzo e Vivaldo Oliveira. Aldo, Gustavo, José de Souza e Vivaldo já ocupavam cargo na Câmara Municipal, pois foram eleitos em 1952.

Ulisses Faria Bandeira conquistou muita popularidade pelo hábito de interagir com os moradores, principalmente nos finais de semana quando participava de partidas de futebol no antigo Estádio Natal Francisco, localizado onde é hoje a Praça dos Pioneiros. “Joguei de ponta-direita no Atlético Clube Paranavaí (ACP). Eu não era um bom jogador, apenas razoável”, revelou Bandeira que viveu em Paranavaí até os últimos dias de vida.

Saiba Mais

Ulisses Faria Bandeira nasceu em 24 de março de 1921.

Como surgiu o Colégio Paroquial

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Frei alemão Ulrico Goevert fundou a escola em 1952 

Objetivo do fundador era erradicar o anafalbetismo local (Acervo: Ordem do Carmo)

O Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo foi fundado em Paranavaí em 1952 por iniciativa do frei alemão Ulrico Goevert que queria erradicar o analfabetismo local. Até 1952, o único espaço de alfabetização era o Grupo Escolar de Paranavaí, atual Colégio Estadual Newton Guimarães, que teve como primeira diretora a professora Enira Moraes Ribeiro. “Me veio o pensamento de fundar uma escola paroquial. Convenci o Frei Estanislau [o pernambucano Agripino José de Souza] a fazer um exame de qualificação para dar aulas”, contou Frei Ulrico no livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”.

A escola foi inaugurada em um velho barracão que passou por uma rápida reforma. Como não havia dinheiro para investir no colégio, tiveram de pedir tábuas emprestadas para a confecção das carteiras escolares. “Também eram usadas como mesas durante as festas”, confidenciou o padre que mais tarde recebeu uma intimação do inspetor de ensino do Estado do Paraná. Caso não construíssem um prédio novo, teriam a autorização de funcionamento revogada. Apesar das dificuldades, o frei alemão conseguiu atender a ordem do governo a tempo. Para isso, recebeu ajuda financeira da comunidade local e também da Ordem dos Carmelitas na Alemanha.

Escola iniciou atividades atendendo 220 alunos (Acervo: Ordem do Carmo)

Em 1952, antes do início das aulas, Frei Ulrico abriu matrículas para 220 alunos, divididos em quatro salas, duas para garotos e duas para garotas. Frei Estanislau era o responsável pela turma do primeiro ano primário. No começo, o trabalho na escola foi muito difícil, inclusive eram constantes as reclamações de pais de alunos que questionavam os métodos de ensino.

Após acompanhar algumas aulas de perto, o padre alemão percebeu que algumas professoras tinham influência negativa sobre os alunos, então as substituiu. “Frei Estanislau tinha um refinado talento para lidar com as crianças. Quem o ajudava nessa missão era a professora Irene Gomes Patriota que se encarregava das meninas”, lembrou Goevert.

Irene, que nasceu no Distrito de Angelin, em Garanhuns, Pernambuco, chegou a Paranavaí em 17 de novembro de 1944. Deixou a cidade em janeiro de 1963, quando seu pai Leodegário Gomes Patriota faleceu. Segundo Frei Ulrico, Irene Patriota foi uma das melhores professoras do Colégio Paroquial.

Prédio foi construído com ajuda da comunidade local e também da Alemanha (Acervo: Ordem do Carmo)

“Eu dava preferência para as professoras mais feias”

“Era difícil conseguir uma boa professora. Não me esqueço de uma que ia muito bem, mas conheceu um jovem engenheiro, se casaram e ela deixou a escola”, lamentou o padre que era muito exigente e não admitia que alguém lecionasse sem comprovar qualificação. A partir do acontecido, Frei Ulrico se tornou mais cauteloso. Optou por não aceitar mais belas professoras na escola. “Eu dava preferência para as mais feias, aquelas que ficaram noivas duas ou três vezes pelo menos”, frisou.

Em menos de cinco anos, a escola somou 600 estudantes e 18 professoras. “360 alunos estudavam de graça”, enfatizou o padre, acrescentando que as crianças do colégio tinham de ir à missa todos os sábados. “Às quartas-feiras, dávamos aulas de catequese para 1,4 mil crianças. Em cada turma, havia cerca de 500 crianças. Fui duramente criticado pelo frei Adalbert Deckert [padre provincial de Bamberg, no Estado alemão da Baviera], e com razão, pois eu não tinha como dar um tratamento individual a cada aluno”, admitiu Ulrico Goevert.

Uma das primeiras turmas do Paroquial (Acervo: Ordem do Carmo)

A primeira diretora do Colégio Nossa Senhora do Carmo foi Eugenia Araújo Rauen, a quem o Frei Ulrico chamava de “minha professorinha”. Eugenia assumiu a direção da escola, pois tinha cursado a Escola Normal do Instituto de Educação de Curitiba. “Como ela era funcionária da Secretaria de Agricultura, não podia dar expediente na Escola Paroquial, então só assinava os documentos”, revelou o padre.

Colégio Paroquial ficou em primeiro lugar no Paraná

Em 1956, o Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo foi eleito o melhor estabelecimento de ensino do Paraná após uma avaliação do nível de conhecimento dos estudantes. O primeiro lugar trouxe a Paranavaí o inspetor estadual de ensino, cargo que equivale hoje ao de Secretário Estadual de Educação, que fez questão de parabenizar o padre Ulrico Goevert.

O frei atribuiu o ótimo desempenho dos alunos ao trabalho da professora Rosa Akie Noguti, filha de imigrantes japoneses, que chegou a Paranavaí em 1953. “Uma boa professora diplomada. Em três anos, ela fez um progresso enorme com os estudantes”, avaliou o padre.

Estudantes do Paroquial ficaram em primeiro lugar no Paraná em 1956 (Acervo: Ordem do Carmo)

Nos primeiros anos, cada estudante do Colégio Paroquial pagava uma mensalidade de 30 cruzeiros. A quantia era o suficiente apenas para cobrir as despesas com seis professores. “Foi aí que me dei conta que se eu quisesse ter bons professores precisaria pagar mais, assim eu poderia exigir melhores resultados”, ponderou.

Jardim da Infância foi criado em 1954

Como havia muitas crianças em Paranavaí em 1954, o frei alemão Ulrico Goevert percebeu a necessidade de se criar um jardim de infância para oferecer educação e recreação aos menores. Sem dinheiro para investir em infraestrutura, o padre ampliou a igreja em sete metros, fez uma repartição e conseguiu doações de mesinhas e cadeiras. “Quem me ajudou foi Maria de Lourdes Gomes Patriota, uma idealista moça de 19 anos”, explicou o padre alemão.

Jardim da Infância que mais tarde foi anexado à Escola São Vicente de Paulo (Acervo: Ordem do Carmo)

Ao término da obra, o Jardim da Infância Nossa Senhora do Carmo recebeu matrículas de 40 crianças. Logo estavam com 60 e tiveram de construir uma nova escolinha para abrigar os alunos. O Jardim da Infância passou a funcionar na Quadra 77, na esquina da Rua Getúlio Vargas com a Rua Pará, onde é atualmente a casa das Irmãs Filhas da Caridade da Escola São Vicente de Paulo.

Alunos do Jardim da Infância participando do desfile de 7 de setembro (Acervo: Ordem do Carmo)

Entre os alunos que estudaram no Jardim da Infância, estava uma criança de três anos, conhecida como Alencarzinho, filho do advogado José de Alencar Furtado.

Certo dia, o garotinho teve um choque anafilático, não resistiu e faleceu. “Quando ele entrou em agonia, cantou ‘Ave, Ave, Ave Maria’ com a vozinha cada vez mais fraca, até dar o último suspiro. Ele aprendeu o canto no nosso Jardim da Infância”, destacou Frei Ulrico.

Saiba Mais

Em 1952, Paranavaí tinha um elevado índice de analfabetismo entre as crianças.

O Colégio Paroquial Nossa Senhora do Carmo recebeu licença oficial de funcionamento do Governo do Estado do Paraná em 17 de junho de 1956. O documento permitia que a escola oferecesse o nível primário de ensino. A licença para o ginasial foi conquistada em 22 de fevereiro de 1960.

Após a morte do pai, Leodegário Gomes Patriota em 17 de janeiro de 1962, a professora Irene Patriota se mudou para Curitiba. No dia 16 de outubro de 1970 deixou a capital e fixou residência em Apucarana, no Norte Central Paranaense.

Em 1954, escolinha já oferecia educação e recreação (Acervo: Ordem do Carmo)

A primeira professora do Jardim da Infância Nossa Senhora do Carmo, Maria de Lourdes Patriota, é irmã da professora Irene Patriota. Lourdes nasceu no dia 21 de janeiro de 1932 em Brejão, Pernambuco.

Em 1960, Maria de Lourdes e o marido, Jarbas Nogueira dos Santos, funcionário da Caixa Econômica Federal, deixaram Paranavaí. Se mudaram para Bandeirantes, no Norte Pioneiro Paranaense, onde viveram por um ano, até fixar residência em Apucarana. Desde 1983, Lourdes Patriota mora em Curitiba.

Em 1955, Rosa Akie Noguti, que nasceu em 10 de janeiro de 1934 em Vera Cruz, interior de São Paulo, assumiu o cargo de diretora do Colégio Paroquial, onde trabalhou até maio de 1960. Depois se casou com Paulo Fumio Watanabe e em 1978 se mudou para Curitiba.

José de Alencar Furtado era pai do deputado federal Heitor de Alencar Furtado, assassinado em 1982, que empresta o nome para a avenida mais importante de Paranavaí.

Written by David Arioch

November 7th, 2010 at 1:51 pm

Posted in História,Paranavaí,Pioneirismo

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Paranavaiense ou mandaguariense?

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População de Paranavaí teve de registrar os filhos em Mandaguari até 1952

Em 1950, Paranavaí ainda era distrito de Mandaguari (Foto: Toshikazu Takahashi)

Em 1950, Paranavaí ainda era distrito de Mandaguari (Foto: Toshikazu Takahashi)

Até 1952, muitos moradores de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, enfrentaram dificuldades para se casar e registrar os filhos. Naquele tempo, Paranavaí era apenas um distrito de Mandaguari e não tinha cartório próprio.

Os produtores rurais Gabriel e Francisca Schiroff, que chegaram a Paranavaí nessa época e fixaram residência em Graciosa, lembram com preciosismo as agruras de um tempo que a comunidade distrital se resumia a 50 famílias. “Tudo era muito difícil e Paranavaí ainda era distrito de Mandaguari. A situação só começou a melhorar no final de 1952, quando aqui virou cidade”, conta o pioneiro Gabriel Schiroff.

Até então, antes de Paranavaí tornar-se município em 14 de dezembro de 1952, era comum Mandaguari constar como cidade natal no registro de nascimento. Exemplo é o produtor rural Eugênio Vandresen, residente em Graciosa, que enfrentou uma situação inusitada por ter nascido naquele ano. “Quando fui servir o exército em Brasília, me perguntaram onde nasci. Então respondi Paranavaí, daí retrucaram que eu não sabia onde nasci, já que consta Mandaguari”, destaca Vandresen rindo. Outro problema apontado pela pioneira Francisca Schiroff era a inexistência de padre e igreja na “cidade”.

Pais começaram a registrar os filhos em Paranavaí só em 1953 (Foto: Toshikazu Takahashi)

Pais começaram a registrar os filhos em Paranavaí só em 1953 (Foto: Toshikazu Takahashi)

Mesmo com a condição oficial de município, houve muitos casos de pais que, em função da distância até o cartório, registravam os filhos até meses depois. Para não pagar multa, mentiam para o cartorário, informando que a criança nasceu no dia em que o registro era feito. “Nasci em 7 de maio de 1956, mas na certidão de nascimento consta 20 de julho. Ou seja, meu pai me registrou mais de dois meses depois. Esse tipo de coisa acontecia principalmente com quem morava na zona rural”, exemplifica a empreiteira Maria Neuza Silva.

Situações inimagináveis na atualidade faziam parte do cotidiano de quem viveu em Paranavaí nos primeiros anos da década de 1950. Exemplo é o tio de Eugênio Vandresen que, acompanhado da noiva, saiu de Graciosa e foi até Mandaguari a pé para se casar. Depois de oficializado o matrimônio, retornaram para casa, onde parentes e amigos preparavam a festança. “Parece algo impossível, mas na época não era. Hoje, se alguém tiver de fazer isso, desiste de se casar”, comenta Gabriel Schiroff às gargalhadas, ressaltando a força de vontade dos habitantes da época.

Mas, segundo a pioneira Francisca, no final da década de 1950, a realidade de quem vivia em Graciosa ou na zona rural de Paranavaí mudou bastante. “A partir dessa época, a cidade começou a evoluir e tudo ficou mais fácil. Só quem viveu aquele período entende isso”, avalia.

À época, a população de Graciosa só deixava o distrito quando surgia alguma grande necessidade (Acervo: Ordem do Carmo)

À época, a população de Graciosa só deixava o distrito quando surgia alguma grande necessidade (Acervo: Ordem do Carmo)

Viagem tinha de valer a pena

Imagine um grupo de pessoas subindo sobre a carroceria do velho caminhão de uma serraria; único transporte acessível para chegar até a cidade. Logo depois de alguns minutos no carreador, o veículo apresenta um problema mecânico e todo mundo é obrigado a descer.

Ao redor, sentem apenas um forte cheiro de vegetação queimada; colonizadores estão ateando fogo no mato. Enquanto as chamas se alastram, a fumaça se conduz até o carreador. No horizonte, o ponto de referência para a cidade é perdido, restando apenas uma saída: contornar o trajeto da queimada.

A realidade descrita acima foi vivenciada inúmeras vezes por Francisca Schiroff e outros pioneiros de Graciosa, quando se aventuravam em sair do distrito para vir a Paranavaí. “Ninguém podia se dar ao luxo de ficar doente. Quando o caminhão da serraria não passava por aqui, a gente recorria ao meu cunhado que tinha um Ford 1950. Só chamávamos ele quando alguém realmente precisava de médico”, revela a pioneira.

“Vendia muito pão de fubá porque ainda não existia padaria”

A população de Graciosa só deixava o povoado quando surgia alguma necessidade primária. A mais comum era a aquisição de roupas. As compras eram feitas nas duas lojas que existiam na cidade. Uma de propriedade de Carlos Faber e a outra de Severino Colombelli.

Francisca Schiroff era exceção. Deixava Graciosa mesmo quando os carreadores estavam intransitáveis. Enquanto a maioria vinha a Paranavaí quatro vezes por ano, ela se aventurava pelo menos uma vez por mês. “Tudo que era feito no sítio, a gente levava para vender na cidade. Lembro que vendia muito pão de fubá porque ainda não existia padaria. O pessoal adorava broa de milho”, relata a pioneira sorrindo.

Nos anos 1950, de acordo com Gabriel Schiroff, os clientes gostavam muito de comprar banha de porco porque o óleo de cozinha ainda não era comercializado. “Era muito bom, principalmente para frituras”, enfatiza. O sucesso dos produtos rendeu fama aos produtores rurais de Graciosa. Tanto que quando alguma carroça do distrito chegava carregada de alimentos, a população da cidade a cercava. “Sabiam sempre qual o dia que estaríamos lá. Nem era preciso dizer”, complementa Francisca.

Curiosidade

Francisca Schiroff nasceu no Patrimônio de São José, em Santa Catarina. Como não havia cartório no local, foi registrada em uma cidade próxima – Braço do Norte.

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