David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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O legado de Wiegando Reinke

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Tradicional Banca do Wiegando foi fundada em Paranavaí em 1957

Wiegando Reinke trabalhou quase 45 anos comercializando jornais e revistas (Foto: Arquivo Familiar)

Wiegando Reinke trabalhou quase 45 anos comercializando jornais e revistas (Foto: Arquivo Familiar)

Fundada em 1957, na Rua Marechal Cândido Rondon, logo nos primeiros anos a Banca do Wiegando se consolidou como o mais tradicional ponto de encontro dos leitores de jornais e revistas de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. No início a banca oferecia também o serviço de engraxataria, bastante atrativo em uma época que a cidade não tinha malha viária.

No final da década de 1950, Wiegando Reinke já desenvolvia com destreza o trabalho de disseminar a informação em Paranavaí. Gostava tanto do que fazia que dedicou quase 45 anos à banca, seguindo uma frequência litúrgica. O tempo permitiu que Wiegando fizesse muitos amigos e testemunhasse o surgimento e o desaparecimento de muitos veículos de comunicação.

Só se afastou do trabalho em 2002, por problemas de saúde, deixando a administração do negócio a cargo da esposa Zenaide Elias de Almeida. Mesmo assim, até 2007, a intensa nostalgia ainda o estimulava a comparecer na banca pelo menos uma vez por semana. Por tal esmero e amor à profissão, é difícil encontrar algum morador de Paranavaí que nunca tenha visto ou ouvido falar do Seu Wiegando, senhor esguio de fala plácida e trejeitos peculiares que fundou a mais icônica banca de jornais e revistas da cidade.

Início

“A banca ficava a 50 metros daqui. Era uma casinha de madeira”, contou Wiegando Reinke. À época, como Paranavaí não tinha asfalto, os homens passavam na banca para engraxar os sapatos aos sábados, antes de irem aos bailes. “No domingo era a mesma coisa, vinham aqui porque iam à missa ou passear com a namorada”, relembrou Wiegando sorrindo.

O serviço era oferecido das 8h às 23h e estimulava a venda de jornais e revistas. “Enquanto o engraxate trabalhava, o cliente precisava de algo para passar o tempo. Então era possível lucrar com as duas atividades”, afirmou. Após dois anos, a Banca do Wiegando conquistou bastante popularidade na região, atraindo toda semana clientes de Tamboara, Santa Isabel do Ivaí, Loanda, Paraíso do Norte e muitas outras cidades. Modesto, Reinke justificou que a freguesia era consequência de Paranavaí ser um polo regional.

Wiegando: “A banca ficava a 50 metros daqui. Era uma casinha de madeira” (Foto: Arquivo Familiar)

Wiegando: “A banca ficava a 50 metros daqui. Era uma casinha de madeira” (Foto: Arquivo Familiar)

Dificuldades

No início, a banca enfrentou dificuldades porque Paranavaí era uma cidade de poucos leitores. “Em torno de 20 pessoas passavam todos os dias aqui, mas poucos compravam. Além disso, se comercializava poucos jornais. Tínhamos apenas umas quatro ou cinco revistas diferentes. Hoje a diversidade é muito maior. Qualquer banca tem pelo menos 50 títulos de revistas”, comparou Wiegando. Outro problema era o analfabetismo local que correspondia a mais da metade da população.

Até a década de 1960, a maior parte dos fregueses da banca eram mecânicos, funcionários de lojas e empresários. “Já era um ponto tradicional para quem gostava de ler”, enfatizou o comerciante. Em 1980, a difusão da informação chegou a um novo patamar, aumentando o interesse por jornais e revistas. “A freguesia já não se restringia mais a quem ocupava um cargo considerado importante dentro da sociedade”, explicou Wiegando que lucrou muito com a venda de periódicos hoje extintos. “A revista que me proporcionou maior faturamento foi a ‘Ilusão’ do final da década de 1970”, revelou.

Jornais e revistas chegavam após quatro dias

Natural de Jaraguá do Sul, o catarinense Wiegando Reinke chegou ao Paraná em 1949. Antes de se mudar para Paranavaí em 1954, viveu em Londrina e em Alto Paraná. “Vim pra cá para trabalhar em uma livraria. Era um bom comércio, mas depois de três anos foi fechado”, relatou.

Desempregado, o ex-vendedor decidiu usar as economias para montar a Banca do Wiegando. O primeiro distribuidor de Reinke foi um colega que trazia jornais e revistas de Londrina. “Recebia diretamente aqui. Foi nesse período que o negócio deslanchou”, afirmou.

“Quando chovia, levava até quatro dias para recebermos jornais e as revistas” (Foto: Arquivo Familiar)

“Quando chovia, levava até quatro dias para recebermos jornais e as revistas” (Foto: Arquivo Familiar)

Algumas facilidades da época contribuíram para a evolução do negócio. Wiegando não precisava efetuar o pagamento antes de receber a mercadoria, ao contrário de hoje. Porém a maior dificuldade era a entrega das encomendas. “Quando chovia, levava até quatro dias para recebermos jornais e as revistas. Às vezes a situação era tão crítica que só avião conseguia chegar aqui, então tinha de ir buscar no aeroporto. Foi assim até 1959”, garantiu.

Muita gente tentou convencer Wiegando Reinke a mudar a banca de local para conquistar mais fregueses, só que ele insistiu em continuar no mesmo ponto, justificando que perto do estabelecimento havia o Cine Theatro Paramounth e alguns hotéis. “Sempre vinham comprar algo quando terminavam de assistir ao filme”, reiterou o pioneiro mantendo o olhar disperso.

Reinke destacou que jamais se arrependeu de manter a banca na Rua Marechal Cândido Rondon, inclusive fez questão de ressaltar o erro daqueles que o tentaram convencer do contrário. “Enquanto o movimento no comércio não passa das 18h, na minha banca já se estendia até as 19h30”, argumentou.

“Tudo que tenho foi graças à banca”

O período mais lucrativo da Banca do Wiegando foi de 1980 até 1990, quando a maior parte dos clientes tinha faixa etária entre 25 e 30 anos. “A boa freguesia me permitiu construir minha casa e o prédio da banca, além de me dar condições para comprar um carro novo. Tudo que tenho foi graças à banca. Além disso, fiz amizade com a cidade inteira. Conheço muita gente”, afirmou o comerciante, lembrando que a queda no número de fregueses só se acentuou a partir de 1997.

O fluxo de pessoas circulando diariamente pela banca ainda é grande, mas nem todos levam algum exemplar para casa. A Banca do Wiegando se mantém na ativa por causa dos fregueses mais tradicionais. Alguns buscam jornais e revistas na banca há mais de 50 anos. Na opinião de Reinke, a emergência de novas tecnologias é responsável pela redução do interesse pela leitura impressa.

Últimos anos

 Desde 2002, quando Wiegando Reinke ficou impossibilitado de trabalhar em decorrência de problemas de saúde, Zenaide Elias de Almeida assumiu a responsabilidade de comandar a banca. “Dona Zenaide”, como é mais conhecida, começou a auxiliar o marido no final da década de 1980, assim que Wiegando teve o primeiro problema cardíaco. “Nossos filhos eram pequenos, então só a partir de 1988 pude ajudar ele”, assinalou.

Zenaide trabalha em parceria com Neusa Gonçalves, funcionária da Banca do Wiegando desde julho de 1991. “Já faz tempo que nós duas cuidamos de tudo aqui”, conta Neusa. O horário de funcionamento da banca é das 7h15 às 19h30. “Só há horário diferenciado aos sábados, domingos e feriados, quando abrimos às 7h15 e fechamos às 16h”, frisou Zenaide.

Para quem trabalha no comércio de jornais e revistas não há diferença entre a segunda-feira e o domingo, por exemplo. “Esse é o ponto negativo da profissão. Não existe feriado para quem é do ramo”, destacou Wiegando, acrescentando que apesar de tudo o prazer do trabalho amortecia as dificuldades.

 Curiosidade

Wiegando Reinke nasceu em 7 de agosto de 1926 e chegou a Paranavaí em 9 de janeiro de 1954.

 Saiba Mais

Em 2007, tive a oportunidade de conversar com o pioneiro Wiegando Reinke, que em decorrência de graves problemas de saúde faleceu em 20 de junho de 2008. O longo e prazeroso diálogo foi lapidado e o resultado é a reportagem acima que oferece uma díspar perspectiva de quem amadureceu na cidade que adotou como lar. Em síntese, uma homenagem ao primeiro homem que trouxe a Paranavaí a informação por meio da imprensa escrita, de âmbito local, regional, estadual, nacional e internacional.

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Anjo da Morte pode ter morado em Graciosa em 1954

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Pioneiros de distrito de Paranavaí suspeitam que médico nazista viveu no Seminário Imaculada Conceição

Pioneiros do distrito de Paranavaí acreditam que o médico nazista Josef Mengele viveu no Seminário Imaculada Conceição

O médico misterioso raramente deixava o seminário (Acervo: Ordem do Carmo)

Em 1954, um grupo de criminosos armou uma emboscada para assassinar o comerciante Ludovico Selhorst na colônia germânica Graciosa, distrito de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Para não serem identificados, os homens usaram máscaras e se esconderam em uma roça de milho nas imediações do comércio de Selhorst.

À noite, assim que o comerciante ficou sozinho, aguardaram alguns minutos, atiraram nele e fugiram. Quando Ludovico caiu, quem estava próximo do local estranhou o barulho e correu até lá para saber o que aconteceu. “Ele foi atingido perto do braço e não teve tempo nem de ver de onde a bala saiu”, relata a pioneira Francisca Bruning Schiroff que à época tinha 19 anos. Os irmãos da vítima, inclusive Jacob Selhorst que era o delegado do distrito, foram os primeiros a socorrer Ludovico, assim como João Bruning, pai de Francisca, que pediu para alguém chamar um médico hospedado no Seminário Imaculada Conceição.

“Ficamos sabendo desse doutor. Só que ninguém sabia quem era”, conta a pioneira. Descrito como alto, forte e aparentando ter mais de 40 anos, o médico pouco comunicativo estancou o sangramento, aplicou um antibiótico injetável e o encaminhou para o Hospital Professor João Cândido Ferreira, conhecido como Hospital do Estado, em Paranavaí. Para transportá-lo, como não havia ambulância naquele tempo, o colocaram sobre um colchão em cima de um caminhão. A princípio, Ludovico reagiu bem, mas não resistiu e faleceu na manhã seguinte.

Francisca Schiroff: "Ele ficou mais ou menos um ano em Graciosa" (Foto: Reprodução)

Francisca Schiroff: “Ele ficou mais ou menos um ano em Graciosa” (Acervo: Fundação Cultural de Paranavaí)

A suspeita é de que os envolvidos no assassinato trabalhavam explodindo pedreiras com dinamite. “Achamos que o crime foi cometido por homens contratados para retirarem pedras de um rio perto de Graciosa. Eles estavam atuando na construção do seminário e se desentenderam na hora do pagamento. Me parece que queriam receber mais, então é provável que tenha sido um ato de vingança”, declara Francisca.

A pioneira se recorda do dia em que o frei Bonaventura Einberger falou sobre a chegada de um médico alemão para ajudar os mais necessitados. “Explicou apenas que o médico, assim como ele, também participou da guerra. Como a gente era bem jovem, ninguém tinha coragem de perguntar demais. Além disso, o ‘frei Bona’ não gostava de comentar sobre a Alemanha do período nazista”, relata. Apesar do conhecimento básico de português, o médico não enfrentou nenhum problema no distrito, até porque nos anos 1950 muitos moradores de Graciosa se comunicavam mais em alemão do que em português.

Frei Bonaventura explicou apenas que o médico, assim como ele, também participou da guerra (Acervo: Francisca Schiroff)

Frei Bonaventura explicou apenas que o médico, assim como ele, também participou da Segunda Guerra Mundial (Acervo: Francisca Schiroff)

“Ele se vestia com simplicidade, acho que até para não chamar a atenção. Só que era fácil perceber que não era um médico comum”, avalia Francisca que certo dia foi até o seminário acompanhada da mãe para se consultar com o alemão de quem ninguém sabia o nome.

O médico demonstrava muita experiência profissional, tanto que soube lidar com todos os problemas de saúde dos pacientes. “As consultas com ele eram rápidas e quem não sabia alemão ia acompanhado de um intérprete. Me recordo que a primeira pergunta dele para a minha mãe foi: ‘Como está se sentindo?’”, cita a pioneira.

Polido, parcimonioso e reservado, o médico atendeu praticamente todas as famílias que viviam em Graciosa em 1954. Ainda assim, um fato curioso chamou a atenção dos moradores. O misterioso alemão não registrava prescrições médicas em papel nem pedia que alguém o fizesse para que ele apenas assinasse. “Era tudo falado, de boca mesmo”, garante Francisca Bruning Schiroff.

No distrito, o médico auxiliava o frei Bonaventura na distribuição gratuita dos medicamentos enviados da Alemanha pela Caritas Internacional, entidade de promoção e atuação social que trabalha na defesa dos direitos humanos, da segurança alimentar e do desenvolvimento sustentável solidário. “Eles também levavam remédios para o frei alemão Ulrico Goevert em Paranavaí. Era uma assistência muito boa. Realmente fazia a diferença”, pondera a pioneira.

Após ajudar muita gente em situação de carência social, um dia o homem partiu. A notícia foi lamentada pelos moradores de Graciosa. “Ele ficou mais ou menos um ano aqui. Ninguém sabe exatamente quando chegou nem quando foi embora”, confidencia Francisca. No distrito, o médico morou em um pequeno quarto no Seminário Imaculada Conceição. Poucas vezes foi visto em outros locais.

Lidia Selhorst reconheceu o médico como sendo Josef Mengele (Foto: Reprodução)

Lidia Selhorst reconheceu o homem como sendo Josef Mengele (Foto: Reprodução)

Alguns meses depois, Lidia Selhorst, esposa de Ludovico Selhorst, e também falecida, foi surpreendida ouvindo rádio, quando o locutor noticiou que estavam procurando o médico nazista Josef Mengele, conhecido como Todesengel, Anjo da Morte. A descrição era a mesma do médico que morou em Graciosa. “Falaram que o Mengele tinha inclusive uma cicatriz perto do pescoço. Quando ele se abaixou para prestar atendimento ao Ludovico, a Lidia viu essa cicatriz”, enfatiza Francisca Schiroff.

Como o frei Bonaventura Einberger foi enfermeiro da Wehrmacht, Forças Armadas da Alemanha nazista, até o final da Segunda Guerra Mundial, pode ser que eles tenham se conhecido anos antes. “Não dá pra afirmar até que ponto o ‘frei Bona’ o conhecia, mas a partida do médico foi suspeita. Acho que o frei ficou com medo de alguma coisa e recomendou que o homem partisse para outro lugar”, supõe a pioneira.

“Ele preferia crianças, gêmeos e anões”

Nascido em 11 de março de 1911 em Günzburg, na Alemanha, Josef Mengele se tornou um dos personagens mais famigerados da Segunda Guerra Mundial. Discípulo do geneticista Otman von Verschuer, com quem trabalhou em Frankfurt, Mengele tinha um doutorado em antropologia e outro em medicina.

Bonaventura Einberger, ex-enfermeiro da Wehrmacht, pode ter conhecido o médico muitos anos antes (Acervo: Francisca Schiroff)

Ex-enfermeiro da Wehrmacht, Bonaventura Einberger pode tê-lo conhecido muitos anos antes (Acervo: Francisca Schiroff)

Em 1937, ingressou no Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) e se voluntariou para trabalhar na SS Medical Corps como pesquisador de genética no reassentamento da Província de Posen, na Polônia. O papel de Mengele consistia em preservar a pureza racial dos membros da Schutzstaffel (SS). Sendo assim, casamentos só eram aprovados após análises invasivas e estudos sobre a árvore genealógica da noiva.

Em 1942, enviaram Josef Mengele para atuar na Frente Leste como cirurgião da 5ª Divisão Panzer. Ferido em combate, teve de ser transferido para o Oeste. Na Alemanha, foi promovido a capitão e se juntou mais uma vez ao geneticista von Verschuer no Instituto Kaiser Wilhelm, onde se concentravam os maiores estudos de antropologia, hereditariedade e eugenia da Alemanha, temas com os quais Mengele se identificava muito.

No instituto, o médico seguiu uma hermética linha de pesquisa baseada na qualificação racial e limpeza étnica. O seu trabalho foi determinante na criação do Aktion T4, programa de eutanásia e esterilização voltado para a identificação de pessoas consideradas “inaptas a se reproduzir ou viver”.

Meses mais tarde, transferiram Mengele para a rede de campos de concentração de Auschiwtz-Birkenau, na Polônia. Com o apoio incondicional do governo alemão, realizou experiências com pessoas que ele mesmo escolhia e qualificava como fracas ou inúteis. Documentos do The National WWII Museum, de Nova Orleans, nos Estados Unidos, responsabilizam Josef Mengele pelo envio de 400 mil pessoas para as câmaras de gás dos campos de concentração. “Ele preferia crianças, gêmeos e anões, pessoas com quem ele fazia experiências sem qualquer tipo de remorso”, comenta o pesquisador e historiador estadunidense Tom Gibbs.

Tom Gibbs: "Ele fazia experiências sem qualquer tipo de remorso" (Foto: Reprodução)

Tom Gibbs: “Ele tinha o hábito de presentear crianças com leite e doces” (Foto: Reprodução)

Von Verschuer e outros cientistas receberam de Mengele muitos cadáveres, órgãos, esqueletos e amostras de sangue de crianças judias e ciganas. “Ele gostava de ‘cortejar’ suas vítimas, tanto que oferecia melhores condições de moradia e alimentação. Também tinha o hábito de presentear crianças com leite e doces”, relata Gibbs.

Em janeiro de 1945, após a evacuação de Auschwitz-Birkenau, Mengele percorreu alguns campos menores até ser capturado. Ficou preso na Alemanha até junho do mesmo ano, quando conseguiu fugir para a Argentina com um nome falso. Mais tarde, partiu para o Paraguai e depois se mudou para o Brasil. Supostamente, Mengele morreu afogado em 7 de fevereiro de 1979 em Bertioga, no litoral paulista. No entanto, até hoje há pesquisadores que refutam o motivo e a data da morte.

Enterrado no Cemitério do Rosário, em Embu das Artes, na grande São Paulo, Josef Mengele teve os ossos exumados em 1985, quando uma equipe de especialistas do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo e da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP) confirmou a sua identidade. Em 1992, foi feita uma ratificação por meio de análise em DNA.

Saiba Mais

Há inúmeros relatos de moradores de Graciosa e de Paranavaí que viram o médico caminhando sozinho pelo Bosque de Graciosa em 1954.

Mengele quando já estava vivendo na América do Sul (Foto: Reprodução)

Mengele quando já estava vivendo na América do Sul (Foto: Reprodução)

O que também despertou a suspeita dos moradores de Graciosa é que o misterioso alemão raramente circulava pela área central do distrito.

A 137 quilômetros de Paranavaí, pioneiros de Mamborê, no Centro Ocidental Paranaense, afirmam que Josef Mengele, usando o nome de Josef Kanat, trabalhou como médico no então distrito de Campo Mourão em 1956.

No mundo todo, o médico nazista inspirou livros, filmes, documentários, músicas e programas especiais para a TV. No Brasil, a obra mais conhecida é o filme “Meninos do Brasil”, de 1978. Em 2013, a cineasta argentina Lucía Puenzo lançou o filme “Wakolda”, também inspirado na vida do médico, principalmente em sua passagem pelo Sul da Argentina.

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Quando “dois olhos de fogo” brilharam na escuridão

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O dia em que quatro missionários alemães se perderam nas matas virgens de Paranavaí

Jipe usado pelos quatro missionários no dia em que se perderam (Acervo: Ordem do Carmo)

Jipe usado pelos quatro missionários no dia do incidente (Acervo: Ordem do Carmo)

Em outubro de 1954, um artigo intitulado “Noch Ein Missionberich”, do frei alemão Alberto Foerst, da Ordem dos Carmelitas, foi publicado na edição número 10, ano 21, da revista alemã Karmel-Stimmen, de Bamberg, no estado da Baviera. Ao longo de quatro páginas, o missionário relata algumas experiências nas matas virgens de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, onde dividiu bons e maus momentos ao lado dos freis Henrique Wunderlich, Burcardo Lippert e Adalberto Deckert.

No texto, Foerst conta que viajar por uma região em processo de colonização era muito complicado. Os mapas eram imprecisos e os menos precavidos podiam perder-se na mata por dias. “Costumávamos nos orientar pela bússola, mas nem sempre era possível evitar o erro. A nossa sorte é que de vez em quando encontrávamos um caminho já trilhado, facilitando o nosso trajeto”, explica.

Alberto Foerst: "Os menos precavidos podiam perder-se na mata por dias" (Foto: Reprodução)

Alberto Foerst: “Os menos precavidos podiam perder-se na mata por dias” (Foto: Reprodução)

Porém, certo dia, os freis Alberto, Henrique, Burcardo e Adalberto, como eram mais conhecidos em Paranavaí, ficaram com o jipe atolado em meio a uma floresta densa, habitada somente por uma rica fauna silvestre. Embora viajassem com picaretas, pás e outras ferramentas que auxiliavam em situações difíceis, de nada adiantou. Horas depois, veio a escuridão e tiveram de passar a noite na mata. “Não podíamos seguir a pé porque era uma área muito isolada e distante”, justifica.

Mesmo com uma espingarda ao alcance das mãos, os missionários não conseguiam se distrair da “noite tenebrosa” e especialmente escura, acompanhada de um “silêncio sinistro” que os mantinha em alerta. “Apesar de tudo, como o dia foi estafante, chegou um momento em que cochilamos. Só acordamos quando ouvimos as cobras fazendo ruídos nas ramagens e madeiras apodrecidas da floresta”, conta frei Alberto no artigo “Noch Ein Missionberich”, de 1954.

Não demorou muito e um grupo de macacos começou a gritar bem alto. Daquela escuridão, “dois olhos de fogo” brilharam em direção aos quatro missionários. Foi quando perceberam que estavam cercados por uma onça. “Ficamos assustados e os nossos corações dispararam. O medo era tão grande que podiam tirar nossa pulsação pelo dedinho do pé. A onça nos farejou e circulou o jipe por algum tempo”, relata.

Henrique Wunderlich, Burcardo Lippert e Alberto Foerst (Acervo: Ordem do Carmo)

Henrique Wunderlich, Burcardo Lippert e Alberto Foerst (Acervo: Ordem do Carmo)

Com dificuldades de raciocínio, se entreolhavam, crentes de que a espingardinha de chumbo fino seria inofensiva contra o selvagem animal. “Ela só riria de nós. Então decidimos ficar quietos, sem se mexer ou respirar alto”, continua. Aguardando a iminência de uma tragédia, os missionários foram salvos por uma eventualidade. Um macaco, debandado de seu grupo, saltou sobre uma imensa árvore que estava acima do jipe, chamando a atenção da onça.

“Ela saiu no encalço dele e respiramos aliviados. Se bem que não dormimos mais naquela noite e ficamos muito felizes quando amanheceu. É uma pena que não haja fotos do episódio”, lamenta. Pela manhã, os quatro aventureiros procuraram as chamadas “árvores elétricas” que ofereciam energia para equipamentos elétricos. A voltagem mais alta ficava nas copas e a mais baixa nas raízes. “Para conseguir uma boa voltagem era preciso pendurar nos galhos. A força da energia estava subordinada ao atrito provocado pelo vento no meio das folhas”, destaca Alberto Foerst.

Depois de usarem os barbeadores elétricos, os missionários se perguntaram o que fariam para sair daquela região desconhecida, pois tinham o compromisso de abençoar uma nova escola. Então Henrique Wunderlich pegou a sua gaita de boca e começou a tocar. “Logo apareceram índios [de etnia caiuá] de todos os lados, atraídos por aquela mágica melodia. O frei Henrique ainda tocou mais algumas músicas e pedimos que os nativos nos ajudassem. Deram a direção certa e conseguimos chegar ao nosso destino”, acrescenta.

No mesmo dia, foram convidados para conhecer uma interessante granja de galinhas. Em torno do aviário, havia uma grande e bela roça de girassóis que deixou os alemães admirados. “Nos falaram que serviam de alimento para as galinhas botarem ovos com mais gorduras saudáveis. Explicaram que os ovos saíam com uma camada extra que dispensava o uso de óleo na hora de prepará-los”, enfatiza.

Um índio por um velho chapéu de aba larga

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Garoto caiuá foi comprado para ajudar a escrever um dicionário de guarani

Ulrico Goevert: "Ele literalmente o comprou com um velho chapéu” (Acervo: Ordem do Carmo)

Ulrico Goevert: “Onde os colonos chegam, desaparecem os índios” (Acervo: Ordem do Carmo)

Em 1951, um frade capuchinho foi enviado a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, com a missão de evangelizar os poucos índios que ainda viviam nas matas virgens da colônia. “Onde os colonos chegam, desaparecem os índios, os aborígenes do lugar”, escreveu o frei alemão Ulrico Goevert em publicação da revista alemã Karmel-Stimmen, sobre as experiências em Paranavaí.

Embora seja verdade, o missionário capuchinho conseguiu encontrar nativos de etnia caiuá vivendo na região. Como era impossível estabelecer a comunicação falada, o homem apelou para gestos. No começo foi difícil. Foram necessários dias para conquistar a liberdade de se aproximar dos índios.

Mesmo sem entender quase nada sobre os caiuás do Noroeste Paranaense, o frade ficou intrigado com os costumes e a língua guarani. Então um dia foi até um dos chefes da tribo, mostrou o próprio chapéu de aba larga e apontou para um jovem índio, sugerindo uma troca. Depois de avaliar bem o item, o líder caiuá acabou aceitando. “Ele literalmente o comprou com um velho chapéu”, registrou Goevert no relato escrito em um diário em 1957 e publicado no ano seguinte na Alemanha.

José de Oliveira: “Ele deixou de pertencer a tribo logo que foi comprado” (Foto: David Arioch)

José de Oliveira: “Ele deixou de pertencer a tribo logo que foi comprado” (Foto: David Arioch)

O garoto foi trazido até a área urbana de Paranavaí, onde serviu de referência para o frade escrever um dicionário de guarani. Todas as perguntas eram feitas por meio de sinais. Um trabalho moroso e não muito produtivo. Mas, obstinado, o capuchinho só retornou à aldeia depois de um bom tempo estudando a língua. Ainda hoje, não há informações sobre o destino do jovem subalterno trocado por um chapéu surrado. “Ele deixou de pertencer a tribo logo que foi comprado. Não tinha pra onde voltar”, comentou o pioneiro José Francisco de Oliveira.

Quem também viveu por muitos anos em Paranavaí e teve bastante contato com os caiuás, descendentes dos índios que sobreviveram às investidas dos bandeirantes paulistas e portugueses entre as décadas de 1620 e 1640, foi o frei alemão Alberto Foerst que tinha grande experiência como missionário.

Alberto Foerst: "Com presentes, ganhávamos a simpatia do cacique da tribo" (Acervo: Ordem do Carmo)

Alberto Foerst: “Com presentes, ganhávamos a simpatia do cacique da tribo” (Acervo: Ordem do Carmo)

No artigo “Noch Ein Missionsberich”, da edição número 10 da revista Karmel-Stimmen, de outubro de 1954, Foerst diz que para se aproximar dos caiuás, causando boa impressão, era preciso primeiro presenteá-los. “Dessa forma, ganhávamos a simpatia do cacique da tribo, tornando nosso trabalho mais fácil”, revelou. À época, um dos presentes preferidos era a caneta-tinteiro, pois a consideravam um lindo ornamento para colares.

Ainda assim, segundo Oliveira, os nativos costumavam evitar ao máximo o contato com outros povos. “Eles eram até pacíficos e bem tolerantes. Quando viram o chamado progresso chegando, em vez de nos atacar, eles partiram para uma grande área de mata fechada lá pelas bandas do Rio Ivaí, pra lá de Paraíso do Norte”, conta o pioneiro.

No pequeno livro “História e Memória de Paranavaí”, um lançamento póstumo de 1992, Ulrico Goevert lembrou dos episódios em que, não se sabe se por represália ou escassez de alimentos, os caiuás invadiram muitas roças da região para furtar milho e mandioca. “Era muito diferente daquela enaltecida raça com a qual o Karl May [um dos mais populares escritores alemães – criador de personagens heroicos como Mão de Ferro e Mão de Fogo] nos entusiasmou na adolescência”, queixou-se.

Em uma análise hermética e ocidentalizada, Goevert definiu os caiuás como figuras primitivas alheias à própria cultura. Ficou chocado nas diversas vezes em que os testemunhou comendo lesmas. “Não colocam mais em prática os conceitos morais e praticam a justiça por conta própria. E que mania eles têm de dormir a céu aberto. Não é de se admirar que tenham saúde tão precária”, reclamou em referência aos muitos que adoeceram e até morreram nos anos 1950 em decorrência da tuberculose. No entanto, é válido ressaltar que a doença chegou à região com migrantes e imigrantes.

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Alegria e sofrimento na era de ouro do rádio

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Ephraim Machado: “A gente tocava tudo com motor e bateria de carro”

Machado: "Difícil era fazer o aparelho funcionar numa época sem energia elétrica" (Foto: Diário do Noroeste)

Machado: “Difícil era fazer o aparelho funcionar numa época sem energia elétrica” (Foto: Diário do Noroeste)

 O pioneiro e empresário Ephraim Marques Machado chegou a Paranavaí, no Noroeste Paranaense, em 1948, pouco tempo depois que seu pai, agente fiscal do Governo do Paraná, foi enviado para instalar a Coletoria Estadual. Admite que no primeiro momento não gostou do que viu na colônia, então retornou para Londrina, onde morava com o tio Odinot Machado, homenageado com um nome de rua em Paranavaí. “Fiquei lá uns seis meses e meu pai insistiu outra vez. Disse que estava muito bom aqui, então voltei”, relata.

A princípio, Machado iria apenas ajudar o pai, mas dois meses depois decidiu investir em um serviço de alto-falantes. “Eu já queria conquistar a minha independência”, conta o pioneiro que nasceu em Castro, na região de Ponta Grossa, no Centro Oriental Paranaense. No final de 1948, Ephraim circulava pela cidade com um microfone e uma caixa amplificadora. Até hoje, lembra como as “vozes saíam por cima”. A sede da modesta rede de comunicação de Machado ficava em frente à Banca do Wiegando, na Rua Marechal Cândido Rondon, de onde administrava os dez alto-falantes espalhados em pontos estratégicos da cidade.

Algumas caixas podiam ser vistas perto do antigo Terminal Rodoviário e outras onde é hoje a Academia Unimed, na Avenida Distrito Federal. Quando o pioneiro anunciava algo em uma caixa, a mesma mensagem era reproduzida em todas as outras. “Foi assim até 1956, quando coloquei a Rádio Cultura no ar, um trabalho iniciado em 1950. Contratava gente da cidade e de fora, o que aparecesse”, explica. A sede da emissora na Rua Getúlio Vargas no cruzamento com a Rua Minas Gerais, onde era a Loja Ipiranga, chegou a ter três andares, dois construídos por Machado e um por Luiz Ambrósio.

Como a maior parte da população não tinha televisor e o cinema abria as portas somente aos sábados e domingos, o pioneiro cativava a comunidade com os programas de auditório. “Sempre aproveitava para levar ao Aeroclube [atual tênis Clube – em frente ao Ginásio Lacerdinha] os artistas que se apresentavam na rádio. Então o povo tinha a chance de assistir shows do Jorge Goulart, Nora Ney, Mestre Sivuca, Orquestra Casino de Sevilla e muitos outros”, cita.

No começo, o empresário tinha uma equipe de oito profissionais. Do total, cinco eram locutores. Quem chefiava a redação era o jornalista Ivo Cardoso, mas as notícias eram apresentadas por Jackson Franzoni e Evaldo Galindo. Havia muitos colaboradores, o que fazia a diferença quando surgiam problemas técnicos. “O equipamento de transmissão não era tão caro. O difícil era fazer o aparelho funcionar numa época sem energia elétrica. A gente tocava a rádio com motor e bateria de carro. Tudo era grande, até o gravador”, destaca.

Os problemas de transmissão eram frequentes, pois nem sempre o gerador de energia funcionava como o esperado. Às vezes, a rádio ficava dias fora do ar, um sofrimento inevitável. “Quando surgiu a primeira instalação elétrica, tive que puxar uma fiação de mais de um quilômetro de distância. Começava em uma chácara pra lá da Avenida Tancredo Neves e tinha que trazer por trás da Igreja São Sebastião”, conta o homem que trouxe a Paranavaí os mais diversos tipos de geradores de energia. O melhor funcionou bem por apenas seis meses.

À direita, construção da primeira rádio do pioneiro (Foto: Toshikazu Takahashi)

À direita, construção da primeira rádio do pioneiro (Foto: Toshikazu Takahashi)

No Brasil da época, pouco se ouvia falar em equipamentos de qualidade. A solução era importar quase tudo, inclusive gravadores, um privilégio para poucas emissoras do Norte do Paraná. Certa vez, o pioneiro fez a transmissão de uma eleição de Mandaguari, de quem Paranavaí ainda era distrito. Na ocasião, pediu emprestado um cabo de comunicação da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP). Infelizmente, de Alto Paraná até Paranavaí não se ouvia praticamente nada por causa da chiadeira.

Ephraim Machado considera os anos 1950 e 1960 como os melhores do rádio local e regional. A justificativa é que naquele tempo o espectro não era tão carregado. “Depois de alguns anos, melhorou bem. Conseguíamos falar até com pessoas de Santa Isabel do Ivaí e Porto São José. Hoje, a rádio AM não atinge esses lugares com a mesma potência. Só se for FM. Há muita interferência de sinais de TV, comunicação amadora, etc. Não temos mais o espectro livre”, frisa. Até o final da década de 1950, pelo menos 50% da população de Paranavaí já possuía um aparelho de rádio em casa.

Para Machado, o rádio começou a se popularizar no Brasil em 1942 e só em 1954 deu um grande salto, liderando a comunicação de massa no país. A chegada da Companhia Paranaense de Energia (Copel) fez a diferença na cultura radiofônica local a partir de 1964. “Em 1962, vinha uma sobra de energia de Maringá que durava das 20h às 6h. Era limitada, mas melhor que nada”, avalia.

Rádio Cultura ainda sem a tradicional fachada nos anos 1950 (Foto: Toshikazu Takahashi)

Rádio Cultura ainda sem a tradicional fachada nos anos 1950 (Foto: Toshikazu Takahashi)

As instabilidades do rádio em Paranavaí surgiram nos anos 1970, exigindo melhores estratégias dos comunicadores e empresários para manterem-se no ramo. Ephraim Machado perseverou e ainda montou a Rádio Caiuá FM em 1980, emissora que começou a operar em 1984. Como a realidade já era bem diferente e o empresário contava com mais recursos, trouxe a Paranavaí os equipamentos mais sofisticados.

“Subia em postes, puxava fio, consertava aparelho, motor e microfone…”

O pioneiro Ephraim Machado começou a trabalhar com radiodifusão aos dez anos. A primeira função foi de trocador de discos. Anos mais tarde, quando surgiu a oportunidade de montar uma emissora, aprendeu a fazer de tudo. “Subia em postes, puxava fio, consertava aparelho, motor e microfone. Mexia no estúdio cortando som e reformava a acústica para dar mais eco. Fui até faxineiro e transportador de óleo. Minhas lembranças são boas porque passei por todos os setores”, relata o pioneiro que fazia questão de ocupar o tempo livre com trabalho.

Machado fala com preciosismo dos tempos de repórter, quando entrevistou os governadores Moisés Lupion e Bento Munhoz da Rocha Neto, além do presidente Juscelino Kubitschek. Embora só fosse para as ruas quando faltava algum repórter, o pioneiro adorava fazer entrevista política em época de eleição. Segundo Ephraim, era algo mais livre, diferente de hoje que o entrevistador precisa estar atento às exigências da justiça eleitoral.

Emissora recebeu artistas como Jorge Goulart, Nora Ney e Sivuca (Foto: Toshikazu Takahashi)

Emissora recebeu artistas como Jorge Goulart, Nora Ney e Sivuca (Foto: Toshikazu Takahashi)

“Atualmente, você corre muitos riscos quando entrevista uma autoridade política. Só tem liberdade se for falar com suspeito de crimes, daí é costumeiro o repórter fazer a típica escarrada de besteiras que vemos por aí. É triste ver como temos tanto lixo na radiodifusão brasileira”, critica o empresário que em algumas situações perdeu boas entrevistas por causa da falta de energia. Às vezes, o gravador parava de funcionar de repente.

Uma das linhas da Rádio Cultura, fundada pelo pioneiro, chegava até a sede do Atlético Clube Paranavaí (ACP), atual Praça dos Pioneiros. A fiação foi feita por Ephraim Machado que a ligava a um amplificador chamado de “maleta”, uma espécie de base do famoso microfone de fio comprimido. “Quando era ao vivo, a gente sempre preferia fazer tudo no estúdio, por questão de segurança”, pondera.

O primeiro operador de rádio amador de Paranavaí

O pioneiro Ephraim Machado foi o primeiro operador de rádio amador de Paranavaí. No final dos anos 1940, se comunicava até com pessoas do Rio Grande do Sul. Muita gente o procurava para dar recados aos parentes que viviam em outras cidades e estados. “Repassava mais notícias de falecimentos e de necessidades primárias da população. Era um serviço em prol da coletividade. Perdi as contas de quantas vezes saí de Paranavaí para levar recado em Paraíso do Norte, São João do Caiuá, Planaltina do Paraná, Amaporã, Tamboara, Alto Paraná e outras localidades”, afirma.

Machado considera o rádio amador um veículo que ajudou o interior do Brasil antes da implantação do telefone. Muitas vidas foram salvas graças ao aparelho. “Meu principal sinal vinha de uma empresa cafeeira que se comunicava com os portos de Paranaguá e Santos. Servi Paranavaí por muitos anos nessas condições”, garante. O pioneiro também se recorda de um rapaz que no final da década de 1940 trabalhava como rádio telegrafista na colônia, a serviço de uma companhia de terras.

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1959: Incêndio criminoso na Prefeitura de Terra Rica

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Prédio municipal foi destruído no dia da posse de James Clark

Antiga prefeitura foi consumida pelas chamas no dia 4 de dezembro de 1959 (Foto: Reprodução)

Antiga prefeitura foi consumida pelas chamas no dia 4 de dezembro de 1959 (Foto: Reprodução)

Terra Rica, no Noroeste Paranaense, se tornou oficialmente distrito de Paranavaí em 5 de agosto de 1952, embora o povoado tenha surgido em 1950 com o nome de Estrela do Norte. Em 26 de novembro de 1954, a colônia foi elevada a município, mas a história política da localidade só teve início em 1955, quando o candidato Francisco Ramirez Galeoti conseguiu se eleger como prefeito. Quatro anos depois, um incêndio criminoso destruiu o prédio da prefeitura, fato que chocou a população e entrou para a história com uma das maiores tragédias de Terra Rica.

Após a eleição municipal de 1955, a população também soube que Ovídio Damiani, João dos Santos, Oswaldo Menoti, Izídio Modena, Vitalino Rodrigues da Silva, Alberto Filipak, Durval Veronese, Serafim dos Santos e Francisco Antônio de Oliveira se tornaram os primeiros vereadores da recém constituída Câmara Municipal de Terra Rica. Em menos de dois anos, o município somou 20 mil habitantes, a maior parte vivendo sob a égide da cultura do café, algodão e cereais. “Tínhamos quase sete milhões de pés de café plantados em Terra Rica”, disse o pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso em entrevista concedida ao autor deste blog em 2006.

Crime foi cometido no dia da posse do prefeito James Clark (Foto: Reprodução)

Crime aconteceu no dia da posse do prefeito James Clark (Foto: Reprodução)

A alta produtividade cafeeira contribuiu para que o município alcançasse a marca de 146 estabelecimentos comerciais em pleno funcionamento em 1957. Segundo o pesquisador Edson Paulo Calírio, Terra Rica estava se desenvolvendo muito bem, além das expectativas. “Havia quatro hotéis na cidade, cinco pensões e um cinema com capacidade para pelo menos 200 pessoas”, contou. Entre os meios de transporte, o mais popular era o caminhão, até pela facilidade de tráfego nas precárias e íngremes estradas de chão da região. A frota de veículos circulando no município era de 52 caminhões, 14 automóveis e 3 jipes.

Em 1959, um novo prefeito trouxe mais esperanças à população. O engenheiro de origem inglesa James Patrick Clark assumiu a administração municipal quando a cidade atravessava um bom momento econômico. Há dez anos vivendo em Terra Rica, Clark foi enviado à região pela Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop), comandada por Ênio Pipino e João Pedro Moreira de Carvalho, com a missão de coordenar a abertura de estradas, delimitação do perímetro urbano e divisão de lotes rurais. James Patrick começou a gostar do lugar e dos moradores, então adotou a cidade como lar definitivo.

Com bastante conhecimento sobre a realidade local e regional, não foi difícil para o engenheiro conquistar os eleitores e se eleger prefeito. O trabalho liderado na mata fez até os mais humildes se identificarem com Clark. No entanto, a postura de James Patrick não agradava a todos, principalmente a oposição política que não aceitou muito bem o resultado registrado nas urnas. “Exatamente no dia 4 de dezembro, quando Clark assumiu como prefeito, atearam fogo na prefeitura, deixando somente as cinzas do antigo prédio de madeira. Supostamente, a intenção era eliminar papéis comprometedores que estavam em posse do novo gestor. A maior parte dos documentos tinha relação com apropriação de terras”, revelou o pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso.

Trabalho na mata fez até os mais humildes se identificarem com o engenheiro (Foto: Reprodução)

Trabalho na mata fez até os mais humildes se identificarem com o engenheiro (Foto: Reprodução)

No momento da tragédia, não havia ninguém na prefeitura. Outros antigos moradores de Terra Rica declararam que James Patrick Clark tinha uma postura de trabalho bastante rígida e provavelmente não cedeu aos interesses de outros políticos. Por isso atearam fogo na prefeitura como forma de punição e destruição de provas. Apesar da gravidade, ninguém foi responsabilizado pelo incêndio criminoso.

Considerada uma autoridade de “pulso firme”, o engenheiro de origem inglesa tinha fama de rejeitar acordos que não beneficiassem diretamente a população. “Naquele tempo de pioneirismo, havia muita rixa política, era algo absurdo. Vendo tudo isso, eu nunca quis me meter com política, sempre tive nojo. É muita sujeira”, desabafou Pereira Briso. Mais tarde, mesmo não cedendo aos adversários, Clark foi surpreendido por uma grave doença que o obrigou a se afastar da prefeitura para se tratar fora de Terra Rica.

Nesse período, a administração municipal foi comandada por José Teixeira Prates, Agostinho Vicenzi, Antônio Gerlach e Alberto Filipak. James Patrick planejava retomar a vida política, mas a doença já estava em estado avançado. Clark faleceu antes de colocar em prática seus planos para Terra Rica. “Ninguém jamais soube o que poderia ter mudado se ele tivesse vivido mais”, comentou Briso.

Uma metamorfose social

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Lord of the Flies mostra como a necessidade de sobrevivência transforma as pessoas

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A liderança de Ralph encontra resistência no autoritarismo de Jack (Foto: Reprodução)

Lançado em 1990, Lord of the Flies, inspirado no livro homônimo de William Golding – vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, é um filme do cineasta inglês Harry Cook que chegou ao Brasil com o título O Senhor das Moscas e mostra como a necessidade de sobrevivência transforma os seres humanos. Na obra, um grupo de crianças resiste a uma queda de avião no oceano e encontra abrigo em uma ilha.

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No início, os garotos seguem um programa diário de direitos e deveres (Foto: Reprodução)

Logo nos primeiros dias, Ralph (Balthalzar Getty), o mais maduro dos garotos, demonstra aptidão para a liderança, deixando claro, apesar da pouca idade, que o melhor meio de sobreviver e manter o equilíbrio é seguindo um programa diário de direitos e deveres. Para Ralph, todos na ilha desempenham papel importante e insubstituível, o que remete à democracia.

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Situação sai de controle quando Jack se torna líder (Foto: Reprodução)

Contudo, Jack (Chris Furrh) antagoniza o idealismo de Ralph. Assim como muitos líderes se aproveitaram de um momento de fraqueza de suas nações para instituir um sistema ditatorial, Jack faz o mesmo na ilha. Com a proposta de oferecer caçadas e brincadeiras aos comparsas, o garoto consegue persuadir quase todos os seguidores de Ralph, com exceção de Simon (James Badge Dale) e Piggy (Danuel Pipoly).

O primeiro é uma criança com uma essência mística que se destaca dos demais pela sensibilidade aguçada. O segundo representa a ciência, o juízo e a razão. Mas ninguém personifica melhor a metamorfose social do homem do que Jack. O garoto aparentemente amistoso se torna agressivo após formar um grande grupo de dissidentes. Embriagado pelo poder, se recusa a refletir sobre as propostas dos companheiros. O novo líder mergulha os passivos discípulos em uma realidade truculenta, chegando a perder a capacidade de ver a si e aos outros como crianças e adolescentes.

Jack cede espaço ao ódio indiscriminado e se isenta de culpa por todos os atos de injustiça, crente de que sacrifícios são válidos por um “bem maior”. O cineasta Harry Cook explora a transformação do personagem através de fortes expressões faciais, maquiagem pesada e vestimentas que se definham. Tudo se soma na construção simbólica da decadência do homem como ser social, marcado pelo retorno ao estado primitivo.

Curiosidade

O primeiro filme baseado na novela de William Golding, de 1954, foi lançado em 1963 pelo cineasta britânico Peter Brook.

A idolatria e o culto de imagens nos anos 1950

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“Muitos participavam das missas porque era algo diferente dentro da monótona vida no mato”

Nos tempos de colonização, o apego aos santos chamou a atenção dos padres alemães (Foto: Ordem do Carmo)

A partir de 1950, autoridades religiosas que se mudaram para Paranavaí, no Noroeste do Paraná, perceberam que milhares de moradores tinham o costume de endeusar imagens, principalmente de santos, colocando-os num patamar de deidade.

Sobre o perfil dos cristãos que viviam em Paranavaí, o padre alemão Alberto Foerst escreveu, em um artigo da edição número 10, do ano 21, da revista alemã Karmelstimmen, de 1954, que a maioria não sabia o real significado da palavra fé e ainda afirmou que havia muita ignorância no campo religioso local. “Muitos só participavam das missas porque se constituía em algo diferente dentro da monótona vida no mato”, comentou Foerst.

À época, os cristãos da cidade depositavam toda a fé em figuras de santos que variavam em formas, cores e tamanhos. Eram tratados de forma tão peculiar que chamava a atenção das autoridades religiosas que assumiam alguma missão em Paranavaí. “Os santos eram seus deuses. Após a missa, apareciam carregando todos os tipos de quadros de santos para serem bentos, talvez até pela décima vez”, relatou o padre alemão.

A relação dos cristãos locais com os santos era tão extrema e profunda que alguns destinavam um quarto da casa para as esculturas. As imagens eram tratadas com tanto esmero, inclusive havia quem passasse horas do dia cuidando da aparência do santo esculpido. “Tinha gente que acreditava que sua vida desabaria se o mesmo teto não pudesse ser dividido com aquela imagem”, destacou a pioneira paranaense Maria Neuza Constantino.

Ter a escultura de um santo em casa fazia as pessoas acreditarem que estavam seguras. Era como se a proximidade com as imagens afastasse tudo de ruim, principalmente as dificuldades da vida no campo, segundo o pioneiro catarinense José Matias Alencar. “Muitos se apegavam a isso como algo único e se afastavam de todo o resto. Se analisar bem, até de Deus, pois muita gente ia pra igreja para rezar ou conversar somente com os santos”, enfatizou.

Durante os anos em que viveu em Paranavaí, frei Alberto constatou que para a população Jesus Cristo e os santos eram iguais, sem qualquer diferença. “A Festa de Santo Antônio e de outros santos, por exemplo, era comemorada muito mais do que a Páscoa e Pentecostes. As procissões, se não fossem acompanhadas pelas imagens dos santos poderiam ser confundidas com um bloco de Carnaval”, ressaltou e lembrou que as comemorações eram acompanhadas de enorme quantidade de fogos lançados ao céu.

Um acontecimento inusitado no Povoado de Cristo Rei

Em 1954, o padre alemão Alberto Foerst foi a uma missão religiosa no Povoado de Cristo Rei, que pertencia a Paranavaí, onde as pessoas se referiam a Jesus Cristo da mesma maneira que se referiam aos santos. O que mais chamou a atenção do frei foi uma mãe que estava com o filho diante do altar do Cristo crucificado.

No local, a mulher percebeu o olhar curioso do filho e chamou-lhe a atenção. A mãe disse: “Olhe, filho, aquele ali lutou contra os poderosos, então bateram muito nele e ele sangrou. Mais tarde, se tornou um grande santo. Tome nota, meu filho: nunca brigue com os poderosos!”, recomendou a mulher em tom sério. Em seguida, a mãe do garoto complementou: “Pense neste que está deitado aí, senão assim acontecerá igualmente a você.”

Por essas e outras, o padre alemão explicou aos leitores da revista alemã Karmelstimmen que a ignorância religiosa em Paranavaí era muito grande porque a comunidade era formada na década de 1950 por uma maioria de pessoas que pouco ou quase nada sabiam a respeito do real significado do cristianismo.

Saiba Mais

Na década de 1950, o culto de imagens em Paranavaí, principalmente de santos, não era apenas um fator religioso, mas também cultural e tinha relação direta com o que os cristãos da cidade aprenderam com seus antepassados, independente do vínculo que tinham ou não com a Igreja Católica; À época, cerca de 95% da população local da época se considerava católica, conforme pesquisa da Ordem dos Carmelitas do Paraná.

O extremo culto de imagens só começou a perder forças em Paranavaí anos depois, com o trabalho desempenhado pelos padres da Paróquia São Sebastião e também com o surgimento das religiões protestantes. Por muito tempo, esta região viveu alheia às instituições religiosas, tanto que das décadas de 1920 até 1950 a maior parte da população demonstrava profundo apego as crenças que faziam a manutenção da fé a partir de conceitos baseados no conhecimento empírico e não no estudo formal religioso.

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“Alguns nem conheciam dinheiro”

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Trabalhadores rurais eram explorados em Paranavaí nos anos 1950

Paranavaí no tempo da exploração de colonos (Acervo: Fundação Cultural)

Em publicação alemã, o padre alemão Alberto Foerst revelou que na época da colonização havia tantos trabalhadores rurais ingênuos em Paranavaí, no Noroeste Paranaense, que alguns nem conheciam dinheiro. Muitos estavam acostumados a uma relação de subserviência em que trabalhavam em troca de comida e moradia.

No artigo intitulado “Die Stimme Der Mission”, publicado em outubro de 1954 na revista alemã Karmelstimmen, de Bamberg, no Estado da Baviera, o frei Alberto Foerst abordou, entre outros assuntos, as desigualdades sociais e a exploração do trabalho rural, problemas que já assolavam Paranavaí naquele tempo. Segundo Foerst, na década de 1950, muitos dos que chegavam a Paranavaí para trabalhar vinham das regiões Norte e Nordeste. “Eram pobres, não sabiam ler, escrever e trabalhavam nas fazendas. A maioria era explorada pelos fazendeiros, a quem a terra pertencia. Alguns trabalhadores nem conheciam dinheiro”, confidenciou o padre alemão.

Foerst se surpreendeu durante as missões que empreendeu em Paranavaí ao se deparar com pessoas trabalhando em troca de alimento e um lugar para morar. Eram seres humanos alheios ao seu próprio tempo e realidade, dispersos em um universo que já se alinhava mais às impossibilidades do que a concretização dos sonhos de prosperidade. “Às vezes, faltava até o que comer, mesmo o peão se matando no serviço. Havia muita gente inocente na roça que não sabia o valor do seu trabalho. Os donos das terras os enganavam com facilidade”, relatou o pioneiro Sátiro Dias de Melo.

Caso os trabalhadores reclamassem das condições de trabalho poderiam ser lesados de alguma maneira. Segundo Melo, se o colono decidisse denunciar a situação à polícia, o fazendeiro encontrava meios de “justificar” que o trabalhador estava em débito, inventando dívidas, relatos de prejuízos, entre outras mentiras. “A pessoa não tinha pra onde correr, pois já valia mais a palavra de um rico do que de um pobre”, frisou o pioneiro, acrescentando que ao retornar à fazenda o colono podia ser castigado e depois mandado embora.

Fazendeiros mandavam espancar colonos

Não foram poucos os colonos que caíram nas artimanhas dos latifundiários de Paranavaí durante a colonização. Com a promessa de resolver a situação, o fazendeiro mandava chamar o empregado para conversar. Longe dos colegas de trabalho, a vítima era levada a um celeiro ou algum outro ambiente ermo. Lá, pediam para esperar o patrão.

O colono ficava apreensivo, mas nem tinha ideia do que o aguardava. Pouco tempo depois, retornavam pelo menos dois jagunços em direções diferentes para evitar que o trabalhador rural fugisse. Um deles imobilizava o homem enquanto o outro o açoitava com um rebenque. Quando o colono perdia as forças e caía no chão, ainda era atingido com socos e pontapés, até perder os sentidos e desmaiar.

“Tive amigos e colegas que passaram por isso. Alguns sumiram de Paranavaí e nunca mais voltaram. Muita gente sofreu com toda essa violência”, comentou o pioneiro Sátiro Dias de Melo. Ninguém tinha coragem de denunciar, pois o medo de que algo acontecesse aos familiares era muito grande. O pioneiro confidenciou que determinados proprietários rurais tinham tanto poder que eram capazes de transformar um homicídio em um acidente de trabalho.

Em 1954, Paranavaí já era habitada por uma legião de migrantes miseráveis, pessoas simples, ingênuas e ignorantes. Uma parcela ainda acreditava na chance de ter uma vida melhor. Era o grande sonho dos colonos, segundo Melo. “Esses eram aqueles que viviam no mato e nada sabiam sobre o mundo”, declarou o padre alemão que disse ter enxergado nos colonos de Paranavaí uma candura que até então nunca tinha visto em nenhum outro povo, nem mesmo o europeu.

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Jornais chegavam depois de dois meses

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Atraso na entrega dos jornais deixava população alheia aos fatos mais importantes da época

Situação em Paranavaí se estendeu até 1954 (Acervo: Fundação Cultural)

Entre os anos 1940 e 1950, um problema comum vivido pela população de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, era a chegada de jornais dois meses depois da data de publicação. O difícil acesso a Paranavaí se encarregava de impor obstáculos à vida urbana.

Quem era acostumado a ler jornais recém-publicados teve dificuldade de se habituar a receber velhas notícias em Paranavaí. O acesso aos jornais mais importantes da época dependia de quanto tempo os distribuidores levavam para fazer a entrega. O frei alemão Henrique Wunderlich, em carta à revista alemã Karmelstimmen em 1953, frisou que em Paranavaí não havia leitos de estradas, mas trilhos escavados com tratores. Então a entrega dos jornais dependia das habilidades de motoristas que se sujeitavam a trafegar entre a mata virgem e os espaços destruídos pelas queimadas.

Quando chovia e as estradas ficavam intransitáveis, os distribuidores de jornais e revistas recorriam aos aviões. “Tive de ir muitas vezes ao antigo aeroporto para recolher as encomendas”, relatou em 2007 o falecido pioneiro catarinense Wiegando Reinke, proprietário da primeira banca de jornais e revistas de Paranavaí. Antes de 1954, a situação era mais difícil ainda, segundo Henrique Wunderlich. Os jornais eram entregues com pelo menos dois meses de atraso. “Era impossível saber o que acontecia na Alemanha. Informações sobre as eleições e a situação na Alemanha Oriental, onde havia greves, demoravam a chegar. Para piorar, nem tínhamos rádio instalado”, declarou.

Naquele tempo, quem dependia do envio de cartas para comunicar algum fato a um parente distante corria o risco da correspondência não chegar ao destino. “Às vezes, as pessoas enviavam cartas para a terra natal explicando a situação de um parente enfermo. Em alguns casos, a pessoa morria antes da carta chegar, então era algo muito complicado. A notícia era muito tardia”, explicou o pioneiro João Mariano.

Mesmo assim, as correspondências eram o principal meio de comunicação de uma população de não mais que vinte mil pessoas, marcada pela diversidade cultural e étnica. Entre os anos de 1940 e 1950, viviam em Paranavaí, além de migrantes de todas as regiões do Brasil, portugueses, italianos, alemães, neerlandeses, poloneses, russos, húngaros, ucranianos, espanhóis, japoneses, franceses, suíços, sírios e libaneses. “Paranavaí representava bem quase todas as nações”, comentou frei Henrique. À época, o Governo Federal não permitia que os estrangeiros exaltassem a própria pátria em território nacional. “Era obrigado a desprezar tudo que não era brasileiro, inclusive um papel de carta”, disse o alemão.

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