Archive for the ‘1961’ tag
Renato Esteves, um soldado pacifista no Oriente Médio
Conhecido como Sete Metros, jovem de Paranavaí se destacou no Batalhão de Suez e recebeu condecoração da ONU em 1962
Em 1961, Renato Esteves Oliveira tinha 23 anos quando foi selecionado para ser um dos boinas azuis da Organização das Nações Unidas (ONU) no Canal de Suez, no Oriente Médio. O soldado deixou Paranavaí, no Noroeste do Paraná, porque queria ajudar a acabar com a guerra entre judeus e árabes, intensificada em 1956, quando Israel invadiu o Egito.
“A gente morava na fazenda e um dia o meu marido Joaquim [Mariano Silva] foi entregar leite e parou na venda de um português conhecido como ‘Seu Augustinho’, perto da Sanepar [Companhia de Saneamento do Paraná]. O comerciante disse que o meu irmão avisou que iria para o Canal de Suez [que liga o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho]”, conta a aposentada Maria Aparecida Oliveira Silva.
Com a 7ª Companhia do 3º Pelotão do Batalhão de Suez, Renato Esteves, que era conhecido pela família como Lula e pelos amigos como Sete Metros porque tinha 1,92m de altura, precisou suportar uma viagem de navio com duração de 25 dias até chegar ao Oriente Médio, onde começou a patrulhar na Linha de Demarcação do Armistício (LDA). “Lembrei muito de vocês. Foram muitos dias e noites vendo apenas água, mas deu pra passar na África e na França. Se Deus quiser, vou a Jerusalém na Semana Santa. Também quero levar pra vocês um pouquinho de água do Rio Jordão”, prometeu Renato Esteves à família em carta de 19 de novembro de 1961.
Na LDA, o trabalho do soldado era ajudar a garantir a paz. Ou seja, não permitir que a zona neutra fosse ocupada por israelenses e árabes, caso surgissem provocações ou tentativas de transposição. Se houvesse alguma suspeita, deveria avisar os superiores. Como era voluntário, Sete Metros viajou para o Egito sem se preocupar com salário, mas quando chegou lá ficou feliz com a remuneração paga pela ONU. “Sinto saudade de Paranavaí, mas gosto muito daqui porque o ordenado que ganho em um mês equivale ao salário de um ano no Brasil. Já estou com quinhentos dólares na caixa”, escreveu em carta de novembro de 1961.
De natureza pacífica, o soldado, também chamado de Pracinha 4307 por causa do seu número de identificação, se orgulhava de não ter matado ninguém em 1961 e 1962, período em que fez parte do Batalhão de Suez. Na fronteira do Egito com Israel, teve de aprender a lidar com o perigo. Era preciso resistir ao calor escaldante, às frequentes e violentas tempestades de areia e às minas terrestres instaladas nas áreas de patrulhamento. À noite, dormiu muitas vezes em uma barraquinha de tecido branco ao lado da guarita B17. Independente das dificuldades, Sete Metros tentava resolver qualquer situação da forma mais amistosa possível. Só ficava feliz em empunhar uma arma quando era para ser fotografado. Gostava de impressionar a família, amigos e as moças com quem se correspondia.
Em 23 de novembro de 1961, o soldado afirmou que quando estava de folga passava o dia escrevendo cartas. “Cida [irmã], compre a revista Sétimo Céu que você vai ver o meu nome na última página. Já recebi mais de 300 cartas. Tem muitas moças aí do Brasil querendo me conhecer. Pergunte ao Sandro [um amigo] se ele ainda está levando um papo com aquela mineira. Estou levando um papo firme com uma de Itajubá [Minas Gerais]. Tem mais algumas de outros estados que vão me esperar na Praça Mauá quando o navio [Soares Dutra] atracar no Rio de Janeiro”, relata. Naquele tempo, como Paranavaí não tinha agência dos Correios, as correspondências eram retiradas na Casa Lusitana na Rua Manoel Ribas ou na Casa Moreira na Avenida Distrito Federal.
Trabalhando no Canal de Suez, Renato Esteves fez muitas amizades com egípcios e israelenses. À época, os boinas azuis tinham à sua disposição um avião para viagens de lazer. “Estou gostando bastante da minha vida aqui. Já conheci Beirute, no Líbano, e também o Cairo, a capital do Egito, além da Grécia. Da última vez, encontramos o presidente Juscelino Kubitschek assim que chegamos. Ele veio visitar o nosso batalhão e nos parabenizar”, narra em carta enviada à irmã no dia 13 de janeiro de 1962, acrescentando que a viagem do Cairo até Jerusalém levava 40 minutos de avião.
Enquanto viveu no Oriente Médio, nada abalou mais o pracinha do que a notícia de que o irmão João Ramos Oliveira morreu envenenado. “O meu irmão era meu amigo. A gente estudava junto e ele morreu. Falei pra ele não ficar triste com a minha partida porque eu voltaria logo”, confidenciou dias depois. Em tributo ao irmão, agendou uma missa em uma igreja católica ortodoxa de Jerusalém e tirou uma foto ajoelhado e orando. O que ajudou Sete Metros a lidar com a perda foi a amizade com uma criança egípcia de menos de dez anos. Todos os dias o soldado recebia a visita do menino que percorria quilômetros a pé para vê-lo. Quando o garotinho não podia visitá-lo, Renato Esteves ia até ele. Os dois se tornaram inseparáveis.
Embora tivesse pai, o menino viu no brasileiro uma nova figura paterna. “O Lula ficava muito tempo em uma guarita e quase sempre aquela criança o acompanhava. Levava o menino para o acampamento, comia com ele, dava presentes. O pai do garotinho também ia de vez em quando e gostava do relacionamento dos dois. Ele via uma rara bondade no meu irmão”, assinala Maria Aparecida.
Uma das brincadeiras preferidas da dupla era deitar no chão quando surgia alguma rápida tempestade. Em poucos segundos, seus corpos sumiam na imensidão desértica, cobertos pela areia. A criança ficou tão apegada ao pracinha que um dia pediu que o trouxesse ao Brasil. Como o garotinho tinha família, Esteves admitiu que não poderia fazer isso. “Você me põe dentro de uma caixa e fecha. Quando for passar na vistoria, eu vou com você”, sugeriu.
Sete Metros se sentiu tentado a trazer o menino, mas sabia que seria errado. Durante algum tempo ainda trocaram correspondências, até que as mudanças da vida fizeram com que perdessem contato. Quando retornou ao Brasil, o soldado passou um período no Rio de Janeiro, atuando no Exército. De volta a Paranavaí, quis seguir carreira militar. Então foi para Maringá, onde se tornou policial. “Como morávamos em uma fazenda e meu irmão gostava muito de viajar, ele sempre tinha um quarto reservado em um hotel perto do Terminal Rodoviário de Paranavaí. Era tudo muito bonito e bem arrumado”, explica Aparecida.
Após alguns anos, começou a namorar uma moça em Paranavaí, sem saber que a jovem também estava envolvida com outro homem. Um dia, os dois rapazes se encontraram e se estranharam. A discussão terminou em luta e Sete Metros sacou a arma primeiro e atirou no seu agressor que faleceu no local. Familiares de Esteves testemunham que a moça manipulou a situação, colocando um contra o outro. Depois da tragédia, o rapaz que fazia parte do Destacamento Policial de Nossa Senhora das Graças, na microrregião de Astorga, se entregou na delegacia de Paranavaí, alegando que estava preparado para ser punido pelo que aconteceu. Renato Esteves admitiu a culpa e aceitou a sentença.
Maria Aparecida acredita que o destino poderia ser diferente se o irmão não tivesse retornado a Paranavaí. Pelos serviços prestados no Canal de Suez, Sete Metros recebeu uma condecoração de soldado de destaque da ONU no Rio de Janeiro. O prêmio proporcionou grande visibilidade. “Sempre tinha gente tentando arrumar confusão com ele. Havia muita inveja. O Lula me contava que até os colegas de trabalho implicavam muito com ele”, frisa a irmã que até hoje não entende como o irmão, alguém tão calmo, educado e pacífico se colocou em uma situação tão antagônica à própria natureza.
Quando estava preso em Paranavaí, antes de receber a sentença, foi ameaçado muitas vezes. “Cansado e preocupado, ele pediu que eu falasse com o [deputado federal] doutor José de Alencar Furtado para acelerar a transferência dele”, revela a irmã. Após a mudança para a Penitenciária Central do Estado (PCE), em Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, a família começou a visitá-lo aos sábados. “Eu ia sempre à noite, daí amanhecia lá e o encontrava pela manhã”, enfatiza Aparecida Oliveira que não ficava muito tempo sem ver o irmão.
Só que tudo mudou no dia 6 de janeiro de 1970, quando Sete Metros estava na fila do refeitório segurando uma bandeja e aguardando o momento de pegar a comida. Um detento conhecido como Mergulhão que estava logo atrás o golpeou três vezes nas costas com um “estoque” de ferro. Quando o rapaz caiu no chão, um amigo correu para socorrê-lo. Desprevenido, também foi golpeado várias vezes. Os dois morreram no refeitório da penitenciária sem a intervenção de ninguém, nem mesmo de funcionários do complexo prisional.
Mais tarde, a família de Renato Esteves descobriu que o crime foi encomendado por um tenente de Paranavaí. “Meu irmão virou notícia em praticamente todas as emissoras de rádio do Paraná. Fiquei muito revoltada porque os soldados e policiais que eram amigos dele ficaram sabendo da morte no dia do acontecido e não avisaram a gente. Quando eu soube, fui até a barbearia frequentada por eles e discuti com todo mundo. O único que se preocupou em nos procurar foi o compadre Jobi, um ex-soldado já falecido”, garante Aparecida.
Em Curitiba, o deputado federal José de Alencar Furtado designou o próprio motorista para acompanhar a irmã de Renato Esteves até Piraquara. “Foi muito gentil e disse que o motorista poderia me levar onde eu precisasse”, comenta. Na penitenciária, Maria Aparecida entregou uma carta escrita por Alencar Furtado. Se emocionou quando viu que do irmão restou apenas uma mochila pequena com poucos pertences. Muitos itens pessoais foram furtados, não se sabe se por outros detentos ou por funcionários da prisão.
O corpo de Sete Metros foi transferido do Instituto Médico Legal (IML) para um caixão grande e azul. Antes taparam com algodão os três ferimentos causados pelos golpes. Também o vestiram com uma de suas roupas preferidas, limpinha e perfumada, embora já não pudesse mais senti-la. Na viagem a Paranavaí, a ambulância que trouxe o corpo do rapaz parou em Alto Paraná, onde a família de Renato Esteves era bem conhecida. “Quando chegamos lá, muitos que estavam próximos da prefeitura se aproximaram e falaram: ‘Nossa! Esse é o filho do Aureliano!’”, lembra Maria Aparecida visivelmente emocionada.
Depois de avisar os amigos, a família o velou por uma noite e o sepultou no dia seguinte. A mãe de Sete Metros, a portuguesa Maria Esteves, que já tinha perdido o filho João Ramos Oliveira em 1962, não resistiu a mais uma perda e adoeceu gravemente. Em 1970, faleceu alguns meses após a morte do filho Renato Esteves Oliveira que partiu sem imaginar que em 1988 o Batalhão de Suez receberia o Prêmio Nobel da Paz.
Soldado escrevia todos os dias para a família em Paranavaí
Enquanto prestava serviços para a Força de Emergência das Nações Unidas (Unef) no Oriente Médio, o soldado Renato Esteves Oliveira, conhecido como Sete Metros, escrevia todos os dias para a família em Paranavaí. Também gostava de enviar presentes. Curiosamente, as encomendas que saíam do Brasil para o Egito sempre chegavam, mas as que partiam do Canal de Suez para cá muitas vezes eram extraviadas. “O avião que leva as encomendas só vem aqui uma vez por mês. Elas chegam através do Ministério da Guerra, no Rio de Janeiro”, explicou o pracinha em carta de 1º de janeiro de 1962, seis meses antes de retornar ao Brasil.
Entre os produtos enviados por Sete Metros estavam tapetes, chinelos, navalhas, roupas e brinquedos. “Ele enviou ‘chinelo de dedo’ pra gente numa época em que aqui ainda não existia. Mandou também uma réplica de um camelinho bem bonitinho para o Pedrinho [sobrinho já falecido]. Depois de mais de 50 anos, ainda guardo com carinho”, assegura a irmã Maria Aparecida Oliveira Silva.
Em 1961, o pracinha experimentou pela primeira vez uma cerveja em lata no Egito, versão que os brasileiros conheceriam só em 1971. Gostou tanto da bebida que em 10 de abril de 1962 comemorou o aniversário rodeado de amigos e uma mesa repleta de latinhas. “Como aqui não existia, ele trouxe de lá. Junto veio um baú com tapetes e roupas para toda a família. Tinha muitas novidades, coisas que não se via no Brasil”, conta Aparecida, lembrando que o irmão geralmente pedia para enviarem jornais, cigarros e revistas, principalmente O Cruzeiro, uma de suas preferidas. No entanto, as remessas não podiam ultrapassar 20 quilos.
Em carta de 25 de novembro de 1961, Renato Esteves pediu que o pai fosse a uma barbearia para perguntar o preço da navalha alemã Solingen. “Aqui é muito barato. Eu mando pra ele vender. Vou enviar também um embrulho com tapete que não existe aí. Diga para o pai repassar por dois mil cruzeiros. Quem não quiser comprar, é só mandar vir buscar aqui no Egito”, ironizou. No Canal de Suez, o traje tradicional de Sete Metros incluía farda, boina, anel de formatura, cachecol e um cinto de couro com uma pistola 45 e uma submetralhadora INA. “Nunca deixei de mandar uma resposta pra ele. Tenho um pacote enorme de cartas que me enviou. Estão todas velhinhas e amarelas”, revela a irmã.
Sete Metros abominava injustiças
Foi justamente por abominar injustiças que Renato Esteves Oliveira, o Sete Metros, optou por deixar o trabalho no campo para se tornar soldado e depois policial. Nos anos 1960, a Polícia Militar do Paraná não tinha uma divisão específica para lidar com situações de alta gravidade, então no Norte do Paraná convocavam Sete Metros que logo ficou famoso por prender alguns dos criminosos mais perigosos que atuavam na região.
Apesar da curta carreira como policial militar, Renato Esteves desmantelou inúmeras quadrilhas de assaltantes e sequestradores. “Era temido pelos bandidos porque sabia como reagir em qualquer situação. Foi o responsável por acabar com ondas de tiroteios e outras ações criminosas em cidades como Nossa Senhora das Graças, Jaguapitã e Colorado”, garante a sobrinha Maria Neuza Silva. Mesmo quando estava de folga, o policial costumava intervir em casos de injustiça.
Maria Neuza se recorda das vezes em que na infância ela e o irmão Luiz Ademir saíam com o tio para comer pão com sardinha. “Era a comida preferida dele. Ele também adorava o seu jipe e gostava muito de mecânica. Foi criado na roça, mas não se identificava com o campo”, comenta a sobrinha.
Trecho de uma carta escrita por Renato Esteves em 19 de novembro de 1961
Saudações,
prezada irmã Cida. É com muito prazer que pego na pena para responder a sua cartinha recebida há poucos dias. Que bom saber que todos estão com saúde. Também vou bem graças a Deus. Fiquei muito contente de saber que recebeu carta minha e que continua me escrevendo. Quando for na Casa Lusitana, procure carta no nome do pai porque escrevi muitas. Cida, quero que tu me mande umas cinco revistas, daí quando eu receber vou te mandar um corte de vestido que aí no Brasil não tem desse pano. Tu fala para a mãe que eu mando um pra ela também. O Tim [irmão] mandou eu levar um revólver pra ele. Manda ele preparar a grana que na volta eu passo na Itália e compro a arma direto da fábrica.
Você disse na carta que o Zé [irmão] ainda não voltou e que o Francisco [cunhado] já está bom. Eu desejo felicidades pra eles. Cida, você falou que o pai conseguiu o endereço do Feliciano. Ele foi meu colega quando servimos o Exército no Rio de Janeiro. Ele queria vir pra Suez. Aqui o ordenado de um soldado é de 32 contos por mês e se Deus quiser vai vir aumento pra nós agora com a saída do Jânio Quadros. Você falou na carta que está chovendo aí. Aqui passa até um ano sem chuva. Começou o frio agora em novembro e vai até março. Quando vocês estão jantando, aqui é meia-noite e eu já estou dormindo. Deixo a minha benção ao pai, mãe e meus sobrinhos. Lembranças para todos daí.
Saiba Mais
45 anos após sua morte, o túmulo de Renato Esteves Oliveira, tio-avô do autor da reportagem – David Arioch, ainda recebe muitas visitas no Cemitério Municipal de Alto Paraná.
Sete Metros era tão respeitado que uma semana após a sua morte alguns detentos se uniram e mataram o criminoso conhecido como Mergulhão.
Frases de Renato Esteves Oliveira
“Cida [irmã], quando me escrever, mande perguntar na Fazenda Ouro Verde se tem família nova. Se alguma colega da Clarisse perguntar de mim, dê o meu endereço que é pra eu treinar a caligrafia porque a minha letra está um pouco ruim.”
Nos anos 1950 e 1960, era muito comum os casos de envenenamento em Paranavaí e região. Então um dia Renato disse: “Ô Pai, nunca tome nada que te derem para beber sem antes ver a pessoa abrir a garrafa na sua frente.”
Por que os soldados brasileiros foram enviados para o Canal de Suez?
De acordo com o Manual do Expedicionário Brasileiro em Suez, a Força Internacional das Nações Unidas enviou soldados brasileiros para fazer uma interposição entre árabes, israelenses, franceses e ingleses. O objetivo era evitar que guerreassem. Em 1956, o desentendimento entre os quatro povos teve como estopim a nacionalização do Canal de Suez pelo presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, apoiado pela União Soviética. Com isso, franceses, ingleses e israelenses não poderiam mais usar o canal como rota estratégica de navegação para Ásia, África e Europa.
Com o apoio dos Estados Unidos, França, Inglaterra e Israel se uniram para atacar o Egito. Preocupada com a possibilidade do conflito se transformar em uma Terceira Guerra Mundial, a ONU agiu rapidamente e enviou tropas de paz para o Canal de Suez. Lá, brasileiros trabalharam em parceria com soldados da Noruega, Suécia, Dinamarca, Finlândia, Iugoslávia, Índia, Colômbia e Indochina.
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
Um homem marcado pela tragédia
Quando a riqueza material ofusca a importância da vida
Na infância, meu avô me contou uma história que jamais esqueci. É sobre um homem que teve a vida transformada por uma sucessão de tragédias em 1958 e 1959. Até o ano passado, sempre me questionei se o que ouvi quando criança era verdade ou não. A confirmação chegou até mim há alguns meses, quando encontrei uma sobrinha do protagonista desta sinistra e pitoresca história.
Hésio Oscar Azeredo era um investidor de grandes posses que vivia com a família em uma fazenda a pouco mais de 20 quilômetros da área urbana de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Passava o tempo todo ocupado, tentando encontrar novas formas de multiplicar os lucros. Havia época em que dormia menos de três horas porque achava que repousar mais o impediria de alcançar seus objetivos. “Ele tinha uma boa família e era uma boa pessoa, mas colocava o dinheiro e a ambição acima de tudo”, diz a sobrinha Maria Aparecida Lorelli.
Hésio Oscar era filho único de um falecido casal de multimilionários que até as primeiras décadas do século XX administrava investimentos de capital estrangeiro no Brasil. Ainda jovem, já possuía propriedades rurais em sete estados, além de fazendas no Paraguai e Argentina. Algumas eram maiores do que muitas cidades do Brasil. Também investia em beneficiamento de grãos e cereais, telefonia e transportes fluviais. Era muito influente, tanto que na sua biblioteca particular, um ambiente inspirado no gabinete do presidente dos Estados Unidos – o Salão Oval, deixava em destaque uma grande foto em que aparecia ladeado pelo ex-presidente Dwight Eisenhower.
“A moldura do quadro era de ouro maciço. Poucas pessoas podiam entrar lá. Somente alguns familiares conheciam o lugar. Meu tio ainda pedia que por discrição ninguém falasse sobre o que viu lá dentro”, declara Maria que na infância e adolescência teve três oportunidades de visitar o local. Apesar do apego aos bens materiais, o investidor era considerado pelos empregados como um patrão rigoroso, mas justo. Fazia questão de acompanhar de perto todos os seus negócios. Ainda assim, muitos boatos se espalhavam sobre o Tymbara, apelido que um místico colono de origem kaingang deu a Hésio Azeredo. “Era o único índio da nossa turma. Ele inventou esse apelido e não explicou o significado. Só que ninguém nunca teve coragem de chamar o ‘Dr. Hésio’ de Tymbara, então isso ficava mais entre a gente”, comenta o ex-colono aposentado Inácio Durval Reis que naquele tempo era mais conhecido como Mizim.
Em 1957, já circulava entre os colonos um boato de que Azeredo se referia ao dinheiro como se fosse um tipo de deidade. “Falavam que ele tinha um altar cheio de dinheiro e que não saía de lá sem se ajoelhar e rezar pra ganhar mais um punhado a cada dia”, conta Mizim, acrescentando que talvez tenha sido apenas conversa fiada de gente à toa.
Há quem diga que uma cozinheira da fazenda jurou ter visto paredes forradas com notas de cem dólares em alguns dos cômodos da casa principal. “Todo mundo ouvia falar. Só que não conheço ninguém que testemunhou isso. Sei que tinha cômodos da casa que o ‘Dr. Hésio’ não permitia a entrada de ninguém, nem das empregadas”, enfatiza Reis. Embora as lembranças não estejam mais tão frescas na memória, Maria se recorda com carinho da tia Clara e dos primos Tadeu e Joaquim. “Eram bem espertos e adoravam correr pelo campo. Na fazenda, perto de uma bica de mina, tinha um morrinho coberto por uma grama bem verdinha onde eles adoravam escorregar e rolar. Às vezes eu e uma babá cuidávamos dos dois”, comenta.
Tadeu, de cabelos negros que chegavam a azular com a incidência do sol vespertino, era bem comunicativo e agitado. Já Joaquim, de cabelos loiros, era calmo e parcimonioso. Os dois sofriam de heterocromia. “Tadeu tinha um olho preto e um azul. Joaquim possuía um olho preto e um verde. Por causa disso, eu ficava sabendo de muitas bobagens ditas pelos mais ignorantes”, lembra Maria Lorelli. Hésio Azeredo pouco participava do cotidiano familiar. Assistia ao desenvolvimento dos filhos como um espectador desatento. Tinha o hábito de viajar antes do amanhecer, retornando apenas semanas mais tarde e normalmente de madrugada. A pressa era tanta que nem se despedia dos filhos. Se o lucro fosse muito alto e exigisse mais tempo fora de casa, não se importava em se ausentar por alguns meses. Uma vantagem é que o empresário sempre teve pessoas de sua confiança para garantir o bom andamento dos seus muitos empreendimentos.
Criado em uma família que há várias gerações se dedicava a multiplicar riquezas, Azeredo foi o primeiro a romper o ciclo, e não por vontade própria, mas por uma sucessão de acontecimentos que transformaram sua vida. Em dezembro de 1958, após uma séria discussão com o marido, Clara chamou os dois filhos e disse a eles que iriam passar alguns dias na casa da avó em Curitiba. “Ajudei eles a arrumarem as malas e os acompanhei até o aeroporto da família, onde um avião e um piloto estavam sempre à disposição”, relata Maria. No último momento, apesar da resistência em deixá-los partir, Hésio Oscar achou que contrariar a mulher poderia piorar a situação. No início da noite, se arrependeu amargamente ao receber a notícia de que o piloto Julião Martins Bastina sofreu um mal súbito e perdeu o controle da aeronave. O avião que caiu na região dos campos gerais foi encontrado por um caminhoneiro que viu uma criança ensanguentada acenando e gritando por socorro.
“A tia Clara, o Joaquim e o piloto não resistiram aos ferimentos. Acho que morreram na hora do impacto. O Tadeu sobreviveu por um milagre. Ele teve só escoriações e não precisou ficar internado”, destaca Maria Aparecida. A maior parte do sangue sobre o corpo do garoto era do irmão e da mãe que o envolveu nos braços instantes antes da queda. Pelo menos por dois meses após o enterro, a tragédia fez de Azeredo um homem incomunicável, agressivo e ostracista. Não tinha vontade de ver ninguém, nem mesmo o filho sobrevivente. Depois retornou à rotina sem avisar ninguém. E não aceitava que falassem das mortes da mulher e do filho, negando a si mesmo a partida dos dois, mesmo tendo participado da cerimônia fúnebre.
Sem saber como lidar com a vida pessoal, até mesmo esquecendo que tinha família, se afundou ainda mais em trabalho. Esqueceu muitas vezes que Tadeu continuava morando na mesma casa. “O pai dele tinha atitudes de alguém que perdeu tudo. Em vez de se basear naquele exemplo para mudar de vida, fez exatamente o contrário. Fiquei muito nervosa com a situação”, desabafa a sobrinha. Isolado por Hésio Oscar, Tadeu começou a agir como se o irmão Joaquim continuasse com ele. Maria Lorelli foi a primeira a perceber que o primo divagava e tinha alucinações. Parecia falar com outras pessoas, mesmo quando estava sozinho. Quem o via de longe, pensava que havia alguém acompanhando o garoto.
“Ele corria lá pelos lados das plantações. Se embrenhava no meio do cafezal e brincava de se esconder. Lembro que perguntei se tinha mais alguém com ele. Me respondeu que era o irmão. Achei que fosse uma traquinagem inocente, nem comentei com ninguém”, revela Mizim. Episódio semelhante se repetiu uma semana mais tarde, quando Tadeu estava sozinho no quarto, escondido e cochichando dentro do guarda-roupa. Com a insistência dos mais próximos, Azeredo concordou em procurar um tratamento psiquiátrico para o filho. Tadeu foi diagnosticado com transtorno do estresse pós-traumático. Mesmo com acompanhamento médico, o estado do garoto só piorou. Embora se preocupasse com a situação, Hésio preferia deixá-lo aos cuidados de familiares e empregados.
Um dia, quando se machucou ao saltar sobre uma cerca, a perna de Tadeu começou a sangrar. Ele se aproximou do pai e disse: “Por que o senhor não gosta de mim? É por que o que sai do meu corpo é um líquido vermelho sem valor? Mas e se fosse amarelo e brilhante como ouro?” Azeredo não respondeu. Surpreso, se calou e abraçou o filho, clamando por perdão. A cena foi testemunhada ao longe pela prima Maria. Na semana seguinte, três dias antes de completar 12 anos, Tadeu foi encontrado deitado na própria cama, abraçado a uma foto em que ele aparecia brincando com a mãe e o irmão. Havia um pequeno frasco de estricnina ao seu lado. Tadeu estava morto e com os olhos fechados, como se estivesse se preparando para dormir. Quando viu o filho de pijama e sem vida, Hésio saltou pela janela do quarto que ficava no andar superior. O impacto provocou apenas um corte na cabeça, escoriações e um desmaio que durou cerca de duas horas. Ao acordar, teve uma cefaleia intensa que desapareceu só no fim da noite.
Maria Lorelli tentou conversar com o tio sobre a necessidade de velar e enterrar Tadeu, mas Hésio não quis dialogar. Deixou claro que não precisava da ajuda de ninguém, assumindo o compromisso de fazer tudo sozinho. Só exigiu que dois empregados levassem um enorme refrigerador horizontal, que estava na maior despensa da casa, até um quarto ao lado do seu. Mandou que todos saíssem, tomou Tadeu nos braços e o carregou para a sua suíte. Chaveou a porta do quarto e disse aos familiares que retornaria em algumas horas. Antes que alguém fizesse alguma pergunta, entrou em um jipe Land Rover e desapareceu na escuridão, retornando antes do amanhecer, acompanhado de um húngaro misterioso e com um forte sotaque a quem chamava de Gazda. Transferiram Tadeu para o quarto ao lado da suíte e não permitiu que ninguém entrasse no local.
No dia seguinte pela manhã, Azeredo estava mais calmo e convidou parentes e amigos mais próximos para participarem de enterro do filho no cemitério particular da família. Estranharam a atitude porque Hésio nem mesmo havia planejado o velório. Por comiseração e até por medo de uma má interpretação, ninguém cogitou questioná-lo por não deixar ninguém ver Tadeu antes de fechar o caixão. Algumas das pessoas que participaram da cerimônia, segundo Maria Lorelli, comentaram que Azeredo parecia mais lúcido e provavelmente, após o rompante de desespero, logo entraria na fase de aceitação. Quando todos os parentes foram embora, Azeredo dispensou parte dos empregados, justificando que como estava sozinho não precisava mais de tantas pessoas trabalhando na casa principal. Maria insistiu em continuar com o tio por mais alguns dias, mesmo ciente de que talvez não fosse mais bem-vinda. “Desconfiei de algo estranho acontecendo porque o tal húngaro que ninguém conhecia ficou na casa quase uma semana. Além disso, ele não parecia o tipo de pessoa com quem o tio costumava negociar”, argumenta.
Algumas horas antes de Gazda partir, Maria o ouviu cochichando algumas palavras ininteligíveis a Hésio. Sem motivo para prolongar a estadia, a jovem partiu para Curitiba, onde ingressou no curso de medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Nas férias, Maria sempre passava alguns dias na fazenda do tio para saber como ele estava e também para reviver lembranças do tempo em que ajudava a tia Clara e os primos Tadeu e Joaquim. Azeredo estava mais comunicativo e não viajava com muita frequência. Na realidade, raramente deixava a fazenda. A propriedade do empresário se tornou o seu mundo, tanto que as negociações diminuíram consideravelmente. Em 1962, apenas nove dos empregados continuaram trabalhando na propriedade. Era o suficiente para manter a operacionalização das atividades locais.
No final daquele ano, por intermédio dos pais, Maria ficou sabendo que Hésio, sem dar explicações, desfez de grande parte dos imóveis e empresas que possuía. Mas a surpresa maior veio em janeiro de 1963, quando Maria encontrou a fazenda abandonada. As plantações estavam morrendo e não havia ninguém no campo. Na casa principal, a sobrinha sentiu um forte mau cheiro vindo da cozinha, onde muitos alimentos estragaram há bastante tempo. Maria também se deparou com móveis cobertos por lençóis brancos. Nada disso pareceu tão estranho quanto uma bem disposta e linear trilha de notas de cruzeiro que começava no cemitério particular da família e terminava no quarto de Hésio Azeredo.
Maria Lorelli seguiu as notas e quando abriu a porta do quarto viu o tio deitado na cama abraçado com o filho Tadeu. Mesmo sem vida, o garoto estava com a aparência do dia em que foi encontrado morto. “Como participei do enterro dele três anos antes, pensei que eu estivesse louca. Até a expressão no rosto de Tadeu ainda era a mesma”, comenta. Após o susto, Maria viu que Hésio também estava morto. Ao lado do corpo, somente um frasco quase vazio de estricnina. Preocupada com a repercussão, a família de Maria evitou comentários e fez o possível para impedir que a história fosse divulgada. Até mesmo no registro de óbito consta que a causa da morte foi um ataque cardíaco. O caixão onde supostamente colocaram o corpo de Tadeu em 1959 sempre esteve vazio. O substituíram por outro e realizaram uma nova cerimônia fúnebre para pai e filho. Desta vez, com a participação de cinco pessoas. Antes de morrer, Hésio Azeredo deixou um testamento destinando 80% da fortuna para orfanatos, asilos e entidades sociais que cuidavam de crianças de rua.
O restante foi dividido entre sete familiares e dois irmãos de criação. Em um bilhete queimado no mesmo dia em que foi lido, Hésio explicou brevemente que o húngaro Gazda era um artista da matéria humana que lhe proporcionou, mesmo que por pouco tempo e com certo requinte ilusionista, se comunicar e se despedir do filho de uma maneira que ninguém jamais entenderia. Anos depois, Maria Lorelli ouviu novamente falar de Gazda em São Paulo. Então soube que o homem misterioso foi um dos mais revolucionários taxidermistas do Leste Europeu, onde trabalhou para czares, aristocratas e líderes socialistas. Se mudou para o Brasil nos anos 1940, fugindo da perseguição nazista aos ciganos.
Curiosidade
Tymbara é uma palavra de origem tupi-guarani que significa “aquele que enterra”.
Contribuição
Este é um blog independente, caso queira contribuir com o meu trabalho, você pode fazer uma doação clicando no botão doar:
A trajetória de Brizola
Um político que foi amado e odiado pelo Brasil
Lançado em 2007, o documentário Brizola – Tempos de Luta, do cineasta gaúcho Tabajara Ruas, embora tenha um título sugestivamente tendencioso, é uma biografia de Leonel Brizola sob a ótica de pessoas que, de algum modo, conviveram com o amado e odiado político, tido como louco por alguns e considerado visionário por outros. Em síntese, uma curiosa obra sobre o homem que por pouco não se tornou presidente do Brasil.
Brizola foi uma das mais controversas figuras públicas deste país e morreu aos 82 anos, em 21 de junho de 2004. Com uma trajetória política de seis décadas, o gaúcho entrou para a história como o único brasileiro a governar dois estados: Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.
O ex-governador conquistou fama no Brasil no início da década de 1960, após o episódio da “campanha da legalidade”, em que desafiou os militares e defendeu direitos constitucionais após a renúncia do presidente Jânio Quadros. Além de trazer à tona muitas imagens de momentos importantes da política brasileira que nunca ganharam espaço na TV, o documentário Brizola – Tempos de Luta tem como epicentro um conflito entre o político e o empresário Roberto Marinho, então proprietário da Rede Globo de Televisão.
A briga girou em torno de ofensas pessoais que Marinho dirigiu ao desafeto Leonel Brizola em 1992, usando todos os seus veículos de comunicação. O direito de resposta do político, obtido judicialmente, foi levado ao ar dois anos depois por meio da sorumbática voz de Cid Moreira durante uma antológica edição do Jornal Nacional.
Para os defensores do ex-governador, o episódio foi uma vitória, pois pela primeira vez na história da televisão brasileira alguém teve a oportunidade, sob o respaldo da lei, de fazer críticas severas a um grande empresário da teledifusão.
Para evidenciar a forte personalidade de Leonel Brizola, Tabajara Ruas não esconde que o foco maior é a narrativa, inclusive em várias cenas não há riqueza de detalhes, mas sim apenas uma câmera que sem profundidade se fecha diante do político e do microfone. No filme, também há participações dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, além de um relato verossímil sobre o encontro de Brizola com o guerrilheiro argentino Che Guevara no Uruguai em 1961.
O santo egoísmo
Viridiana e a personificação da crítica de Buñuel ao catolicismo
Lançado em 1961, Viridiana, do cineasta espanhol Luis Buñuel, é um filme de crítica social e religiosa que revela o egoísmo de uma noviça que, na esperança de alcançar a redenção, oferece abrigo e fartura a um grupo de mendigos.
A personagem Viridiana (Silvia Pinal) que empresta nome ao filme é a personificação da crítica de Buñuel ao catolicismo. Na obra, Dom Jaime (Fernando Rey) tenta ter uma relação incestuosa com a sobrinha noviça. Em uma noite, ciente de que a moça não o aceitaria, pede ajuda a empregada Ramona (Margarita Lozano) para colocar sonífero na bebida da sobrinha. Consumado o plano, Dom Jaime pensa em estuprá-la, mas desiste da ideia.
No dia seguinte, diz para Viridiana que ela não pode voltar ao convento porque ele tirou-lhe a virgindade. Por meio da perversão, a cena evoca uma crítica sagaz ao comportamento da burguesia espanhola. Perturbada, a noviça decide partir, então Dom Jaime conta a verdade. Ainda assim, a moça se recusa a continuar na residência. Retorna somente quando está prestes a deixar a cidade e recebe a notícia de que o tio cometeu suicídio por enforcamento.
Em ato de expiação, Viridiana se muda para a mansão, onde busca a redenção oferecendo abrigo e fartura a um grupo de mendigos. Luis Buñuel mostra uma contraditória faceta do catolicismo ao apresentar a conduta de Viridiana como uma falsa abnegação. Certo dia, quando a moça sai e deixa a propriedade sob os cuidados dos andarilhos, eles invadem a casa principal e preparam um banquete. A memorável cena dos mendigos em torno da mesa é uma corrosiva paródia da pintura “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci.
O clímax da violência estética do clássico de Buñuel surge no momento em que um mendigo tenta estuprar Viridiana. Impossibilitado de ajudá-la, o primo Jorge (Francisco Rabal) evita o pior oferecendo dinheiro a outro andarilho. Este mata o companheiro, e assim o cineasta corrobora a ideia de que abaixo da linha de pobreza a força do capitalismo também se sobrepõe de forma virulenta ao humanismo e à religiosidade.
Na história, os andarilhos, entregues a uma condição de vida primitiva, são incapazes de agregar valor a qualquer coisa imaterial; não se reconhecem como semelhantes e vivem em um universo onde a hierarquia pode ser interpretada como a de uma cadeia predatória.