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Neusa Sanches conta a história do Femup
Neusa fez parte da turma de estudantes que criou um dos festivais mais antigos do Brasil em atividade
“Nós éramos a turma pioneira do curso clássico do Colégio Estadual de Paranavaí [CEP]. Nos reunimos em 13 alunos para discutir sobre a formatura e pensamos em realizar alguma promoção”, conta a professora Neusa Sanches, uma das fundadoras do Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup), criado em 1966.
A princípio, por iniciativa de Osvaldo Cruz, vários estudantes cogitaram a possibilidade de fazer um baile, até que Neusa Sanches sugeriu uma noite de artes. Todos concordaram com a ideia e procuraram o professor Gomes da Silva, do Rio de Janeiro, que ministrava aos alunos um curso de oratória e liderança. “Fomos até o Hotel Elite, onde ele estava hospedado. Falamos a nossa ideia e ele achou ótima”, lembra Neusa.
A primeira sugestão da turma foi a abertura de inscrições de poemas inéditos. Como não havia categoria música, a animação do evento era feita por professores e alunos do Conservatório Nice Braga. “A ideia de se chamar de festival partiu do professor Gomes da Silva. Ele disse o seguinte: ‘Façam o primeiro festival e depois deem continuidade’. Começamos o trabalho antes das férias, em junho. Não tivemos muito tempo. Mas tudo deu certo com a orientação dele. Logo saímos às ruas colando cartazes”, relata.
O primeiro festival teve um formato elitizado, já que os convites eram vendidos para pessoas que os alunos consideravam interessadas em arte. Além dos envolvidos na organização, 50 convidados participaram da primeira edição realizada no Paranavaí Tênis Clube. Quem fez a apresentação foi o professor Ângelo Sebastião de Andrade, diretor do Colégio Estadual de Paranavaí.
Dos 16 poemas inscritos, um era “Maria Rio Bahia”, do professor Gomes da Silva.
Toda a divulgação do evento era feita a pé e o dinheiro arrecadado com a venda de convites era destinado às despesas gerais, incluindo confecção dos pequenos e simplórios troféus. Para evitar imprevistos e desorganização, como a maior parte dos estudantes trabalhava, eles assumiram o compromisso de usar a hora do almoço para contribuir na coordenação do evento. “Eu, por exemplo, fazia o curso clássico à noite e escola normal durante o dia. Ninguém tinha muito tempo. Era preciso fazer sacrifícios”, garante Neusa.
No segundo festival, que teve um público três vezes superior ao primeiro, o radialista Fernando da Silva declamou “João das Dores” e também “Maria Rio Bahia”. “Ele foi excelente e ajudou a dar uma cara popular ao festival. O segundo Femup foi realizado em parceria com o pessoal da turma do clássico do período noturno. Não tinha mais a turma da manhã. A repercussão só foi melhorando”, declara Neusa que se emociona ao se recordar do empenho do professor Gomes da Silva.
A partir do terceiro festival, ainda sob coordenação da turma pioneira do curso clássico, não houve mais cobrança de convite nem de ingresso. O 4º Femup, realizado no Cine Ouro Branco em 1969, e pela primeira vez fora do Paranavaí Tênis Clube, contou com o 1º Concurso de Contos de Paranavaí. O grande vencedor foi o escritor Paulo Marcelo Soares da Silva com o conto “O Cafezal”, publicado no Diário do Noroeste.
Desde as primeiras edições os organizadores convidavam professoras de português para participarem da comissão julgadora. “Sempre tivemos essa preocupação. A professora Maria Alice Penteado, que depois casou com o João Vitorino Franco, depois de estreitarem contato através do festival, teve importante participação na comissão de poesia”, declara Neusa Sanches.
Se nos dois primeiros festivais a participação se restringia mais a Paranavaí, a partir do terceiro o Femup começou a atrair atenção de pessoas de todo o Paraná. “Vinha muita gente de Londrina. E com a criação do concurso de contos o festival cresceu muito. Tínhamos apoio do radialista Fernando da Silva que fazia entrevistas com artistas e organizadores do Femup em horário nobre. O Diário do Noroeste e a Folha de Londrina também ajudaram muito”, garante.
Outra característica que distingue o Festival de Música e Poesia de Paranavaí de muitos outros festivais é que desde o surgimento já existia uma preocupação em publicar os trabalhos vencedores. “Começamos em 1966 com um livrinho bem simples, encadernado, até feinho, feito no mimeógrafo. Fazíamos tudo com material doado, desde a tinta até as folhas. Não tínhamos condições financeiras de ir além”, justifica Neusa, lembrando que só os quatro melhores trabalhos eram premiados.
Após décadas de envolvimento com o festival, a professora Neusa Sanches se afastou para cuidar dos filhos pequenos. “Quando me tornei professora do Colégio Estadual, eu sempre participava das comissões julgadoras de contos e poesia. Mais tarde, preferi me distanciar para não fazer um trabalho mal feito. Mas posso dizer que passei muitos anos sem perder nenhum, era macaca de auditório”, comenta às gargalhadas.
João Franco e Leonar Cardoso se emocionam ao falar do Femup
João Vitorino Franco e Leonar Araújo Cardoso também fizeram parte da primeira turma do curso clássico do Colégio Estadual de Paranavaí (CEP) que criou o Festival de Música e Poesia de Paranavaí (Femup). Os dois se recordam com muita emoção das primeiras edições. “Até então a gente nem pensava em festival. Queria só fazer uma atividade cultural. E a pessoa mais indicada para nos ajudar era o professor Gomes da Silva. Ele abraçou a ideia e explicou o que era preciso fazer”, conta Franco.
Leonar relata que o 1º Femup teve um público modesto, mas que serviu de estímulo para levar a iniciativa mais a sério, ampliando a qualidade do festival. “Procuramos algumas empresas de Paranavaí porque já achávamos importante fazer um troféu para entregar aos vencedores. Todos ajudaram. Só não vou citar nomes dos patrocinadores porque posso esquecer algum e ser injusto”, justifica João Vitorino.
O segundo festival trouxe novo fôlego e começou a chamar a atenção da população de Paranavaí. “Tínhamos mais público e mais experiência. Não estávamos mais restritos ao curso clássico e ao Colégio Estadual de Paranavaí”, comenta Leonar Cardoso. A comissão organizadora do 3º Femup foi presidida por João Franco que considera um privilégio a oportunidade de organizar um festival que hoje tem abrangência nacional e quase 50 anos. “Se tudo deu certo em 1968 é porque todos os meus colegas contribuíram. A gente ainda não tinha ideia da dimensão que o festival alcançaria. Foram anos inesquecíveis no Paranavaí Tênis Clube e Cine Ouro Branco”, avalia Franco.
Hoje, os ex-alunos do curso clássico do Colégio Estadual acham mais do que justo dizer que o mérito também é de Paranavaí. “A cidade, indireta e indiretamente, tomou consciência do festival a partir da segunda edição e se tornou muito participativa”, defende João Vitorino, lembrando que o festival não existiria hoje sem o apoio da população e da classe artística local.
Neusa Sanches, Leonar Cardoso e João Franco, que estão entre os homenageados do 50º Festival de Música e Poesia de Paranavaí, lamentam apenas a ausência de importantes nomes que ajudaram a moldar o Femup desde a primeira edição. “Dói saber que um amigo como Osvaldo Cruz, uma figura extraordinária, já não está mais entre nós. Mas a vida é assim. Também sentimos a falta de Hermenegildo Garcia que foi embora de Paranavaí há muito tempo. Ele trabalhava na Rádio Cultura e ajudou demais na divulgação. Torcemos para que o Femup nunca chegue ao fim”, declara João Franco.
Quem era o professor Gomes da Silva
O professor José Gomes da Silva, graduado em letras e professor no Rio de Janeiro, é considerado pelos criadores do Femup como a “alma do festival”. Responsável por ensinar como fazer um bom evento de artes, inclusive como julgar, morou em Paranavaí até o final do terceiro festival. “Uma das declamadoras, a Célia, se casou com ele. Numa das viagens para Curitiba, eles sofreram um acidente e caíram na serra. A Célia morreu e o professor Gomes da Silva conseguiu salvar o bebezinho deles depois de subir a serra para pedir socorro. Eu soube que ele deixou a criança no hospital e desapareceu”, confidencia a professora Neusa Sanches.
Comissão organizadora do 1º Femup
Professor José Gomes da Silva, Alzira Suguino, Clóvis Costa Cordeiro, Edna Parpinelli, Elizeu Petrelli de Vitor, Else Ravelli, Gentil Carraro, Hermenegildo Garcia, João Vitorino Franco, Juarez Echeli, Leonar Araújo Cardoso, Luiz Geraldi Sobrinho, Luiz Volzzi Neto, Mara Watanabe, Neusa Sanches, Osvaldo Cruz (In memoriam), Pedro Jardim e Terezinha Silva de Oliveira.
Vencedores do 1º Concurso de Contos de Paranavaí
Curiosidades
Na primeira edição o Femup recebeu cerca de 60 inscrições.
Em 1987, o troféu Barriguda, então feito de ferro e desenvolvido pelo artista plástico Saulo Suguimati, foi entregue pela primeira vez aos participantes que ficaram em primeiro lugar no festival.
Outra boa lembrança era frequente participação do declamador José Maria Cavalcanti.
Frases da professora Neusa Sanches
“O falecido Osvaldo Cruz era da linha de frente em 1966. Muito companheiro, assim com o Hermenegildo Garcia.”
“A Elmita Simonetti Pires era pequeninha e já declamava nas primeiras edições. Era muito bonito de se ver.”
“O Paulo Cesar de Oliveira depois injetou mais ânimo no Femup com o Grupo Gralha Azul.”
“Quando o doutor Atílio planejou criar o curso clássico em Paranavaí, a menina dos olhos dele, trouxe muita gente de fora. Veio o professor Apolo e vários outros professores de português, francês e latim que eram de Curitiba. Todos deram sua contribuição.”
“O professor Gomes da Silva foi o melhor orador que conheci na minha vida.”
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“Doutor, vou estourar os miolos dele”
Em 1966, o então governador Paulo Pimentel veio a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, com uma grande comitiva. Acompanhado de quase todos os secretários, o político “lotou” Paranavaí com carros oficiais do governo, de acordo com Augustinho Borges que à época era gerente da Reta Táxi Aéreo e recepcionou a comitiva no Aeroporto Edu Chaves.
Ao longo de três dias em Paranavaí, Paulo Pimentel aproveitou para conhecer o comércio local e as opções noturnas de lazer. À noite, em um dos momentos de descontração, Augustinho levou a comitiva até uma boate local. Chegando lá, o secretário estadual de comunicação Pedro Washington cordialmente se aproximou de uma moça muito bonita e disse: “Ô menina, tudo bem aí?” Um homem que estava perto ficou muito irritado e em tom ameaçador foi pra cima do secretário. “Você chegou agora e já vem metendo o bico?”, esbravejou o rapaz.
Sem entender o motivo da raiva, Washington apenas respondeu: “Não, filho! Estou apenas sendo educado.” Tonico, um jovem de Paranavaí que tinha fama de matador e trabalhava como segurança para a comitiva do governador, entrou na frente extremamente encolerizado. Depois de balançar uma pistola Parabellum, Tonico gritou: “Doutor, vou estourar os miolos dele agora mesmo. Deixa eu matar, deixa eu matar!”
Preocupado que uma discussão banal terminasse em tragédia, Pedro Washington deu alguns tapinhas nas costas de Tonico e suplicou: “Pelo amor de Deus, não faça isso! Não faça isso!”, lembra Augustinho Borges aos risos. O homem então abaixou a arma e desistiu de matar o rapaz.
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Refugiado húngaro criou as maiores obras da Igreja São Sebastião
Em Paranavaí, Bálint Fehérkúti criou as mais importantes obras da Igreja São Sebastião
Entre os anos de 1966 e 1971, depois de escapar de um gúlag, campo de trabalho forçado na União Soviética, o artista plástico húngaro Bálint Fehérkúti viveu em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, e produziu as mais importantes obras da Igreja São Sebastião. Com uma sublime capacidade de transmitir sentimentos pessoais por meio da arte, Fehérkúti despertou admiração e repulsa.
“Na via-crúcis tradicional a cena é muito restrita a cruz e mais duas ou três pessoas. Bálint preferiu fazer diferente. Incluiu mais personagens, alguns como se estivessem dialogando. Foi realmente inovador”, conta frei Filomeno dos Santos após analisar a obra de caráter estético arcaico produzida em argila pelo artista húngaro em 1966.
Em essência, a Via-Sacra de Fehérkúti foi pouco compreendida. Com o passar dos anos, os fiéis se dividiram entre favoráveis e contrários à exposição da obra. Alguns alegavam que mesmo muito bonita não despertava piedade. Outros foram mais intolerantes e intransigentes nas críticas. Em 1990, quando a Via-Sacra começou a se deteriorar, o frei Gentil Lima alegou que não encontraram restauradores habilitados para conservar a estética original, então decidiu substituí-la.
De 1966 a 1971, Fehérkúti produziu as populares esculturas de quatro grandes estátuas de São José, São Sebastião, Maria do Monte Carmelo e Santa Teresa de Lisieux. As estátuas foram finalizadas pelo escultor austríaco Conrado Moser. Para a Ordem do Carmo de Paranavaí, o artista húngaro criou também uma pintura do batismo de Jesus e outra da ressurreição de Cristo. A primeira pode ser vista na capela do batismo e a segunda na cripta embaixo do altar-mor.
Em 2006, durante visita à Paróquia São Sebastião, atual Santuário do Carmo, me surpreendi com a intrigante pintura de “A Última Ceia”, inspirada no afresco de Leonardo da Vinci. A imagem que ocupa uma parede inteira do refeitório foi idealizada pelo húngaro em 1970. Quem observa a pintura com atenção percebe que pouco acima da cabeça de Jesus Cristo há um par de olhos, chifres e um focinho. A primeira pessoa que notou a suposta figuração do demônio foi um padre franciscano que visitou a paróquia em 1990.
Ninguém sabe se a representação foi intencional ou não, já que é muito comum o inconsciente se revelar durante uma prática artística. “Acredito que simboliza a tentação que Judas sofreu em trair Jesus”, interpreta frei Filomeno. Na “Última Ceia” de Bálint, a aparência clássica e hermética dos apóstolos foi substituída por feições mais familiares dos padres alemães que viviam em Paranavaí.
“Na sala de recreação, uma grande pintura com uma vista de Bamberg [cidade de origem de muitos padres que viveram em Paranavaí] testemunha a sua capacidade, assim como a pintura que está no altar da Igreja Nossa Senhora das Graças [situada em Graciosa, distrito de Paranavaí]”, escreveu o frei alemão Alberto Föerst no livro Erinnerungen eines Brasilienmissionars, lançado na Alemanha em 2012.
Ultrapassando estilos, técnicas e formas, Fehérkúti encontrou na subjetividade da arte um meio de tentar se reencontrar, dialogar consigo mesmo e registrar a própria história, além de materializar em desenhos, pinturas e esculturas as impressões e cicatrizes deixadas pelo passado.
Escultor, pintor e desenhista, Bálint era acima de tudo um artista múltiplo, apto a enfrentar qualquer desafio. Ousado, sabia como se lançar em cada obra de forma implícita e explícita. Não hesitava em apresentar uma perspectiva mais contemporânea e pessoal de tudo. Manipulava os mais diferentes materiais com uma facilidade impressionante.
Surpreendia trabalhando com pinturas em aquarela e têmpera, lápis sobre papel, vitrais, mosaicos e esculturas em pedra, cerâmica e madeira. Padres que conviveram com o artista em Paranavaí confidenciaram que possivelmente as obras retratam o sofrimento de Fehérkúti antes de chegar ao Brasil.
De acordo com o frei Tiago Correia, da Ordem do Carmo, o húngaro fez muitos trabalhos de temática religiosa, envolvendo passagens das sagradas escrituras, imagens de Jesus Cristo e da Virgem Maria. No entanto, há também projetos de mobiliários e muitas pinturas de paisagens e rostos de pessoas comuns. “Sim, Bálint era um artista realmente distinto e polivalente”, registrou Föerst na obra Erinnerungen eines Brasilienmissionars.
Somando-se as obras de grande expressão que podem ser vistas em Paranavaí, Graciosa e no Museu da Abadia de São Geraldo, no Jardim Colombo, em São Paulo, na capital paulista, Bálint deixou um legado de mais de 50 criações históricas e inovadoras. São trabalhos que foram catalogados pela Ordem dos Carmelitas. Em 1951, Fehérkúti participou e se destacou na 1ª Bienal Internacional de São Paulo. Em 1968, atraiu muita atenção no XXXIII Salão Paulista de Belas Artes.
Embora tenha passado quase despercebido pela população de Paranavaí, Bálint está entre os maiores nomes da arte húngara contemporânea. Em Budapeste, na Hungria, algumas de suas obras fazem parte dos acervos do Museu de Artes Aplicadas (Iparművészeti Múzeum) e Universidade Húngara de Belas Artes (Magyar Képzőművészeti Egyetem). O trabalho do artista também integra a Biblioteca Europeana, fundada pela União Europeia em 2008.
Fehérkúti foi considerado um inimigo da União Soviética
Bálint Fehérkúti nasceu na Hungria em 5 de novembro de 1923. Nos anos 1940, já atuava como artista plástico, designer de objetos e arquiteto. Com a iminente derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) invadiu a Hungria, aliada dos alemães, e assumiu o controle da capital Budapeste em 13 de fevereiro de 1945.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a União Soviética começou a perseguir e prender nazistas e simpatizantes até que surgiu um problema operacional. Para a manutenção de cada gulag (campo de concentração), os soviéticos precisavam de pelo menos dois mil prisioneiros. Então muitas vezes a cota não era atingida. Para alcançar a meta, o Exército Vermelho decidiu prender alemães étnicos não nazistas e húngaros nativos, de origem magyar.
“A serviço dos vencedores da Segunda Guerra Mundial, a imprensa mundial virou as costas para os fatos e concordou em divulgar apenas que o Exército Vermelho era formado por libertadores. Nos países ocupados pela União Soviética, quem ousasse dizer o contrário era punido”, garante o pesquisador e professor universitário húngaro Károly Szerencsés, doutor em história da Hungria no século XX pela Universidade Eötvös Loránd, de Budapeste.
Ao longo de anos pesquisando sobre o assunto, o historiador descobriu que a interferência econômica e a destruição patrimonial provocada pelos soviéticos custaram 40% das riquezas da Hungria. “Foi um longo período de pobreza, privação e terror. Temos uma estimativa de que entre 1945 e 1948 até 200 mil mulheres húngaras foram estupradas pelo Exército Vermelho”, revela o professor e escritor estadunidense Peter Kenez, autor do livro Hungary From The Nazis To The Soviets e doutor em história da Rússia e do Leste Europeu pela Universidade Harvard.
Em pouco tempo, a vida de Bálint Fehérkúti mudou. Ainda muito jovem, o artista foi considerado um inimigo da União Soviética. Perseguido e condenado com base em provas forjadas, o deportaram para um gulag na Sibéria por volta de 1946. “Cidadãos húngaros foram enviados a dois mil campos de prisioneiros. Do total, 64 ficavam na Sibéria. Muitos morreram antes de chegarem ao destino. O número de pessoas que jamais retornaram à Hungria ultrapassa 380 mil”, explica Szerencsés. Os gulags eram considerados colônias corretivas em que os prisioneiros eram escravizados 14 horas por dia em minas, derrubadas de árvores e projetos de construções de canais e ferrovias.
“Tinham de trabalhar sob constante ameaça de fome e execução. As árvores eram cortadas com serrotes ruins e o solo congelado era escavado com picaretas primitivas. Os homens que trabalhavam extraindo carvão ou cobre só podiam usar as mãos. Quem inalava o pó de minério com frequência, logo contraía doenças pulmonares dolorosas”, enfatiza o pesquisador e professor universitário estadunidense Roy Rosenzweig, doutor em história pela Universidade Harvard e autor do projeto Gulag: Many Days, Many Lives, considerado um dos mais ricos trabalhos de pesquisa sobre os campos de concentração da União Soviética.
Inúmeros historiadores defendem que é mais fácil uma pessoa ganhar na loteria hoje do que um prisioneiro escapar de um gulag siberiano. “Eram mal alimentados, espancados e executados por motivos diversos. A cada ano havia uma queda de 10% do total de prisioneiros. Estimamos que de 15 a 30 milhões de pessoas morreram nesses campos de concentração entre 1918 e 1956”, declara Rosenzweig.
Provavelmente, Fehérkúti vivenciou as piores experiências de sua vida em um gulag siberiano. A região tinha a fama de ter as prisões mais aterrorizantes da União Soviética. Era preciso suportar um inverno com duração de nove meses e temperatura média de 50 graus Celsius negativos, chegando a ultrapassar 60 entre os meses de dezembro e janeiro. “Os presos viajavam até lá de trem, mas havia uma época do ano em que o frio era tão intenso que os serviços de transporte eram interrompidos”, frisa Roy Rosenzweig.
Artista fugiu de um gulag na Sibéria e veio para o Brasil
Segundo o pesquisador Károly Szerencsés, aos olhos das autoridades soviéticas, a vida dos prisioneiros não tinha valor algum. “A substituição era rápida porque o sistema podia encontrar mais pessoas para reposição nos campos de trabalho”, comenta. Entre 1949 e 1950, ciente de que não continuaria vivo por muito tempo, Bálint Fehérkúti preparou um plano de fuga e decidiu se arriscar pela primeira vez, mesmo sabendo que caso fosse capturado a pena seria aumentada em pelo menos dez anos.
Supostamente, por sorte ou artifício do destino, conseguiu fugir carregando apenas uma corda. A usou para se amarrar embaixo do trem que o levou até a Sibéria como prisioneiro. Sem poder retornar para casa, vagou pela Europa e se distanciou de países ocupados pelos soviéticos até chegar a Portugal. “De lá, embarcou em um navio com destino ao Brasil. Em São Paulo, Bálint foi acolhido pela comunidade húngara”, relata frei Filomeno dos Santos.
Na capital paulista, Fehérkúti recebeu ajuda e voltou a trabalhar como artista, arquiteto e designer de objetos. Mais tarde, fez amizade com o arquiteto Eugênio Szilágyi e o engenheiro Karl Kögl, imigrantes que deixaram a Hungria no final da Segunda Guerra Mundial, fugindo das perseguições, e vieram para o Brasil.
Em 1960, a convite da Ordem dos Carmelitas, Szilágyi e Kögl aceitaram o desafio de construir em Paranavaí a Igreja São Sebastião. “A pedra fundamental foi colocada no mês de outubro. Demorou cinco anos até que pudéssemos mudar para a nova casa de Deus, projetada de forma ampla e útil”, narra o frei alemão Joaquim Knoblauch no livro “Os 25 Anos dos Carmelitas da Província Germaniae Superioris no Brasil”, escrito em 1976.
Os húngaros projetaram e construíram também o convento. Um ano após a inauguração, padres alemães da Ordem dos Carmelitas de Paranavaí conheceram o trabalho de Bálint Fehérkúti e pediram a Eugênio Szilágyi e Karl Kögl que o trouxessem a Paranavaí. O artista foi além das expectativas, tanto que criou obras para a paróquia local ao longo de cinco anos. Alberto Föerst, que conviveu com Fehérkúti por meses, registrou muitos elogios ao húngaro no livro Erinnerungen eines Brasilienmissionars.
O advogado e escritor paranavaiense Paulo Campos ainda se recorda das poucas vezes em que escalou um muro nas imediações da Igreja São Sebastião para observar Fehérkúti. “Eu era menino e muito curioso. Para mim, aquele artista foi uma figura enigmática e intrigante, ainda mais porque não sabíamos quase nada sobre ele”, confidencia Campos.
Introspectivo e praticamente ostracista, o húngaro passava a maior parte do tempo trabalhando. Raramente era visto fora da Igreja São Sebastião ou do convento. Föerst escreveu que a única fraqueza de Bálint Fehérkúti era o alcoolismo. Bebia para tentar esquecer os traumas da perseguição na Hungria e da vida desumana em um gulag. “Após o fim da Guerra [Segunda Guerra Mundial], ele teve de suportar muitas dificuldades. Isto o marcou a longo prazo”, pondera frei Alberto na obra Erinnerungen eines Brasilienmissionars.
Com o tempo, a dependência alcoólica se tornou o maior obstáculo na vida de Fehérkúti. No dia 30 de março de 1977, em São Paulo, o artista que escapou de um campo de trabalho forçado na Sibéria faleceu com apenas 53 anos em decorrência de problemas de saúde causados pelo alcoolismo.
Saiba Mais
O arquiteto Eugênio Szilágyi e o engenheiro Karl Kögl foram os responsáveis pela construção da Embaixada da Hungria no Brasil. Situada em Brasília, foi inaugurada em 21 de agosto de 1972.
A ocupação soviética da Hungria chegou ao fim somente em junho de 1991.
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Fafipa, a faculdade mais antiga do Noroeste do Paraná
Nelson Akiyoshi: “Falavam que nossa cidade não tinha importância social nem estrutura para comportar uma faculdade”
Em 1965, Nelson Akiyoshi era professor do Colégio Estadual de Paranavaí. Naquele tempo, Paranavaí tinha uma grande demanda de profissionais com formação superior. Então dentro do colégio surgiu uma discussão sobre a viabilidade de se fundar uma faculdade, a primeira do Noroeste do Paraná. “Nossa principal necessidade era formar professores, pois tínhamos poucos. O problema é que outros envolvidos aproveitaram a oportunidade para fazer propaganda política em cima dessa ideia, angariando votos”, contou Akiyoshi.
À época, o prefeito criou uma comissão com representantes do Núcleo Regional de Educação, além de autoridades de classe e magistrados. Segundo o professor, a preocupação maior do administrador municipal era mostrar que estavam se mobilizando. Em outro sentido, o presidente do Grêmio Estudantil do Colégio Estadual de Paranavaí, Ivo Cardoso, pediu para Nelson Akiyoshi assumir o trabalho da agremiação. “Fiquei como representante da criançada, dos alunos. Cada um tinha sua finalidade e aos poucos fomos afastando a comissão que criaram com intenção política”, explicou.
Os primeiros passos da Faculdade de Filosofia de Paranavaí
Preocupado, Akiyoshi começou a se aprofundar em estudos sobre implantação de instituições públicas de ensino superior. Algum tempo depois, acompanhado por alunos e professores, realizou uma viagem até Curitiba para conversar com a superintendente de ensino superior Maria de Lourdes Zanardini de Camargo. Entusiasmada com a ideia de uma faculdade em Paranavaí, a superintendente pediu que elaborassem um projeto detalhado e depois o encaminhassem a Curitiba.
Bem articulada, a equipe sob o comando de Nelson Akiyoshi preparou um projeto completo que incluiu levantamento socioeconômico de toda a região e declaração de autoridades públicas, inclusive do prefeito. “Foi um bom trabalho de base. Mandamos tudo para Curitiba e logo foi apreciado pelo Conselho Estadual de Educação. Era o primeiro passo para implantação da faculdade que começou municipal e se tornou estadual”, frisou.
Por problemas políticos e burocráticos, o Grêmio Estudantil e os professores engajados na conquista tiveram de recorrer a deputados estaduais e federais para agilizar o processo de instalação da instituição. “Vários abraçaram a causa porque entenderam como uma excelente oportunidade de conquistar mais eleitores”, declarou o professor.
Em 1966, apesar dos obstáculos, conseguiram a permissão para o funcionamento da Fundação Faculdade de Filosofia de Paranavaí que começou a operar com poucos professores de graduação superior. “Ficamos entusiasmados e contratamos mais docentes. O próximo passo foi a adequação dos professores. Incentivamos cada um a fazer especializações, cumprindo os quesitos legais para conseguirmos a certificação estadual. Foi muito trabalhoso, mas valeu a pena”, admitiu Akiyoshi.
“Maringá não gostou nem um pouco”
Paranavaí teve motivos para comemorar. Foi pioneira em ensino superior no Noroeste do Paraná, superando Maringá que apenas três anos depois conseguiu fundar a Universidade Estadual de Maringá (UEM). “Maringá não gostou nem um pouco. Autoridades políticas foram até Curitiba reclamar de Paranavaí. Falaram que a nossa cidade não tinha importância social nem estrutura para comportar uma faculdade”, confidenciou.
A qualidade do ensino norteou a instituição logo no início. O entusiasmo dos professores em lecionar estimulou os acadêmicos a se tornarem docentes. “Tivemos essa felicidade. Se você der uma olhada no quadro de professores vai ver que há muitos anos formamos profissionais para darem aula na Fafipa. Claro, eles fizeram pós-graduação, mestrado e doutorado fora, mas a base é aqui”, defendeu o professor Nelson. No começo, não foram poucos os profissionais contratados pela faculdade que deixaram outros estados e cidades.
Akiyoshi se recordou da professora Lucinda Michelon que saiu do Rio Grande do Sul para dar aula de história em Paranavaí, além de muitos professores vindos de Curitiba. Nos primeiros anos, a instituição oferecia os cursos de pedagogia, iniciação em ciência (curso válido para lecionar a alunos de primeira e quarta série do ensino fundamental), geografia, história e letras. Como havia grande procura de professores em toda a região, o aperfeiçoamento era obrigatório para se manter no mercado de trabalho. A instalação da faculdade também permitiu que muitos regularizassem a própria situação.
Os vestibulares mais exigentes
Os primeiros vestibulares da Fafipa estavam entre os mais exigentes do Paraná, tanto que poucos inscritos conseguiam a aprovação. A solução era realizar segunda chamada para preencher o número de vagas. Mas isso não acontecia por desinteresse dos estudantes. A verdade é que nos anos 1960 e início de 1970, muitos alunos eram chefes de família com graves problemas financeiros. “Eles recorriam a nós pedindo ajuda. E o mais incrível é que sempre davam um jeito de participar dos movimentos estudantis. Havia uma seriedade surpreendente, rara hoje em dia”, avaliou o ex-diretor da Fafipa.
A instituição passou por sérias dificuldades econômicas nos primeiros anos. Houve várias promessas de repasse de recursos do Governo do Paraná, mas nada foi concretizado. O único apoio recebido foi do poder público municipal. Para evitar que a faculdade fosse fechada, Nelson Akiyoshi sugeriu a criação de uma mensalidade a ser paga de acordo com as condições financeiras dos estudantes. A ideia foi colocada em prática e mesmo recebendo pouco, os professores entendiam a situação e se empenhavam em ajudar.
A primeira sede da Fafipa foi na Avenida Rio Grande do Norte, onde é hoje o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). O prédio foi doado para a faculdade pela Câmara Municipal de Paranavaí. “Nosso compromisso era proporcionar educação. Bem diferente de uma instituição que visa lucro, fazíamos tudo com a intenção de evitar onerar os responsáveis pelo funcionamento da Fafipa e os estudantes”, ressaltou. Mais tarde, levando em conta as necessidades da região, a instituição foi atrás de novos cursos que contribuíram para transformar Paranavaí em um dos destinos preferidos dos estudantes do Norte do Paraná.
“Me afastei porque a Fafipa virou um trampolim político”
Nelson Akiyoshi lamentou que após algumas décadas a faculdade se tornou uma “sucursal” de outras universidades, recebendo poucos investimentos e tendo de se submeter a conflitos de interesses e jogos políticos. “Não começamos o nosso trabalho para tudo ser sucateado. Sofremos muito para que a Fafipa existisse. Depois a vimos perder o seu valor se comparada a tantas universidades bem mais jovens que se tornaram prioridade para o Governo do Paraná”, desabafou.
Sobre as dificuldades na implantação da faculdade, o professor citou as eleições de 1965, quando o prefeito José Vaz de Carvalho, comprometido em trabalhar para o candidato a governador Affonso Camargo Neto, mudou de lado e apoiou o adversário Paulo Pimentel. Já os professores e o Grêmio Estudantil seguiram a recomendação do governador Ney Braga e apoiaram Camargo Neto que prometeu agilizar a instalação da faculdade.
“O prefeito enganou o Ney Braga e nos deixou sozinhos, sem qualquer explicação. Pagamos o preço porque o Camargo Neto foi derrotado. Quando íamos até Curitiba pedir algo, o Paulo Pimentel se recusava a nos atender. Fazia aquele jogo de empurra”, reclamou. Independente dos problemas, os professores de Paranavaí perseveraram e em menos de um ano alcançaram o objetivo. Embora falasse a quem quisesse ouvir que a Fafipa o deixou muito orgulhoso e lhe trouxe algumas das melhores lembranças ao longo da vida, Nelson Akiyoshi nunca escondeu a mágoa de ver a faculdade transformada em uma instituição diferente da sonhada.
“Começamos a trabalhar com quatro turmas, uma de cada curso. Havia muito idealismo. Isso foi se acabando e me afastei porque a Fafipa virou um trampolim político. Sempre fui o que sou, dentista, então voltei pra minha profissão. Tinha largado tudo para me dedicar à faculdade”, enfatizou o professor que em 1966 teve que enfrentar uma pessoal crise financeira para se empenhar na conquista da permissão de funcionamento da instituição.
“Nelson Akiyoshi foi o maior batalhador da história da Fafipa”
Akiyoshi começou a lecionar porque gostava de trabalhar com adolescentes e jovens adultos. Se sentia realizado em uma sala de aula e envaidecido por mostrar o conhecimento que tinha para dividir com os alunos. “Eu desconhecia minha vocação como professor. Foi por uma casualidade que a descobri. Muitas vezes, passamos a vida sem saber que temos certos talentos”, salientou e disse que quando era professor de biologia se sentia mais jovem em contato com os estudantes.
O entusiasmo o animava tanto que sempre foi lembrado como um dos mais ativos líderes de grupos de estudantes e professores de Paranavaí. “Eu digo que o Nelson Akiyoshi foi o maior batalhador da história da Fafipa. Ninguém lutou tanto. Ele fez tudo acontecer com o trabalho de uma boa equipe formada por professores e alunos”, pontuou o comerciante Romeu Valmor Voida que ingressou na Fafipa em 1970 e se graduou em geografia.
Voida se conduziu pelo passado ao detalhar como era quando a instituição funcionava onde é o atual Senac. Segundo o comerciante, havia um prédio de “material” e outro de madeira com salas, biblioteca e diretório acadêmico. Na década de 1970, geografia, letras (inglês e francês) e pedagogia eram os cursos mais disputados. Pessoas de pelo menos 50 cidades do Paraná participavam do vestibular da Fafipa que oferecia também os cursos de estudos sociais e matemática.
Muitos chegavam sujos na sala de aula
Quando o professor Roberto Ferreira assumiu a diretoria, a instituição obteve o reconhecimento do governo federal. A carga horária mínima a ser cumprida era de 75%. A maior parte dos alunos evitava ao máximo faltar às faltas, mesmo que isso significasse chegar sujo à sala de aula. “Muita gente ia de kombi fretada pra faculdade. Não tinha asfalto e quando atolava tinha que descer e ajudar. Era lama pra todo lado e isso acontecia com frequência”, testemunhou Romeu Voida que se recorda dos contratempos enfrentados pelos muitos colegas de Porto Rico, Querência do Norte, Diamante do Norte, Itaguajé, Paranacity e outras cidades.
A Fafipa tinha fama de ser uma das melhores faculdades do interior do Paraná pelo alto nível dos professores, tanto que não havia reclamações quanto ao corpo docente. Voida decidiu cursar geografia quando retornou do exército e ingressou na empresa Transparaná. Foi convencido por quatro amigos que também se interessaram pelo curso. “Meu sonho era agronomia, mas era praticamente particular, não dava pra mim. Fui o último a entrar no grupo e o único a concluir geografia”, assinalou rindo.
Turma de geografia de 1973 se reúne a cada cinco anos
A turma de Voida já se reuniu várias vezes. Um dos eventos mais marcantes foi a festa de 25 anos após a conclusão do curso que contou com 33 dos 39 acadêmicos formados – 60% atuam na área. Depois realizaram o encontro de 30 anos com 22 ex-alunos. Houve uma queda no total de participantes porque vários faleceram. Alguns colegas de Romeu Valmor se tornaram prefeitos. Os exemplos são Cláudio Pauka em São João do Caiuá e Mário Miyamoto em Paranacity. Apesar de tudo, o grupo mantém o compromisso de se reunir a cada cinco anos.
Voida foi vice-presidente do diretório acadêmico em 1970. Nos anos subsequentes, assumiu como secretário, diretor e presidente. A responsabilidade da diretoria era lidar com os aspectos sociais da vida acadêmica. “Estávamos lá sempre que precisavam da gente. Organizamos muitas festas comemorativas. Quase tudo tinha nossa participação”, garantiu. Comparando passado e presente, o comerciante se queixou que na atualidade há muito individualismo entre os estudantes.
Para Romeu Valmor, a Fafipa só sobreviveu as adversidades graças ao empenho dos primeiros diretores e de muitos professores. “Foram profissionais excelentes, bem respeitados. Por isso a faculdade ainda está aí. As dificuldades existem sim e sempre vão existir, mas sempre cabe a diretoria correr atrás do que é melhor para a instituição, professores e alunos”, sugeriu.
Frase de Nelson Akiyoshi, primeiro diretor da Fafipa
“Hoje existe menos dedicação e menos compromisso. O aluno não sabe o que quer e larga um curso para fazer outro.”
Curiosidades
Antes da faculdade ser instalada na Avenida Rio Grande do Norte, atual Senac, o local já abrigava o Colégio Estadual de Paranavaí (CEP).
Em maio de 2013, a Fafipa completa 47 anos.
Observação do autor
Em 2006 tive a oportunidade de conversar por algumas horas com um dos principais fundadores da Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí (Fafipa), o ex-diretor, ex-vereador, professor e dentista Nelson Akiyoshi, falecido em 6 de julho de 2009, que desabafou e se emocionou ao relembrar os primeiros anos de funcionamento da faculdade. Infelizmente, perdi o arquivo da entrevista há alguns anos, mas o recuperei recentemente e o transformei nesta longa matéria. Outra importante e valiosa fonte sobre o assunto foi o comerciante Romeu Valmor Voida que ingressou na Fafipa em 1970.
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Um exército de perdedores
L’armata Brancaleone, uma crítica bem humorada de valores como honra e bravura na Idade Média
Lançado no Brasil como O Incrível Exército de Brancaleone, L’armata Brancaleone é uma obra-prima de Mario Monicelli, expoente da commedia all’italiana. O filme se passa na Baixa Idade Média, durante a crise do feudalismo, e faz uma crítica bem-humorada de valores como honra e bravura.
Em 1966, L’armata Brancaleone entrou para a história do cinema mundial como a primeira película a satirizar o que está registrado em livros e filmes sobre a Idade Média. A obra, uma paródia de Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, apresenta um grupo de maltrapilhos que mata um cavaleiro para roubar o documento que lhe garante a posse de um feudo em Aurocastro.
Como nenhum dos bandidos tem o perfil adequado para substituir o herdeiro da propriedade, convidam o devoluto cavaleiro Brancaleone da Norcia (Vittorio Gassman) para se juntar a eles. De uma estupidez surreal, mas ambicioso, o homem em nada personifica um guerreiro polivalente, muito pelo contrário. Brancaleone é um anti-herói falacioso que golpeia árvores e gosta de se impor mantendo-se ereto sobre um pangaré ocioso e arredio chamado Aquilante.
O personagem não defende nenhum ideal, mas sonha em adquirir fortuna, nem que seja de forma ilícita, para custear excessos com bebidas e mulheres. É dotado de um niilismo de ocasião e um pragmatismo que oscila conforme o seu humor e boa vontade. Brancaleone não se importa em desafiar os fracos e fugir dos fortes. É o real “cavaleiro” que ganhou qualidades ficcionais na história oficial e teve as verdadeiras características ocultadas.
Além disso, os companheiros do protagonista são muito atrapalhados. Juntos, formam um exército de rejeitados, composto por um obeso, um lunático, uma criança, um velho judeu e um falso líder. Em situações críticas, Brancaleone deixa as decisões a critério do personagem menos lúcido. A desordem é acumulativa e passa por uma gradação enquanto o grupo percorre a Europa em um dos momentos mais obscuros da História.
A antiepopeia, pautada no período em que o trinômio guerra, peste e fome se torna o estopim da decadência do feudalismo e emergência do capitalismo, enaltece o feio a partir da estrutura cenográfica, fisionomia e traje dos personagens. O valor caricato da tragédia se estende à crença no messianismo. Exemplo é a clássica cena em que um padre, comandando peregrinos em viagem à Terra Santa, cai de uma ponte e morre.
Os fiéis se dispersam, dando a impressão de que com a morte da autoridade religiosa se esvai a fé. Monicelli ainda apresenta interpretações particulares da queda do Império Bizantino e invasão muçulmana na Europa. Também é inesquecível a música de abertura do filme, do compositor Carlo Rustichelli que ao longo da vida compôs para mais de 250 filmes, tornando-se um dos nomes mais célebres da Itália quando o assunto é trilha sonora.
Uma Itália de gaviões e passarinhos
Uccellaci e Uccellini, uma parábola sobre o surgimento do neocapitalismo e o enterro do comunismo
Uccellaci e Uccellini, de Pier Paolo Pasolini, ícone do cinema neorrealista italiano, é um filme de 1966 que foi lançado no Brasil como Gaviões e Passarinhos. Na obra, dois pequenos burgueses viajam a pé em companhia de um corvo. Durante o percurso, um caminho circular, os personagens assistem e vivenciam o surgimento do neocapitalismo e o enterro do comunismo.
Totò (Totò) e Ninetto (Ninetto Davoli), pai e filho, são os protagonistas de uma história em que Pasolini apresenta uma metáfora de si mesmo, principalmente o desalento com a política esquerdista italiana. Os personagens viajam por uma estrada que possibilita o contato com importantes elementos de uma etapa da história da Itália.
Totò e Ninetto, homens de certa inabilidade intelectual, são símbolos da pequena burguesia. Já o corvo falastrão que encontram pelo caminho representa o marxismo, embora a ave, como um animal livre, demonstre uma peculiar autonomia de pensamentos. Enquanto a narrativa do corvo se constrói sob uma perspectiva ideológica romântica e poética, a fala e as atitudes dos protagonistas humanos são baseadas no pragmatismo e materialismo.
A hipocrisia neocapitalista se apresenta como um ciclo vicioso. Exemplo é a cena em que Totò e Ninetto vão até uma propriedade onde cobram o aluguel de um inquilino. Mesmo ciente da situação degradante da família, Totò, com a frieza digna de um materialista, exige que o homem o pague para evitar o despejo. Em seguida, pai e filho passam pela mesma situação. O predador se torna presa e surge uma inversão de valores.
Pasolini chama atenção pelo uso da metalinguagem. Dentro da principal história, há algumas bem curtas. Merece destaque uma fábula envolvendo São Francisco de Assis que parece emprestar a fala marxista do corvo, assim como a ave, em certos momentos, discursa como se fosse um frade. Outro episódio-chave, com caráter documental, é o enterro do político Palmiro Togliatti, nome mais importante do comunismo italiano.
Além da cena ser uma referência a queda da ideologia no país, simboliza o fim de um período cultural. O neorrealismo perdia em importância para o novo cinema que se pautava na fantasia e misticismo. A influência brechtiana é muito forte em Uccellacci e Uccellini, tanto que na maior parte das cenas os personagens interagem com o público. O cineasta também homenageia Roberto Rossellini e Federico Fellini.
No mais, o clássico não é linear – sem início, meio e fim. Se fosse feito de trás para frente ainda seria coerente. Quem assiste Uccellaci e Uccellini nunca mais esquece a canção que abre o filme, considerada até hoje uma das melhores opening credits da história do cinema. A composição é de Ennio Morricone e conta com a interpretação de Domenico Modugno, um dos maiores cantores da Itália do século 20.