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Uma vida dedicada à música
Paulo Magalhães, um dos saxofonistas mais requisitados do Brasil nos anos 1960 a 1980
Em 1948, Paulo Magalhães Lima tinha seis anos quando saiu para comprar um doce com o pai. Naquele dia, dentre as opções por trás de uma vitrine, escolheu uma guloseima que veio colada a uma gaitinha. “Dei o doce a um colega e lambi o que sobrou em volta. Mesmo sem jamais ter tido contato com algum instrumento, toquei “Asa Branca” [de Luiz Gonzaga] e surpreendi meu pai”, conta.
Dias depois, muitos comerciantes de Itaguajé, no Noroeste do Paraná, o convidaram para tocar “Asa Branca” em troca de doces e presentes. O episódio transformou a vida de Paulo que descobriu a vocação para a música e se tornou um dos saxofonistas mais requisitados do Brasil nos anos 1960, 1970 e 1980.
A trajetória como músico começou muito cedo. Aos 13 anos, Paulão, como era mais conhecido no auge da carreira, tocou em seus primeiros bailes em Paranacity e Itaguajé, no Noroeste do Paraná, além de Porecatu, na divisa com São Paulo. “Não demorou e fiz meu primeiro carnaval em Guaraci [na região de Astorga]. Já toquei em 56 carnavais e o mais recente foi este ano aqui em Paranavaí e também em Goiás”, diz.
De 1950 a 1960, Paulo Magalhães se apresentou no Paraguai, principalmente em Coronel Oviedo, a 150 km de Assunção, com o respeitado grupo Los Ases del Ritmo. “Me desenvolvi como músico no quartel, na Banda do Primeiro Batalhão de Fronteira. Foi uma época boa porque saí de lá tocando melhor, lendo partitura e escrevendo, mas minha formação mais sólida veio do que aprendi nas boates e nas zonas”, afirma sorrindo.
A primeira experiência tocando em boate foi em Cascavel, no Oeste Paranaense, onde subiu no palco com Orestes, o primo trompetista. Naquele tempo, Paulão trocou a bateria pelo saxofone. “Lá, conheci o jazz e a bossa nova, os meus gêneros musicais preferidos”, garante. Mais tarde, morando em São Paulo, ao longo de dois anos fez shows em casas noturnas da Rua Augusta.
Na Boate Lancaster, considerada o templo musical da juventude paulistana, conheceu o célebre Hermeto Pascoal, de quem se tornou amigo nos anos 1960. Após o expediente, os dois reuniam alguns músicos para darem uma “palhinha” antes do dia amanhecer. “Foi o melhor momento da minha carreira. Nas boates, eu tocava o que gostava”, destaca. Em São Paulo, também se apresentou no icônico João Sebastião Bar, quando o local recebia artistas como Chico Buarque, Elis Regina, Cesar Camargo, Toquinho, Geraldo Vandré, Ana Lúcia, Claudette Soares, Pedrinho Mattar, Sambalanço Trio e Alaíde Costa.
Paulo Magalhães teve importantes passagens pela TV Tupi, Cultura, Bandeirantes e Record. Trabalhou com o diretor Luiz Aguiar e os maestros Osmar Milani e Edmundo Peruzzi. “Nos tempos da Tupi, toquei muito com o Manito, dos ‘Incríveis’, um clássico do rock brasileiro e da jovem guarda. Fiquei na TV até 1965, quando me mudei para Foz do Iguaçu”, relata. Lá, formou o grupo “Los Brasileños” que fez muito sucesso na Argentina.
No mesmo ano, Paulão trocou o clarinete pelo saxofone. De volta a São Paulo, entrou para a banda da famosa Boate Mugi, onde fez muitos shows com Martha Mendonça. Acostumado a se aventurar por novos projetos, voltou a Cascavel, onde a família morava, e fundou a banda Alta Tensão. “No final da turnê, larguei a banda e fiquei em Itumbiara, Goiás. Logo me chamaram para fazer parte da Orquestra da Chevrolet. Toquei com eles até 1968”, revela.
À época, as irmãs Nalva Aguiar e Norma Aguiar eram as cantoras da orquestra, até que Nalva foi convidada a fazer parte da banda do cantor Roberto Carlos. “Também recebi o convite. Trabalhei com ele até 1973, quando decidi ficar em Uberlândia, Minas Gerais. Um dia, me entregaram um recado do próprio Roberto Carlos me pedindo pra retornar, falando que precisava de mim. Não voltei porque não queria mais aquela vida”, declara.
Por causa da rotina atribulada, Paulo Magalhães enfrentou uma crise no casamento. E para piorar, mal tinha tempo para os dois filhos pequenos. “No fim, perdi a mulher e tive que cuidar das crianças”, enfatiza, deixando claro que até então não tinha vida pessoal, já que a banda fazia pelo menos 20 shows por mês.
Em 1977, se tornou o saxofonista do cantor português Roberto Leal, com quem trabalhou durante 13 anos e gravou 13 LPs. No auge da carreira, Paulão viajou por dezenas de países. Guarda muitas lembranças dos shows por todas as regiões do Brasil, além de Estados Unidos, Alasca, Bélgica, Canadá, Portugal, França, Inglaterra, Alemanha, Suíça, Luxemburgo, Áustria, Austrália e África do Sul. “Conheci muita gente e muitos lugares. Fiquei pertinho até de mafiosos italianos [prova o que diz mostrando uma foto]. Minha vida no Brasil só normalizou depois de 1990. Estava muito cansado e optei por sair da banda”, justifica.
Nos anos 1980, Paulão participou de trilhas sonoras de filmes. Um exemplo é “As Aventuras de Mário Fofoca”, de Adriano Stuart, lançado em 1982 e protagonizado por Cassiano Gabus Mendes. Na obra, o saxofonista aparece tocando, assim como no filme “O Milagre”, sobre a vida de Roberto Leal. Com muitas histórias para contar, Paulo Magalhães se recorda com carinho dos tempos de Mugstones.
Com a banda, um dos maiores clássicos do rock brasileiro dos anos 1960, gravou um LP, dois compactos e ficou em cartaz na Casa de Espetáculos Canecão, no Rio de Janeiro, por mais de seis meses. “Também fiz parte das bandas Flintstones, Fantômas, The Music of Society e muitas outras. Passei por diversos estilos musicais. Ainda me lembro de quando gravei alguns trabalhos com o Amado Batista”, acrescenta.
Embora não tenha lançado nenhum álbum solo, Paulão se orgulha de ter escrito pelo menos 100 músicas ao longo da carreira. Em Paranavaí e região, só para citar mais alguns nomes, integrou as bandas Condor, MR, Corpo e Alma, Cactus, Oásis, Santa Mônica e Fonte Luminosa. Lecionou na Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade e ensinou muita gente a tocar saxofone, trompete, clarinete e gaita.
“Não posso reclamar. Tudo que fiz na vida foi muito especial, então só tenho a agradecer”, comenta. Aos 72 anos, Paulo Magalhães continua na ativa, tanto como músico quanto professor de saxofone e trompete. Para entrar em contato com ele, basta ligar para (44) 9838-4581.
Frase de destaque
“Me tornei músico há muito tempo, mas ainda me considero um eterno aprendiz.”
Curiosidades
Paulo Magalhães Lima nasceu em Presidente Vensceslau, na região de Presidente Prudente, mas passou parte da infância e adolescência em Itaguajé, onde tocou bateria na Orquestra Continental de Itaguajé, sob regência do Maestro Lincoln.
Ao longo da carreira, Paulão teve o privilégio de conhecer Luiz Gonzaga, o homem que o inspirou na infância a tornar-se músico.
Lou Ferrigno, de vítima de bullying a campeão de fisiculturismo
Stand Tall, mais do que uma versão Pumping Iron do ítalo-americano
Embora muitos digam que o ex-fisiculturista e ator Lou Ferrigno foi ofuscado por muito tempo pelo também ator e ex-fisiculturista Arnold Schwarzenegger, a verdade é que o primeiro filme estrelado pela dupla, o documentário Pumping Iron, de 1977, de Robert Fiore e George Butler, serviu para alavancar ainda mais a carreira do ítalo-americano, mesmo que a película tenha se pautado mais na carreira e personalidade de Arnie.
Exemplos não faltam. Após o lançamento de Pumping Iron, Lou Ferrigno estrelou o filme The Incredible Hulk, seguido pela série homônima de sucesso que foi ao ar pela CBS até 1982. Depois, Ferrigno foi protagonista de The Incredible Hulk Returns, de 1988; The Trial of the Incredible Hulk, de 1989; e The Death of the Incredible Hulk, de 1990. Ainda trabalhando com a sétima arte, interpretou o mitológico Hércules em 1983 e 1984, além de Sinbad of the Seven Seas em 1989.
Dos anos 1990 para cá, o fisiculturista aposentado teve poucas participações no cinema e na TV. Os trabalhos mais populares incluem a voz do Hulk nos remakes mais recentes e muitas dublagens para os desenhos animados da Marvel. No Brasil, o filme Stand Tall, de 1996, do cineasta Mark Nalley, é desconhecido da maior parte do público aficionado por musculação e fisiculturismo.
Curiosamente, é o único que mostra quem é e quem foi o maior adversário de Arnold Schwarzenegger no antológico Mr. Olympia de 1975. Ainda assim, é preciso ressaltar que talvez por ser um docudrama com caráter de tributo ou homenagem, Stand Tall omite informações sobre o final da carreira de Ferrigno como bodybuilder, quando amargou em 1992 e 1993 as posições de 12º e 10º colocado.
O filme de Mark Nalley tem boa estrutura, em acordo com uma proposição humanista que visa despertar a identificação do público com um dos maiores ícones da era de ouro do bodybuilding. Na obra, Louis Jude Ferrigno é uma criança do Brooklyn, em Nova York, que aos três anos é diagnosticada com surdez causada por uma infecção. Restando apenas 15% da audição, o jovem Ferrigno cresce retraído. As cenas sobre a infância difícil do atleta são apresentadas em forma de vídeos caseiros registrados no final dos anos 1950.
Vítima constante de bullying, apenas anos mais tarde consegue ouvir e falar com clareza. São emocionantes as cenas de Lou contando como foi ridicularizado na infância por ser um garoto magricela surdo-mudo. Mas tudo começa a mudar aos 13 anos, quando descobre o fisiculturismo como forma de superar a timidez e a baixa autoestima. O amor pela modalidade é quase instantâneo, tanto que Ferrigno trabalhava como engraxate para comprar revistas de musculação.
Um dos momentos mais inesquecíveis de Stand Tall surge quando o ex-fisiculturista lembra dos episódios em que disse aos seus clientes que se tornaria um campeão mundial de bodybuilding. A narrativa vigorosa e a construção clara e objetiva do filme conquistam a atenção do espectador. Mesmo quem não gosta de musculação ou fisiculturismo começa a entender e respeitar a complexidade e o rigor da construção corporal, seja em nível competitivo ou não.
O filme que conta a história de superação do ítalo-americano também tem algumas semelhanças com Pumping Iron. No clássico de 1977 o adversário que o protagonista Arnold Schwarzenegger precisa superar é Lou. Já em Stand Tall, Ferrigno, com mais de 40 anos, tem de vencer o veterano Boyer Coe. A obra que levou um ano e meio para ser produzida tem bom material de pesquisa e apresenta entrevistas com familiares e amigos de Lou, além de Arnold, o maior ídolo do fisiculturismo.
Nalley quase desistiu de ter Schwarzenegger no filme por causa das dificuldades em convencê-lo a participar. Para o bem do cineasta, as regulares insistências garantiram um final feliz. Em troca da participação, Arnie pediu apenas uma caixa de charutos. “Sabíamos como seria determinante para o filme ter alguém famoso como o Arnold”, diz o cineasta Mark Nalley que precisou se desdobrar com um orçamento modesto de 200 mil dólares, considerado minúsculo para os padrões estadunidenses. Uma das poucas queixas sobre o filme diz respeito a iluminação. Há algumas cenas escuras que denunciam uma certa falta de cuidado e de recursos da produção.
Felizmente, nada disso é o suficiente para ofuscar o brilho do documentário sobre um dos atletas mais importantes da história do fisiculturismo. Se tratando de estatura física, Ferrigno, que tinha 1,96m e 130 quilos, ultrapassou os padrões do bodybuilding profissional e conquistou dois títulos de Mr. Universo em 1973 e 1974, além de uma terceira colocação no Mr. Olympia de 1975. Em síntese, Stand Tall é um filme feito para todos os seres humanos, amantes ou não de atividade física resistida. “Ele tinha tudo. Boas costas, bons ombros e sabia como posar”, comenta um admirador do atleta no filme.
O linchamento de dois jovens negros em 1930
Foto do crime foi transformada em cartão postal
Em 7 de agosto de 1930, um adolescente branco de Marion, Indiana, nos Estados Unidos, acusou Shipp Thomas e Abram Smith, dois jovens negros, de terem estuprado a sua namorada. A falsa acusação foi o suficiente para gerar uma comoção que reuniu 10 mil homens brancos armados com marretas em frente a delegacia do condado.
Depois de tirarem os rapazes da prisão, os espancaram e os enforcaram com a conivência da polícia. Por sorte, um terceiro rapaz negro, James Cameron, escapou de ser assassinado porque o tio da moça insistiu na afirmação de que ele era inocente.
À época, as fotos de linchamentos de negros eram transformadas em cartões postais com a intenção de mostrar o “orgulho da supremacia branca”. A imagem do fotógrafo Lawrence Beitler vendeu milhares de cópias, tanto que ele passou dez dias sem dormir para reproduzi-las. Mais tarde, as fotos de violência contra negros tiveram efeito reverso. As cenas de tortura e mutilação irritaram muito mais do que agradaram; despertaram medo até na população branca.
Era um crime tão comum naquele tempo que ganhou um novo termo: “Judge Lynch”. A foto da morte de Thomas e Smith, que mostra apenas um linchamento dentre os mais de cinco mil documentados até o final dos anos 1960, tornou-se icônica, tanto que surgiram poemas, livros e canções baseados na imagem. Um exemplo é o poema “Strange Fruit”, do poeta judeu Abel Meeropol, transformado em música por Billie Holiday. Outro clássico é “Desolation Row”, de Bob Dylan, que será eternamente lembrada pelo trecho “Eles estão vendendo cartões postais do enforcamento”.
São informações que se tornaram públicas somente em 1982, quando o sobrevivente James Cameron, o terceiro jovem que escapou do enforcamento, publicou o livro “A Time of Terror: A Survivor’s Story”.
Referência
Cameron, James. A Time of Terror: A Survivor’s Story, 1994. Black Classic Press.