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O sofrimento dos Casarin
Família de imigrantes italianos foi expulsa das próprias terras nos anos 1950
No Noroeste do Paraná dos anos 1950, jagunços expulsaram a família Casarin das próprias terras. À época, toda a família que trabalhava no plantio de café ficou sem moradia e o patriarca ainda foi preso.
O imigrante italiano Zaqueo Casarin veio para o Paraná em 1940. Fixou residência em Bela Vista do Paraíso, no Norte Central Paranaense, onde trabalhou como colono na produção de café. Em 1950, de tanto ouvir falar da Colônia Paranavaí, Casarin decidiu se mudar.
Em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, o italiano conheceu o corretor de imóveis rurais Antonio Borba, funcionário da Colonizadora Paranapanema, do empresário José Volpato, que lhe ofereceu uma propriedade na Gleba 21, próxima ao Porto São José, em área que hoje pertence a São Pedro do Paraná. Casarin achou viável o preço das terras na região e comprou dez alqueires com todo o dinheiro guardado ao longo de anos.
“O registro de venda foi feito no Tabelionato Rocha, de Londrina, mas o documento só saiu em Mandaguari [pois Paranavaí ainda era distrito]”, relatou o imigrante italiano em entrevista ao escritor Paulo Marcelo Soares Silva, publicada no livro História de Paranavaí, lançado em 1988. Naquele tempo, Casarin, que não recebeu o título de propriedade pelo fato de uma empresa privada não poder emitir títulos, nem imaginava que o sonho de sua vida, ter o próprio pedaço de chão, se tornaria um pesadelo.
Em maio de 1952, a família Casarin recebeu a visita de 14 jagunços. Um deles, de forma intimista, se aproximou de Zaqueo e falou: “Você é grileiro aqui.” O imigrante italiano ficou sem reação, pois além de não entender o que estava acontecendo, segundo ele, nunca tinha dado nem mesmo um tapa em alguém. Com medo do pior, a família Casarin deixou a propriedade sem resistir. Antes, assustado, Casarin perguntou quem os mandou até ele.
“Afirmaram que estavam a serviço do ex-desembargador João Alves da Rocha Loures”, revelou. Documentos do Departamento de Geografia, Terras e Colonização (DGTC) mostram que Rocha Loures havia requerido três mil alqueires junto ao Governo do Paraná em 1951, nas imediações do Porto São José, alegando compensação por terras transferidas a terceiros.
O que chama atenção é que a expulsão dos moradores da Gleba 21 aconteceu antes do ex-desembargador obter o título de terras daquela região, durante o segundo governo de Moisés Lupion (1956-1961). No conflito com jagunços em 1952, além da família Casarin ficar sem moradia, Zaqueo ainda foi preso por um homem conhecido como tenente Antunes que, de acordo com pioneiros, participou de inúmeras injustiças envolvendo pequenos proprietários rurais de Paranavaí. A sorte de Casarin foi que um influente policial, jamais identificado, foi até a delegacia e exigiu que o soltassem.
Jagunços perturbavam moradores da Gleba 21
Alguns dos filhos de Zaqueo Casarin ainda eram crianças quando a família, que estava preparando o solo para o plantio de café, foi expulsa das próprias terras. Mesmo assim, Paulo Casarin, que na época tinha 13 anos, nunca esqueceu a injustiça e a humilhação que viveram. “Os pequenos sofrem no desbravamento, depois vêm os grandes querendo tomar tudo”, afirmou Paulo em tom de mágoa.
O pioneiro paranaense Jaime Mendonça Alves vivia na colônia quando a família Casarin foi expulsa da Gleba 21. Em entrevista ao escritor Paulo Marcelo, Alves declarou que assistiu tantas injustiças de perto que decidiu ir embora.“Não gostei de Paranavaí por causa do Telmo [Capitão Telmo Ribeiro] e dos jagunços do Rocha Loures [ex-desembargador João Alves da Rocha Loures]. Só tinha picareta”, reclamou.
No mesmo dia em que os Casarin foram expulsos, outras famílias passaram pela mesma situação, inclusive algumas tiveram as residências incendiadas, conforme relatos de pioneiros. A situação estava tão crítica que o governo teve de enviar o tenente Achilles Pimpão, chefe de polícia de Londrina, para impor ordem na gleba.
Na década de 1970, outros jagunços perturbaram a família Casarin e muitos outros moradores do Bairro Leoni (antiga Gleba 21). “Depois ficamos livres, mas isso não apagou as lembranças das vezes em que fomos atacados”, desabafou o agricultor João Demeu. Na década de 1980, o Governo do Paraná reconheceu o direito dos moradores do Bairro Leoni (Ex-Gleba 21) e lhes concedeu licenças expedidas pelo Instituto de Terras, Cartografia e Geociências (ITC), conforme palavras do produtor rural Waldomiro Suntach, de São Pedro do Paraná.
Governo Lupion é culpado pelo impasse de terras
Nos anos 1950, as dificuldades, principalmente burocráticas, para se comprar propriedades rurais do Governo do Paraná fez muita gente recorrer a iniciativa privada. Na Colônia Paranavaí, quem se destacou foi a Colonizadora Paranapanema, do empresário José Volpato, que vendeu 25 mil alqueires de terras. Segundo Volpato, os direitos foram comprados de uma família de Irati, no Sudeste Paranaense.
À época, o ex-desembargador João Alves da Rocha Loures entrou na justiça contra o Governo Paranaense exigindo, como compensação por terras da Companhia Industrial Brasileira que foram repassadas a terceiros, empresa da qual se declarou herdeiro, uma área de três mil alqueires em Paranavaí, na Gleba 21, onde José Volpato já havia vendido todas as propriedades a colonos de Londrina e Bela Vista do Paraíso, no Norte Pioneiro Paranaense.
A partir disso, surgiu um conflito judiciário entre Rocha Loures e Volpato. Em 1951, o governo paranaense embargou as vendas da Colonizadora Paranapanema até resolver o impasse. O problema maior é que quando tudo isso aconteceu cerca de 600 famílias de ex-colonos viviam na Gleba 21, numa área que hoje pertence a São Pedro do Paraná, em propriedades que variavam de 2 a 25 alqueires. Lá, os produtores rurais já se dedicavam a cafeicultura e intercalavam os cafeeiros com arroz, milho, feijão mandioca e amendoim.
Na documentação dos 25 mil alqueires comercializados pela Colonizadora Paranapanema havia algumas irregularidades, então o governador Moisés Lupion deu o título das terras a Rocha Loures. O documento foi assinado pelo governador interino Guataçara Borba Carneiro. “O Governo Lupion não respeitou os pequenos proprietários que haviam pagado por aquelas terras”, admitiu o consultor do Instituto de Terras, Cartografia e Geociências (ITC), do Governo do Paraná, David dos Santos Filho.
Ninguém conseguiu provar direitos sobre a gleba
Entretanto, em 30 de novembro de 1955, o governador interino Adolfo de Oliveira Franco pediu que o caso fosse revisto e exigiu que o ex-desembargador João Alves da Rocha Loures apresentasse um novo documento que provasse que ele era o herdeiro da Companhia Industrial Brasileira. Rocha Loures entregou somente uma escritura da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), o que não provou o direito de posse sobre os três mil alqueires da Gleba 21, de acordo com Santos Filho.
Em 1964, após tantas confusões, o Governo do Estado declarou a área como de utilidade pública para fins de desapropriação. Porém, já em 1976, Rocha Loures tentou receber 30 mil cruzeiros por cada alqueire perdido; um valor exorbitante, segundo o Tribunal de Justiça que avaliou cada alqueire em 100 cruzeiros. O perito do ex-desembargador, Luiz Gonçalves Campelo, justificou o valor dizendo que o Porto São José se tornaria um dos portos fluviais mais importantes do Brasil. Por isso, segundo Campelo, era justo valorizar as terras ao máximo. Para o consultor do ITC, tal projeção era totalmente sem sentido.
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A grande injustiça de 1930
Apoio da Braviaco a Júlio Prestes culminou em desemprego para 300 famílias de migrantes
Em 1930, o apoio dos colonizadores da Gleba Pirapó ao político Júlio Prestes custou o desenvolvimento de Paranavaí. Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, o governo federal ordenou em 1931 a cassação de todos os bens da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco). A consequência mais drástica foi o desemprego de centenas de migrantes que plantaram mais de um milhão de pés de café.
Tudo começou no início do Século XX, quando todo o Vale do Ivaí ainda era território selvagem, de terras devolutas. Á época, o governo brasileiro teve a ideia de propor permuta às companhias estrangeiras. Oferecia terras em troca da colonização das áreas inabitadas. Quem gostou muito da proposta foi o empresário estadunidense Percival Farquhar, proprietário da Brazil Railway Company que até 1917 administrou 11 mil quilômetros de terras brasileiras.
Braviaco recebeu 317 mil alqueires no Paraná
Naquele tempo, Farquhar que recebeu títulos de posse de 317 mil alqueires no Noroeste do Paraná, conforme registros históricos do governo paranaense, transferiu a administração da área para a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), do empresário baiano Geraldo Rocha, também superintendente da Brazil Railway Company e proprietário do jornal carioca “A Noite”.
No mesmo período, o engenheiro agrônomo baiano Joaquim Rocha Medeiros, funcionário da Companhia Alves de Almeida & Cia, foi incumbido de desbravar uma área que começava na região Oeste de São Paulo e ia até o território paranaense do Rio Paranapanema.
Lá, Medeiros recebeu uma proposta de trabalho do também engenheiro agrônomo e diretor geral da Braviaco, Landulpho Alves (que se tornaria governador da Bahia em 1938), para ajudar a administrar os mais de cem mil alqueires da Gleba Pirapó que somavam 108 quilômetros.
“A área começava no Rio Paranapanema e terminava a margem direita do Rio Ivaí. A mim cabia a supervisão de serviços de campo como derrubada, plantio e formação de cafezais”, escreveu Joaquim Medeiros em um relatório sobre a colonização do Norte do Paraná.
A mão de obra trazida de Minas Gerais
Com a criação do Distrito de Montoya em 1929, Medeiros assumiu o cargo de subdelegado, o que lhe deu autoridade para enfrentar muitos grileiros que acampavam às margens do Paranapanema. “Houve muita luta porque os invasores chegavam aqui em grupos e armados, preparados para tomar posse das terras. Muitas vezes tive de sair daqui para buscar apoio em Curitiba”, relatou.
O que naquele tempo trouxe progresso à região, mas ao mesmo tempo abriu espaço para oportunistas e criminosos, foi a construção de uma estrada com 110 quilômetros que ia do Rio Pirapó até o Rio Ivaí. Pelo mesmo caminho, foi transportado todo o equipamento necessário para a viabilização de uma serraria, empreendimento sem o qual jamais seria construída a sede da Fazenda Ivaí, atual Paranavaí.
“Em 1926, coordenei a derrubada de uma área para o plantio de 1,2 milhão de cafeeiros. Tivemos de fazer uma nova estrada ligando a fazenda ao Porto São José. O objetivo era negociarmos com Guaíra, Porto Mendes e a Argentina, para onde o café seria transportado”, explicou.
Em 1927, Joaquim Medeiros viajou a Pirapora, Minas Gerais, e buscou 300 famílias de vários estados para trabalharem no plantio de café. “Trouxe eles até Presidente Prudente em um trem especial. O problema foi que lá choveu durante 40 dias e 40 noites. A estrada estava intransitável e a única ponte que existia tinha caído. Só quando parou de chover que pudemos reconstruí-la”, assinalou. E como se não bastasse, o engenheiro e os migrantes levaram mais de uma semana para chegar a Fazenda Ivaí, pois também choveu na região, fazendo os veículos atolarem com facilidade.
A perda do café e o desemprego dos colonos
Na fazenda, não havia espaço para acomodar todas as famílias, então cada uma tratou de criar o próprio rancho. Construíram casas e realizaram sorteios para decidir qual família seria contemplada. Outra medida que evitava problemas era a proibição do consumo de bebidas alcoólicas.
O plantio de 1,2 milhão de cafeeiros começou a ser feito em 1927. Trouxeram uma boiada do Mato Grosso para alimentar os colonos. A dedicação dos migrantes permitiu que após três anos o café estivesse pronto para a colheita. Infelizmente, com a Revolução de 1930, o título de propriedade da Gleba Pirapó foi cassado.
De acordo com Joaquim Rocha Medeiros, esta foi a punição do governo federal contra a Braviaco, de Geraldo Rocha, que apoiou a candidatura do eleito Júlio Prestes, logo deposto pelos aliados de Getúlio Vargas. “Colonos e funcionários da empresa, incluindo eu e Landulpho Alves, tiveram que abandonar o Distrito de Montoya, obrigados a deixar tudo pra trás e percorrer a pé, levando família, uma distância de 220 quilômetros”, revelou.
O desabafo do engenheiro veio à tona 45 anos depois. “O governo Vargas não respeitou os interesses das pessoas humildes que mesmo ao custo de tanto suor perderam tudo. As portas da justiça foram trancadas, deixando na miséria uma multidão de humildes brasileiros.”
Curiosidades
Nos tempos de colonização, era muito comum chamar de nortista ou nordestino qualquer pessoa que viesse de alguma região que não fizesse parte do Sul do Brasil.
Em 1927, o Juizado de Paz realizou o casamento formal de todos os migrantes trazidos de Pirapora, Minas Gerais.