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A revolta dos Capa Preta

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O dia em que um grupo armado planejou a morte do Capitão Telmo Ribeiro 

Eloy Machado: "Trajavam aquelas caponas antigas que cobriam até parte dos cavalos." (Fotos: David Arioch)

Eloy Machado: “Trajavam aquelas caponas antigas que cobriam até parte dos cavalos” (Fotos: David Arioch)

“O capanga vinha sozinho. Nunca vi o Capitão Telmo Ribeiro com jagunço junto, mas sabia onde estava. Tinha a segurança do rapaz de nome Nhapindá que sempre ficava por perto. Era o unha de gato, nome indígena, kaingang. Por isso, os Capa Preta se planejaram pra chegar perto do homem.”

Com a citação acima, o pioneiro paranaense Eloy Pinheiro Machado, 86 anos, introduziu-me ao universo histórico e ainda desconhecido dos cavaleiros conhecidos nos anos 1940 como os Capa Preta. Foi o primeiro grupo armado local que se articulou para mudar os rumos da política de Paranavaí, no Noroeste Paranaense.

Para eles, a transformação dependia de uma mudança radical que só seria possível com o homicídio do Capitão Telmo Ribeiro, um dos personagens mais influentes do Paraná à época. Amigo do ex-interventor federal Manoel Ribas, era temido até pelo então governador Moyses Lupion. “O Lupion ‘cagava’ de medo dele”, enfatiza o pioneiro.

Considerado herói por alguns e vilão por outros, Telmo Ribeiro, que chegou a Paranavaí em 1936 supostamente acompanhado de um grupo de mercenários paraguaios, teve o cotidiano transformado no final dos anos 1940, quando gostava de galopar pelas ruas da colônia e passar algumas horas tomando cerveja. “Era grandão e forte. Ficava horas sentadão observando tudo a sua volta. A coisa ficou feia quando apareceu um buchicho envolvendo seu nome”, conta Machado.

Confusão surgiu a partir de boato envolvendo a Inspetoria de Terras (Acervo: Yolanda Winche)

Confusão surgiu a partir de boato envolvendo a Inspetoria de Terras (Acervo: Yolanda Winche)

Em 1948, Paranavaí era administrada pelo marceneiro Hugo Doubek, de Curitiba, que morava e trabalhava na inspetoria de terras. Mais tarde, surgiu um boato de que o administrador estava beneficiando somente paranaenses, gaúchos e catarinenses na distribuição de terras, privando migrantes de outras localidades.

Em represália, o Capitão Telmo, representante do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), exigiu que Doubek deixasse o cargo para ceder a vaga a João Carraro, um de seus homens de confiança. “Foi uma conversa fiada que inventaram para tirar o Doubek do cargo. Só politicagem em benefício de poucos”, comenta o pioneiro cearense João Mariano.

A situação ficou tensa quando a conversa chegou até os Capa Preta. Audacioso, o grupo tinha um senso de justiça bem peculiar no tempo em que a polícia pouco fazia nos sertões do Noroeste do Paraná. Tudo era muito difícil em Paranavaí, uma colônia formada em meio à mata nativa, onde sonhadores, aventureiros e bandidos dividiam o mesmo espaço.

Naquele tempo, Paranavaí era habitada por gente honesta, aventureiros e bandidos (Foto: Toshikazu Takahashi)

Os Capa Preta circulavam pela colônia sempre no mesmo horário (Foto: Toshikazu Takahashi)

À época, os Capa Preta circulavam pela região central pontualmente. A intenção era avaliar a realidade local e coletar informações que pudessem ser úteis no futuro. Pioneiros relatam que parecia um grupo paramilitar envolvido por uma aura de faroeste cinematográfico. Somavam pelo menos 20 homens usando cintos de balas. Cada um carregava de um lado uma carabina e do outro um revólver calibre 38, da Smith & Wesson.

“Era uma andança sem fim. Trajavam aquelas caponas antigas que cobriam até parte dos cavalos. A maioria só via eles, mas eu os conhecia porque vieram pra esta região com a gente. Alguns chegaram a ficar algum tempo em casa”, afirma Eloy Machado. Quando percorriam a cidade, mantinham os olhares fixos e se comunicavam por sinais.

O reduto dos Capa Preta era uma fazenda perto da ponte do Rio Surucuá, local de onde articularam o plano de homicídio do Capitão Telmo Ribeiro. “Até a polícia sabia de tudo, mas não quiseram intervir. Teve gente que ficou com medo e foi embora daqui. Naquele mesmo dia, os Capa Preta visitaram o ‘Seu Hugo’ na inspetoria de terras e perguntaram se ele precisava de alguma coisa. Estavam cuidando dos preparativos”, confidencia Machado.

O último encontro estratégico dos Capa Preta, liderados pela Família Pininga, foi realizado sob uma árvore frondosa nas imediações do Rio Surucuá. Mais pessoas se uniram ao grupo para participar do atentado contra o Capitão Telmo. “Fiquei muito curioso e quis ir lá ver o que estava acontecendo de perto, mas fui repreendido pelo meu pai. Além disso, a fazenda era muito longe de casa”, diz Eloy Machado.

Machado: "O Lupion cagava de medo do Capitão Telmo.”

João Mariano: “Era bom no gatilho, mas se tivesse ficado aqui, o Capitão Telmo teria morrido.”

O plano foi minado pelo pai do cunhado de Machado. O homem denunciou o plano dos Capa Preta. “Ele era bisbilhoteiro e ouviu tudo. Pegou uma eguinha do meu tio Jeca Machado e foi lá contar pro Capitão Telmo, de quem era leiteiro. Falou até a hora prevista para a morte do homem”, revela.

Quando soube, Ribeiro reconheceu a impossibilidade de enfrentar dezenas de homens armados. A solução foi reunir o essencial e fugir de Paranavaí. “Se tivesse ficado aqui, sem dúvida, teria morrido. Ele era bom de gatilho e tinha muita experiência de luta [participou da Revolução Constitucionalista]. Só que seria impossível sobreviver a um plano envolvendo tanta gente”, avalia Mariano.

Os Capa Preta também poderiam matar os homens que trabalhavam para o Capitão Telmo Ribeiro, como João Clariano, Manoel Paulino, Frutuoso Joaquim de Sales e Medeirão. “Eram pessoas a serviço do Capitão Telmo, então iriam todos pro saco”, supõe Eloy Machado.

Na ausência de Ribeiro, parte dos que participaram do plano decidiram partir, preocupados com a retaliação. Segundo Mariano, o Capitão Telmo era influente e poderia trazer dezenas de combatentes ou até mercenários, assim garantindo a vingança. A Família Pininga, remanescente dos Capa Preta, teve de resistir aos dias consecutivos de saraivada de tiros contra a própria casa.

Defenderam-se como puderam, mas como estavam em menor número pela grande debandada de parceiros, lutaram até o dia da fuga. “Eu me recordo de três rapazes dessa família. Eles não tiveram mais paz. Toda madrugada apareciam homens armados cercando a casa e atirando. A promessa de Ribeiro era acabar com tudo. Não deixar sobrar ninguém”, garante Eloy Pinheiro Machado. Os Pininga conseguiram fugir e nunca mais retornaram a Paranavaí.

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