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Matthieu Ricard: “A principal razão para pararmos de comer animais é que assim poupamos vidas”

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“Nós os tratamos como vermes a serem eliminados. Isso seria chamado de genocídio ou desumanização se eles fossem seres humanos”

Ricard: “Quando eu tinha 20 anos, abandonei o consumo de carne. Isso foi há 50 anos”

Em 2016, o monge budista Matthieu Ricard, que vive no Monastério Shechen Tennyi Dargyeling, no Nepal, publicou o livro “A Plea for the Animals: The Moral, Philosophical, and Evolutionary Imperative to Treat All Beings with Compassion”. Na obra, o francês discute de um ponto de vista moral, ético e ambiental por que não devemos nos alimentar de animais. Antes de se tornar monge, ele dedicou a sua juventude à ciência, tornando-se uma referência internacional em biologia molecular sob a orientação do renomado biólogo François Jacob, vencedor do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, com quem trabalhou no famoso Instituto Pasteur.

Ricard é filho de Jean-François Revel, considerado um dos mais importantes filósofos franceses do século 20. O seu respeito pela vida e pelos animais inspirou Revel a escrever o best-seller “O Monge e o Filósofo”, traduzido para 21 línguas. Em “Um Apelo pelos Animais”, Matthieu Ricard defende que precisamos apenas de um segundo de reflexão para tomarmos a decisão de não comermos mais animais. “Esta não é uma perspectiva extrema. Este é um ponto de vista mais razoável e compassivo”, escreveu.

Ele conta que o seu primeiro professor budista, Kangyur Rinpoche, o inspirou a um profundo e óbvio raciocínio. “Nunca cacei em minha vida, mas de vez em quando eu pescava quando era criança na Bretanha. Com 14 anos, um pensamento floresceu em minha mente: ‘Como posso fazer algo assim?’ Percebi que eu estava evitando me colocar no lugar de outro ser. Quando eu tinha 20 anos, abandonei o consumo de carne. Isso foi há 50 anos”, declarou.

Ricard defende que o coração da trajetória budista é a compaixão, e que isso significa valorizar os outros. Para ele, se você valoriza os outros, você valoriza o bem-estar deles, e isso significa que há uma preocupação real com o sofrimento deles: “Podemos encontrar meios de sobreviver sem causar sofrimento aos outros. Na Índia, por exemplo, [que tem uma população de 1,3 bilhão de pessoas], há mais de 400 milhões de vegetarianos que vivem bem. Eles não estão sacrificando sua saúde ou reduzindo sua expectativa de vida. Na verdade, mesmo do ponto de vista egoísta, é melhor ser vegetariano. Muitos estudos mostram que o consumo de carne vermelha aumenta a incidência de câncer de cólon e outras doenças.”

Matthieu lamenta que atualmente 150 bilhões de animais terrestres e 1,5 trilhão de animais marinhos são mortos para consumo. “O principal motivo parar pararmos de comer animais é que assim poupamos vidas. […] Nós os tratamos [em referências aos animais] como vermes a serem eliminados. Isso seria chamado de genocídio ou desumanização se eles fossem seres humanos”, enfatizou.

Na perspectiva do monge budista, nós instrumentalizamos os animais e os transformamos em objetos; os reduzimos a salsichas e pedaços de carne. São fatos contrários ao que desejamos quando falamos em um mundo mais ético, pacífico e solidário: “Eticamente, você não pode imaginar progredir em direção a uma sociedade mais altruísta ou mais compassiva enquanto se comporta assim. Comer carne revela outro nível de egoísmo tratando-se de seres humanos.”

Matthieu Ricard frisa que os países mais ricos são os que mais matam e consomem animais. Somente nos Estados Unidos há um consumo de carne de 200 quilos per capita por ano: “Quanto mais o PIB de um país aumenta, aumenta também o consumo de carne. Para produzir um quilo de carne, precisamos de dez quilos de proteína vegetal. […] Com dois acres de terra, você pode alimentar 50 vegetarianos ou dois consumidores de carne. Os 775 milhões de toneladas de soja e milho que são utilizados na agropecuária poderiam ser usados para alimentar pessoas necessitadas.”

No livro, Ricard também cita dados do Painel Internacional da Organização das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas, um grupo que, segundo ele, não simpatiza muito com o vegetarianismo, mas o reconhece como sendo o melhor caminho para o futuro do planeta. “Eles recomendam que todo mundo comece a comer menos carne. Esta é uma das maneiras mais fáceis de reduzir o aquecimento global e pode fazer uma grande diferença na taxa de mudanças climáticas. O principal motivo é que a agropecuária gera a produção de metano. O metano é dez vezes mais ativo em relação ao aquecimento global do que o CO2”, argumentou.

O biólogo e monge budista defende que é muito simples ser vegetariano. É bem menos complicado do que as pessoas imaginam: “Não cria grandes mudanças caóticas em nossas vidas. Significa apenas comer outras coisas. É tão simples. Um pequeno esforço pode trazer um resultado muito grande para os animais, para os desfavorecidos, para o planeta e para a nossa saúde. Uma mente sensata pode ver que isso não é uma perspectiva extrema. Este é um ponto de vista mais razoável, ético e compassivo.”

Saiba Mais

Matthieu Ricard nasceu em Aix-les-Bains, na França, em 15 de fevereiro de 1946.

Desde 1989, ele atua como intérprete do Dalai Lama.