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A vida de Jero ou fado de um jovem ladrão

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“O maluco me colocou na mira de um traficante, falando que eu estava de olho na boca de fumo do mano”

Na semana passada, fui até a Vila Alta, onde conversei com Jero, garoto alto e magro de 16 anos. Sentado no meio-fio, me convidou para sentar numa cadeira com corda de nylon. Empolgado e sorridente, contou que conseguiu um “bico” que o fez sentir-se útil pela primeira vez em muito tempo. “Tô recebendo pra ajudar na limpeza e organização de uma casa daqui da vila mesmo. Já rodei o centro da cidade em busca de trabalho, mas a resposta é sempre a mesma. Acho que eles têm vagas sim, só que não pra menor de idade”, lamenta.

De bermuda, chinelos e sem camiseta, Jero diz pra esperar um pouco que ele vai buscar “um café”. Logo retorna com uma garrafa térmica e uma caneca plástica. “É pra você! Coloca aí!”, diz naturalmente, sem cerimônia. Não costumo beber café, mas tomo um gole em deferência. Embora muito jovem, Jero tem algumas cicatrizes no corpo que revelam conflitos e violência. É como se sua pele contasse sua própria história. Criado nas ruas, em meio à pobreza, foi preso pela primeira vez há dois anos, depois de roubar um “radinho”, como chama os smartphones.

“Já peguei um lá pelos lados da Praça dos Pioneiros. Era só dar bobeira que eu passava na mão leve”, conta. Por causa de pequenos delitos, Jero ficou preso quatro vezes. Três vezes foi encaminhado para o Centro de Socioeducação (Cense) de Paranavaí. Na quarta, o enviaram para o Cense de Cascavel, no Oeste do Paraná. “Gostei mais de lá porque a galera é mais humilde. Quem tá preso lá é mais de boa. Não tem tanta rivalidade como no Cense daqui. Aqui um fica querendo ferrar o outro. É briga de gangue, mano”, comenta esfregando uma das mãos pelos cabelos descoloridos.

Durante a conversa, em cada frase de Jero há sempre alguma palavra que nunca ouvi. O seu vocabulário é tão incomum que até mesmo quem é da Vila Alta tem dificuldade de entender – a não ser os mais jovens que passam o dia nas ruas. A linguagem de Jero é uma mixórdia de referências popularizadas na periferia, onde neologismos e regionalismos se misturam o tempo todo. Nas vezes em que foi preso por furto e roubo, o garoto não chegou a confrontar a vítima ou agredi-la no ato do crime. Não tem o costume de usar armas. “Só que é sujo isso aí. Não vale a pena. E lá na cadeia você sempre encontra um inimigo. É ruim demais ficar preso”, afirma enquanto acende um cigarro paraguaio e dá uma tragada, assoprando fumaça com o esmero de uma criança desenhando paisagem com o dedo no chão de terra.

Além do “careta”, Jero também gosta de fumar maconha. Não todos os dias, mas ainda assim com certa regularidade. Relata que conhece todo tipo de droga, só que nunca se interessou em usar nada mais “pesado”. “Crack é pra quem quer virar escravo ou zumbi. Você cai numa noia tão zuada que esquece até quem você é. Deixa o cara louco. Quem vende crack também se lasca porque tem que aguentar gente colando no seu barraco até de madrugada mendigando pedra. Mano, tu acaba com a vida de muita gente e não ganha quase nada. O dinheiro é dos graúdos”, comenta.

Na terceira vez em que foi preso, Jero ficou sabendo que outro adolescente com quem tinha uma querela de longa data também estava no Cense. “O maluco me colocou na mira de um traficante, falando que eu estava de olho na boca de fumo do mano. Armou pra mim. Queria me ferrar. Inventou mais umas histórias”, garante. Crente de que mais cedo ou mais tarde algo aconteceria, Jero se antecipou.

Um dia pegou a própria escova de dente, quebrou a cabeça e começou a afiná-la, deixando-a pontiaguda. A escondeu dentro da bermuda, até que numa ocasião, após a aula, caminhou a passos leves até o seu desafeto. Enraivecido, gritou o nome do inimigo e ocultou sob os dedos o estoque feito com a escova de dentes. Quando o garoto se aproximou, ele o golpeou quatro vezes na barriga. “Ou eu dava nele ou ele dava em mim. Preferi sair na frente. A intenção não era matar. Fiz isso pra mostrar que não tenho medo dele. O papo é um só – se vier, vai levar!”, justifica, baseando-se em um senso de justiça particularista.

O sangue descia e Jero só assistia, até que a vítima foi socorrida e encaminhada à Santa Casa de Paranavaí com vários ferimentos, embora nenhum grave. Depois do ataque, Jero foi transferido para o Cense de Cascavel, onde cumpriu pena. Quando o soltaram, retornou a Paranavaí e decidiu se afastar do crime, opção que pouco pesou na consciência de seus inimigos. “Tem gente querendo me matar ainda. Sei disso”, admite com sorriso dúbio e plangente. De temperamento volátil, Jero foi convencido por alguns “amigos” a participar do furto de um “radinho” e de uma bicicleta.

Na última segunda-feira, fiquei sabendo que ele foi preso novamente. Minha intenção era fazer mais uma entrevista e tirar algumas fotos, mesmo que velando seu rosto. Não deu tempo. Há quem acredite que há males que vêm para o bem. No dia em que Jero retornou à prisão, um detento ganhou a liberdade – um traficante que jurou que o mataria no dia em que fosse solto. Na Vila Alta dizem que Jero se envolveu com a ex-namorada do sujeito. Por enquanto sua salvação está assegurada no ambiente que até então mais desprezava – a cadeia.

Saiba Mais

Jero é um apelido fictício para preservar a identidade do entrevistado.

A Vila Alta fica na periferia de Paranavaí, Noroeste do Paraná.

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