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“Qual foi a sua maior realização?”
Hoje, pensei brevemente no alemão Hugo Heiss, falecido há muito tempo. Ele é o criador da captive bolt pistol, a pistola usada para “atordoar” animais antes da morte desde 1903. Não pude deixar de considerar o pretenso diálogo:
— Qual foi a sua maior realização?
— Criei uma arma que dispara um dardo que penetra o crânio e o cérebro de um animal. No futuro será uma aliada na morte de bilhões de animais por ano.
Acredito que nem Hugo Heiss imaginaria como sua invenção seria tão naturalizada no futuro, e considerada um “ato de humanidade para com os animais”. Então eu te pergunto, você gostaria de ter um dardo penetrando o seu cérebro? Particularmente, reconheço que não.
Realização do abate halal no Brasil contradiz suposto “abate humanitário”
No Paraná, e creio que também em diversas regiões do Brasil, o abate de animais sob preceitos islâmicos acontece frequentemente. Eles chamam o ritual de Zabihah. Os próprios compradores do Oriente Médio selecionam os profissionais que farão o serviço. O Paraná é o maior exportador de frangos do Brasil. Moro em uma região “produtora”, e a cada ano aumenta a demanda pelo abate halal, que consiste em cortar os três principais vasos – jugular, traqueia e esôfago.
Nessas horas, eu pergunto: “Me diga aí onde está na prática o crescimento do ‘abate humanitário’ de animais criados para consumo?” Claro, sou contra qualquer consumo de animais, mas essa é uma das situações que revelam a contradição do chamado “abate humanitário”.
Não existe pseudo-abate humanitário ou pseudo-bem-estarismo quando o que está em jogo são milhões ou bilhões de reais. Se houvesse um método ainda mais macabro de abate de animais que garantisse o dobro em dinheiro, não tenho dúvida nenhuma de que políticos dariam um jeito de legitimá-lo legalmente.
O chamado “abate humanitário” não é um retrato tão comum da realidade brasileira
A privação termina somente com a morte após uma curta vida de exploração
Em um país onde a quantidade de matadouros clandestinos pode chegar a 50% do total, é uma grande ilusão acreditar que a maior parte da produção de carne é resultado de práticas que se enquadram no chamado “abate humanitário”. Mesmo que se fale na crescente implementação dessa prática, é inegável que não são raros os casos de privação e sofrimento envolvendo animais criados com fins de abate.
A existência de muitos matadouros clandestinos e a omissão em relação à fiscalização são grandes facilitadores de terríveis abusos contra os animais. Além disso, o YouTube, a mídia alternativa e as redes sociais estão aí para apresentar provas de que o “abate humanitário” não é um retrato comum da realidade brasileira.
No Brasil, a Operação Carne Fraca, que em março denunciou que as gigantes JBS (Friboi, Seara e Big Frango) e BRF (Sadia e Perdigão) estavam mascarando carne vencida usando produtos químicos, levantou, mesmo que modestamente, uma discussão sobre o “abate humanitário”, prática ainda muito questionável pelo seu caráter subjetivo que não garante que o animal seja “bem tratado” antes de ser morto.
Há quem diga que essas “falhas” envolvendo o abate de animais ainda acontecem por causa da defasagem na Instrução Normativa Nº 03 de 2000, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que versa sobre o regulamento técnico de métodos de insensibilização para o “abate humanitário”. No artigo “Abate dito ‘humanitário’ e o que diz a legislação brasileira”, publicado pelo site Abolicionismo Animal, os autores Ana Karine Gurgel D’Ávila e Wesley Lyeverton Correia Ribeiro apontam que não há diferenciação nos limites máximos de tempo entre o atordoamento e a sangria para as várias espécies destinadas ao consumo humano.
Outra prova de displicência, e que corrobora que o “abate humanitário” não é uma realidade comum no Brasil, foi apresentada no ano passado pela ONG Repórter Brasil. Por meio de reportagens e vídeos, eles denunciaram que trabalhadores e animais são maltratados na indústria da carne com chutes, socos e pauladas.
Mostraram que as fazendas fornecedoras da JBS, que se define como a maior indústria de proteína do mundo, contradizem o marketing da empresa, não seguindo as recomendações do Ministério da Agricultura. Ou seja, se essa é a realidade que envolve os grandes produtores de carne, que operam de forma regularizada, o que acontece em matadouros clandestinos, conhecidos por métodos mais violentos de abate?
De acordo com José Rodolfo Ciocca, gerente de Campanhas HSA (Humane and Sustainable Agriculture) da World Animal Protection, no Brasil, frigoríficos que não atendem as normas de “abate humanitário” recebem um relatório de não-conformidade, e caso o problema persista, podem ser multados. Ou seja, animais podem morrer de forma violenta, e nem por isso alguém precisa pagar alguma multa caso não haja reincidência.
A situação não melhora quando o assunto são os matadouros municipais e estaduais, porque apenas matadouros privados precisam seguir um programa de autocontrole. Além disso, qualquer punição depende de um inspetor que, em 80% dos casos, nunca está presente, segundo Ciocca. E se houver interferência política quando um frigorífico for fechado, seja por operar irregularmente ou por torturar e ferir animais antes do abate, ele não recebe nenhum tipo de punição e ainda pode retomar as atividades, mesmo que o abate seja praticado a marretadas.
Em 2008, o artigo “A clandestinidade na produção de carne bovina no Brasil”, de autoria dos pesquisadores João Felippe Cury e Marinho Mathias, publicado pela Embrapa, informou que “várias estimativas de especialistas do setor apontam uma clandestinidade [de matadouros] que varia de 30% a 50%, sendo mais comum os dados próximos a 50%”.
Em 2013, a BeefPoint publicou um artigo mostrando que a situação ainda era a mesma. E no ano passado, esses números foram corroborados por outras denúncias. Em 12 de dezembro de 2016, a Folha Web publicou uma reportagem em que técnicos da Agência de Defesa Agropecuária do Estado de Roraima (Aderr) declararam que 100% das carnes de porco de Roraima são provenientes de matadouros clandestinos.
Em 23 de dezembro de 2016, o Canal Rural informou que somente em São Paulo há pelo menos quatro mil avícolas clandestinas, baseando-se em dados coletados pela Universidade de São Paulo (USP). E onde há clandestinidade, há falta de higiene e muita violência, já que para baratear os custos de produção os métodos de execução costumam ser os mais cruéis. Outro ponto a se considerar é que com “abate humanitário” ou não, a privação termina somente com a morte após uma curta vida de exploração.
Referências
http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/carne-fraca-perguntas-e-respostas-sobre-a-operacao-da-pf-nos-frigorificos.ghtml
http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/abateditohumanitrioeoquedizalegisla_obrasileira.pdf
http://colunas.revistaepoca.globo.com/planeta/2013/05/03/e-possivel-abater-um-animal-de-forma-humanizada/
https://seer.sede.embrapa.br/index.php/RPA/article/viewFile/424/375
http://www.canalrural.com.br/videos/jornal-da-pecuaria/aves-abatedouros-clandestinos-ameacam-saude-77047
http://www.folhabv.com.br/noticia/100–das-carnes-de-porco-vem-de-abatedouros-clandestinos–/23315
http://www.beefpoint.com.br/cadeia-produtiva/giro-do-boi/alex-bastos-qual-a-verdadeira-porcentagem-de-clandestinidade-no-comercio-de-carne-bovina-menos-de-5-indiscutivelmente-nao-e-leitor-comenta/
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A importância das denúncias sobre a indústria da exploração animal
Se essas investigações e denúncias envolvendo a indústria da exploração animal não tivessem sido feitas, provavelmente quem consome carne não precisaria se preocupar com previdência, afinal dificilmente alguém viveria muito depois de passar tanto tempo consumindo carne podre “maquiada” com nocivos produtos químicos – mais do que de costume.
Ademais, na minha opinião, um dos pontos mais importantes disso tudo foi a revelação de como os animais são tratados por essa indústria que insiste em falar em “abate humanitário”, mesmo que em 2017 não seja nada difícil encontrar animais sendo chutados, pisoteados, esmurrados e mortos a tiros de espingarda, machadadas e marretadas.
Estou falando de uma carne que não apenas trouxe ou traz o risco da doença, mas também relatos que parecem pitorescos, porém cotidianos, da crueldade humana. Junto com a carne podre, a população é presenteada com fragmentos de barbárie, indiferença e desprezo à vida.
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Uma pessoa pode defender o “abate humanitário”…
Na nossa sociedade, uma pessoa pode defender o “abate humanitário”, ou alegar “que nem todos os animais sofrem diante da morte”, mas é preciso entender algo essencialmente importante. Enquanto os animais não humanos forem vistos como produtos, sempre vai existir pessoas e indústrias baseadas na exploração animal tentando reduzir despesas e ampliar os lucros o máximo possível.
Se para isso for necessário que o animal sofra ainda mais, pode acreditar que, em menor ou maior proporção, sempre teremos pessoas que lucram com esse mercado que não pensarão duas vezes antes de seguirem por esse caminho. Até porque os métodos mais cruéis de abate, e que não são tão incomuns como muita gente tenta crer, são aqueles que requerem menos despesas para o ser humano e grandes prejuízos aos seres reduzidos à comida.
Afinal, os animais não humanos são os que realmente sofrem em decorrência de hábitos baseados no consumo de alimentos de origem animal. Outro fato a se considerar é que se há animais vivendo em situação degradante é porque sempre há pessoas dispostas a comprar o resultado dessa exploração. Afinal, sabemos que para a maioria pouco importa realmente a origem de qualquer alimento, se houve privação ou sofrimento, desde que este alimento possa proporcionar algum tipo de prazer, por mais efêmero que seja.
Sendo assim, a forma mais eficaz de não contribuir com isso é se abster de consumir alimentos e outros produtos de origem animal. Afinal, não podemos desconsiderar que em algum nível toda exploração envolve algum tipo de privação. Além disso, como não considerar todo abate como cruel se o animal sempre morre no final?