David Arioch – Jornalismo Cultural

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Johnny Appleseed, o plantador de árvores que amava todas as criaturas

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Para Johnny, era errado e desnecessário ceifar vidas para conseguir comida

Johnny Appleseed é uma das figuras mais lendárias da história dos Estados Unidos (Arte: Autoria Desconhecida)

Johnny Appleseed é uma das figuras mais lendárias da história dos Estados Unidos. Nascido em 26 de setembro de 1774 em Leominster, Massachusetts, ele optou por deixar o conforto familiar para dedicar 50 anos ao plantio de macieiras, percorrendo milhares de quilômetros dos estados da Pensilvânia, Ohio, Illinois, Indiana e West Virginia. Johnny andava a maior parte do tempo descalço e usava como vestimenta apenas um saco de café com buracos para a cabeça e os braços.

“Ele era, de acordo com todos os relatos, extremamente excêntrico, usando sacos como túnicas. Era vegetariano, embora eu não sei se os esquilos e outros animais realmente passeassem com ele pela floresta”, declarou a escritora e doutora em sociologia Gwen Sharp no artigo “The Real Johnny Appleseed: Alcohol, not Apples”, de 9 de janeiro de 2015.

De acordo com informações da U.S. Apple Association, o plantador de árvores dizia que as roupas não devem ser usadas como adorno, mas somente como recurso de conforto. Até mesmo no inverno, Johnny Appleseed era visto caminhando descalço. Na lenda popular, ele não carregava nenhuma arma e andava descalço por toda parte. Além disso, detestava prejudicar qualquer criatura, era vegetariano e às vezes é descrito como um abstêmio, segundo o artigo “Was Johnny Appleseed a Barefoot Vegetarian?”, da American Orchard, publicado em 6 de setembro de 2014.

No livro “Who Was Johnny Appleseed?”, publicado em 2005, a escritora Joan Holub também afirma que Johnny não comia nenhum tipo de carne, nem mesmo quando se reunia em confraternização com os colonos. “Pioneiros caçavam por comida [animais] e achavam que sua crença era estranha. Enquanto viajava pela floresta, ele fervia a água do córrego em sua panela, adicionava bagas, grãos ou batatas para fazer uma refeição. Ele também comia ‘journey bread’, um pão que os nativos americanos o ensinaram a fazer a partir do milho”, informa Joan.

Johnny sentia compaixão por todos os animais (Arte: Al Schmidt)

Johnny tinha estatura mediana, olhos azuis e cabelos longos castanho-claros. Chamava a atenção pela inocência, coragem e resistência. No livro “Johnny Appleseed and the American Orchard: A Cultural History”, de 2012, William Kerrigan narra que tanto o homem branco quanto o índio confiaram em Johnny Appleseed porque viram que ele era um homem sem malícia. As crianças o admiravam e o cumprimentavam com entusiasmo. “Ele amava todas as criaturas de Deus e não queria prejudicar nenhuma delas. Ele era vegetariano. Livros frequentemente contam como ele sentiu remorso profundo quando em um momento incomum de exaltação golpeou uma serpente que o mordeu”, relata Kerrigan.

Johnny sentia compaixão por todos os animais, mas o que aparentemente o levou a se tornar vegetariano foi uma experiência que teve enquanto descansava sob uma fogueira. Ele viu que o fogo atraía os mosquitos, e que rapidamente morriam queimados. Isso o deixou muito triste e o fez tomar a decisão de não acender mais nenhuma fogueira, mesmo que tivesse de passar frio. “Deus me livre de ter que fazer uma fogueira para o meu conforto, porque isso significaria destruir as criaturas de Deus”, teria justificado. Essa experiência o motivou a assumir um compromisso de compartilhar o seu amor com todos os animais.

Para Johnny, era errado e desnecessário ceifar vidas para conseguir comida. Por isso, ele se tornou ainda mais zeloso no seu trabalho de motivar as pessoas a plantarem e cultivarem frutos. A ele, é atribuída à valorização da maçã como alimento tradicional e simbólico nos Estados Unidos. Há quem diga que é praticamente impossível não encontrar macieiras nos lugares percorridos por Johnny Appleseed, filho do capitão Nathaniel Chapman que serviu na Guerra Revolucionária.

“Ele era São Francisco de Assis e Papai Noel embrulhados em um pacote” (Arte: Harper’s New Monthly)

Em 1797, segundo William Kerrigan, o plantador de macieiras pode ter comprado três pares de mocassins na loja Holland Land Company. “Eram fáceis de transportar e poderiam ser trocadas por outras coisas que ele precisava, ou doados a outros em necessidade”, declara Kerrigan. Entretanto, isso é um episódio à parte. Johnny era um sujeito tão simples e empático que ocasionalmente, apenas em caso de última necessidade, usava botas, e somente se estivessem desgastadas ou fossem descartadas por outras pessoas.

E não demorava para que ele as doasse para alguém que julgava mais necessitado. Comprometido com uma vida alheia ao materialismo, Johnny amava a floresta, a considerava o seu verdadeiro lar, e só buscava abrigo entre paredes se o tempo estivesse muito ruim. Todas as histórias sobre ele, apesar de algumas divergências dependendo das fontes, mostram que sua popularidade veio de sua generosidade que não se baseava em espécie. Pessoas, animais e plantas, tudo para ele tinha a sua própria razão de ser. Ao reconhecer isso, Johnny Appleseed, que optou por levar uma vida de abnegação, mostrou o quanto é importante o respeito à vida.

“[…] Pessoas em todo o Meio-Oeste, e até além, dizem que cada antiga árvore de maçã do seu próprio bairro já foi uma das mudas de Johnny Appleseed. Ele era São Francisco de Assis e Papai Noel embrulhados em um pacote [uma menção ao saco que ele usava como vestimenta]”, escreveu William Kerrigan, autor do livro “Johnny Appleseed and the American Orchard: A Cultural History”.

Saiba Mais

John Chapman, mais conhecido como Johnny Appleseed, faleceu aos 70 anos, em 18 de março de 1875, em Fort Wayne, Indiana, onde o seu túmulo pode ser visitado no Johnny Appleseed Park.

Há autores que defendem que Johnny Appleseed foi um dos primeiros divulgadores do vegetarianismo nos Estados Unidos.

Referências

Kerrigan, William. Johnny Appleseed and the American Orchard: A Cultural History. Johns Hopkins University Press (2012).

Holub, Joan. Who Was Johnny Appleseed. Grosset & Dunlap (2005).

Was Johnny Appleseed a Barefoot Vegetarian?

The Real Johnny Appleseed: Alcohol, not Apples

 

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Casal de idosos recebe uma grande ajuda na Vila Alta

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Esse tipo de sensibilidade é cativante e faz todo e qualquer esforço valer a pena

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Dona Neide e Seu Juvenal com algumas das doações (Foto: David Arioch)

Hoje passei algumas horas na Vila Alta, na periferia de Paranavaí, e visitei o Seu Juvenal e a Dona Neide, o casal que se tornou tema de uma matéria minha porque precisavam de ajuda para a substituição de um precário telhado. Devo dizer que o resultado tem sido muito melhor do que eu esperava.

Além de conseguirmos todas as telhas graças à doação do senhor Carlos Gomes, uma excelente pessoa que ainda se ofereceu para custear as despesas com mão de obra, recebemos contribuições muito boas em dinheiro da dona Sueli Takahashi, do Ministério do Trabalho, uma senhora extremamente atenciosa e carinhosa; e também do meu amigo Sobhi Abdallah, um grande parceiro de longa data – e sem dúvida uma das melhores pessoas que já conheci em Paranavaí.

Outra pessoa que ajudou muito e por quem tenho grande estima é o Gugu Ditzel, da Vida Farma, que foi até a casa do Seu Juvenal e da Dona Neide entregar medicamentos e deixar claro que eles nunca mais vão precisar comprar remédio. Gugu também levou cesta básica, pagou as faturas de energia elétrica e água do casal e se dispôs a continuar pagando.

Agora a meta é comprar o forro e tenho certeza que nos próximos dias essa parte também vai ser concluída. Outras pessoas têm me ligado para contribuir e acredito que boas novas cheguem até a semana que vem. Também destaco o interesse do meu amigo Felipe Figueira que sensibilizado tem acompanhado a situação do casal e já deixou claro que sua doação está garantida na aquisição do forro.

Sei que todos que ajudaram não fazem questão nenhuma de aparecer, mas acho importante e justo citá-los porque não é fácil encontrar pessoas dispostas a ajudar hoje em dia. Esse tipo de sensibilidade é cativante e faz todo e qualquer esforço valer a pena. Outro presente foi ver a expressão de felicidade no rosto do Seu Juvenal e da Dona Neide, pessoas humildes e batalhadoras que não merecem passar por tantas dificuldades numa fase da vida em que deveriam estar descansando confortavelmente.

Dona Neide me confidenciou que mal tem conseguido dormir. “Nunca esperava que um dia a gente fosse receber tanta ajuda assim de repente”, comentou emocionada. Só tenho a agradecer a todos esses ótimos seres humanos que conheço e aqueles que conheci através desse episódio. Se não fosse por essas pessoas, meu trabalho não valeria a pena, seria isento de valor, e talvez não existisse.

Conheça a história do casal

//davidarioch.com/2016/04/25/casal-de-idosos-precisa-de-ajuda-para-comprar-um-novo-telhado/

O amor e a romã

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Jamais entendi como o amor, tão colorido simbolicamente, poderia ter compleição tão funesta

Eu nos tempos de amizade com Seu Onofre (Foto: Arquivo Familiar)

Eu nos tempos de amizade com Seu Onofre (Foto: Arquivo Familiar)

Ao longo da vida, sempre ouvi alguém dizendo que o amor, confundido com paixão, é arrebatador, como se feito de fagulhas de insipiência. Quando chega até você o cega e o torna avesso ao juízo e à razão das coisas serenas. O consome de forma inesperada, deixando os lábios ressequidos como chão tracejado pela estiagem severa. Quantas histórias conheci de suicídio por amor; pessoas saltando de prédios, lançando carros contra árvores, se enforcando, consumindo estricnina e atirando contra a própria cabeça. Jamais entendi como o amor, tão colorido simbolicamente, poderia ter compleição tão funesta.

O amor não deve ser como o luto, um manifesto de pesar. Nem merece ser relacionado à morte se abarca na sua essência os destemores da luz. O coração que ama em abnegação só obscurece quando deixa de bater, este sim fato irremediável do nosso epílogo. Mas enquanto vive é corado e robusto como uma manga colhida em março. Está além do bem e do mal. O amor é belo na literalidade, na pureza de sua semântica. Nem por isso unilateral ou menos distorcido e depreciado por imperícia, fabulações e desconstruções de sentido.

Não que não haja dor no amor, afinal ela é inerente à vida e nos envia iterados sinais de que o sofrimento também dignifica a existência; ensina que somos pechosos, frágeis e efêmeros como todos os seres que habitam a Terra. Porém, um sentimento torna-se nocivo somente se assim o permitirmos. Pelo menos é o que me mostra a vida desde que comecei a reconhecer o seu enredamento e profundidade.

Com não mais que sete anos, eu morava com meus pais e irmão em uma velha casa na Rua Pernambuco. À época, uma parte da população de Paranavaí ainda tinha o costume de realizar velórios na sala da própria residência. Um dia, do outro lado da rua, a pouco mais de 50 metros de casa, caminhando e passando os dedos da mão direita pelo muro pintado com cal, parei em frente a um portão onde vi e ouvi pessoas num choro tacanho, conversando e coçando os olhos.

Estavam ao redor de um caixão preto tão lustroso que parecia um sapato desmesurado recém-engraxado. A sala era pequena e as pessoas, dependendo da estatura, quase roçavam o umbigo e o peito na cabeça da falecida para chegarem ao banheiro. Por causa da distância, eu não conseguia ver seu rosto coberto por um tecido níveo que mais lembrava um véu de noiva. Sabia que era mulher porque ouvi alguém dizer que a finada era a Dona Estela. “Ué, tão enterrando ela com pano de festa?”, me perguntei num rompante de espontaneidade e singeleza.

Na manhã seguinte, quando saí pra comprar pão, encontrei Seu Onofre, marido de Dona Estela, caminhando a passos lentos, rindo sozinho, e sem apontar os olhos para nada que o cercava nas imediações de uma padaria na Avenida Distrito Federal. Parecia num transe solene e talvez disparatado na concepção de alguns. Me aproximei, o cumprimentei, e num ato tipicamente irrefletido de criança, questionei: “Seu Onofre, por que o senhor tá rindo se sua mulher morreu ontem?”

Então ele continuou em silêncio por três ou quatro segundos enquanto me observava e ajeitava o penúltimo botão superior de uma camisa florida, dessas que os aposentados usam quando saem de férias para um paraíso tropical. Sua tez e seus olhos reluziam tanto que eu podia ver o meu pequeno reflexo distorcido nas suas pupilas amendoadas e aveludadas.

“Olhe, David, você ainda é muito criança, não sei se vai entender, mas vou lhe revelar um segredo. Não me sinto feliz, só que me comprometi em reencontrar um novo sentido na minha vida. Antes de Estela falecer, ela sabia o quanto eu era dependente dela. Ela foi minha primeira e única companheira por mais de 40 anos, desde a adolescência. Então sabe o que ela fez quando ficou doente e lhe contaram que não viveria por muito tempo? Não se lamentou. Tirou um caderninho de dentro do criado-mudo, pegou uma caneta e planejou minha vida, meu dia a dia pelos próximos cinco anos. Ela sempre soube que sou relaxado. Disse que era pra eu seguir direitinho, assim não me sentiria perdido. Se antes eu conseguisse recomeçar uma nova vida, eu poderia abandonar o caderninho. Senão, bastaria reiniciar as tarefas. O primeiro dia é hoje. Dê uma olhada!”

Peguei o caderninho com as duas mãos e lá estavam as primeira sugestões. “Querido Onofre, meu grande amor, se levante amanhã, tome um bom banho, vista a camisa florida que está no primeiro cabide, a bermuda bege da segunda gaveta e as sandálias castanhas que estão na primeira fileira da sapateira. Vá até a padaria caminhando vagarosamente e sorria. Lembre-se da primeira vez que nos vimos, de quando nos casamos, de quando Laurinha nasceu. Não deixe de sorrir, mesmo que as pessoas o julguem. Ignore toda a negatividade. Mais cedo ou mais tarde esse exercício há de contagiar o seu coração, transformando a dor em uma nova forma de amor.”

Devolvi o caderninho e caminhamos até a padaria. Lá, me pagou um doce e uma sodinha. Preservou o sorriso a maior parte do tempo, inclusive quando me relatou as dificuldades que passaram nos anos 1950 em Paranavaí. “Nossa casinha era praticamente um ranchinho. A gente não tinha geladeira, então só podia comprar alimento que não estragasse rápido. Éramos jovens, muito jovens, só que felizes num lugarzinho no meio do mato”, disse, já com os olhos marejados.

Na volta, notei que durante o trajeto Seu Onofre acariciava com esmero a aliança na mão esquerda. Havia um silêncio morno e abafado como o de um escafandro que se misturava aos sons de motos, carros e caminhões atravessando a Avenida Distrito Federal. De repente, a rescendência desconfortável daquela fugaz amostra de poluição foi ofuscada pela olência uniforme e sutil de um buquê de lírio azul transportado a pé por uma jovem funcionária de uma floricultura. “Era a preferida da Estela. Ela chamava de Xodó Azul”, comentou Seu Onofre num riso lacônico.

Em frente ao portão de sua casa nos despedimos. Quando eu estava me afastando, gritou meu nome e pediu que eu o aguardasse. Logo voltou trazendo nas mãos de palmas rosadas uma porção de romãs colhidas no quintal. “Que nunca falte amor na sua casa, assim como nunca faltou na minha”, falou com um lhano sorriso. Continuei visitando Seu Onofre até 1993, quando morávamos no Jardim Progresso. Com o tempo, minha rotina mudou e a dele também, até que perdemos contato.

Um dia, em 2002, recebi uma carta assinada pela sua filha Laurinha que vivia em Curitiba há mais de 15 anos. Achei até que a correspondência foi enviada por engano, pois já não me recordava dela. Quando abri o envelope, encontrei sementes de romã, trazidas da Palestina, e uma pequena carta. “Meu querido e bom amigo David, o que morre hoje, renasce amanhã, desde que o coração assim o aceite. Saiba que nem mesmo o Mar Morto conseguiu ofuscar o perfume das romãs que irradiavam até Jericó”, escreveu Seu Onofre.

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A lição de Dona Maria

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Dona Maria: "O mais importante é cuidar dos meus animais." (Foto: David Arioch)

Dona Maria: “O mais importante é cuidar dos meus animais.” (Foto: David Arioch)

Há três semanas, comecei a produzir o meu novo documentário da série Realidade da Periferia. Ontem, fiz questão de interromper a filmagem na Vila Alta, um dos bairros mais pobres de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, para conhecer de perto a situação da Dona Maria, uma senhora que trabalha recolhendo materiais recicláveis.

Na segunda-feira, a casa dela foi atingida por uma enxurrada que causou um grande prejuízo. Apesar da situação extremamente difícil, ela estava mais preocupada com os seus animais do que consigo mesma.

No interior da casa, sobre uma pequena cama, estava uma cadelinha prenha, a quem ela trata como se fosse uma filha. Na terça-feira, a cachorrinha passou mal e ela percorreu quilômetros a pé, até encontrar um médico veterinário.

No casebre moram também outros dois cães que gostam de ficar perto da única porta, como se fossem responsáveis pela segurança do lar. Em cima de um colchão, me deparei com o que mais me chamou a atenção – três pratinhos com ração.

Dona Maria mal ganha o suficiente para a subsistência, chega até a passar fome, e há dois dias quase perdeu a casinha construída com as próprias mãos. Apesar de tudo, ela afirma que o mais importante é cuidar de seus três animais.

Written by David Arioch

April 2nd, 2014 at 11:53 am

Oficina do Tio Lú

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Uma viagem por um universo de abnegação

"Tio Lú" mostra que não é preciso muito dinheiro para fazer a diferença (Fotos: Reprodução)

“Tio Lú” mostra que não é preciso muito dinheiro para fazer a diferença (Fotos: Reprodução)

Lançado no início da semana, Oficina do Tio Lú é o meu mais novo trabalho audiovisual. Parte da série “Realidade da Periferia”, o documentário conta a história do artista plástico Luiz Carlos Prates Lima, de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, que se dedica a recuperar crianças e adolescentes em situação de risco.

Na Vila Alta, um dos bairros mais pobres da cidade, Luiz Carlos, que está sempre enfrentando dificuldades financeiras, deixa de lucrar para ensinar os mais jovens a criarem obras de arte a partir das mais diferentes fontes de matéria-prima.

A oficina do artista fica no fundo da própria casa, onde ele faz crianças e adolescentes se distanciarem do mundo das drogas, da fome e da miséria. Oficina do Tio Lú é uma viagem por um universo de abnegação. Na obra, Tio Lú mostra que não é preciso muito dinheiro para fazer a diferença em um mundo cada vez mais consumista e materialista.

Ficha Técnica

Roteiro e Direção: David Arioch

Colaboração: Jesus Soares

Trilha Sonora: Crash Nomada, Racionais MC’s, Ney Matogrosso e Cólera

Fotos: David Arioch, Gugu Ditzel e Arquivo Pessoal de Luiz Carlos Prates Lima

Personagens: Luiz Carlos Prates Lima, Jesus Soares, Paulo José Zanelato Silva, Lindinalva Silva Santos, Maria de Fátima Oliveira, Danilo Medeiros França, Lucas Antônio Souza Silva, Odair Correa Junior, Gustavo Jesus Souza, Vagner Souza Santos, Weder França Melo, Kelvin Santos Melo, Ariel Gonçalves Souza, Robson Silva, João Paulo Rodrigues Alves e Juvenal Ferreira Silva.

Duração: 46 Minutos

O santo egoísmo

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Viridiana e a personificação da crítica de Buñuel ao catolicismo

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Dom Jaime tenta ter uma relação incestuosa com a sobrinha noviça (Foto: Reprodução)

Lançado em 1961, Viridiana, do cineasta espanhol Luis Buñuel, é um filme de crítica social e religiosa que revela o egoísmo de uma noviça que, na esperança de alcançar a redenção, oferece abrigo e fartura a um grupo de mendigos.

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Cena dos mendigos em paródia de “A Última Ceia” (Foto: Reprodução)

A personagem Viridiana (Silvia Pinal) que empresta nome ao filme é a personificação da crítica de Buñuel ao catolicismo. Na obra, Dom Jaime (Fernando Rey) tenta ter uma relação incestuosa com a sobrinha noviça. Em uma noite, ciente de que a moça não o aceitaria, pede ajuda a empregada Ramona (Margarita Lozano) para colocar sonífero na bebida da sobrinha. Consumado o plano, Dom Jaime pensa em estuprá-la, mas desiste da ideia.

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No filme, os andarilhos não se reconhecem como semelhantes (Foto: Reprodução)

No dia seguinte, diz para Viridiana que ela não pode voltar ao convento porque ele tirou-lhe a virgindade. Por meio da perversão, a cena evoca uma crítica sagaz ao comportamento da burguesia espanhola. Perturbada, a noviça decide partir, então Dom Jaime conta a verdade. Ainda assim, a moça se recusa a continuar na residência. Retorna somente quando está prestes a deixar a cidade e recebe a notícia de que o tio cometeu suicídio por enforcamento.

Em ato de expiação, Viridiana se muda para a mansão, onde busca a redenção oferecendo abrigo e fartura a um grupo de mendigos. Luis Buñuel mostra uma contraditória faceta do catolicismo ao apresentar a conduta de Viridiana como uma falsa abnegação. Certo dia, quando a moça sai e deixa a propriedade sob os cuidados dos andarilhos, eles invadem a casa principal e preparam um banquete. A memorável cena dos mendigos em torno da mesa é uma corrosiva paródia da pintura “A Última Ceia”, de Leonardo da Vinci.

O clímax da violência estética do clássico de Buñuel surge no momento em que um mendigo tenta estuprar Viridiana. Impossibilitado de ajudá-la, o primo Jorge (Francisco Rabal) evita o pior oferecendo dinheiro a outro andarilho. Este mata o companheiro, e assim o cineasta corrobora a ideia de que abaixo da linha de pobreza a força do capitalismo também se sobrepõe de forma virulenta ao humanismo e à religiosidade.

Na história, os andarilhos, entregues a uma condição de vida primitiva, são incapazes de agregar valor a qualquer coisa imaterial; não se reconhecem como semelhantes e vivem em um universo onde a hierarquia pode ser interpretada como a de uma cadeia predatória.