David Arioch – Jornalismo Cultural

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Tom Regan: “Você nunca deve considerar os interesses daqueles que violam os direitos dos animais (ou humanos) antes de julgar o que estão fazendo como errado”

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“Embora eu reconheça o papel importante que Singer desempenhou nos estágios iniciais do movimento moderno, não acredito que suas ideias representem o que os ativistas acreditam”

“Acredito que ambas as ideias [de Peter Singer] não são apenas equivocadas, são fundamentalmente enganosas, de maneira que são prejudiciais aos animais” (Acervo: The Animals Voice)

Embora o filósofo australiano Peter Singer tenha feito uma grande diferença no movimento moderno em defesa dos direitos animais, em parte, pela publicação do livro “Animal Liberation” em 1975, que se tornou um clássico para o movimento dos direitos animais, com o tempo o seu discurso passou a ser criticado por outros importantes nomes da luta pelos direitos animais. Antes de falecer em 17 de fevereiro de 2017, o filósofo estadunidense Tom Regan, um dos teóricos mais proeminentes na defesa pelo abolicionismo animal, e que fazia oposição ao utilitarismo de Singer, concedeu uma entrevista a Claudette Vaughan, do Vegan Voice, explicando quais os seus principais pontos de discordância em relação à filosofia de Peter Singer.

Tom Regan, autor do clássico “Empty Cages”, de 2004, relatou que com o tempo Peter Singer passou a defender unicamente duas ideias principais: “[De acordo com Singer], Primeiro, devemos considerar os interesses de todos e ter igual igualdade de interesses. Segundo, depois de ter feito isso, devemos fazer o que traz o melhor equilíbrio geral dos interesses dos afetados. A primeira ideia diz respeito ao procedimento: o que temos que fazer antes de decidir o que é o certo a se fazer?  A segunda ideia diz respeito ao julgamento moral: o que é o certo a se fazer? Acredito que ambas as ideias não são apenas equivocadas, são fundamentalmente enganosas, de maneira que são prejudiciais aos animais.”

Regan discordava de Singer quanto ao procedimento de consideração de interesses porque, de acordo com ele, isso significa colocar em uma balança, e em nível de igualdade, não apenas os interesses dos explorados, mas também dos exploradores em continuar fazendo o que fazem. Para Regan, a perspectiva ética de Singer em relação ao procedimento, ou seja, o que temos de fazer antes de decidir o que é certo, é perigosa, porque, com base nisso, alguém pode dizer também que é importante considerar os interesses de estupradores, proprietários de escravizados e pedófilos antes de julgar que o que eles fizeram e fazem é absolutamente reprovável e inaceitável.

“Similarmente, acredito que é profundamente equivocado dizer que devemos considerar os interesses das pessoas na indústria de pele, vivissecção ou agricultura animal antes de julgarmos que essas pessoas estão fazendo algo terrivelmente errado. Minha posição não poderia ser mais oposta a essa ideia. Você nunca deve considerar os interesses daqueles que violam os direitos dos animais (ou humanos) antes de julgar o que estão fazendo como errado, isto porque estão violando os direitos de alguém”, justificou Tom Regan a Claudette Vaughan.

Tom Regan afirmou em entrevista ao Vegan Voice que muitas pessoas acreditam que o seu trabalho e o de Singer são muito similares. “‘Singer não diz o mesmo?’, ‘Singer não acredita nos direitos animais?’ Para essas perguntas, a resposta honesta é: ‘Não, ele não diz a mesma coisa. Não, ele não acredita nos direitos animais.’ E se alguém pergunta: ‘No que ele acredita então?’ A resposta é: ‘Ele acredita nas duas ideias que descrevi.’”

“Acredito que é profundamente equivocado dizer que devemos considerar os interesses das pessoas na indústria de pele, vivissecção ou agricultura animal antes de julgarmos que essas pessoas estão fazendo algo terrivelmente errado” (Foto: American Anti-Vivisection Society)

Regan citou que Peter Singer não acredita que a vivissecção seja sempre errada, apontando que o filósofo australiano crê que há situações em que a vivissecção é justificável. “Se os resultados estão em melhor equilíbrio do que se fossem obtidos de outra maneira, então sua visão é a de que não há nada de errado em usar animais em pesquisa. Este é um motivo pelo qual penso que as ideias de Singer são prejudiciais aos animais. Minha posição não poderia ser mais oposta à sua”, explicou o filósofo a Claudette Vaughan.

Tom Regan enfatizou que as pessoas não deveriam ficar chocadas ao saberem disso, levando em conta que Peter Singer diz que não é moralmente errado ter relações sexuais com animais. “Desde que o sexo ocorra em local privado, e assumindo que os participantes estão gostando, ele não vê nada de errado nisso. Isso é perfeitamente condizente com as duas principais ideias de Singer. Na verdade, isso é exigido pelas suas duas principais ideias. Novamente, a minha posição não poderia ser mais oposta a dele. Na minha visão, bestialidade é sempre moralmente errada pelas mesmas razões que sexo com crianças é moralmente errado: os direitos daqueles que não podem dar o consentimento são violados”, criticou.

O filósofo estadunidense argumentou que a última coisa que os animais precisam é que os exploradores de animais insinuem que os ativistas da militância pelos direitos animais estão reivindicando direitos para que possamos ter sexo mutuamente satisfatório com seres não humanos: “Quero dizer, meu Deus! Se isso acontecesse, os ativistas seriam vistos como desonestos, na melhor das hipóteses, e depravados, na pior das hipóteses. Em ambos os casos, o que os ativistas dizem em nome dos animais seria totalmente desconsiderado. Seria muito difícil calcular o dano maciço que seria causado aos animais. Então, embora eu reconheça o papel importante que Singer desempenhou nos estágios iniciais do movimento moderno, além de eu gostar muito dele como pessoa, não acredito que suas ideias representem o que os ativistas da militância pelos direitos animais acreditam. Espero que isso se torne mais claro à medida que avançamos. E precisa ser assim.”

Saiba Mais

Professor de filosofia da Universidade Estadual da Carolina do Norte, onde lecionou por 34 anos, Tom Regan conquistou prestígio internacional por sua produção prolífica voltada ao abolicionismo animal. Em 2006, Regan teve o seu livro “Empty Cages”, ou “Jaulas Vazias”, publicado no Brasil. Outras de suas obras de referência são “All That Dwell Therein: Essays on Animal Rights and Environmental Ethics”, de 1982; e “The Case for Animal Rights”, de 1983.

Referência

Vaughan, Claudette. An American Philosopher: The Tom Regan Interview. Vegan Voice. Republicado pela Animal Liberation Front (ALF).





Asenath Nicholson, a professora que defendeu uma alimentação livre da exploração animal no século 19

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Andrew Smith: “O veganismo em Nova York remete a 1833, quando Asenath Nicholson publicou o primeiro livro de receitas ‘veg(etari)anas”

asenath+nicholson

Um dos raros registros da imagem de Asenath Nicholson

É injusto falar da história do vegetarianismo nos Estados Unidos sem citar Asenath Nicholson, uma professora abolicionista que no século 19 já defendia uma alimentação livre da exploração animal. Ela foi a autora de “Nature’s Own Book”, um dos primeiros livros publicados com receitas vegetarianas, administrou uma pensão “vegana” e viajou para a Irlanda nos tempos da Grande Fome, onde passou anos alimentando os famintos com refeições vegetarianas.

De acordo com a biografia “Compassionate Stranger: Asenath Nicholson and the Great Irish Famine”, de Maureen O’Rourke Murphy, Asenath nasceu como Asenath Hatch em Chelsea, Vermont, em 24 de fevereiro de 1792. Filha dos colonos Michael e Martha Hatch, se tornou professora em sua cidade natal e em 1830 migrou para Nova York, onde abriu uma pequena escola e se casou com o comerciante Norman Nicholson, com quem dividia o interesse pela filantropia e pelas reformas sociais.

Mais tarde, o casal conheceu o pioneiro vegetariano e ministro presbiteriano Sylvester Graham, famoso pela criação da farinha graham e dos biscoitos graham crackers. À época, Graham era mais conhecido por advogar que a boa vida moral dependia também da não exploração animal, abstinência, disciplina alimentar, higiene e exercícios regulares.

Asenath, que frequentemente assistia suas palestras, acabou influenciada pelo ministro presbiteriano, e então começou a trilhar o seu próprio caminho, embora sempre que necessário fazia referências ao bom amigo Sylvester Graham. “O veganismo em Nova York remete a 1833, quando Asenath Nicholson publicou o primeiro livro de receitas ‘veg(etari)anas’, em colaboração com Sylvester Graham. [Porém] O livro ‘Nature’s Own’ traz algumas receitas com leite [o que pode ter sido incluído por intervenção de terceiros], escreveu Andrew F. Smith na página 617 do livro “Savoring Gotham: A Food Lover’s Company to New York City”, de 2015.

O que levanta tal suspeita é que tanto Asenath quanto Graham eram contra o consumo de laticínios, inclusive no mesmo livro, que traz cerca de dez páginas de receitas, ela declara que uma boa alimentação deve ser baseada apenas em bom pão, água pura, frutas maduras e vegetais. Ademais, apresenta testemunhos e relatos autobiográficos. “São minha carne e exclusivamente a minha bebida. Em 1837, Graham começou o seu primeiro jornal ‘vegano’ intitulado ‘The Journal of Health and Longevity’, que foi distribuído em Nova York”, escreveu Smith.

A professora Nicholson defendia um estilo de vida simples com dieta simples, atividades físicas e jejuns ocasionais. Ela incentivava a prática de se tomar banhos frios diariamente e um banho morno por semana. Também alertava para a importância da limpeza doméstica, alegando que “uma cozinha suja era como um coração sujo”. Suas qualidades a colocaram à frente daquela que é considerada uma das primeiras hospedarias “veganas” dos Estados Unidos; uma pensão em Five Points, um bairro da baixa Manhattan, em Nova York, que era habitado por pobres imigrantes, mas principalmente irlandeses e negros.

Sylvester Graham

Asenath assistiu algumas palestras do pioneiro vegetariano Sylvester Graham (Arte: Library of Congress, Washington, D.C.)

Oferecendo quartos confortáveis a preços baixos e comida vegetariana de boa qualidade, a pensão aberta em 1832 prosperou, tanto que no ano seguinte os Nicholson abriram outra no número 79 da Cedar Street, na esquina com a Nassau Street. Mesmo abandonada pelo marido em 1838, quando Norman desapareceu sem deixar qualquer recado, Asenath Nicholson não esmoreceu e seguiu trabalhando. Ela nunca mais teria notícias dele, supostamente falecido em 1841, de acordo com informações da escritora e pesquisadora Maureen Murphy.

Além de uma mesa servida prodigiosamente com os melhores vegetais e frutas, ela não oferecia nada de origem animal, pois Asenath não via sentido na morte de animais para servir de alimento aos seres humanos, assim como também era contra a escravidão dos negros e de qualquer outro povo em situação de subjugação. A alimentação na pensão excluía também qualquer tipo de estimulante. E essa defesa de um estilo de vida que hoje seria chamado de veganismo foi a bandeira de uma mulher em uma época que ainda não existia nem o termo vegetarianismo, criado na Inglaterra por volta de 1840, segundo informações da página 534 da obra “The Oxford Encyclopedia of Food and Drink in America – Volume 2”, editada por Andrew Smith.

Em 1840, John Burdell e William Alcott se juntaram a Sylvester Graham e Asenath Nicholson na promoção de um estilo de vida mais saudável e livre da exploração animal. Mesmo com esse empenho, nunca tiveram pressa em formar uma sociedade organizada e com objetivos mais específicos, tanto que   somente em 1850 foi realizada a reunião inaugural da Sociedade Vegetariana Americana, no Clinton Hall, na New York Mercantile Library. Nesse ínterim, Asenath já tinha convertido um sem-número de pessoas ao vegetarianismo, ao longo de quase 20 anos; entre eles, inclusive pessoas bem pobres.

Em 1844, viajou para a Irlanda, preocupada com o que se tornaria a Grande Fome, uma das maiores tragédias daquele país, e que atingiu principalmente as famílias mais carentes. A experiência a motivou a escrever os livros “Welcome to the Stranger” e ‘Annals of the Famine in Ireland”, lançados em 1847 e 1851. As duas obras trazem relatos surpreendentes de uma mulher aguerrida, que participou de um triste evento que matou aproximadamente um milhão de irlandeses até 1849 e obrigou mais de um milhão a abandonarem o país.

A causa da fome foi um terrível fungo que devastou as plantações de tubérculos na Irlanda. Sobre essa consequência nefasta, há historiadores que culparam os britânicos pela tragédia, já que à época os campos irlandeses estavam sob a hegemonia política da Grã-Bretanha. Mas independente de causas ou culpados, pessoas como Asenath Nicholson se esforçaram para fazer a diferença em meio ao caos. Do início ao fim da Grande Fome, a professora estadunidense dedicou incansavelmente todos os seus dias a preparar refeições vegetarianas para os famintos, e seguindo o mesmo padrão de qualidade de seu trabalho realizado em seu pensionato em Five Points.

Em “Compassionate Stranger: Asenath Nicholson and the Great Irish Famine”, a escritora Maureen Murphy, deixa claro que Asenath, que defendeu o vegetarianismo, se posicionou como abolicionista e dedicou sua vida aos desafortunados, merece muito mais reconhecimento na sociedade atual, que precisa se inspirar em exemplos como o dela, alguém que não teve medo de lutar contra o status quo em um período em que as mulheres normalmente eram relegadas à figuração ou personagens secundários de suas próprias vidas.

Referências

Nicholson, Asenath. Nature’s Own Book (1813). Forgotten Books (2015).

Smith, Andrew. Savoring Gotham: A Food Lover’s Companion to New York City. Oxford University Press (2015).

Smith, Andrew. The Oxford Encyclopedia of Food and Drink in America – Volume 2. Oxford University Press (2004).

Murphy, O’Rourke, Maureen. Compassionate Stranger: Asenath Nicholson and the Great Irish Famine. Syracuse University Press (2015).

http://www.irishtimes.com/culture/books/review-compassionate-stranger-asenath-nicholson-and-the-great-irish-famine-by-maureen-o-rourke-murphy-1.2385552

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