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“Você faz mais alguma coisa além de musculação?”
Um dia, na academia, um camarada me perguntou se eu fazia mais alguma coisa além de musculação. Achei a pergunta um tanto quanto estranha, mas tudo bem:
— Sim, eu trabalho.
— Sério mesmo?
— Verdade.
— Você trabalha com que?
— Com jornalismo, sou jornalista.
— Ora, nunca imaginaria.
— É? Por quê?
— Por causa da sua aparência. E também achei que você ficasse horas na academia.
— Não. Na realidade, meu treino tem duração de 40 a 50 minutos, às vezes chegando a uma hora. É o suficiente pra me exercitar e ter um shape razoável.
— Realmente não é muito tempo.
— Sim, o dia tem 24 horas, então me resta um bom tempo pra me ocupar com outras atividades, não?
— É…
Treinando no escuro
Subi a escadaria da academia, montei a barra para fazer rosca direta e comecei a treinar no escuro. Sim, não havia energia elétrica por causa do forte temporal. De repente, notei um cara me observando. Um olhar fixo e incivil. Sempre que eu me distraía, ele desaparecia.
Logo retornava. Continuava me assistindo. Movia os braços e fazia esgares ocasionais. Desconfortável, não nego. Estava bem escuro, e o sujeito continuava na mesma posição, movimentando os braços e contraindo os músculos. Um olhar grave, indômito. Movia a cabeça e sorria, não um sorriso comum. Um sorriso do tipo macarrônico.
“O que esse cara quer?” pensei. Deixa pra lá. Juntei 12 halteres ao redor do banco onde eu estava e continuei treinando. O sujeito também sentou e começou a me imitar. “Que isso?”, “O que está acontecendo aqui?” ‘O que tem de errado com esse cara?”, me questionei.
Ele só não me seguia quando eu ia até o bebedouro encher a minha garrafa de água. Mas continuava no mesmo lugar, me observando sem parar. Ele não se importava que eu soubesse. Sim, não fazia a menor diferença. Folgado.
No escuro, ocasionalmente a janela permitia que a pequena incidência de luz lançasse um brilho insólito sobre o espelho; um lume fortuito, intermitente. Era como se sua presença se desvanecesse com a luz. Dizem que o escuro é o refúgio dos casmurros. Deve ser.
Vez ou outra, eu caminhava até a janela, sentia o frescor, observava os galhos das árvores balouçando, desviava os olhos e retornava. Ok. Deitei no banco e comecei a fazer tríceps testa. Muito bom, assim não vejo ninguém, a não ser a barra e o movimento dos meus braços. Terminei, me levantei e ele continuava lá. “Po, ainda por aqui?”, pensei. Que seja!
Fiz rosca francesa com barra e caminhei até o outro lado da academia. “Aqui não tem ninguém. Claro que hoje não tem quase ninguém na academia, mas especialmente aqui estou só”, ponderei satisfeito. É isso aí! Olhei para o lado e o sujeito já tinha se antecipado. Ele sorriu; outro sorriso satírico, dicaz. Deve ter pensado: “Idiota, achou que fugiria de mim?”
“Que isso? Será que não posso treinar em paz?”, monologuei no escuro, desinteressado em abrir a boca. Fiz minhas séries de tríceps corda, fechando com drop-set. Antes de deixar a polia, a energia elétrica retornou por um instante. Observei o sujeito. Era o meu próprio reflexo no espelho.
“Carrega também, pai”
No início da noite, quando saí da academia, passei em frente ao Rotary. Um garotinho, sem qualquer sinal de constrangimento, apontou o dedo para mim e chamou a atenção de seu pai.
— Pai, por que você não é forte que nem aquele tio árabe ali?
— Deve ser porque em vez do camelo carregar ele é ele quem carrega o camelo.
— Sim, carrego camelo nas costas — comentei de longe.
— Carrega também, pai — comentou a criança.
“Moço, o que você tanto olha?”
Saí da academia e passei na Praça dos Pioneiros apenas para caminhar. Enquanto eu andava, comecei a observar o céu límpido, onde despontavam inúmeras estrelas. Minutos depois, uma mulher se aproximou:
— Moço, o que você tanto olha? Me mostre também que quero ver.
— Estou olhando as estrelas.
— Só isso? Achei que fosse algo mais interessante.
— Pois é…
“Bom, talvez eu não a tenha assustado tanto”
Terminando o meu treino de mobilidade na academia, enquanto eu estava pendurado em uma barra, notei uma garotinha, uma criança, me observando. Não olhei diretamente porque ela já parecia assustada me olhando.
— Com a barba desse tamanho e musculoso, deve ter se assustado, pensando que sou algum tipo de monstro; ou pelo menos um sujeito bem estranho.
Continuei ali por mais um ou dois minutos. Então caminhei até o outro lado da academia para guardar as minhas coisas na minha bolsa e beber água antes de ir embora. Notei que a garotinha estava novamente do meu lado e, assim como eu, bebendo água da própria garrafinha. Então concluí:
— Bom, talvez eu não a tenha assustado tanto.
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Quem eu era na infância ainda vive dentro de mim
Sempre que termino a musculação, faço treino de mobilidade por 10 a 15 minutos. Como não havia espaço no local onde sempre realizo esse treinamento, deitei perto do espelho que fica em frente à polia. Então prestei bastante atenção no meu rosto, e sorri sozinho, porque reconheci que quem eu era na infância ainda vive dentro de mim.
Percebi isso nos meus olhos, e me senti realmente grato, porque perder isso seria perder a minha própria identidade. Às vezes, se olhar no espelho não tem nada a ver com narcisismo, ainda mais se o que quero ver somente o reflexo não pode me oferecer.
“E aí, dando muitas braçadas ainda?”
Eu na academia, terminando meu treino de mobilidade. Várias vezes, notei um cara me observando. Quando levantei, ele comentou: “E aí, dando muitas braçadas ainda?” Não entendi muito bem, mas respondi numa boa: “Sim, tudo transcorrendo normalmente.”
Quando o rapaz se afastou, só consegui pensar: “Não tenho a mínima ideia de quem seja, mas tenho certeza que esse cara me confundiu com alguém que nada aqui. Será que ele acha que todos os barbudos são iguais?”
“Ué, mas nem parece!”
Saindo da academia, notei que o pneu dianteiro esquerdo do carro começou a fazer um barulho estranho. Desci, olhei e não percebi nada. Então decidi passar em um posto para calibrar os quatro. Enquanto calibrava, vi que havia um parafuso gigante cravado no pneu, embora não houvesse nenhum vazamento.
Então dirigi até uma borracharia na Avenida Tancredo Neves. Chegando lá, enquanto o borracheiro separava a roda do pneu, ele perguntou: “Você é fisiculturista?” “Você é lutador?” Você é professor de educação física?” Respondi não para as três inferências.
Cheio de tentar adivinhar, o borracheiro continuou: “O que tu faz afinal? Parcimonioso, contei que sou jornalista. Ele prontamente emendou: “Ué, mas nem parece!” Pois é…
“Fazia muito tempo que eu não encontrava nenhum grego ortodoxo”
Andando pelo centro de Paranavaí, agachei para amarrar o cadarço do meu tênis, uma pessoa passou e jogou uma nota de R$ 2 e algumas moedas em minha direção. Vai entender. Mais tarde, quando saí da academia e atravessei a rua, uma senhorinha acompanhada da neta, me parou perto do Rotary. Pensei que ela estava perdida ou queria alguma informação, mas me enganei.
Ela pediu para segurar as minhas duas mãos. Reconhecendo seu olhar de ternura, consenti na hora. No mesmo instante, a senhorinha balançou minhas mãos e disse o seguinte: “Olhe esse moço, minha neta! Fazia muito tempo que eu não encontrava nenhum grego ortodoxo nesta cidade. Não estou nem acreditando! Adonai Echad, meu filho!”
20 de outubro de 2016.
Na saída da academia
Dias atrás, saindo da academia com a minha mala esportiva à mão esquerda, me recordei que assumi o compromisso de passar na casa de uma amiga antes das seis horas da tarde para buscar um livro. Como faltavam apenas dez minutos, corri até o meu carro que estava estacionado na Rua Luiz Spigolon. Nesse ínterim, notei que quatro pessoas também começaram a correr, e inclusive a atravessar a rua, se distanciando de mim.
Estranhei porque as duas moças e os dois rapazes usavam uniformes. Provavelmente não estavam se exercitando. “Por que estariam correndo?”, me questionei subitamente, sem dar grande margem para interpretações. Ainda suspeito que ouvi um ou dois gritos, mas como eu estava com fones de ouvido, não posso confirmar. De repente, me vi sozinho na calçada. Joguei a mala no banco direito, entrei no carro, ajeitei a barba e fui embora.