David Arioch – Jornalismo Cultural

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Gondry, Kaufman e as dores da alma

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Eternal Sunshine of the Spotless Mind aborda a instabilidade humana frente às adversidades das relações amorosas

O filme é elevado a um caráter metafórico excepcional (Foto: Reprodução)

O filme é elevado a um caráter metafórico excepcional (Foto: Reprodução)

Lançado em 2004, Eternal Sunshine of the Spotless Mind, que chegou ao Brasil com o fidedigno título Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, é um filme do gênero drama do cineasta francês Michel Gondry em parceria com o estadunidense Charlie Kaufman, roteirista muito conhecido por obras conceituais como Being John Malkovich, de 1999, e Adaptation, de 2002.

Protagonizado por Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet), que se somam a outros personagens interpretados por famosos como Elijah Wood, Kirsten Dunst e Mark Ruffalo, Eternal Sunshine of the Spotless Mind é um filme interessante sobre a ficcional possibilidade de desconstrução das emoções e sentimentos. Após um conflito amoroso, Clementine decide se submeter a um procedimento neurocirúrgico para apagar Joel de sua memória. A iniciativa parte de uma premissa e anseio de idealização instintivamente humana após grande, mas natural experiência de sofrimento.

Ao saber do ato de Clementine, Joel opta por fazer o mesmo. Durante o processo se arrepende e começa uma batalha psicológica e emocional para preservar fragmentos de sua vida com a namorada. A dor se intensifica ainda mais conforme a mulher se desvanece da memória de Joel. Momentos vividos a dois tornam-se vazios quando o homem é relegado a ser o único personagem de uma realidade que só poderia ser intensa se vivida de forma compartilhada. Tudo parece desértico, difuso e disperso em um contexto mental fugidio e atroz, onde a dor desequilibra a essência humana e submete o homem ao desespero das incertezas da própria existência.

Joel e Clementine chegam a representar a desmaterialização do amor (Foto: Reprodução)

Joel e Clementine chegam a representar a desmaterialização do amor (Foto: Reprodução)

A introspecção leva Joel ao cume da solidão, assim o filme se eleva a um caráter metafórico excepcional. Juntos, Joel e Clementine, inertes em mundos paralelos, mas dissonantes, chegam a representar a desmaterialização do amor. É algo tão dolorosamente humano que lança turbilhões de luz sobre as falhas da natureza social, principalmente a individualização motivada pela insegurança e franca possibilidade de incompreensão. No fundo, tudo é sustentado como consequência de uma comunicação canhestra.

Em suma, Eternal Sunshine of the Spotless Mind é uma obra bela e triste que mistura humanismo, existencialismo e surrealismo. Muito bonita ao traduzir a interiorização e as dores da alma com requinte poético, mas sensivelmente tétrica em premeditar e denunciar o princípio do fim das boas e tradicionais relações humanas. Afinal, o filme parece se embasar na ideia de que em situações de conflito amoroso e existencial cresce o número de pessoas que preferem reclamar de não ter acesso a uma tecnologia capaz de eliminar os desconfortos que as afligem. Não se dão conta que melhor seria ponderar e tentar lidar de frente com as situações mais complicadas.

“Tinha que desviar dos cipós pra não cair”

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Gabriel Schiroff e as antigas histórias do distrito de Graciosa

Graciosa ainda no início da colonização (Foto: Reprodução)

Graciosa nos primeiros anos da colonização (Acervo: Ordem do Carmo)

 Em 1951, quando o produtor rural Gabriel Schiroff se mudou com a família para Paranavaí, no Noroeste do Paraná, Graciosa ainda não era uma colônia. À época, ninguém chegava ao futuro distrito sem percorrer um precário e estreito carreador. “A gente tinha que se defender das perobas e desviar dos cipós pra não cair da carroceria do caminhão. Paranavaí era distrito de Mandaguari e lembro que sua área ia da beira do Rio Paranapanema até o Rio Ivaí”, relatou sorrindo o pioneiro que perdeu as contas de quantas vezes teve de descer do veículo para abrir caminho entre a mata virgem.

A viagem de Santa Catarina até Paranavaí foi difícil, mas Schiroff afirmou ter valido a pena porque as pessoas se divertiam e sabiam lidar da melhor forma possível com as adversidades. “Todo mundo vivia mais alegre e gostava mais de trabalhar. Se contar tudo que passamos nos anos 1950, muitos dos jovens de hoje em dia não acreditariam”, comentou. No mesmo período da chegada dos Schiroff, o distrito recebeu cerca de 50 famílias de outras regiões do Paraná e de Santa Catarina. A população era composta basicamente por sulistas de origem europeia, o que deu a colônia uma característica de comunidade germânica.

No início a Família Schiroff começou a se dedicar à lavoura. Em seguida construíram uma farinheira e decidiram comercializar em Paranavaí tudo que produziam. “Todo dia a gente vendia dois caminhões carregados de farinha de mandioca para a Casa Estrela, em Paranavaí”, contou Gabriel. A família também se empenhava na cafeicultura e na serraria a vapor, chegando a cortar madeira para toda a população do Distrito de Graciosa.

Francisca Schiroff, esposa de Gabriel, começou a lecionar no povoado em 1952, meses antes do médico José Vaz de Carvalho ser eleito como o primeiro prefeito de Paranavaí. “Logo vieram muitos padres da Alemanha pra Paranavaí, então surgiu a ideia de construir um seminário em Graciosa”, explicou o pioneiro. Nos anos 1950 a modesta economia do povoado era baseada na agricultura, bovinocultura e suinocultura, pois o comércio se concentrava no centro de Paranavaí, onde havia grande demanda por produtos orgânicos e de origem animal.

A população de Graciosa demorou para começar a lucrar com as produções porque a colônia se situava em meio à mata nativa, numa região ainda isolada e pouco visitada. Além disso, nem todos tinham condições de ir até a cidade vender os próprios produtos. “O bom era que tinha bastante madeira, então a gente trabalhava até aos domingos. Duas pessoas levavam metade de um dia para derrubar uma árvore com quase dois metros de tronco. Era preciso derrubar com machado porque não existia motosserra”, destacou.

Em 1952, quando as residências do distrito ainda eram de tábuas e pau-a-pique, Gabriel presenciou um pouso forçado de um avião que perdeu a rota de Londrina até Nova Esperança. “Ele rodou várias vezes aqui por cima, até que acabou o combustível e aterrissou em uma rua. Paramos o trabalho na mata e fomos lá ver se estava tudo bem. Só havia duas pessoas e ninguém se feriu. À tarde, arrumamos gasolina pra eles em Paranavaí. Depois o pessoal empurrou o avião e eles seguiram viagem”, contou. Na década de 1950 era muito comum aparecerem aviões perdidos em Paranavaí, normalmente porque o piloto errava o percurso. Mas em todas as situações, por mais difíceis que fossem, a população sempre conseguia auxiliar os viajantes.

Naquele tempo, sem a conscientização ambiental da atualidade, os moradores de Graciosa encaravam as onças como grandes ameaças. Por isso aconteciam caçadas frequentes e o desfecho quase sempre culminava na morte do animal. Um dia o falecido pioneiro José Venturini Schiroff tinha montado uma armadilha para pegar paca e quando voltou viu alguns rastros de onça. Mais adiante, encontrou os restos do seu cachorro comido pelo animal. Revoltado, chamou um vizinho, reuniu alguns cães caçadores e adentrou a mata. Em poucos minutos foi surpreendido pelos cachorros voltando correndo, arrepiados e latindo.

Mesmo sem os cães por perto, se aprofundaram na floresta até verem uma árvore um pouco torta. “A onça estava lá em cima se preparando para dar o bote. Meu irmão e os dois vizinhos deram três tiros. A acertaram e ela caiu morta. Era uma onça pintada de mais de 80 quilos”, revelou Gabriel Schiroff.

Observação do Autor

 Em 2006 e 2007, tive a oportunidade de conversar diversas vezes com o pioneiro e produtor rural Gabriel Schiroff, que sempre foi muito atencioso não apenas em me conceder longas entrevistas no Sítio Nossa Senhora Aparecida, como também me mostrando todo o acervo histórico preservado pela família desde os tempos da colonização (há inclusive arquivos que datam das décadas de 1900 e 1910). Gabriel e a esposa, a pioneira e professora Francisca Schiroff, são importantes personagens de Paranavaí e de Graciosa.

Pesquisando sobre história regional desde 2006, e entrevistando centenas de pessoas, posso acho justo afirmar que o acervo particular da Família Schiroff sobre a história de Paranavaí é um dos maiores já vistos. A relação cultivada com o passado, a partir dos mais diversos tipos de registros, demonstra não apenas um grande amor dos Schiroff pelas coisas desta terra, mas também um anseio de preservar e valorizar a identidade local. Infelizmente o pioneiro Gabriel Schiroff faleceu em 27 de julho de 2012 em decorrência de graves problemas de saúde. No entanto deixou um legado de muitas histórias que enaltecem a bravura daqueles que aqui chegaram nos tempos mais inóspitos.