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Jaime Mota e as escolas da Etiópia

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Mesmo nuas, crianças não deixam de ir para a escola na Etiópia (Foto: Jaime Mota)

Mesmo nuas, crianças não deixam de ir para a escola na Etiópia (Foto: Jaime Mota)

O fotógrafo andaluz Jesús Jaime Mota, falecido em 16 de junho de 2011, nos deixou uma grande lição de vida. Viajando pelo continente africano, ele se deparou com situações extremamente incomuns. Na Etiópia, Mota encontrou crianças indo nuas para as escolas. Ou seja, nem mesmo a ausência de roupas, em decorrência da pobreza extrema, as afastou do desejo de aprender.

“Eu nunca poderia imaginar que uma viagem de prazer pudesse mudar a minha visão sobre a vida. O turismo pela África é como uma cura para o espírito e a mente. Não procurem imagens sensacionais no meu trabalho. Eu quis apenas retratar cada personagem em sua forma mais pura, capaz de entrar em nossa alma e dar uma olhada sincera dentro de nós. O objetivo do meu trabalho sempre foi transmitir sentimentos e sensações que um dia eu vivi com aquele povo humilde, sentimentos puros e sinceros, sensações intensas e cheias de emoções inesquecíveis.”

Quando suas crianças se recusarem a ir para a escola, mostrem a foto de Jaime Mota a elas. Tenho certeza de que ele agradeceria.

Acesse: www.jaimemota.com

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Written by David Arioch

January 28th, 2016 at 10:17 pm

Quando Rimbaud se tornou traficante de armas

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Rimbaud: "Deixei o meu emprego em Áden [no Iêmen], após uma violenta discussão com aqueles camponeses patéticos" (Foto: Reprodução)

Rimbaud: “Deixei o meu emprego em Áden [no Iêmen] após uma violenta discussão com aqueles camponeses patéticos” (Foto: Reprodução)

No dia 22 de outubro de 1885, o poeta Arthur Rimbaud assume que se tornaria um traficante de armas na Etiópia, começando assim a última etapa do que ele definia como uma vida curta e infame.

Aos 21 anos, em carta escrita a sua mãe, Rimbaud explica que abandonou a parceria poética com Paul Verlaine para se tornar tutor, mendigo, estivador, operário, soldado e ladrão. Quatro anos depois, vira comerciante de café, o que não rende-lhe tanto lucro quanto traficar armas. Em correspondência, sempre dizia a sua mãe que o objetivo era tornar-se rico.

No trecho de outra carta, Arthur Rimbaud relata: “Deixei o meu emprego em Áden [no Iêmen] após uma violenta discussão com aqueles camponeses patéticos que queriam me entorpecer para o bem. Eles fizeram tudo que podiam para me segurar lá, mas os mandei ao inferno com sua cidade imunda e suas ofertas de negócios. Não quero trabalhar em escritório. Há uma distância de milhares de rifles entre mim e a Europa. Vou montar uma caravana e transportar armas para o rei Menelik II da Etiópia.”

Referências

http://www.todayinliterature.com/

Nicholl, Charles. Somebody Else: Arthur Rimbaud in Africa – 1880-91. University Of Chicago Press (1999).

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Written by David Arioch

October 22nd, 2015 at 1:49 pm

Fazendo a diferença em Ruanda

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Violette Mutegwamaso, a mulher que superou uma guerra civil e o brutal assassinato do marido

Aldeia onde a então dona-de-casa vivia com a família (Foto: Rosemary Lycett)

Aldeia onde a então dona de casa vivia com a família (Foto: Rosemary Lycett)

Em 1994, milícias armadas entraram em conflito em Ruanda, na região dos Grandes Lagos da África. Pessoas de etnias hutu e tutsi tornaram-se inimigos mortais, se enfrentando pelas ruas à luz do dia. A motivação foi o desvio de recursos que deveriam ser utilizados para a reestruturação do país. Com a expansão do caos, iniciado na capital Kigali, 250 mil pessoas foram mortas. Ainda assim, muita gente acreditava que estava livre das zonas de guerra civil. Um exemplo era a dona de casa Violette Mutegwamaso que cuidava dos filhos enquanto o marido trabalhava na capital, a três horas de distância de Gahini, a pacata aldeia onde a família sempre viveu.

“Quando percebi que a guerra já estava ao lado, peguei meus dois filhos nos braços e fugi para a igreja mais próxima. Pensei que encontraria um santuário de paz. Na realidade, entrei em um pesadelo”, lembra. Atacados por uma milícia munida de facões e armas de fogo, muitos moradores de Gahini caíram mortos dentro da igreja. Para sobreviver, Violette deitou-se em um corredor e lambuzou os corpos dos filhos e o próprio com sangue para evitar que os agressores os matassem.

“Nos escondemos entre os cadáveres e nos fingimos de mortos. Ficamos naquela igreja por uma semana até que o exército ruandense apareceu para libertar a área”, conta. No episódio, sobreviveram apenas 20 pessoas dentre os mais de 700 escondidos no templo religioso. O marido de Violette não teve a mesma sorte. Foi brutalmente assassinado quando retornava para casa depois de mais um dia de trabalho.

Sobrevivente viu a morte de centenas de pessoas (Foto: Daniel Chen)

Sobrevivente viu a morte de centenas de pessoas (Foto: Daniel Chen)

A dona de casa se viu obrigada a assumir sozinha a criação do filho Eric, de cinco anos, e Angelique, de quatro anos. Demonstrando muita força, Violette ainda cuidou de um órfão que perdeu a família inteira na guerra. “Não tive quase apoio, mas tentei reconstruir a vida cultivando as terras de outras pessoas. O que ganhava não dava para alimentar a mim e meus filhos. Também não conseguia pagar a escola, comprar remédios e roupas. Foi muito difícil”, admite em tom emocionado.

Dez anos depois, Violette ouviu falar de um programa internacional de patrocínio para mulheres. Sem nada a perder, se matriculou e ganhou uma ajuda da estadunidense Liz Hammer, uma mãe de dois filhos comprometida em repassar 30 dólares por mês ao longo de um ano. A quantia que partia de Boston pode parecer ínfima para muita gente, mas Violette soube fazer a diferença com tão pouco.

Usou o dinheiro para investir em cerveja de sorgo. “Cheguei a produzir uma tonelada e meia do cereal. Ainda assim, a demanda era tão grande que tive de comprar sorgo de outros agricultores”, explica. De modo artesanal, Violette Mutegwamaso preparava de 150 a 180 litros de cerveja a cada três dias, lucrando cerca de 50 dólares por lote.

Com o dinheiro da bebida, investiu no plantio de feijão. Além de garantir alimento para a família, também conquistou uma nova fonte de renda. “Se o preço está alto, vendo o feijão para os vizinhos. Já quando cai, repasso no atacado para lojas e restaurantes”, revela. Enquanto a maior parte da população de Ruanda tinha uma renda mensal familiar de 260 dólares, segundo dados do Banco Mundial, Violette, superando todas as expectativas, já conseguia faturar 1,8 mil dólares com a safra de feijão.

Marido de Violette morreu durante a Guerra Civil de Ruanda (Foto: Frank Randall)

Marido de Violette foi uma das vítimas fatais da Guerra Civil de Ruanda (Foto: Frank Randall)

Mais tarde, ampliou ainda mais os negócios e contratou trabalhadoras locais para atuar no campo e no gerenciamento das atividades. Preocupada com a comunidade, fez um empréstimo bancário para instalar uma tubulação de água na aldeia, evitando que as mulheres tivessem de andar por horas até achar uma torneira. “Vivemos em um país onde apenas 20% das pessoas tem acesso à água potável, então muitas mulheres são obrigadas a carregar jarros pesados por longas distâncias”, desabafa.

Hoje, Violette Mutegwamaso é presidente de uma cooperativa de artesanato. Dentre os produtos mais populares está a cesta de paz que faz parte da cultura ruandense e normalmente é comprada para presentear a noiva e o noivo no dia do casamento. “Também vendemos bastante cerâmica e artigos de crochê. Fico feliz por reunir na mesma cooperativa mulheres de origem hutu, tutsi e twa. Elas sentam lado a lado para tecer fibras de sisal com técnicas tradicionais de desenho”, afirma Violette.

A cooperativa tirou da miséria muitas vítimas do genocídio e até mesmo pessoas que assumiram a autoria dos mais chocantes homicídios cometidos durante a Guerra Civil de Ruanda. “Se perdoei o assassino do meu marido por que não aceitaria aqueles que cometeram outros crimes?”, questiona, incitando reflexão.

The Bang Bang Club, barbárie na África do Sul pós-Apartheid

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Livro e filme contam as experiências de quatro jovens em meio ao caos da Guerra Civil Africana

Filme se passa na África do Sul de 1990 a 1994 (Foto: Reprodução)

O filme The Bang Bang Club, do canadense Steven Silver e lançado em 2010, conta a trajetória de quatro jovens caucasianos: Greg Marinovich, João Silva, Ken Oosterbroek e Kevin Carter, fotógrafos criados nos bairros de classe média de Joanesburgo, na África do Sul, que trabalhavam para o jornal The Star. Entre os anos de 1990 e 1994, registraram muitos momentos profundos e simbólicos da guerra civil que custou a vida de milhares de membros do Congresso Nacional Africano (CNA), de Nelson Mandela, e do grupo separatista de origem zulu Inkatha, formado por moradores da área rural. A história se desenrola em paralelo a um dos momentos mais importantes da política sul-africana, quando um referendo nacional estabelece o fim do Apartheid e oferece a toda a população a oportunidade de votar.

Em 2004, li o livro The Bang Bang Club que desperta questionamentos e reflexões existenciais sobre a banalização da vida, crueldade e barbárie com as quais o ser humano é capaz de conviver como se fosse algo tão natural quanto tomar um copo d’água. O filme homônimo também é pesado, agressivo e carregado de uma carga psicológica tão extenuante que reflete a própria condição da realidade sul-africana da época, transmitida com esmero estético por uma direção de fotografia que privilegia a perspectiva panorâmica dos fotógrafos em ação. A obra levanta questões que até hoje são discutidas em todo o mundo, quando se trata de fotografia de guerra ou testemunhal.

O verdadeiro Clube do Bangue Bangue (Foto: Reprodução)

Até que ponto um fotógrafo deve ou não interferir no cenário? Tanto no livro quanto no filme, Kevin Carter, um dos vencedores do Prêmio Pulitzer, um dos mais importantes do jornalismo mundial, é questionado muitas vezes. Perguntam-lhe por que não salvou a garotinha que estava sendo espreitada por um abutre na área rural do Sudão. Carter não sabia o que dizer, ficava confuso, e tantos questionamentos o afetaram de tal maneira que em 1994 cometeu suicídio dentro do próprio carro. Inalou através de uma mangueira a fumaça que saía do escapamento, chegando ao interior de automóvel com os vidros fechados. O homem que teve sua foto estampada na capa do New York Times morreu pobre e endividado.

Imagem que garantiu a Kevin Carter o Prêmio Pulitzer

Já Ken Oosterbroek foi morto a tiros pelo próprio exército sul-africano durante um conflito armado em que a turma do Clube do Bangue Bangue saiu para registrar uma incursão. Marinovich foi alvejado no mesmo episódio, mas sobreviveu. Greg também ganhou o Prêmio Pulitzer pela autoria de uma foto em que um suposto Inkatha é espancado, depois o banham em álcool e ateiam fogo com um palito de fósforo.

Enquanto o homem corre desesperadamente em chamas, e com o sol ao fundo, tornando a cena mais vívida, um membro do CNA vai até ele e desfere-lhe um golpe de facão. Greg Marinovich registrou o momento preciso, como diria o mestre Henri Cartier-Bresson. Porém, antes disso, o fotógrafo interpelou um dos agressores: “Como você sabe que ele é um Inkatha?” O homem respondeu: “Não sabemos, mas aqui fica uma lição aos outros.” Tal frase é mais que uma simbologia do caos vivido na África do Sul até 1994. Era mais importante surpreender o inimigo mostrando-lhe do que era capaz, mesmo que isso custasse a vida de um não-membro.

Foto premiada de Greg Marinovich

O filme é bom e fiel ao livro, mas a profundidade do original impresso é ainda mais reflexiva. Alguns momentos não foram para as telas, até porque a riqueza de detalhes de João Silva e Greg Marinovich demandaria uma série, não apenas um filme. Uma prática muito comum citada no livro é o necklace que não aparece na adaptação para cinema. O agressor selecionava a vitima, colocava em seu pescoço um pneu com as bordas embebidas em álcool e ateava fogo. Ainda me recordo também que a guerra entre os Inkatha e a CNA custou a vida até mesmo de bebês, mortos de forma extremamente violenta.

Em suma, fica claro que os maiores “vitoriosos” da guerra civil sul-africana foram os africâneres, principalmente os bôeres, que colocaram os nativos africanos para matarem uns aos outros, o que era bem quisto pelos segregacionistas, racistas brancos e dominantes que sempre representaram a minoria continental. The Bang Bang Club  e War Photographer – que conta com exímio realismo a história de um dos maiores fotógrafos de guerra do mundo, James Nachtwey (que inclusive tem uma curta participação no livro e no filme The Bang Bang Club), são duas recomendações para quem gosta do tema fotografia de guerra.

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A diversidade cultural do cinema

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2ª Mostra de Cinema de Paranavaí exibirá filmes de todas as regiões do Brasil e de Moçambique

Serão exibidas 16 obras de curta, média e longa-metragem

Na sexta-feira, 7, e no sábado, 8, às 20h30, a Casa da Cultura Carlos Drummond de Andrade será cenário da 2ª Mostra de Cinema de Paranavaí (MIC) em que serão exibidos 16 filmes de curta, média e longa-metragem dos mais diversos gêneros. O evento que recebeu obras de todas as regiões do Brasil e de Moçambique é uma iniciativa da Fundação Cultural. A entrada será gratuita.

Para a primeira noite da 2ª MIC está programada a exibição dos filmes “Sonho de Valsa”, de Beto Besant, de Santo André, São Paulo; Loading 66%, de Henrique Duarte, de São Carlos, São Paulo; “Caça-Palavras”, de Pedro Flores da Cunha, de São Paulo, capital; “As Aventuras de Seu Euclides Chegança”, de Marcelo Roque Belarmino, de Aracaju, Sergipe; “Maria Ninguém”, de Valério Fonseca, do Rio de Janeiro, capital; “Foi Uma Vez”, de Renan Lima e Bruno Martins, de São Paulo, capital; “Burguesia”, de Rodrigo Parra, do Rio de Janeiro, capital; “Incelença da Perseguida”, de Silvio Gurjão, de Fortaleza, Ceará; e “Eu Não Faço a Diferença?”, de Henrique Moura, de Paranavaí.

Já no sábado, serão exibidos “A Maldição de Berenice”, de Valério Fonseca, do Rio de Janeiro, capital; “Hr. Kleidmann”, de Marcos Fausto, de São Paulo, capital; “No Oco da Serra Negra”, de Angelo Bueno, Ernesto Teodósio, Pedro Kambiwá e Otto Mendes, de Recife, Pernambuco; “Aos Pés”, de Zeca Brito, de Porto Alegre, Rio Grande do Sul; “Bucaneiro”, de Juliana Milheiro, do Rio de Janeiro, capital; “Do Morro”, de Mykaela Plotkin e Rafael Montenegro, de Recife, Pernambuco; e Chikwembo, de Julio Silva, de Maputo, Moçambique.

Para o presidente da Fundação Cultural de Paranavaí, Paulo Cesar de Oliveira, o cinema brasileiro e africano está muito bem representado na 2ª Mostra de Cinema de Paranavaí pela diversidade de gêneros e também de temas que abordam desde assuntos mais simples e bucólicos até os mais controversos e subjetivos. “Escolhemos filmes que façam com que as pessoas deixem a Casa da Cultura discutindo, repensando o que assistiram”, enfatiza o diretor cultural Amauri Martineli, acrescentando que a 2ª MIC é voltada ao público com faixa etária acima de 14 anos.