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Como a pecuária contribui com o aquecimento global
Documentário apresenta a verdade inconveniente negligenciada por Al Gore em 2006

Cowspiracy aponta a pecuária como uma das principais responsáveis pela destruição da Amazônia (Foto: Divulgação)
Lançado em 2014, Cowspiracy – The Sustainability Secret é um documentário de Kip Andersen e Keegan Kuhn que mostra de que forma a pecuária tem contribuído com o aquecimento global, inclusive sendo apontada como uma das principais responsáveis pela destruição da Amazônia.
E para endossar a denúncia, os realizadores usam como referência o relatório anual da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) que cita a pecuária como uma das grandes culpadas pela degradação do solo, mudanças climáticas, poluição, esgotamento de água e perda da biodiversidade.
Quando o assunto veio à tona em 2006, a ONU iniciou um trabalho de defesa da reeducação alimentar baseada em dietas vegetarianas, ou pelo menos a redução do consumo de carne e laticínios, uma transformação que pode desacelerar a produção e ajudar a combater o aquecimento global.
Com o relatório em mãos, o documentarista Kip Andersen questiona os porta-vozes de grandes organizações de proteção ao meio ambiente, como Green Peace, Sierra Club, Rain Forest Action Network, 350.org, Amazon Watch e Oceana, sobre o motivo de jamais terem falado sobre o papel da agroindústria no aquecimento global.
Insistente, Andersen faz com que a diretora da Amazon Watch, Leila Salazar Lopez, abra o jogo em um segundo encontro, quando ele a questiona sobre o silêncio dessas entidades. Antes ele ressalta a gravidade da situação ao informar que a Amazônia Brasileira, o lugar com a maior biodiversidade do planeta e que já perdeu 80% de sua área original, pode desaparecer nos próximos dez anos por causa da desenfreada produção de gado e soja.
“Podemos ver o que aconteceu no Brasil depois da aprovação do Código Florestal. Quem falava contra os lobistas e os interesses das agroindústrias era assassinado. Um exemplo é o caso do José Cláudio Ribeiro da Silva [falecido em 2011], um dos ativistas que dizia que a agropecuária estava destruindo a Amazônia. Veja o exemplo de Dorothy Stang, a freira que morava no Pará e foi assassinada. Muita gente fala, mas muitos ficam calados porque não querem acabar com uma bala na cabeça”, argumenta Leila.
A freira Dorothy Stang se opôs ao desmatamento praticado pela agropecuária durante anos. Certa noite, ao entrar em casa foi brutalmente baleada à queima-roupa por um matador de aluguel. Além dela, mais de 1100 ativistas foram mortos no Brasil nos últimos 20 anos, de acordo com o filme.

Keegan Kuhn e Kip Andersen, responsáveis pela produção de um dos documentários mais controversos dos últimos anos (Foto: Divulgação)
“Quem se beneficia e faz lobby para este sistema agrícola são os maiores produtores alimentares, os maiores produtores de carne. Quando eles crescem e enriquecem, eles usam o poder político que possuem para ditar as políticas federais quanto à produção de alimentos”, destaca Wenonah Hauter, diretora executiva da ONG Food & Water Watch.
A partir daí tudo fica claro para os documentaristas. Kip Andersen, que se inspirava em Al Gore para se tornar ambientalista, se decepcionou quando soube que esse foi o motivo pelo qual o ex-vice-presidente não citou a pecuária no documentário An Inconvenient Truth, sobre as causas do aquecimento global.
De acordo com o ambientalista e escritor Will Tuttle, diariamente a população humana, que chegou a sete bilhões em 2011, consome 20 bilhões de litros de água e 9,5 bilhões de quilos de comida. Enquanto isso, 1,5 bilhão de bovinos, de um total de 70 bilhões de animais criados no mundo todo, consomem 170 bilhões de litros de água e 61 bilhões de quilos de comida. “Quase um bilhão de pessoas passam fome todos os dias”, acrescenta Tuttle, realçando o absurdo da situação.
Além disso, 50% da produção de legumes e vegetais é destinada aos animais. Só nos Estados Unidos, 90% da soja é para o consumo das criações. “Comparando com a carne, podemos produzir, em média, 15 vezes mais proteínas a partir de fontes vegetais, e usando o mesmo tipo de terra, seja fértil ou não. Hoje, 82% das crianças que passam fome vivem em países onde a comida é dada aos animais. O mais incrível é que temos condições de alimentar todos os seres humanos”, revela o pesquisador Richard Oppenlander, autor do livro Food Choice and Sustainability.
Em uma de suas pesquisas, Andersen descobriu que um hambúrguer de 110 gramas requer mais de 2,5 mil litros de água se for levado em conta todo o processo antes de chegar ao consumidor final. “Equivale a tomar banho por dois meses”, compara. E para a produção de quatro litros de leite são necessários 3,8 mil litros de água. E a demanda desproporcional à produção se acentua a cada dia. John Taylor, proprietário da Bivalve Organic Dairy, informa que não há terras o suficiente no mundo para que leiterias orgânicas como a sua ganhem espaço. Ele acredita que os laticínios não são sustentáveis.
“A não ser que comecemos a substituir as casas por pasto. E isso só pode acontecer se a população diminuir. E como sabemos que ela vai continuar a crescer, o jeito é buscar alternativas. Vemos por aí leite de soja, de amêndoas, e muitos outros produtos com misturas diferentes. Levam insumos e proteínas. Acredito que veremos mais disso no futuro”, avalia Taylor.
O ativista vegano Howard Lyman, autor do livro Mad Cowboy, passou 45 anos envolvido com a agropecuária. Há alguns anos, quando participou do programa Oprah Winfrey Show, ele denunciou as mazelas do setor e teve de responder a dezenas de processos. Em entrevista a Kip Andersen, confidenciou que levou cinco anos para se livrar das ações movidas pelas agroindústrias. “Tenho certeza de que se eu fosse novamente ao programa, hoje eu seria condenado, mesmo falando a verdade”, lamenta.
Lyman também deixa claro que Andersen e Keegan Kuhn corriam riscos ao abordarem um assunto tão controverso. Após quase 60 minutos de documentário, eles recebem uma ligação de uma patrocinadora avisando que não vai mais investir em Cowspiracy. “A maioria fica chocado ao saber que ativistas ambientais são considerados a pior ameaça terrorista de acordo com o FBI. Acredito que porque, mais do que qualquer outro movimento social, ameaçam diretamente os lucros empresariais”, enfatiza o jornalista Will Potter, autor do livro Green Is The New Red, e que há anos é monitorado pelo FBI.
A maior parte do documentário, os realizadores não acompanham de perto a realidade dos animais, principais vítimas da agroindústria. Quando decidem fazê-lo, ficam surpresos com o que veem e aprendem. “Não importa se as galinhas são de fazendas orgânicas ou não. A verdade é que a partir do momento que a produção diminui elas são mortas”, relata Marji Beach, diretora de educação do santuário Animal Place.
O autor do best-seller In Defense of Food, Michael Pollan, prevê que quando a população mundial chegar a nove bilhões de pessoas o consumo de carne vai diminuir. “Não teremos como produzir tantos cereais para alimentar os animais de corte”, argumenta, crente de que o futuro está na sustentável dieta vegetariana.
No encontro com Lyman, Andersen ouve o ativista afirmando que um ambientalista não pode consumir produtos de origem animal. “Engane-se se quiser. Aliás, se quiser alimentar o seu vício, faça-o, mas não chame a si mesmo de ambientalista ou protetor dos animais”, assinala.
O discurso tem tanto impacto que Kip Andersen decide se aprofundar no veganismo. Para isso, ele visita o médico Michael A. Kepler, vegano há 32 anos e que leva uma vida saudável. Kepler inclusive faz o acompanhamento de gestantes veganas. “Nascem 216 mil pessoas no mundo a cada dia, e assim precisamos de 14 mil hectares de terra cultivável todos os dias. O que é impossível de se conseguir”, reconhece o produtor de vegetais orgânicos John Jeavons, autor do livro How to Grow More Vegetables.
Enquanto um vegano requer 0,6 hectare de terra por ano para se alimentar, um ovolactovegetariano precisa do triplo e uma pessoa com dieta onívora necessita de uma área 18 vezes maior que essa. “Isto porque pode-se produzir 16 mil quilos de vegetais em 0,6 hectare e apenas 170 quilos de carne na mesma área. Uma dieta vegana também produz a metade de CO2 de uma dieta onívora. E ainda gasta só 9% de combustíveis fósseis, 8% de água e 5% do solo”, frisa Kip Andersen.
Will Tuttle acredita que em grande escala a adoção do veganismo poderia contribuir muito para a recuperação do ar, das florestas, rios e oceanos, além do próprio restabelecimento da saúde humana. “Nenhuma outra escolha é tão abrangente e tem um impacto tão positivo sobre a vida na Terra do que deixar de consumir produtos de origem animal e adotar o estilo de vida vegano”, pontua o escritor.
Curiosidade
Ao final do documentário, Skip Andersen decide adotar o estilo de vida vegano.
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Especismo, um mal que endossa o sofrimento animal
Filósofos, pesquisadores, cientistas, professores e ativistas falam sobre as armadilhas do especismo
Embora especistas sejam popularmente conhecidos como pessoas que convivem com animais domésticos, mas se alimentam de outros animais, há um consenso mais criterioso entre pesquisadores, biólogos, filósofos, professores de direito, advogados e escritores que defendem os direitos dos animais.
Eles apontam que especismo é toda e qualquer forma de exclusão baseada na espécie, quando outros seres são privados de fazerem parte de uma comunidade moral.“Quando você pega essa ideia de que eu posso fazer isso com você, então vou fazê-lo, o auge dessa forma de superioridade, ‘um tipo de racismo’, é o especismo”, afirma Bruce Friedrich, diretor de campanhas veganas da ONG Peta e autor do documentário Meet Your Meat, que já foi visto por milhões de pessoas desde 2002.
De acordo com o famoso biólogo evolutivo Richard Dawkins, professor da Universidade Oxford, a maneira como damos tratamento especial aos humanos em relação ao aborto é uma reafirmação do especismo. “Muitas pessoas pensam que é assassinato abortar um feto humano, e esse pensamento dificilmente é partilhado quando falamos em matar vacas. E, claro, elas têm muito mais capacidade de sofrimento do que qualquer feto humano”, declara Dawkins.

Dawkins: “A forma como damos tratamento especial aos humanos em relação ao aborto é uma reafirmação do especismo” (Foto: David Levenson/Getty Images)
Ele também cita o descaso em relação aos chimpanzés, animais inteligentes que não recebem nenhum tratamento muito ético ou moralmente correto como o dispensado aos humanos. “Suponhamos que descobríssemos uma população nas florestas da África que do ponto de vista evolutivo está entre nós e os chimpanzés, o que faríamos? O que os especistas fariam? Devemos dar um jeito, fazer algo entre a nossa moral e a nossa ética”, alega.
O filósofo australiano Peter Singer, autor do icônico livro “Libertação Animal”, de 1975, sugere que os especistas se coloquem no lugar de um escravo do século 18. Uma pessoa naquela sociedade provavelmente diria que não havia bons argumentos para o fim da escravidão, ignorando o sofrimento dos negros.
“É o que acontece hoje com o especismo. De repente, depois de rebaixarem os animais, vão querer dizer: ‘Oh, veja! Se o leão come o antílope, tudo bem eu comer a vaca.’ Mas eu nunca disse que os animais são um tipo de exemplo moral que devemos seguir. Suas ações não são baseadas em escolhas”, pondera. Um ativista, perseguido pelo FBI ao longo de sete anos por libertar milhares de martas que seriam usadas na confecção de casacos de pele, defende que qualquer justificativa contra infringir a lei para salvar animais é primordialmente um argumento especista. “Ninguém argumentaria que seria moralmente injustificado libertar escravos”, assinala.
Um dos maiores equívocos do especismo subsiste na subestimação. E o maior exemplo disso são os porcos, animais tão inteligentes quanto os cães, segundo James Serpell, PhD em ciência veterinária e professor da Universidade da Pensilvânia. “Suínos têm vida social complexa na vida selvagem. Eles formam grupos matriarcais permanentes. E esses mesmos animais ficam enclausurados o tempo todo. São criados para serem abatidos, resumidos a carne, bacon”, pontua.
E quando grávidas, as porcas normalmente passam os quatro meses de gestação em pequenas gaiolas de 2m x 0,6m, onde conseguem apenas levantar e deitar, já que não há espaço para dar uma volta dentro da própria prisão. E com o tempo, os suínos se tornam cada vez menos sensíveis aos estímulos ambientais. É um comportamento catatônico análogo ao de pessoas com depressão severa.
“Com certeza é bem mais forte do que seria em um ser humano”, garante Serpell. Comum em qualquer lugar, a castração é outro exemplo doloroso de mutilação impingida aos porcos, realizada sem anestésico. A prática consiste em usar um bisturi para rasgar e abrir. Então os testículos são removidos e o porquinho grita em agonia, algo que jamais seria feito sem anestesia em um cão ou gato, por exemplo.

Singer: “De repente, depois de rebaixarem os animais, vão querer dizer: ‘Oh, veja! Se o leão come o antílope, tudo bem eu comer a vaca.’ Mas eu nunca disse que os animais são um tipo de exemplo moral que devemos seguir. Suas ações não são baseadas em escolhas” (Foto: Reprodução)
Para Rick Dove, da Neuse Riverkeeper Foundation, sediada na Carolina do Norte, é surpreendente a quantidade de pessoas que acordam pela manhã e comem seu bacon como se não houvesse problemas no campo, no mundo. “Há um grande problema. Eles são feitos em fazendas industriais, onde os porcos nunca veem a luz do dia, onde vão do tamanho de um punho a 115 quilos em cinco meses”, reclama.
Sobre a situação das aves poedeiras e de corte, James Serpell relata que milhares de galinhas são mantidas em um mesmo galpão. Pelo fato de serem numerosas e densamente estocadas, elas ciscam umas sobre as outras e também se bicam. Selecionadas para comerem mais do que podem, engordando com celeridade, ficam muito pesadas antes que seus ossos endureçam. “São jovens e têm os ossos macios. E o que acontece então é que elas sofrem com graves fraturas, artrite e osteoartrite. Tornam-se mancas até que ocasionalmente param de andar, ficando apenas sentadas no chão”, revela o professor de ciência veterinária da Universidade da Pensilvânia.
Após realizar dezenas de investigações, o diretor executivo da ONG Mercy For Animals, Nathan Runkle, que costuma enviar espiões para acompanhar o funcionamento de fazendas e agroindústrias, descobriu que é muito comum encontrar animais vivendo em condições deploráveis, deixados para morrer sem cuidados veterinários.
“Sempre encontramos aves presas ou entaladas nos arames das gaiolas, e o ferro solto entra na pele delas e rasga. Elas morrem nessas condições. Seus corpos são deixados para apodrecer ao lado de aves que ainda produzem ovos para consumo humano. Nas fazendas de produção de leite, há tanto estrume que as vacas caem sobre as próprias fezes e se machucam. Além disso, encontramos porcas grávidas com ossos quebrados, feridas abertas. É algo que as indústrias querem que você acredite que se trata de fato isolado. Mas sabemos que isso é rotina, simplesmente faz parte dos negócios”, denuncia.

Francione: “Penso, empiricamente, que pode haver mais sofrimento em um copo de leite ou um pote de sorvete do que em um quilo de bife” (Foto: Reprodução)
Quem também conhece muito bem o sofrimento dos animais é a ativista Terry Cummings, diretora do Santuário Animal Poplar Spring, situado em Poolesville, Maryland. Ao longo de anos cuidando de animais maltratados em fazendas e agroindústrias, ela aprendeu que, assim como os seres humanos, cada animal tem a sua própria personalidade.
“Alguns são tímidos, alguns gostam de ser paparicados e outros gostam de ser abraçados. Temos uma galinha enorme que passou a maior parte da vida em uma gaiola. Ela é muito doce, come na sua mão. Nós a agradamos com milho e uva. E temos outra [ela não anda mais por causa do comprometimento das articulações durante o processo de engorda] que tem uma melhor amiga chamada Sílvia. Ela choramingou um pouco porque a tirei do celeiro enquanto Sílvia ainda estava lá. Elas gostam de fazer tudo juntas”, narra sorrindo.
Pesando todos esses fatores, o professor de direito da Universidade Estadual de Nova Jersey, Gary Francione, acredita que o veganismo deve ser a linha mestra do movimento em defesa dos animais. “Penso, empiricamente, que pode haver mais sofrimento em um copo de leite ou um pote de sorvete do que em um quilo de bife. Claro que todos são produtos de tortura, e quanto a isso não há distinção, mas os animais usados na indústria de laticínios são mantidos vivos por mais tempo, logo sofrem mais”, conclui.
Sheryl Cole, professora de direito da Universidade Cornell, em Ithaca, Nova York, diz que a dor mais terrível que uma mãe pode sentir é a da separação de um filho. “E isso é rotina nos laticínios. Se você tiver que ir por esse caminho para sobreviver, não consigo imaginar como consegue viver consigo mesmo”, lamenta.
Na mesma esteira segue a reflexão de James Serpell que qualifica as emoções dos animais como muito mais intensas do que a dos seres humanos, e simplesmente porque, ao contrário de nós, eles não são capazes de racionalizar o que sentem. “Eles não conseguem filtrá-las. Nós subestimamos o tempo todo a capacidade dos animais”, endossa.
Mesmo com tantas informações disponíveis, não é difícil encontrar especistas alegando que vegetarianos e veganos também estão se alimentando de outros seres vivos. Sobre isso, Jonathan Balcombe, PhD e coordenador do Departamento de Estudos Animais da Humane Society of the United States, sediada em Washington, deixa claro que não é preciso se preocupar com as plantas porque não são organismos sencientes. “A evolução não as equipou com a necessidade de sentir dor ou prazer. E nós entendemos a mecânica de fluidos pela qual a flor segue o sol pelo céu, por exemplo, assim como entendemos o motor do funcionamento de um carro”, esclarece.
Referência
O documentário Speciesism: The Movie (Especismo), lançado em 2013 por Mark Devries, é um filme que apresenta muitas variáveis e controvérsias envolvendo o tema.
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