David Arioch – Jornalismo Cultural

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Howard Lyman, a transformação de um pecuarista multimilionário em um ativista vegano

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“Se você realmente ama os animais, se você se importa com eles tanto quanto diz, por que os come?”

Lyman: “Nunca vi um animal pular e dizer que quer ser um hambúrguer” (Foto: Reprodução)

Howard Lyman talvez tenha uma das histórias mais famosas de transformação de um pecuarista multimilionário em um ativista vegano. Desde o início da década de 1990, ele tem promovido o veganismo nos Estados Unidos e publicado obras que revelam as mazelas da indústria agropecuária, e sob a perspectiva de quem fez parte desse meio por mais de 20 anos.

Da quarta geração de uma família de pecuaristas, Lyman frequentou a Universidade Estadual de Montana, onde se graduou em agricultura geral em 1961. Depois passou dois anos no Exército dos Estados Unidos antes de comprar a sua própria fazenda: “Eu acordava cedo, fazia a roçada, ouvia os pássaros cantando e me sentia como o guardião do Éden. Meu sonho era ser um fazendeiro. Então fui para a universidade. Comprei uma fazenda orgânica e com o passar dos anos, já possuía mais de 7 mil cabeças de gado e mais de 12 mil hectares.”

De 1963 a 1983, Lyman dedicou a maior parte do seu tempo à criação de animais e grãos, convertendo a sua fazenda orgânica em uma megaoperação de confinamento de animais visando a extração de leite e o abate. “Lembro como se fosse hoje quando trouxemos os animais e demos a eles entre 7 e 21 vacinas. Cortamos os chifres, castramos eles, injetamos hormônios e os alimentamos com resíduos e antibióticos. Na fazenda, eu via tantas moscas juntas que você podia pegá-las aos montes apenas abrindo e fechando as mãos”, narra.

Além de nove mil bovinos, incluindo bezerros enviados ao matadouro para atender ao mercado de carne de vitela, ele criava porcos e aves. Também produzia grãos, silagem e feno: “Levantávamos cedo, quando não havia nevoeiro, e pulverizávamos inseticidas por toda a propriedade. Havia sempre uma grande nuvem flutuando sobre o gado, sobre a água e sobre a comida, e o inseticida atingia tudo. Duas horas mais tarde, o gado se alimentava e bebia aquela água contaminada. Essas são as coisas que aprendi na Universidade Estadual de Montana.”

O ex-pecuarista admite que era preciso dissimular a realidade para seguir em frente. Sempre que via os pássaros mortos, as árvores morrendo, e o solo de sua fazenda mudando, ele se esforçava para não pensar em como estava gastando centenas de milhares de dólares em produtos químicos. “Eu era o responsável por tudo isso. Meu irmão faleceu aos 29 anos, e ainda hoje acho que ele morreu por causa desses produtos químicos que usamos na fazenda”, declara.

Em 1979, quando ainda criava animais para consumo, Lyman foi diagnosticado com um tumor na espinha. Diante da possibilidade de ficar paralítico, ele prometeu que se sobrevivesse ao câncer se afastaria dos meios de produção baseados em produtos químicos.

“Eu estava no auge da minha carreira quando fiquei paralisado da cintura para baixo. É preciso muita concentração para direcionar a sua atenção para outra coisa que não seja a sua situação. No hospital, os médicos disseram que eu tinha uma chance em um milhão de voltar a andar por causa de um tumor dentro da minha coluna vertebral. Fui levado para a sala de cirurgia e operado durante 12 horas. Eles removeram um tumor do tamanho do meu polegar. Saí do hospital depois de uma operação com uma chance de sucesso em um milhão. Me lembro de estar na fazenda após a operação.”

Em casa, o pecuarista viu o próprio reflexo no espelho e teve um momento de conflito existencial que, segundo ele, foi uma das primeiras situações em que foi honesto consigo mesmo. Lyman, que costumava dizer a si mesmo que amava os animais, se perguntou:

“Se você realmente ama os animais, se você se importa com eles tanto quanto diz, por que os come?” Foi tão traumático para mim que eu quase arranquei a pia da parede. Essa foi uma porta da minha alma que eu nunca tinha aberto antes. E uma vez que a abri, nunca mais consegui fechá-la porque eu sabia como esses animais pareciam quando eles caíam mortos no chão. Eu sabia o que havia em seus olhos, e eu era a pessoa que os colocava lá. Era como se tudo o que você acreditasse que é justo e sagrado de repente estivesse em risco.”

Naquele dia, Lyman se perguntou como falaria para a própria esposa que a sua operação multimilionária era um erro, e que ele percebeu que a sua fonte de renda foi construída “sobre a areia”; já que tudo em que Howard Lyman acreditava estava em risco porque, pela primeira vez se deu conta de que o seu lucro era baseado no assassinato de animais. “Como eu poderia dizer que talvez o que devêssemos fazer era sair desse negócio?”, lembra.

Lyman reconheceu que não poderia falar de seus conflitos com seus amigos, porque todos eles trabalhavam no mesmo ramo. Não teve nenhum apoio. Pensou também em falar com um padre, mas concluiu que provavelmente o próprio padre comia tanta carne quanto ele. “Foi o momento mais solitário e mais difícil da minha vida”, garante.

No entanto, a grande transformação de Howard Lyman só aconteceria alguns anos depois. Em 1990, quando atuava como lobista em Washington, ele estava muito acima do peso e enfrentando problemas de saúde como pressão alta e altos níveis de colesterol. Então decidiu definitivamente se tornar vegetariano. No ano seguinte, mais decidido e com uma opinião mais forte sobre os direitos animais, fez a transição para o veganismo e transformou a sua fazenda em um santuário para animais. Também começou a promover o veganismo em diversas regiões dos Estados Unidos, defendendo também a produção orgânica de vegetais:

“Nunca vi um animal pular e dizer que quer ser um hambúrguer. Estive em centenas de matadouros, vi milhares de animais morrerem, e sempre que eu os observava, eu notava que eles sabiam o que aconteceria com eles. Havia o cheiro de morte. Eu me questionava: ‘Existe alguma necessidade disso?’”

Em abril de 1996, o ex-pecuarista participou do programa The Oprah Winfrey Show, onde denunciou as mazelas da indústria de proteína animal. Suas revelações tiveram repercussão nacional e fizeram com que Oprah abdicasse do consumo de hambúrgueres. Lyman e a apresentadora tiveram de responder a dezenas de processos da Associação dos Produtores de Carne Bovina dos Estados Unidos, mas foram inocentados em 1998. “Tenho certeza de que se eu fosse novamente ao programa, hoje eu seria condenado, mesmo falando a verdade”, lamenta.

Também em 1998, Howard Lyman, que se tornou uma referência em veganismo para a atriz vegana Linda Blair, publicou o livro “Mad Cowboy: Plain Truth from the Cattle Rancher Who Won’t Eat Meat”, em que narra a sua trajetória pessoal e profissional de pecuarista à ativista vegano. Também traz importantes informações sobre as mazelas da indústria agropecuária, o que inclui investigações do uso de nocivos produtos químicos nesse meio. Em 2005, ele lançou o livro “No More Bull! The Mad Cowboy Targets America’s Worst Enemy: Our Diet”, que é uma continuação da obra de 1998. A sua história é narrada no documentário “Mad Cowboy” e em “Peaceable Kingdom” – este segundo com boa repercussão internacional.

Lyman também aparece no famoso documentário “Cowspiracy”, de Kip Andersen e Keegan Kuhn, em que afirma que não faz sentido um ambientalista consumir produtos de origem animal. “Engane-se se quiser. Aliás, se quiser alimentar o seu vício, faça-o, mas não chame a si mesmo de ambientalista ou protetor dos animais”, critica.

Saiba Mais

Entre os anos de 1996 e 1999, Howard Lyman foi presidente da União Vegetariana Internacional.

 Referências

Lyman, Howard. Mad Cowboy: Plain Truth from the Cattle Rancher Who Won’t Eat Meat (1998).

Capps, Ashley. Former meat and dairy farmers who became vegan activists. Free From Harm (4 de novembro de 2014).

Stein, Jenny. Peaceable Kingdom (2004).

Andersen, Kip; Kuhn, Keegan. Cowspiracy (2014).





 

Moby: “Precisamos parar de usar os animais como alimentos”

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Imagem publicada por Moby em sua conta no Instagram

Ontem, no Dia Mundial do Meio Ambiente, o músico vegano Moby usou a sua conta no Instagram para motivar as pessoas a abdicarem do consumo de alimentos de origem animal.

Ele publicou uma foto da destruição das florestas tropicais provocada pela invasão da agropecuária e declarou que vale a pena lembrar que a agricultura animal é responsável por 45% das mudanças climáticas, 95% da destruição das florestas tropicais, 40% do uso de água e 50% da acidificação dos oceanos.

“Então, é claro que precisamos acabar com nossa dependência dos produtos petrolíferos e parar de usar óleo de palma, mas, para salvar a única casa que temos (assim como 100 bilhões de animais, anualmente), precisamos parar de usar os animais como alimentos”, alertou.





 

Segundo estudo da Universidade de Oxford, não consumir alimentos de origem animal é a forma mais eficaz de reduzir o impacto no planeta

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“Evitar o consumo desses produtos traz benefícios ambientais muito melhores do que comprar carnes e laticínios sustentáveis”

Poore: “Realmente são os produtos de origem animal que são responsáveis por muitos desses problema” (Acervo: Irish Times)

Um estudo intitulado “Reducing food’s environmental impacts through producers and consumers”, publicado na conceituada revista Science, conclui que não consumir alimentos de origem animal é a forma mais eficaz de reduzir o impacto no planeta.

Considerada pelo jornal britânico The Guardian como a maior análise já feita sobre os efeitos da produção agrícola, a pesquisa realizada pela Universidade de Oxford, que reuniu dados de quase 40 mil fazendas que produzem 40 produtos agrícolas em 119 países, informa que 80% das áreas agrícolas do mundo são destinadas à criação de animais para consumo.

A atividade, que segundo o trabalho têm grandes consequências se tratando de alocação de terras e uso de água doce, é responsável por 58% das emissões de gases do efeito estufa, 57% da poluição da água e 56% da poluição do ar. A pesquisa, disponibilizada no site da revista Science, enfatiza que o impacto pode variar em até 50 vezes entre os produtores de um mesmo produto, criando oportunidades substanciais de mitigação.

No entanto, mesmo que os produtores de alimentos de origem animal se esforcem para alcançar baixos impactos ao longo da cadeia de produção e fornecimento, a redução ainda é limitada, de acordo com os cientistas. Isto porque “o impacto dos produtos de origem animal de menor impacto normalmente excede os dos seus substitutos de origem vegetal, fornecendo novas evidências para a importância da mudança na dieta” — explica.

Em entrevista ao The Guardian, o coordenador da pesquisa, Joseph Poore, disse que “uma dieta vegana é provavelmente a melhor maneira de reduzir o impacto no planeta, não apenas por causa dos gases do efeito estufa, mas também por causa da acidificação global e eutrofização, além do uso de terra e água.”

O estudo também comparou o impacto da produção de carne bovina com a proteína baseada em vegetais e revelou que até mesmo a carne orgânica ou considerada sustentável pode requerer 36 vezes mais terra e gerar seis vezes mais emissões de gases do efeito estufa do que a produção de ervilhas.

Poore frisa que, para quem se preocupa com o meio ambiente, é muito melhor abdicar do consumo de alimentos de origem animal do que reduzir viagens de avião ou comprar um carro elétrico: “Realmente são os produtos de origem animal que são responsáveis por muitos desses problemas. Evitar o consumo desses produtos traz benefícios ambientais muito melhores do que comprar carnes e laticínios sustentáveis”.

Referências

Poore, J; Nemecek, T. Reducing food’s environmental impacts through producers and consumers. Science Magazine (1º de junho de 2018).

Carrington, Damian. Avoiding meat and dairy is ‘single biggest way’ to reduce your impact on Earth. The Guardian (31 de maio de 2018).




 

O que existe de errado com o chamado “bem-estarismo animal”

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C. David Coats e a ilusão dos animais felizes por “darem” carne, leite e ovos à humanidade

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Lançado em 1989, o livro “Old MacDonald’s Factory Farm” é um livro bastante atual sobre a realidade da exploração animal

A realidade é ilustrada por uma imagem menor, em preto e branco, que dá o tom do conteúdo do livro

Lançado em 1989, o livro “Old MacDonald’s Factory Farm”, do defensor dos direitos animais C. David Coats traz uma capa bonitinha, bem colorida. Quem o julga a partir da imagem principal se engana ao pensar que se trata de mais uma obra que romantiza a exploração animal. Muito pelo contrário. A realidade é ilustrada por uma imagem menor, em preto e branco, que dá o tom do conteúdo do livro que propõe um debate bem atual; que dialoga com a realidade no que diz respeito à dura vida dos animais criados, principalmente nos moldes industriais, para serem reduzidos à comida e outros produtos.

No prefácio da obra, já são levantadas pertinentes reflexões que destacam como o ser humano consegue ser contraditório e destrutivo:

O ser humano não é um animal maravilhoso? Ele mata animais selvagens – pássaros, todos os tipos de felinos, coiotes, castores, marmotas, camundongos, raposas e dingos – aos milhões com a intenção de proteger os animais de criação e seus alimentos.

Então ele mata os animais de criação aos bilhões e os come. Este hábito, por sua vez, mata milhões de seres humanos; porque comer todos esses animais leva a condições degenerativas de saúde que são fatais, como doenças cardíacas, doenças renais e câncer. Na sequência, o ser humano tortura e mata milhões de animais para encontrar a cura para essas doenças.

Em outros lugares, milhões de seres humanos estão morrendo em decorrência da fome e da desnutrição; isto porque os alimentos que eles poderiam comer estão sendo usados na engorda de animais de criação. Enquanto isso, algumas pessoas estão tristemente morrendo de rir desse absurdo da humanidade, que mata tão facilmente e violentamente, e uma vez por ano envia cartões orando pela paz na Terra.

Em “Old MacDonald’s Factory Farm”, C. David Coats aponta que nos anos 1980 já era difícil encontrar animais brincando nas fazendas, simplesmente porque as técnicas de produção em massa e os programas de eficiência no agronegócio já se voltavam para os volumes excessivos de produção com custos cada vez menores. Ou seja, a banalização da vida acentuou-se e os animais passaram a amargar ainda mais privação e sofrimento com o surgimento das chamadas fazendas industriais.

Afastados da vida natural, os animais reduzidos a produtos não passam de matéria-prima. Em crítica a essa normalização da crueldade, Coats narra o que há de mais sombrio na natureza humana na sua relação com as outras espécies, quando motivado pela ambição e ganância. Ele cita como exemplo a realidade de animais confinados em espaços onde a movimentação é quase impossível. Também discorre sobre suas pesquisas na indústria da suinocultura, onde testemunhou animais vivendo acorrentados.

O escritor informa que a maioria dos animais explorados pela indústria não vivem mais do que 1/3 do que viveriam se não fossem explorados e mortos. Porcos em caixas, gado com o chifre arrancado sem anestesia, vacas leiteiras mortas e reduzidas à carne de hambúrguer quando já não atingem a meta na produção de leite; bezerros mantidos anêmicos no escuro até serem abatidos para que as pessoas possam comer bifes de vitela; aves com bicos cortados com lâmina quente e confinadas a vida toda; tudo isso endossa um cenário macabro que faz parte da realidade cotidiana da maioria dos animais de criação.

No livro, o cenário da produção de alimentos de origem animal é descrito com uma crueza fiel à realidade, se distanciando visceralmente da propaganda que faz os animais parecerem felizes em morrer para saciar supostas necessidades humanas. É um retrato de uma realidade que só pode ser compreendida dessa forma se o leitor analisá-la de forma sensível. Na perspectiva de C. David Coats em “Old MacDonald’s Factory Farm”, é preciso se colocar no lugar do animal ou pelo menos reconhecer que não são apenas os seres humanos e os outros animais com quem convivemos no cotidiano que têm direito à vida.

Fazendas onde os animais se divertem “doando” leite, ovos e carne? Não no mundo real, deixa claro C. David Coats que também aborda temas como impacto ambiental, engenharia genética e consequências dos produtos de origem animal para a saúde humana. Ele discute ainda a expansão da agropecuária e a absurda quantidade de área destinada à produção de alimentos usados na nutrição animal. Outro ponto de destaque do livro é o debate sobre a aplicação excessiva de antibióticos nos animais de criação, o que já era visto nos anos 1980 como um perigo para a saúde humana.

Ademais, Coats não se limita a criticar a exploração animal. Como o livro é resultado de anos de pesquisa, ele também apresenta ações e ideias de projetos de transição da agropecuária para produções sustentáveis que não gerem privação e sofrimento animal – como a de alimentos orgânicos, entre outras sugestões que poderiam ser colocadas em prática para substituir produtos de origem animal.

Mesmo lançado em 1989, o livro discorre sobre problemas que ainda compõem a nossa realidade. Em uma rápida pesquisa em outras fontes, encontramos provas de que ainda hoje os animais estão longe de ter uma vida justa. Tal conclusão, até mesmo excetuando a questão de tortura ou outros tipos de violência, parte do princípio de que são seres sem direito à vida, já que existem simplesmente para atender nossas pretensas necessidades e morrer, cumprindo um papel que é vantajoso ao ser humano, mas nocivo às espécies que têm sua expectativa de vida extremamente reduzida.

Tantos anos após o lançamento do livro de C. David Coats, vimos poucas mudanças positivas em relação a isso, até porque a demanda por produtos de origem animal, acompanhando o crescimento populacional, aumentou muito desde o final da década de 1980.

Segundo Osler Desouzart, membro da diretoria consultiva do World Agricultural Forum e diretor da OD Consulting, em 1980 o consumo de carnes per capita era de 30,6 quilos ao ano, e em 2013 chegou a 43,1 quilos. Em um mundo onde a demanda é muito grande, naturalmente abre-se bastante espaço para a omissão no que diz respeito à violência contra animais de criação, já que há uma naturalização e legitimação da violência em prol de um pretenso bem maior – a produção de carne, leite, ovos e outros produtos que custem a privação e a vida de seres não humanos.

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Como a pecuária contribui com o aquecimento global

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Documentário apresenta a verdade inconveniente negligenciada por Al Gore em 2006

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Cowspiracy aponta a pecuária como uma das principais responsáveis pela destruição da Amazônia (Foto: Divulgação)

Lançado em 2014, Cowspiracy – The Sustainability Secret é um documentário de Kip Andersen e Keegan Kuhn que mostra de que forma a pecuária tem contribuído com o aquecimento global, inclusive sendo apontada como uma das principais responsáveis pela destruição da Amazônia.

E para endossar a denúncia, os realizadores usam como referência o relatório anual da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) que cita a pecuária como uma das grandes culpadas pela degradação do solo, mudanças climáticas, poluição, esgotamento de água e perda da biodiversidade.

Quando o assunto veio à tona em 2006, a ONU iniciou um trabalho de defesa da reeducação alimentar baseada em dietas vegetarianas, ou pelo menos a redução do consumo de carne e laticínios, uma transformação que pode desacelerar a produção e ajudar a combater o aquecimento global.

Com o relatório em mãos, o documentarista Kip Andersen questiona os porta-vozes de grandes organizações de proteção ao meio ambiente, como Green Peace, Sierra Club, Rain Forest Action Network, 350.org, Amazon Watch e Oceana, sobre o motivo de jamais terem falado sobre o papel da agroindústria no aquecimento global.

Insistente, Andersen faz com que a diretora da Amazon Watch, Leila Salazar Lopez, abra o jogo em um segundo encontro, quando ele a questiona sobre o silêncio dessas entidades. Antes ele ressalta a gravidade da situação ao informar que a Amazônia Brasileira, o lugar com a maior biodiversidade do planeta e que já perdeu 80% de sua área original, pode desaparecer nos próximos dez anos por causa da desenfreada produção de gado e soja.

“Podemos ver o que aconteceu no Brasil depois da aprovação do Código Florestal. Quem falava contra os lobistas e os interesses das agroindústrias era assassinado. Um exemplo é o caso do José Cláudio Ribeiro da Silva [falecido em 2011], um dos ativistas que dizia que a agropecuária estava destruindo a Amazônia. Veja o exemplo de Dorothy Stang, a freira que morava no Pará e foi assassinada. Muita gente fala, mas muitos ficam calados porque não querem acabar com uma bala na cabeça”, argumenta Leila.

A freira Dorothy Stang se opôs ao desmatamento praticado pela agropecuária durante anos. Certa noite, ao entrar em casa foi brutalmente baleada à queima-roupa por um matador de aluguel. Além dela, mais de 1100 ativistas foram mortos no Brasil nos últimos 20 anos, de acordo com o filme.

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Keegan Kuhn e Kip Andersen, responsáveis pela produção de um dos documentários mais controversos dos últimos anos (Foto: Divulgação)

“Quem se beneficia e faz lobby para este sistema agrícola são os maiores produtores alimentares, os maiores produtores de carne. Quando eles crescem e enriquecem, eles usam o poder político que possuem para ditar as políticas federais quanto à produção de alimentos”, destaca Wenonah Hauter, diretora executiva da ONG Food & Water Watch.

A partir daí tudo fica claro para os documentaristas. Kip Andersen, que se inspirava em Al Gore para se tornar ambientalista, se decepcionou quando soube que esse foi o motivo pelo qual o ex-vice-presidente não citou a pecuária no documentário An Inconvenient Truth, sobre as causas do aquecimento global.

De acordo com o ambientalista e escritor Will Tuttle, diariamente a população humana, que chegou a sete bilhões em 2011, consome 20 bilhões de litros de água e 9,5 bilhões de quilos de comida. Enquanto isso, 1,5 bilhão de bovinos, de um total de 70 bilhões de animais criados no mundo todo, consomem 170 bilhões de litros de água e 61 bilhões de quilos de comida. “Quase um bilhão de pessoas passam fome todos os dias”, acrescenta Tuttle, realçando o absurdo da situação.

Além disso, 50% da produção de legumes e vegetais é destinada aos animais. Só nos Estados Unidos, 90% da soja é para o consumo das criações. “Comparando com a carne, podemos produzir, em média, 15 vezes mais proteínas a partir de fontes vegetais, e usando o mesmo tipo de terra, seja fértil ou não. Hoje, 82% das crianças que passam fome vivem em países onde a comida é dada aos animais. O mais incrível é que temos condições de alimentar todos os seres humanos”, revela o pesquisador Richard Oppenlander, autor do livro Food Choice and Sustainability.

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Infográfico do documentário Cowspiracy (Tradução: Nó de Oito)

Em uma de suas pesquisas, Andersen descobriu que um hambúrguer de 110 gramas requer mais de 2,5 mil litros de água se for levado em conta todo o processo antes de chegar ao consumidor final. “Equivale a tomar banho por dois meses”, compara. E para a produção de quatro litros de leite são necessários 3,8 mil litros de água. E a demanda desproporcional à produção se acentua a cada dia. John Taylor, proprietário da Bivalve Organic Dairy, informa que não há terras o suficiente no mundo para que leiterias orgânicas como a sua ganhem espaço. Ele acredita que os laticínios não são sustentáveis.

“A não ser que comecemos a substituir as casas por pasto. E isso só pode acontecer se a população diminuir. E como sabemos que ela vai continuar a crescer, o jeito é buscar alternativas. Vemos por aí leite de soja, de amêndoas, e muitos outros produtos com misturas diferentes. Levam insumos e proteínas. Acredito que veremos mais disso no futuro”, avalia Taylor.

O ativista vegano Howard Lyman, autor do livro Mad Cowboy, passou 45 anos envolvido com a agropecuária. Há alguns anos, quando participou do programa Oprah Winfrey Show, ele denunciou as mazelas do setor e teve de responder a dezenas de processos. Em entrevista a Kip Andersen, confidenciou que levou cinco anos para se livrar das ações movidas pelas agroindústrias. “Tenho certeza de que se eu fosse novamente ao programa, hoje eu seria condenado, mesmo falando a verdade”, lamenta.

Lyman também deixa claro que Andersen e Keegan Kuhn corriam riscos ao abordarem um assunto tão controverso. Após quase 60 minutos de documentário, eles recebem uma ligação de uma patrocinadora avisando que não vai mais investir em Cowspiracy. “A maioria fica chocado ao saber que ativistas ambientais são considerados a pior ameaça terrorista de acordo com o FBI. Acredito que porque, mais do que qualquer outro movimento social, ameaçam diretamente os lucros empresariais”, enfatiza o jornalista Will Potter, autor do livro Green Is The New Red, e que há anos é monitorado pelo FBI.

A maior parte do documentário, os realizadores não acompanham de perto a realidade dos animais, principais vítimas da agroindústria. Quando decidem fazê-lo, ficam surpresos com o que veem e aprendem. “Não importa se as galinhas são de fazendas orgânicas ou não. A verdade é que a partir do momento que a produção diminui elas são mortas”, relata Marji Beach, diretora de educação do santuário Animal Place.

O autor do best-seller In Defense of Food, Michael Pollan, prevê que quando a população mundial chegar a nove bilhões de pessoas o consumo de carne vai diminuir. “Não teremos como produzir tantos cereais para alimentar os animais de corte”, argumenta, crente de que o futuro está na sustentável dieta vegetariana.

No encontro com Lyman, Andersen ouve o ativista afirmando que um ambientalista não pode consumir produtos de origem animal. “Engane-se se quiser. Aliás, se quiser alimentar o seu vício, faça-o, mas não chame a si mesmo de ambientalista ou protetor dos animais”, assinala.

O discurso tem tanto impacto que Kip Andersen decide se aprofundar no veganismo. Para isso, ele visita o médico Michael A. Kepler, vegano há 32 anos e que leva uma vida saudável. Kepler inclusive faz o acompanhamento de gestantes veganas. “Nascem 216 mil pessoas no mundo a cada dia, e assim precisamos de 14 mil hectares de terra cultivável todos os dias. O que é impossível de se conseguir”, reconhece o produtor de vegetais orgânicos John Jeavons, autor do livro How to Grow More Vegetables.

Enquanto um vegano requer 0,6 hectare de terra por ano para se alimentar, um ovolactovegetariano precisa do triplo e uma pessoa com dieta onívora necessita de uma área 18 vezes maior que essa. “Isto porque pode-se produzir 16 mil quilos de vegetais em 0,6 hectare e apenas 170 quilos de carne na mesma área. Uma dieta vegana também produz a metade de CO2 de uma dieta onívora. E ainda gasta só 9% de combustíveis fósseis, 8% de água e 5% do solo”, frisa Kip Andersen.

Will Tuttle acredita que em grande escala a adoção do veganismo poderia contribuir muito para a recuperação do ar, das florestas, rios e oceanos, além do próprio restabelecimento da saúde humana. “Nenhuma outra escolha é tão abrangente e tem um impacto tão positivo sobre a vida na Terra do que deixar de consumir produtos de origem animal e adotar o estilo de vida vegano”, pontua o escritor.

Curiosidade

Ao final do documentário, Skip Andersen decide adotar o estilo de vida vegano.

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O declínio econômico de Paranavaí

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Quando o desenvolvimento foi comprometido pela monocultura e ausência de políticas públicas

Município se tornou símbolo de progresso nos anos 1950 (Acervo: Fundação Cultural)

A história mostra que Paranavaí, na região Noroeste, poderia ser um dos municípios mais importantes do Paraná, no entanto, em função da falta de diversificação econômica e ausência de políticas públicas para o setor agrícola, a cidade entrou em declínio a partir de 1970.

Paranavaí teve um progresso exemplar até o início da década de 1960. À época, a cidade era vista como símbolo de progresso no Paraná, uma imagem que ganhou solidez em 1956, quando uma pesquisa da Associação Brasileira dos Municípios apontou Paranavaí como uma das cinco cidades com maior índice de desenvolvimento do país.

As consequências humanas

Contudo, como tinha um perfil essencialmente agrícola, baseado na monocultura cafeeira, a ex-Fazenda Brasileira experimentou um declínio sem precedentes. As primeiras geadas que castigaram as lavouras da região de Paranavaí e atingiram profundamente a economia local foram registradas em 1962 e 1964, de acordo com informações da Secretaria Nacional de Defesa Civil. “Na segunda geada, o prejuízo foi tão grande que tive que vender meu sítio. A partir do acontecido, nunca mais quis mexer com a cafeicultura”, revelou o pioneiro paranaense Orlando Otávio Bernal.

Para piorar, a intempérie voltou a devastar as propriedades do Noroeste Paranaense em 1969, destruindo pelo menos 80% da produção cafeeira regional. “Quando meu pai viu aquela camadinha fina de gelo sobre o cafezal, ele entrou em pânico. Nunca o tinha visto chorar daquele jeito, jogado sobre um pé de café. Perdemos tudo, não deu pra recuperar nada”, confidenciou o empresário Fabrício Gomes Soares. Dias depois, a mãe de Soares flagrou o pai se preparando para ingerir um rodenticida conhecido como chumbinho. Felizmente, conseguiu evitar o pior.

Em 1964, a economia local foi castigada pela geada (Acervo: Ordem do Carmo)

A mesma sorte não teve o pai da aposentada Catalina Prado Ruiz que tinha uma propriedade rural às margens da Rodovia BR-376. “Ele contraiu muitas dívidas com as geadas anteriores, então quando veio a mais forte, em 1969, não aguentou”, enfatizou Catalina com a voz calma e pausada, sem velar os olhos marejados. O homem foi encontrado morto, após um ataque cardíaco fulminante, agarrado à base de um cafeeiro.

O agricultor capixaba Orlando Brás de Mello, radicado em Paranavaí desde 1957, preferiu não citar nomes, mas contou que teve vários conhecidos que não superaram os prejuízos, se endividaram e cometeram suicídio. “Meu cunhado quase enlouqueceu. Ele pôs fogo no cafezal e num barracão enorme onde costumava estocar o café”, complementou.

As consequências econômicas

Como consequência econômica das geadas, o preço do café subiu, surgindo um ciclo de especulações que pareceu infindável. “A situação era preocupante demais, muito triste. Quase ninguém tinha ânimo pra continuar porque aqui a gente já tinha outro problema grave que era o solo empobrecido”, relatou o pioneiro cearense João Mariano, se referindo também ao surgimento das erosões hídricas que se intensificaram a partir dos anos 1960.

Com a queda da cafeicultura, que preservava um caráter familiar na região Noroeste do Paraná, houve grande abertura para a formação dos latifúndios, o que intensificou mais ainda as desigualdades sociais. Logo as lavouras começaram a ser substituídas por pastagens e, como a pecuária absorveu pouca mão de obra, milhares de trabalhadores rurais ficaram desempregados. “Que eu me lembre, quando deixei o trabalho na lavoura e não consegui nada na área urbana de Paranavaí, pelo menos da fazenda onde eu trabalhava e de outra propriedade vizinha mais de 200 pessoas foram embora pra Maringá”, disse o taxista Jurandir Romano de Paula.

Índice populacional estagnou nos anos 1970 (Acervo: Ordem do Carmo)

No Noroeste do Paraná, entre as cidades mais prejudicadas pela intempérie estavam Paranavaí, Tamboara, Paraíso do Norte, Nova Aliança do Ivaí e Mirador que em 1960 representavam 1/3 de toda a produção agrícola regional, conforme registros do extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC). Em 1970, a região de Paranavaí somou 336 mil habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dez anos depois, em 1980, perdeu quase 50 mil habitantes, somando 288 mil moradores.

Foi um retrocesso para a região que em 1960 contou com mais de 307 mil habitantes. “Em 1970, tive que fechar minha mercearia porque fazia mais de seis meses que estava trabalhando no vermelho. Teve mês que não vendi nada porque ninguém tinha dinheiro. Nem conseguia mais honrar os compromissos com fornecedor”, destacou o ex-comerciante Geraldo Marques.

Em 1980, a produção cafeeira do Noroeste Paranaense foi quase reduzida pela metade, caindo de 30 milhões de cafeeiros para 16 milhões. O solo frágil e comprometido pela falta de técnicas adequadas de plantio, manejo e cultivo fez com que o milheiro de pés de café rendesse apenas 27 sacas, quantia muito inferior as 150 da década de 1960, revelou estatísticas do extinto IBC.

Do melhor ao pior índice de desenvolvimento

Orlando de Mello frisou que a lavoura era o “carro-chefe” da economia regional de Paranavaí, por isso, o impacto foi tão grande. “Eu mesmo não tinha nenhum conhecido, amigo ou parente que trabalhasse com outra cultura que não fosse o café”, assinalou Jurandir de Paula. A falta de diversificação econômica deu ao Noroeste Paranaense reflexos muito negativos. Nos anos 1970, a região encabeçada por Paranavaí teve os piores índices de desenvolvimento do Paraná.

Na década de 1980, a região de Paranavaí perdeu quase 50 mil habitantes (Acervo: Ordem do Carmo)

O que ilustra bem esse fato é uma pesquisa do IBGE que foi lançada em 1980 sobre industrialização e geração de empregos. A microrregião de Paranavaí ocupou a última posição, com uma ínfima contribuição estadual de 0,5% enquanto as regiões de Ponta Grossa e Londrina despontaram com 10,4% e 9,5%. “Na cidade, não tinha emprego, então a gente tinha que ir pra onde dava. Cheguei a passar uma temporada trabalhando em lavouras em Minas Gerais pra poder sobreviver. Tinha mulher e filhos pra sustentar”, argumentou o aposentado Bernardo Ricardi Proença.

Conforme a pecuária se desenvolveu, o homem se afastou cada vez mais do campo. Um estudo do escritor Paulo Marcelo Soares da Silva indicou que nos anos 1980, o gado já ocupava mais de um milhão de hectares na região de Paranavaí enquanto as lavouras mal ultrapassavam 180 mil. “Eu era acostumado a ver muitas plantações e muita gente trabalhando no campo. Isso acabou. O que a gente viu depois foi só boi e deserto”, desabafou Proença.

Paulo Marcelo apontou ausência de uma política oficial para o setor agroindustrial (Foto: Estúdio Guto Costa)

No livro “História de Paranavaí”, o escritor Paulo Marcelo levantou duas hipóteses sobre o declínio econômico de Paranavaí a partir de 1969. A primeira foi a ausência de uma política oficial para o setor agroindustrial. Já a segunda, a adoção de um sistema tributário centralizador que prejudicou os municípios da microrregião, inviabilizando o surgimento de novos incentivos fiscais.

Pesquisadores e pioneiros são unânimes em afirmar que o retrocesso de Paranavaí nos anos 1970 e 1980 teve raízes na supervalorização da monocultura. “Muita gente fez o mesmo depois com a pecuária. Mas o problema é que criar gado só beneficiou uma minoria, não teve um aspecto social, ao contrário da cafeicultura, apesar da exploração do trabalho rural ter surgido na nossa região logo nos primórdios da colonização”, avaliou o sociólogo Otávio Bernal Filho, acrescentando que os nordestinos foram os mais lesados pelas injustiças sociais que transcorriam no campo.

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