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Crime e Castigo à brasileira

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Heitor Dhalia e a interpretação moderna da obra de Dostoiévski

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FIlme apresenta um mundo obscurantista e psicodélico (Foto: Reprodução)

Lançado em 2004, Nina foi o filme de estreia do cineasta Heitor Dhalia. A história, que se desenrola a partir da difícil condição psicológica e emocional de uma jovem mulher, é uma livre interpretação moderna da obra literária Crime e Castigo, do existencialista russo Fiódor Dostoiévski.

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Nina é humilhada o tempo todo por Dona Eulália (Foto: Reprodução)

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A protagonista mantém apenas relações superficiais e efêmeras (Foto: Reprodução)

Nina (Guta Stresser) é uma moça que vive em um mundo obscurantista e psicodélico, onde o convívio social se resume à exaltação de emoções efêmeras e superficiais. Ciente de sua condição, se mantém viva por meio da interiorização e do ato de desenhar, atividade explorada por Dhalia com a intenção de evidenciar a sensibilidade da personagem e despertar reações. Há uma clara referência ao expressionismo alemão e ao gekiga.

Do início ao fim, o filme ressalta as negatividades que a modernidade impõe aos humanos extraordinários através dos ordinários, usurpando-lhes a vivacidade. Como consequência, surge uma solidão avassaladora, envolta por uma redoma de sentimentos como humilhação e ausência de autoestima. Tudo isso se soma a uma austera descrença na humanidade.

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Eulália personifica as imperfeições do mundo contemporâneo (Foto: Reprodução)

A personagem principal, uma versão brasileira à imagem de Rodion Românovitch Raskólnikov, protagonista do romance russo Crime e Castigo, se aproxima da sociedade apenas em momentos de embriaguez ou sob efeito de alucinógenos. Aí se materializa o mundo eletrônico, falsamente colorido, onde as dores da alma encontram refúgio em uma artificial luz de néon. É uma plasticidade que representa fuga e reforça a negação da natureza.

A história tem momentos perturbadores, como nas cenas em que a fragilizada Nina, mesmo calada, admite a si mesma a intemperança emocional, o incólume desejo de matar ou se autodestruir. São situações trazidas à tona, na maior parte do tempo, pela antagonista Dona Eulália (Myrian Muniz), de quem a protagonista é inquilina e por isso se submete a muitas humilhações.

A idosa mesquinha, uma versão 2004 da odiosa usurária Aliena Ivánovna, de Dostoiévski, personifica não apenas as imperfeições do mundo contemporâneo, como a imoralidade do capitalismo selvagem ou as injustiças da sociedade de consumo, mas também valores retrógrados como o despotismo.

Com a primazia de uma estética cinematográfica revolucionária, que materializa emoções a partir de peculiares transformações de cenário e cinegrafia dissonante, Dhalia estreou como cineasta ofertando um inesquecível registro sobre um câncer invisível; doença que reside na existência humana, mas não pode ser aniquilada em uma mesa de cirurgia, nem mesmo tratada com quimioterapia ou radioterapia.

Além das excelentes interpretações de Guta Stresser e da memorável Myrian Muniz, Nina ainda conta com a participação de um grande elenco formado por Milhem Cortez, Abrahão Farc, Juliana Galdino, Heitor Goldflus, Ailton Graça, Sabrina Greve, Luiza Marini, Altamiro Martins, Selton Mello, Wagner Moura, Lázaro Ramos, Matheus Nachtergaele, Walter Portela, Renata Sorrah, Eduardo Semerjian, Nivaldo Todaro e Guilherme Weber. A trilha sonora é do renomado compositor Antonio Pinto, filho do famoso cartunista Ziraldo, que já compôs para mais de 30 filmes, entre obras brasileiras e até hollywoodianas.