Archive for the ‘Amizade’ tag
O menino, o pau e o gato
Menino corria com o pau na mão pra acertar o gato. Aprendeu com o pai que o abandonou que quando um felino “invadisse o quintal era preciso mostrar quem mandava”.
Percebendo que não o alcançaria, lançou o pau. Faltava força. Caiu sobre o pé. Como chorava. De cima do muro, o gato observava o menino chororô.
Já não corria, porque a ameaça inexistia. Lambeu as patas e olhou mais uma vez antes de saltar muro afora. No dia seguinte, lá estava ele perseguindo novamente o gato, de um lado para o outro, até que tropeçou na bola e caiu de bunda na grama.
De novo, o gato só assistia. Lambeu um pouco o pelo acinzentado e desapareceu. Foi assim durante mais alguns dias, até que o menino teve um pesadelo em que o gato corria para a rua e sofria atropelado.
Quando se aproximou, o felino o chamou: “Venha, Natan. Se aproxime de mim.” Surpreso, o menino se abaixou e encostou o rosto pertinho da boca do gato que respirava com dificuldade.
“Você vai morrer?” “Sim, vou morrer porque você me obrigava a correr pra rua.” Natan silenciou e começou a chorar sobre o gato. Quando tentou abraçá-lo, o felino desapareceu como poeira, um buraco se abriu e Natan caiu, até que acordou.
Ficou pensativo na cama. Não sabia por que perseguia tanto o gato que o visitava todos os dias. Os por quês ganhavam formas para onde Natan olhasse – teto, espelho, debaixo da cama, nos livrinhos e nos brinquedos. Não sabia responder.
Quando saiu lá fora e o gato chegou, Natan não correu nem o expulsou. Ficou assistindo o bichano se aproximar com o rabo cheio de carrapicho. Tirou um a um e o gato nem se moveu.
Apenas deitou na grama com a barriga pra cima, deixando o sol aquecer seus pelos. Natan também deitou, sorriu e deu-lhe o nome de Sol, porque, segundo ele, “é quentinho como as manhãs de sol”.
Uma breve amizade com uma barata coruscante
Tive uma breve amizade com uma pequena barata coruscante. Entrei no banheiro e ela parecia me observar diante do batente. Ameacei me aproximar, mas ela não reagiu. Em vez de matá-la, posicionei meu dedo, ela saltou em minha mão, percorreu meu braço e subiu em meu deltoide. Menos de um minuto depois, ela enjoou da nossa amizade, pulou na parede, correu janela afora e desapareceu na escuridão.
O livreiro da Rua Artur Bernardes
De longe, ele parecia um personagem suspeitoso, saído de uma das histórias de Charles Dickens
Pelo menos uma vez por mês, o livreiro João Romani passava em casa, na Rua Artur Bernardes, quando eu tinha nove anos. Por entre os galhos da sete-copas, eu o via atravessando a Rua Silvio Meira e Sá Bezerra e descendo em minha direção, carregando a mesma mala acastanhada, adornada com nomes de dezenas de escritores.
De longe, ele parecia um personagem suspeitoso, saído de uma das histórias de Charles Dickens. Não tinha mais de 35 anos, estatura mediana, pele cor de oliva, um andar peculiar e se vestia como um homem da década de 1920, com seu chapéu fedora cuidadosamente alinhado e paletó cinturado. Junto à mala, sempre trazia um guarda-chuva que podia ser desmontado e usado como bengala.
Quando o conheci, ele estava no portão de casa conversando com minha mãe, oferecendo uma coleção de 16 volumes da Enciclopédia Barsa. Conforme o livreiro falava, num crescente paroxismo, tudo ganhava vida e se tornava mais importante do que realmente era. Ele sorria, gesticulava e movia os pés de um lado para o outro, fazendo da apresentação da enciclopédia uma performance teatralmente didática.
E foi assim que João Romani a convenceu a comprar a coleção numa negociação mais motivada pelos seus métodos de venda do que pela qualidade do produto. Seu poder de convencimento talvez só não superasse suas qualidades humanas mais virtuosas. E naquele dia, ele pediu autorização da minha mãe para descansar por alguns minutos na varanda. Ela consentiu sem pestanejar.
Convidado a entrar, ele sentou em uma cadeira com cordas de nylon e minha mãe foi até a cozinha buscar uma xícara de café enquanto a garoa resplandecia serena sobre o nosso jardim. Antes de abrir a mala, tirou o chapéu da cabeça e o manteve sobre a ponta do guarda-chuva escorado na grade da janela. Ajeitou os cabelos castanhos e ondulados e perguntou meu nome. Respondi e ele deu um grito entusiasmado:
“Uau! Estupendo! David! Será que se seus pais escolheram seu nome por causa do jovem David Copperfield? Você conhece a história dele?” Sorri e, entusiasmado com o seu carisma, questionei se ele falava do mágico ou do menino. “Isto! O menino!”, comentou. Com a simplicidade inerente às crianças, relatei que ele era órfão e sofreu muito porque vivia sozinho no mundo. Apesar disso, acreditava no ser humano, em um mundo melhor.
Muito bom! Sabe de uma coisa, David? Sou de origem romani, cigana, e nós nunca acreditamos que nomes são escolhidos ao acaso. Tenho certeza que o seu diz muito sobre quem você é e vai ser. David Copperfield era extremamente perseverante, um sonhador, e embora eu tenha conhecido você há pouco, acredito que você também será assim. Este nosso encontro tem um significado especial que um dia talvez faça mais sentido na sua vida – declarou o livreiro com uma expressão enigmática que destacou ainda mais seu rosto quadrado e seus olhos grandes e amendoados como o fruto da sete-copas.
Tão rápido minha mãe retornou com o café, João Romani agradeceu e o bebeu em silêncio, observando Happy e Chemmy brincando no jardim, rolando na grama úmida, com olência de jasmim, e teimosamente saltando sobre o canteiro de plantas. Com olhar curioso, o livreiro sorria diante do espetáculo da vida cotidiana. Perscrutava com tanto rigor o trivial que até a mais ordinária das cenas parecia transmitir algo de surreal.
Quando ameacei tirar Happy e Chemmy da grama, evitando que se sujassem mais, ouvi um som duplo e sincronizado. O livreiro estava abrindo a mala. No mesmo instante, me afastei dos dois poodles e me aproximei, intrigado em saber o que ele carregava.
“Olhe, vou contar um segredo. Não costumo mostrar para ninguém o tesouro que carrego comigo, mas como acredito que você seja um genuíno David Copperfield, sei que não há problema”, argumentou, em seguida pedindo que eu fechasse os olhos e estendesse os braços. Logo senti algo plastificado entre meus dedos pequenos.
Sobre as minhas mãos estava um exemplar esmerado de David Copperfield. A capa era esverdeada e trazia instigantes ilustrações das aventuras vividas pelo jovem órfão. Embora eu não entendesse em profundidade a importância daquele momento, fiquei muito feliz em segurar a obra nas mãos. E o semblante de Romani deixou subentendido que eu estava diante de uma oportunidade inestimável.
“É diferente do livro da Escola São Vicente de Paulo. Parece que esse é mais velho e menos colorido. Lembra uma revista antiga, uma cartilha”, comentei sem velar a inocência. O livreiro deu uma breve gargalhada, tirou a obra da embalagem que a protegia e pediu que eu lesse o que estava escrito na capa. “O senhor me desculpe, não sei tanto assim de inglês”, justifiquei. Então ele explicou que não era para eu ler tudo e me mostrou o ano grafado – 1849.
Aquela era a primeira edição de David Copperfield, o maior tesouro da família de João Romani. Seu bisavô Vladimir recebeu o exemplar das mãos do próprio Charles Dickens pouco tempo após o lançamento. “Ele fugiu para a Inglaterra em 1846 e mais tarde conheceu o autor na esquina da Editora Bradbury e Evans, em Londres. Meu bisavô trabalhava como engraxate, e um dia Charles Dickens conversou com ele. Se não me falhe a memória, falou o seguinte antes de entregar David Copperfield: ‘Aqui está uma semente. Quem sabe se torne um presente’”, narrou o livreiro sorrindo.
O jovem cigano encontrou Dickens mais três vezes. No último encontro, o autor fez o garoto de 15 anos chorar quando comentou que talvez tivesse escrito uma história melhor se David Copperfield fosse baseado na vida de Vladimir. Nascido na Romênia, o bisavô de João Romani foi um serf, escravo de um boiardo valaquiano – aristocrata da Transilvânia. Órfão, passou a maior parte da infância realizando serviços domésticos e trabalhando no garimpo em troca de comida, até que um dia conseguiu fugir.
Mesmo ainda criança, fiquei boquiaberto com o relato, e a desenvoltura do livreiro garantia mais realismo à história. O exemplar de David Copperfield, que segurei com as duas mãos, tinha uma dedicatória, e o nome de Vladimir escrito por Charles Dickens figurava sobre o nome do protagonista, num singelo gesto de afeição.
Houve um momento em que o notei com os olhos marejados, se esforçando para não lacrimejar. Fez tanta força que as veias do pescoço saltaram e revelaram uma tatuagem discreta, porém vivida, perto do pescoço. Era baseada em uma combinação de cores que não consegui identificar. Não havia desenho, somente duas palavras – Pacha Dron que descobri há alguns anos que significa O Caminho da Vida.
Logo que a garoa se dissipou, João Romani embalou novamente David Copperfield e o ajeitou dentro da mala com o mesmo esmero que uma mãe dedica ao filho na hora de colocá-lo para dormir no berço. Quando a mala se fechou, senti um ar morno e fugaz acariciando minhas maçãs. O livreiro se levantou, se despediu da minha mãe e eu o acompanhei até o portão. Lá fora, ele estalou os dedos, apontou para mim e falou: “Até logo, David Copperfield!” Deu uma piscadela e desceu a Rua Artur Bernardes como um singular personagem. Se na vinda, e de longe, ele me parecia um tipo de Uriah Heep, na volta, mais lembrava um híbrido de Ham Peggotty e Dr. Strong.
João Romani me visitou ao longo de um ano. Independente de clima e tempo, ele sempre retornava. Um dia, chovia muito quando o livreiro bateu palmas em frente de casa – estava encharcado, desprotegido pelo próprio guarda-chuva tornado arredio pela violência das águas. “Compromisso é compromisso!”, alegou sorrindo. Depois de ouvir uma boa reprimenda de minha mãe, dessas que os pais dão nos filhos mais travessos, ele velou o riso e aceitou cabisbaixo o reproche, até que começamos a rir.
Afeiçoado a um ofício que entrou na sua família por meio do seu bisavô Vladimir, sua maior satisfação era percorrer as ruas vendendo livros. Para ele, nada era mais importante do que o prazer de contar histórias e despertar sensações. Em uma ocasião, quando foi assaltado, entregou todo o dinheiro e se debruçou sobre a mala no meio do asfalto, protegendo os livros; até que os bandidos desapareceram como se nunca tivessem se aproximado dele.
No nosso último encontro, perto do Natal, João Romani me deixou como guardião de uma caneta Fountain que seu bisavô entregou ao seu avô horas antes de falecer. “David Copperfield, essa caneta foi usada por Charles Dickens no rascunho de Grandes Esperanças. Qual maior exemplo de esperança do que ter nas mãos algo que existe desde 1860 ou até antes? Pois é…”, enfatizou. Aquela foi a última vez que vi o livreiro para quem ainda guardo a Fountain.
Oxalá, quando a realidade cessar de existir para mim, como as sombras vaporosas de que a minha imaginação se separa voluntariamente nesta ocasião, eu possa encontrar o que há de verdadeiramente mais importante ao pé de mim, com o dedo levantado a apontar-me o céu! – escreveu Dickens em David Copperfield, num trecho transfigurado por mim.
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O amigo generoso e o exame de HIV
Um ano depois, durante um bate-papo, meu amigo me confidenciou o motivo da generosidade
No ano passado, um amigo me ligou e pediu que eu passasse no seu escritório no final da tarde para buscar uma doação de R$ 200. “Olha, sei que você está sempre ajudando alguém na periferia de Paranavaí, então pegue esse dinheiro e faça alguma boa ação”, disse. Fiquei feliz com a contribuição porque na mesma semana conheci um casal passando um grande sufoco.
Recém-desempregado, o homem me confidenciou que não tinha a mínima ideia de como fariam para comprar comida naquele mês. Admito que me surpreendi com o gesto desse amigo, de quem não conhecia ainda tal qualidade altruísta. Ademais, não é sempre que as pessoas se dispõem a fazer doações sem que ninguém peça nada.
Um ano depois, durante um bate-papo, meu amigo me confidenciou o motivo da generosidade. Um dia antes da doação, ele foi até um laboratório para buscar o resultado de um exame de HIV. Quando chegou a sua vez de ser atendido, uma moça pediu que ele aguardasse um instante.
Rapidamente ela entrou em uma sala e logo retornou com semblante enleado e suspeitoso. Nisso a tensão do meu amigo foi crescendo e crescendo. “Preciso voltar lá dentro de novo. Por favor, senhor, aguarde mais um minuto. A situação não é brincadeira”, declarou enquanto preocupada o observava.
Se passaram dois, três, quatro e cinco minutos, e nada da moça retornar. Nesse ínterim, meu amigo já estava arrancando os fios da barba com uma das mãos e sentindo o mais desagradável dos comichões. Em pouco tempo sua tez ficou lívida e ele não conseguiu evitar de transpirar. Com a mão úmida e escorregadia, tirou o celular do bolso. E por um reflexo inimaginável o aparelho não espatifou no chão. Tremendo e se atrapalhando entre as teclas que pareciam alfabeto rúnico, digitou uma mensagem para a irmã, pedindo que ela orasse fervorosamente por ele.
“Pelamor de Deus! Tô no momento mais difícil da minha vida, minha irmã! Reúna todo mundo aí e se ajoelhem! Chame até os vizinhos! Se ajoelhem com muita vontade! Orem por mim com todas as forças! Não quero morrer!”, teclou, tentando não desfalecer na frente dos estranhos.
Pela sua cabeça passou um turbilhão de pensamentos. Imaginou até o próprio velório num dia frio e chuvoso em que ninguém compareceria porque iriam preferir cobertor e chocolate quente no conforto de casa. “Infiéis! Infiéis!”, gritava de dentro do túmulo ao receber as últimas pás de terra arremessadas por um coveiro corcunda recém-saído de um filme do Ed Wood.
“E assim morrerei, no mais repentino e ligeiro dos esquecimentos”, deduziu no seu drama copioso. “Não! Pera aí, Deus! Por favor! Assim não! Juro que se eu escapar dessa vou dar todo o dinheiro que tenho na minha carteira pra ajudar algum necessitado. Juro em nome de tudo! Juro agora!”, esbravejou no cerne da própria consciência.
De repente, foi interrompido pela atendente e voltou a si. Quando a moça estendeu a mão para entregar-lhe o resultado, meu amigo viu no rosto dela a confusa fisionomia dantes se dissipando, se transformando em expressão de bonomia. Nem parecia a mesma pessoa. “Desculpe pela demora. Não é nada não. É que hoje ficamos com duas funcionárias a menos e o serviço acumulou. Tá tudo certo! O senhor já pode ir. Tenha um excelente dia”, comentou com voz doce e um sorriso esfuziante.
O amor de Zoltán
Preferia cultivar um amor platônico, talvez às avessas na sua peculiaridade heteróclita
Foi num dia das mães que perdi o meu melhor amigo, Zoltán, um poeta vegetariano que nunca se considerou poeta. Embora morássemos na mesma cidade, o conheci por meio da internet em 1999. Tínhamos a mesma idade e inúmeras afinidades. Era um jovem de aspecto tranquilo, mas existencialmente buliçoso. Vivia mais dentro da própria mente do que fora dela. Amava as pessoas, só não fazia muita questão de se aproximar delas. Preferia cultivar um amor platônico, talvez às avessas na sua peculiaridade heteróclita. Começou a escrever sobre os animais e os seres humanos na adolescência, e mesmo com o passar dos anos e centenas de obras arquivadas nunca considerou nada do que produziu como “bom o bastante”. Na realidade, não se via como escritor, mesmo escrevendo melhor do que muitos autores profissionais. Apesar da minha insistência, Zoltán nunca quis participar de concursos, festivais ou procurar editoras que pudessem se interessar pelo seu trabalho. Nutria justa mágoa pelo mercado editorial.
“Eles sempre vão privilegiar os escritores das metrópoles, sujeitos que possam trazer-lhes benefícios em curto prazo. Eles defendem que lá é o berço da universalização. Se debruçam sobre o próprio reflexo, ignorando tudo que é produzido fora dos grandes centros, independente de qualidade. E esse tipo de pensamento é partilhado por muitos escritores, logrados pelo próprio pedantismo. Eu particularmente pouco consigo distinguir entre os chamados grandes autores da atualidade. O que vejo com frequência é o enfadonho excesso de academicismo ou escritores que saíram das ‘páginas literárias’ dos grandes veículos de comunicação. Ou seja, gente do meio que nenhuma dificuldade teve em incluir-se mais ainda nele. E muitas vezes soam elitistas e distantes da população em geral com seu hiperbólico requinte. Não é de se admirar que os brasileiros leiam pouco, se quem produz literatura já cria esse distanciamento. Também temos aqueles que se colocam como baluartes da contracultura e publicam tudo que escrevem, sem o menor critério – coisas que não somos capazes de avaliar porque basicamente não possuem estrutura definida. Há quem qualifique isso como arte revolucionária. A história se repete à exaustão. Não existe espaço para quem segue na contramão disso, então não vejo motivo para que eu me meta em algo assim”, desabafou em uma conversa que tivemos em 2003 em uma rede de Internet Relay Chat (IRC).
Nas poucas vezes que saímos juntos pelas ruas de Paranavaí, alguns conhecidos perguntavam se éramos irmãos, tão insólita era a semelhança, já que além dos traços mediterrâneos e da mesma estatura, tínhamos também postura e comportamento bem parecidos. O cenho sisudo, o olhar insondável, entranhado, e um andar lesto e hermético, de quem percorre mais o próprio interior do que o mundo. Zoltán era tão ponderado que até seu sorriso era versado. Nada nele era exagerado, a não ser o amor que descobriu pela primeira vez em 2007 quando conheceu uma moça de São Paulo da mesma idade. Seu nome era Linda e ela se aproximou dele porque gostou de uma prosa poética que ele publicou em seu blog. No texto, Zoltán abordou o amor genuíno como uma livre forma de existir, isenta de posses, e a partir daí desenvolveu uma parábola sobre um peixe que vivia em um aquário e num dia de enchente saltou da janela, partindo com a correnteza.
“O amor para ser verdadeiro não pode ser afugentado. Ele tem vida própria e está acima dos nossos anseios, da nossa existência. Quer maior prova do que a sobrevivência do amor de um Montecchio e um Capuleto após centenas de anos? O amor é uma das poucas coisas da nossa natureza que resiste à morte porque ele não é palpável, é intangível, pode ser imortal, ao contrário de nós. O ódio nunca vai superar o amor porque ele não frutifica na mesma proporção. Além disso, o que o amor enaltece a cólera corrói; e tudo que é deletério mortifica o homem em vida enquanto o amor na sua pureza o sublima”, dizia meu amigo no paradoxal arrebatamento da serenidade.
Zoltán e Linda conversavam todos os dias pela internet e pelo telefone celular. Sua confiança em mim era tão grande que fazia questão de me relatar em detalhes o que sentia por aquela jovem que despertou nele sentimento inédito. Conforme eu o ouvia, seus olhos rutilavam como bolinhas de serendibite. Ele sorria e ruborizava como um bebê reconhecendo o poder da vida nos olhos da mãe. Em todos os sentidos, Linda fazia jus ao nome, e o que mais extasiava Zoltán era o fato de ter encontrado uma moça que mergulhava em sua essência como ninguém. Sobre ela, começou a escrever todos os dias. Criou obras dos mais diferentes formatos e gêneros. Mas nem tudo ele mostrava ou publicava. “Só envio à Linda o que me afaga o coração”, justificou um dia. A conexão entre os dois era tão profunda que um dia estávamos na rua e Zoltán teve um mau pressentimento, uma sensação ruim que o fez transpirar subitamente numa manhã fria.
Quando ligou para Linda, ele soube que ela estava internada em um hospital por causa de um problema gástrico. Algumas semanas depois, Linda sentiu um mal-estar na casa da tia e teve de se deitar. Mais tarde, ela soube que naquele horário Zoltán se envolveu em um acidente perto do Porto São José, quando seu carro quase foi engolido por uma cratera velada por um amontoado de terra. Apesar da distância, se respeitavam e se amavam, entregues a um relacionamento sem contato físico, alimentado por palavras rapidamente transformadas em emoções, sentimentos e sensações.
Eles faziam planos, mas temiam o que poderia acontecer. Talvez a iminente felicidade os amedrontasse. Linda trazia no coração cicatrizes de um velho relacionamento em que flagrou o ex-namorado a traindo com a melhor amiga. Zoltán, que nunca se interessava por ninguém, tinha uma trajetória de vida em que sempre se viu como o lobo da estepe. Com o passar dos anos, e sem jamais terem se encontrado, continuavam se resguardando. Em 2012, Linda adoeceu e nenhum médico descobriu qual era o seu problema de saúde. Temendo ser um fardo para Zoltán, ela o evitava, chegando a passar meses sem usar o celular. Preocupado, ele enviava mensagens e e-mails demonstrando interesse no bem-estar dela.
Continuou escrevendo sobre Linda, não com a mesma intensidade, porém o suficiente para provar que seu sentimento perseverava imaculado. Um dia testemunhei Zoltán com o rosto umedecido quando Linda publicou um novo comentário em seu blog. Alanceados e sensíveis demais, os dois se completavam como ouro e platina no subsolo dos Montes Urais. “Mesmo com as incertezas do futuro, prefiro ter no coração a plenitude de um sentimento lídimo, que faz de mim um ser humano melhor do que um oco pertinaz motivado a buscar nas noites sinuosas o prazer efêmero que nada toca além da carne”, escreveu.
Zoltán era um Werther maduro, com motivações muito mais genuínas do que o protagonista de Goethe, vencido por uma disforme e equivocada concepção do amor. A maior prova disso foi o que aconteceu no dia das mães de 2014. Vivendo em Curitiba, Zoltán foi encontrado morto em seu apartamento, vitimado por um ataque cardíaco. Só consegui localizar Linda um mês depois e entreguei a ela um e-mail que ele me enviou duas semanas antes de sua morte.
Zoltán tinha um problema cardíaco congênito. E ele sabia que não viveria muito. Porém, optou por não dizer nada a ninguém. Passou seus últimos dias de vida fazendo o que mais gostava – escrevendo. Linda caiu em prantos quando soube da tragédia. Sem saber o que dizer, contei a ela que o céu também desabou quando ele morreu. Naquele dia, saí de casa e ouvi através do som ruidoso e sorumbático dos trovões a voz de Zoltán. A chuva parecia especialmente salgada, como lágrima concentrada. “Meu melhor amigo, como protagonista de uma epopeia, não teve a chance de formar sua própria alcateia. Ainda assim, amando morreu como um tipo superior de Romeu”, concluí.
Hoje me surpreendi com o dia das mães porque com muita chuva e uma sequência de trovões não deixei de ver no céu o rosto de Zoltán carinhosamente descortinado por um véu. “O amor de verdade é uma concessão, sobrevive sem vida e até fora do coração. Ele é nosso enquanto vivemos e torna-se imortal quando morremos. Amar você foi o meu maior presente porque através dele mergulhei no mais sublime sonho fremente”, registrou em um pequeno trecho de um e-mail enviado à Linda.
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Mais reflexão e menos irritação
O que aconteceria se cada um se fechasse no seu mundo de preferências e desprezasse todo o resto?
Fiquei sabendo que um amigo foi ofendido com palavras de baixo calão no Facebook porque emitiu uma opinião respeitosa, embora contrária à da autora de uma enquete sobre política. Psicóloga, a senhora que fomentou o debate não poupou ofensas ao meu amigo apartidário que até então também era seu amigo. Sem dúvida, é uma situação que retrata um exemplo clássico da severa incapacidade em lidar com as diferenças, premissa básica do convívio social.
Tenho amigos que votam nos mais diferentes partidos políticos. Nem por isso me coloco no direito de ofender ou desrespeitar qualquer um deles. Discussões, críticas e piadas sempre surgem, mas sempre evitando extremismos ou apelações. O mesmo posso dizer sobre religião. Convivo com pessoas que amam atividades físicas e outros que simplesmente odeiam. Curto alimentação saudável, nem por isso perturbo quem não gosta, afinal, é uma questão de escolha. Não bebo, não fumo e tenho camaradas que bebem tanto quanto fumam, embora tenham pleno conhecimento das consequências desses hábitos. Poderia citar uma infinidade de outros exemplos, mas o meu objetivo é apenas respaldar uma ideia – a tolerância é o único caminho para assegurar a civilidade.
Diante de situações extremas de intolerância, sempre me pergunto: o que aconteceria com o mundo se cada um se fechasse no seu mundo de preferências e desprezasse todo o resto? Sem dúvida, nos tornaríamos bárbaros, e a julgar pelo avanço do mundo nessa fase definida como hipermodernidade, nos dividiríamos em hordas piores que aquelas que habitaram o mundo no século VI.
Digo pior porque hoje, mais do que nunca, temos recursos para ser cada vez melhores e não o contrário. Se me identifico com cinema “alternativo”, devo virar as costas para quem curte apenas cinema comercial? Se gosto de musculação, é justo me relacionar somente com quem pratica? Se aprecio heavy metal, preciso ignorar tudo que uma pessoa que não simpatiza com o gênero tem a oferecer? Não creio.
Em 2011, o estadunidense J.H. Kietzmann, um estudioso das redes sociais, publicou no jornal Business Horizons, da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, um trabalho bem interessante sobre o assunto. Em uma de suas citações, ele diz que mídias como o Facebook surgiram para permitir uma interação social baseada na criação colaborativa de informação. Veja bem, a afirmação foi baseada em um estudo ainda recente. Infelizmente, isso não resume o que vemos hoje nas redes sociais. O aspecto negativo cresce exponencialmente.
Na internet a intolerância tem motivado muita gente a odiar quem não conhece ou jamais viu. O desrespeito às diferenças tem desfeito amizades e também elevado o número de pessoas desprezando outras por um mero comentário em uma postagem de um amigo em comum. Muitos parecem encarar a falta de contato físico como um pretexto para ofender alguém, esquecendo que por trás da máquina há sempre um ser humano que também pensa e se emociona.
Todo mundo deve conhecer casos de pessoas que deixaram até mesmo de se cumprimentar na rua ou de se falar por uma divergência de opinião em uma publicação em mídias sociais. A impressão que fica é que há bastante gente despreparada em aceitar a preferência alheia. Isso deveria acontecer? Acho que não, a não ser que você tenha uma cabana no seio de uma área de mata nativa e opte por passar o resto de sua vida em ostracismo ou na plena misantropia.
No Facebook, qualquer pessoa com uma lista de contatos está sujeita a receber uma infinidade de informações ao longo do dia, então por que se incomodar com um camarada que se sente bem postando algo sobre um assunto que o agrada? Pode não ser do meu gosto, mas também não me faz mal. Por que não permitir uma opinião contrária a sua? Isso pode enriquecer o diálogo ou pelo menos estimular uma reflexão ou consideração.
Claro, desde que não seja um comentário arbitrário ou agressivo. A rede social também tem o poder de avaliar a nossa paciência, equilíbrio e capacidade em aprender até mesmo sobre coisas com as quais até então não nos importávamos. Não nego que estamos todos sujeitos a condenar determinadas atitudes e cometer excessos nas redes sociais. Porém, isso não significa inaptidão em aperfeiçoar as nossas habilidades de ponderação.
Meu amigo Chico
Ele se despedia, piscava e partia segurando os sacos e correndo de costas
Na fase mais tenra da minha infância, eu tinha amizade com personagens improváveis para alguém da minha idade. Idosos e vendedores ambulantes sempre atraíam minha atenção. Os mais velhos pelas copiosas e esmiuçadas histórias que gostavam de relatar. E os ambulantes pelas altissonantes experiências que faziam questão de compartilhar. Mas hoje quero falar em específico sobre o meu amigo Chico.
Em 1990, Chico passava todos os dias em frente de casa, na Rua Pernambuco, ao final do entardecer. De longe eu via sua roupa lucilando com a incidência vulcânica do sol. Ele corria de um lado para o outro com um par de galochas. Sorria, gesticulava, apontava, ziguezagueava e saltava sobre os meios-fios, arbustos ou qualquer tipo de obstáculo que aparecesse à sua frente.
Chico não tinha mais do que 30 anos, a pele bronzeada, cabelos castanhos ondulados e afogueados na altura da orelha. Seus olhos miúdos e escuros pareciam marias-pretinhas. Sempre que se aproximava de mim, retirava o seu surrado par de luvas, o colocava debaixo do braço esquerdo, segurava minha mão direita com as suas duas mãos, sorria efusivamente e dizia: “Boa tarde, David! Muito bom te ver de novo. O que temos pra hoje, meu amigo?”
Eu retribuía a atenção com um sorriso frugal que destacava boa parte dos dentes, inclusive uma janelinha alinhada ao meu nariz. “Oi, Chico! Tá aqui ó”, respondia com parcimônia. Ele abria um ou dois sacos grandes acinzentados sobre a lixeira, fazia algumas micagens ou trejeitos cômicos e comentava: “Ora, ora, David, quanta coisa boa você comeu esta semana, hein? Continue nesse ritmo e vai se tornar um rapaz mais forte que eu!”
Ele se despedia, piscava e partia segurando os sacos e correndo de costas. A menos de um metro do caminhão, girava o corpo, arremessava cuidadosamente os sacos de lixo e saltava, se apoiando em uma barra lateral esquerda. Acenava pra mim e desaparecia junto com o veículo na curva da Rua Amazonas.
Meu encontro com Chico era no mínimo semanal. De vez em quando, brincando com meus amigos em algum lugar distante de casa, logo que a lua despontava com o poente, eu lembrava do meu compromisso voluntário. “Vixi, o Chico! Ele precisa de mim pra entregar o lixo!” Então eu corria para casa desviando das pessoas nas calçadas, saltando sobre buracos e me esquivando de cães que se sentiam provocados pela minha debandada.
Foi assim que um dia encontrei o caminhão de lixo subindo a Rua Pernambuco, a duas quadras de casa. Quando me viu, Chico pediu que o motorista parasse. Esfregou o punho da mão direita na testa, me chamou e saltou. Como era alto, arqueou ligeiramente as pernas para ficar mais próximo de mim. Frente a frente com ele, me senti um pouco pejoso pela situação. Vendo meu sorriso amarelo e meus olhos retraídos, Chico me deu um tapinha no ombro e falou: “Uau, David! Que demais! Não vai me dizer que você correu tudo isso pra me alcançar? Cara, você é um atleta! O que acha de um passeio rápido de caminhão? Será que seus pais vão brigar?”
A verdade é que eu não tinha a mínima ideia do que eles achariam, mas respondi instantaneamente com a cabeça que não enquanto sentia um comichão de alegria percorrer todo o meu corpo. Meus dedos miúdos se entrelaçavam dentro da botinha camuflada do Rambo. Era impossível desfazer o sorriso. Fiquei tão emocionado e banzado que percebi o maxilar acalorado. Chico e seus dois companheiros de labuta se divertiam com a minha reação. Notei pelo riso fácil e espalhafatoso. Em poucos segundos, me vi sobre uma enorme barra de apoio frisada com uma largura que garantia segurança para pés até quatro vezes maiores que os meus.
Chico pediu que eu apoiasse as mãos miúdas com firmeza numa barra lateral tão longa e maciça para a minha pequenez que era impossível fazer as pontas dos meus dedos encostarem na minha palma. Ao mesmo tempo, ele me segurava com uma das mãos que cobriam minhas costas quase que completamente. Eu me sentia imponente sobre a traseira do caminhão de lixo. Era como se aquela máquina de ferro fosse uma extensão da força que eu sonhara em ter.
Lembrei do Bumblebee da primeira geração de Transformers lançada na década de 1980, meu robozinho já velho que assim como o caminhão também era amarelo. “Sou o Bumbleblee! Sou o Bumblebee! Sou o Bumblebee!”, gritava euforicamente dentro da minha própria consciência. Queria mesmo era ficar pulando, só que não podia correr riscos nem preocupar ninguém. Naqueles menos de 200 metros até chegar em casa, nem o mau cheiro exalado por alimentos orgânicos podres, principalmente restos de ovos, legumes e tubérculos, me incomodou. Tudo parecia portentoso demais para que eu me preocupasse com algo tão liliputiano.
Em frente de casa, Chico me colocou no chão, pegou um saco grande sobre a lixeira, sorriu e seguiu sua jornada, acenando com uma luva puída e toldada. Ocasionalmente, Chico me trazia presentes. Não esqueço de um caminhãozinho de lixo e um tratorzinho que me deu, meus brinquedos preferidos ao longo de alguns meses. Minha mãe retribuía seu carinho com alimentos e roupas. Também destinava algo aos colegas de trabalho dele.
Um dia me vesti de Change Dragon, do Esquadrão Relâmpago Changeman, uma das minhas séries preferidas de tokusatsu, e sentei no meio-fio segurando a change fogo, minha pistola de plástico. Ao me ver, a feição de Chico mudou. Espavorido, se aproximou e colocou as palmas das mãos para a frente, na tentativa de se proteger. Se escondeu ao lado do caminhão duas vezes, mudando de posição, arqueando o corpo e abugalhando os olhos.
“Agora vou me aproximar… Por favor, não atire, David! Aqui é seu amigo Chico. Olhe, tenho balas 7 Belo. Vamos fazer uma troca. Você fica com as balas e eu com a minha vida, ok? Não vamos nos precipitar. Não sou nenhum Gyodai da vida”, argumentou, já de joelhos, numa interpretação inesquecível. Quando comecei a gargalhar, a direcionar a cabeça ao céu azul e límpido e encostar as duas mãos na barriga, deitando as costas na calçada, Chico riu junto e me entregou algumas balas.
Em seguida, sugeriu que eu jamais aguardasse o inimigo sentado, porque poderia ser surpreendido. “Tem que se manter em estado de vigília, meu amigão!”, recomendou. Com o tempo, meu sonho de curto prazo passou a ser galochas como as do Chico. Insisti tanto que minha mãe me deu um par. Eu as calçava e me sentia indômito ao me ver no espelho – mais imponente que a turma do Capitão Planeta. No meu universo diminuto, uma galocha não era apenas uma galocha. Era a projeção de um mundo de fantasias, onde eu me via mais alto, mais forte, mais matreiro, mais inteligente e mais rápido. Nunca que eu a consideraria somente como um calçado de borracha. Seria uma blasfêmia.
A primeira vez que me viu de galochas, Chico assobiou para os dois colegas em cima do caminhão, apontou pra mim e gritou: “Olhem, pessoal! O David agora faz parte do nosso clube. Tá preparado pra ser um herói na selva urbana de Paranavaí!” A frase me marcou tanto que eu não queria mais tirar as galochas dos pés. Pedia até para ir com elas à Casa Moreira, na Rua Manoel Ribas, fazer compras com minha mãe. Ela deixava, claro que não sempre, e eu acreditava, com o respaldo do meu candor, que mostrava ao mundo que eu era um grande aventureiro. Afinal, no meu ideário meninil, eu fazia parte da casta dos heróis que usavam a força para livrar a cidade dos monstros que eu idealizava a partir do lixo.
Porém, num dia de 1991, eu estava sentado em uma mureta. O caminhão passou e Chico não saltou. Ele não estava lá. O vácuo da sua ausência parecia alargado por uma corrente de ar que agitava o vazio de um espaço inabitado na traseira do caminhão amarelo. Passou mais um mês e Chico não apareceu. Então comecei a aceitar o fato de que talvez eu nunca mais o visse.
Numa manhã de outono, eu estava na cozinha comendo um pão francês quando ouvi alguém batendo palmas. Caminhei até o portão e levei um susto ao ver Chico mais magro e sem o seu tradicional uniforme de herói urbano. “Bom dia, David. Desculpe interromper o seu café da manhã. Um colega me falou que você ainda me espera em frente à sua casa. Perdão por não ter avisado antes, meu querido amigo. Me colocaram para trabalhar longe da sua casa, em outra cidade. Mas veja que legal! Agora tenho meu próprio caminhão e posso ajudar muito mais pessoas”, justificou.
Fiquei feliz em vê-lo e o abracei. Seus olhos, assim como os meus, ficaram úmidos e lustrosos como bolas de bilhar. Antes de nos despedirmos, ainda disse: “David, deixa eu te contar uma coisa talvez interessante. Sabe por que recolhi lixo por tanto tempo? Porque era o que meu pai fazia e o pai dele também. O lixo nunca foi ou vai ser apenas lixo. Nele encontro sonhos, desejos, desilusões, vazios e esperanças de tanta gente. Em cada saco há pedacinhos de vida, amores, escolhas, preocupações, bem-querença, alegria, tristeza e insegurança. No lixo vejo a fragilidade e a força dos seres. É a minha escola, meu amigo. Nunca deixe de ver coração naquilo que nos toma pela razão, porque uma vida que não irradia emoção é o gatilho da solidão.”
Depois daquele dia, nunca mais vi Chico. Fiquei sabendo meses depois que ele se mudou para Curitiba. Motivado por boa intenção, mentiu sobre a história do caminhão. Segundo a empresa, foi demitido porque suas brincadeiras atrasavam o serviço, custavam tempo. A verdade é que Chico perdeu o emprego porque era humano, demasiado humano.
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